LENDÁRIO
Nas profundezas da floresta amazônica eles viviam desde tempos imemoriais. Nasciam, viviam em comunidades auto-sustentáveis, apaixonavam-se, tinham suas próprias políticas, ritos de passagem, festas, deuses bons e ruins e as lendas. Como forma de avanço tecnológico eles usavam o tambor e a fumaça para comunicação.
O lugar criado pelos deuses que os deixaram incumbidos de proteger e cuidar de toda aquela riqueza sem fim. Os índios não a entendiam como algo apenas para ser preservado ou cuidado, mas para ser reverenciado, pois aquela porção de terra fértil era o maior entre os maiores presentes que o mundo havia recebido.
Suas lendas, não eram lendas. Eram relatos de coisas acontecidas no mais profundo da Floresta quando esta ainda sequer tinha um nome, quando eles ainda não tinham a linguagem, pode-se mesmo dizer que a Floresta era a própria lenda e era parte deles assim como eles eram parte dela. Talvez, por isso eles eram os protetores naturais daquele lugar sagrado.
Havia, portanto a lenda profética da índia que apaixonada pelo curupira daria a luz a uma criança salvadora nos tempos em que a floresta julgasse necessário o acontecimento. Os indígenas conheciam essa e outras lendas, como a da criança que controlaria os animais ferozes de dentro dos homens, mas que por isso mesmo era tão ou mais perigosa que a fera que habita a todos nós.
É aqui que nossa história começa.
Kaolin nasceu numa noite estrelada de uma época seca. Os homens de sua tribo lhe deram esse nome, pois desde criança ela foi abençoada com uma beleza sem igual. Criada com a liberdade e convivendo com os bichos e a flora, a menina desenvolveu uma fascinação e um amor por todos os elementos que a rodeavam.
A menina adorava as noites de festa, onde quando criança sentava-se em volta de uma grande fogueira e ouvia histórias de seres mágicos e protetores furiosos, mas bondosos. O seu preferido era o curupira, ela adorava as histórias em que o ser atormentava quem queria lucrar ou macular a Floresta. Ela tinha vontade de viver e aprender com eles como defender todo o verde que sabia da boca dos mais velhos já ser ameaçado.
Cresceu saudável, audaz, inteligente e participativa. Como seu nome deixava saber, ela era a moça mais bonita de toda a aldeia, perto de sua maioridade o pajé a chamou para lhe falar sobre os deveres como mulher e sobre os muitos pretendentes que esperavam por sua resposta.
A conversa foi longa, ela não queria casar. Queria viver isolada na floresta protegendo-a, queria aprender a caçar como os bichos faziam, queria aprender a atirar com arco e flecha e defender a amada floresta. O pajé a escutava atentamente e tentou demovê-la desta ideia, ela seria muito mais útil na aldeia, mas ela discordava. Queria mais, muito mais do que apenas parir. Kaolin queria viver.
No dia em que Kaolin voltava do banho do Igarapé próximo de sua aldeia ainda secando os cabelos diligentemente ela viu uma figura assustadoramente linda atrás da grande árvore da vida. Kaolin a olhou atenta, estava desprotegida caso precisasse se defender e por isso havia medo em seu ser.
Com os passos gentis e cuidadosos ela se aproximava lentamente daquela figura estranhamente encantadora, a própria figura que só que podia ser mágica não a havia visto. Kaolin se esgueirou como bicho por trás de árvores até se aproximar da coisa que despertava sua curiosidade.
Viu então aquela enorme criatura. O corpo enorme e musculoso era todo verde e como se ele tivesse sido pintado por tintas especiais sua pele era como a de uma cobra, Kaolin não conseguia ver o rosto, mas desconfiava do que via, era a descrição do Curupira, com seu corpo verde e cabelos da cor do fogo. Foi nesse momento que suspirou um pouco mais alto e somente de relance conseguiu ver o rosto dele, pois o ser já corria desabalado pelo meio dos matagais e se escondia habilmente dos olhos da índia curiosa e bonita.
Kaolin o procurou ainda sem medo de encontrar, olhou para os lados, tentou falar em sua língua que só queria que ele a ensinasse a proteger a floresta, mas o ser não apareceu. Ela sentia um leve cheiro adocicado de baunilha tomando o ar e quando se virava para ir embora o Curupira assoviou.
Ela ficou paralisada de medo, mas um medo estranho que não a fazia correr como quando via porcos do mato, cobras ou outros bichos perigosos, sentia medo apenas do significado daquela resposta em forma de assovio fino como o de um pássaro ameaçador. Baixou a cabeça e pediu que a Deusa da Lua a guardasse de qualquer mal. Foi então que sentiu em seu ombro o peso da mão do Curupira.
Segundo as lendas contadas em sua aldeia, ele seqüestrava crianças para ensiná-las como defender as matas e as devolvia depois de sete anos de treinamento. Kaolin conversou com o ser, falou das lendas e de suas vontades. Ele confirmou que realmente treinava crianças, mas não só elas e foi assim que por sete anos a índia treinou e treinou e se transformou numa guerreira sem precedentes.
Voltou a sua aldeia depois de sete anos daquele banho de igarapé. Agora ela também pintava o seu corpo como as cobras verdes que se disfarçam por entre as árvores, estava mais robusta, mais mulher e era mãe de um pequeno bebê. As pessoas de sua tribo a receberam e vendo a criança com o topete ruivo e a boca de coração, sabiam que ela só podia ser filha do curupira com Kaolin.
Kaolin disse que o curupira viria ensinar toda a aldeia as táticas de proteção, mas enquanto falava um grande estrondo foi ouvido bem perto, a índia que agora era uma guerreira valente conseguiu matar dois dos homens que chegaram a aldeia atirando com armas de fogo, matando indiscriminadamente crianças, jovens e idosos.
Sete anos de treinamento e infelizmente, mesmo com as pinturas mágicas em seu corpo, o tiro atingiu em cheio o seio esquerdo onde seu filho mamava.
Dois dias depois o menino foi encontrado por missionários que tinham começado a manter contato com a tribo de Kaolin durante sua ausência. Salvaram a criança sem saber que ele, por excelência, é um protetor das matas.
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Em 1826 o bergatim Brinquedo dos Meninos faria a sua última viagem de horrores no oceano. Por vinte e seis anos o barco atravessou o oceano do Brasil para Portugal e África, aprisionando africanos para serem vendidos nos mercados de escravos do Brasil.
Mas naquela viagem eles traziam amarrado e amordaçado, por pura superstição, o homem de nome Xoloni que havia sido vendido como preto possuidor de poderes místicos. No início nenhum deles acreditou, principalmente o capitão do navio, mas depois de o homem ter enlouquecido e se jogado ao mar por causa dos cochichos do feiticeiro resolveram matar o negro que para eles não passava de um pequeno prejuízo.
Dominado enquanto dormia, Xoloni tinha como única arma suas palavras que não podiam ser pronunciadas por causa da corda em sua boca. Ele sabia que morreria, mas mataria a todos quando conseguisse roer a fibra que o mantinha amordaçado e sem acesso aos seus grandes, poderíamos até mesmo dizer: os seus enormes poderes.
Xoloni vinha de uma extensa linhagem de feiticeiros poderosos da África, havia aprendido sobre os voodoos, sobre os loas e a terra de Danbala para onde iria depois de morto. Xoloni sabia que preferia isso a ir para uma terra de horrores que lhe foi mostrada em sonho na qual seria usado até a exaustão sem jamais conseguir o mínimo de dignidade com isso.
Então, pôs em curso uma pequena magia, pequena para ele que era capaz de muito mais. Os ventos sopraram mais fortes ali no meio do mar onde somente se sentia o gosto da água, as duas velas do barco o tiraram da rota mesmo com toda a força dos marinheiros empregados em controlar o objeto.
O que eles não sabiam é que estavam na mão da Grande Sereia do oceano invocada por Xoloni. Em tempo humano, não demorou mais do que meia hora, mas a sereia se movia lentamente em seu baile aquático e orquestrara naquele período a longa e dolorosa morte de todos os brancos que capturaram os filhos de sua terra.
Xoloni ouviu o canto da sereia, alguns do cativos também o ouviram e acalmaram-se no porão fétido, antes abarrotado de dor, sujeiras, inclemência e monstruosidades os homens deram-se as mãos, estavam preparados para morar no mar com La Sirene.
Qualquer espectador daquele episódio diria que o Brinquedo dos Meninos mesmo com tanto tempo de uso ainda era um barco capaz de transportar mais homens negros capturados. Aquele não era o primeiro navio negreiro que afundaria, mas a diferença gritante é que aquele era o primeiro que afundaria pela força de vontade dos homens que acreditavam na força de uma sereia encantada que os levaria para viver nas terras dos Loas.
La Sirene virou o rabo com as ondas causadas por sua cauda magnífica. Amparou em sua mão direita todos os seus filhos, inclusive Xoloni que agora não tinha mais cordas lhe prendendo. Engoliu todos os homens de pele branca e enquanto afundava no mar lançou ela mesma uma maldição ao único homem branco que jazia desacordado em cima de um pedaço do barco.
Ele se tornaria uma fera em noites de Lua Cheia e mesmo que encontrasse o amor de uma donzela, não teria paz, pois sua sina era ser controlado por esse amor e ver sua amada se deteriorando contaminada pela mágica maldita de sua transformação. Ele pagaria por ter ajudado a aprisionar tantos e tantos filhos da África!
Esse é um novo projeto meu e do Thi4goRodrigu3s e juntos nós vamos falar um pouquinho de mitologia BR que é tão rica e pouco explorada.
Esperamos entregar uma coisa bacana pra vocês lerem, mas não quer dizer que seja agora, hehe. Fiquem com essa introdução aí e sintam um pouco do clima que iremos entregar.
Até Breve!!
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