8 | A história de Phillip

A semana parece se arrastar. Apenas na sexta consigo um horário para conversar com o doutor McNamara, mas até que o dia chegue tenho me trancado em meu quarto ou na biblioteca. Evitando todas as pessoas, inclusive Phillip, principalmente Phillip.

Meu coração ainda erra todas as batidas quando sequer penso nele, mas não dou meu braço a torcer, não quando Ísis continua ali avaliando cada passo que dou como uma coruja do mal.

Depois de uma manhã tranquila, saio da loja no horário do almoço e caminho até um bom restaurante, onde o advogado insistiu em me encontrar. Sigo até a mesa de canto onde ele me espera e aperto sua mão. 

— Obrigada por me encontrar doutor McNamara. — Cumprimento.

— É um prazer revê-la senhorita Fairchild. Como tem sido os dias na mansão? Já se acostumou que tudo aquilo agora é seu?

— É justamente sobre isso que gostaria de falar, até onde tudo aquilo é meu. Ísis insiste pelos seus direitos e diz que não posso tirá-la de sua casa. Especialmente devido às condições que meu tio impôs, ela diz que até que tudo esteja concluído a casa é tão dela quanto minha…

— Isso não é verdade, senhorita Fairchild, a casa é sua. Desde a morte do seu tio a casa é sua. Ela deixará de ser sua caso não cumpra com seus deveres e não o contrário, e mesmo assim seu a casa não seria de Ísis, não imediatamente. Seu tio é muito específico quanto a isso. Você pode colocá-la na rua quando bem entender e tenho certeza que Ísis sabe muito bem disso. — O advogado esclarece.

Eu já esperava por algo do tipo, na verdade, Ísis é esperta e sabe jogar, aquela maldita cobra entende muito bem sobre como manipular pessoas para conseguir o que quer.

Continuamos o almoço falando sobre a herança e sobre meu tio, logo quando terminamos o advogado insiste em pagar a conta e se despede.

— Obrigada por tudo, doutor McNamara. 

— Aproveite sua herança senhorita Fairchild, seu tio ficaria feliz de te ver fazendo bom proveito da mansão — diz ele com um sorriso antes de se afastar.

O observo partir e me levanto logo atrás dele, decidida em expulsar Ísis logo que eu voltar para casa, aquela mulher não ficará nem mais um minuto me fazendo de idiota e me impondo suas vontades. 

Estou na porta do restaurante quando ouço a voz grave e masculina chamar meu nome. Viro novamente e noto meu celular estendido na minha direção, estou pronta para agradecer quando percebo quem o segura, Matthew. E o sorriso no seu rosto é indicativo o suficiente para eu saber, ele escutou cada palavra da minha conversa. 

A irritação me persegue durante o resto do dia, acompanhada do medo de que a qualquer momento Matthew adentre pelas portas fazendo uma grande cena. Ele não faz nada, por enquanto, mas sinto que tudo é uma questão de tempo.

Quando chego de volta a mansão, minhas mãos ainda estão suando devido ao nervoso, porém, ao menos percebo que não será necessário arrastar Ísis para fora da casa, uma vez que suas malas estão sendo uma vez mais colocadas no carro.

— Já vai Ísis? — Encaro-a com um sorriso matreiro.

— Por sua sorte já consegui resolver minha situação — ela insiste, como se estivesse me fazendo um grande favor.

— Não Ísis, por SUA sorte. Falei com o advogado e não quero que coloque os pés de novo em minha casa, está me entendendo? Na próxima vez que pisar aqui eu não serei tão boazinha quanto tenho sido.

— Claro, certo — ela diz como se não se importasse e faz um aceno de mãos, mas seus olhos entregam seus verdadeiros sentimentos e queimam de ódio. 

Ísis se afasta e entra no carro saindo da mansão. De alguma forma sinto que ela está um passo na frente de mim, é quase como se ela soubesse que eu iria conversar com o advogado hoje, como se ela soubesse de cada passo que dou, isso me assusta e me intriga na mesma medida.

 Entro na casa pensativa, sem olhar para onde ando e dou de cara com algo. Ergo os olhos, não é “algo” é alguém… Phillip. 

Na mesma hora meu coração se acelera, batendo rápido como um tambor e ameaçando sair por minha boca. O evitei a semana inteira, sabendo que não conseguiria resistir a ele. Seus olhos me encaram por um momento antes que ele se afaste e se curve ligeiramente. 

— Boa noite, jovem senhora. 

— Boa noite, Phillip… — Digo e antes que eu possa continuar, ele se prepara para sair. 

— Phillip — chamo alto seu nome e ele se vira, ainda com a mesma expressão estoica — Podemos conversar? 

Seu semblante muda e por um momento ele parece realmente triste. 

— Estou ocupado agora, jovem senhora. 

— Mais tarde, no centro do labirinto. Onze horas da noite, quando todos já tiverem ido dormir. 

— Estarei… — Ele começa e eu o corto.

— É uma ordem Phillip. É uma ordem da sua rainha.

Ele abre a boca para dizer algo, e eu temo as palavras que podem sair por seus lábios. Fecho os olhos e imploro mentalmente que ele não diga que não sou sua mestra mais. Ele não diz, Phillip não diz coisa alguma, apenas se curva outra vez e sai, apressado.

Vou para meu quarto incapaz de comer, incapaz de fazer qualquer coisa. Meus dedos tremem de nervoso. Deito em minha cama e encaro o teto do quarto, abro o computador e pesquiso sobre relações entre dominadora e submisso.

Encontro algumas coisas, fotos com homens de quatro e mulheres sentadas em suas costas, vídeos de mulheres usando máscaras e roupas de couro, fazendo todo tipo de coisa com seus… escravos. Leio relatos em sites e adentro o máximo que posso em poucas horas. Quando dou por mim, já está quase na hora de encontrar Phillip, ou pelo menos esperar que ele vá ao meu encontro, uma vez que ele não confirmou sua presença.

Tomo um banho e coloco um vestido preto, provocante. Saio do quarto e vejo todas as luzes da casa apagadas, inclusive a luz do quarto de Phillip, não sei se isso é um sinal bom ou ruim a essa altura. Desço cuidadosamente as escadas usando a luz da lanterna do meu celular e caminho até o labirinto.

A cada passo dado por mim, meu coração acelera mais, medo e expectativa tomando conta do meu corpo. Demora algum tempo para que eu chegue ao centro… E não encontre ninguém ali.

Me sento na grama que cobre o chão, cruzo as pernas e aguardo que Phillip apareça. Meu coração parece despencar a cada minuto. Quando percebo já são três da manhã, sei que ele não vem, mesmo assim me recuso a sair dali, deito no chão e encaro as estrelas acima de mim, uma lágrima escapa dos meus olhos e deixo que ela escorra até pingar sobre a grama macia. 

Olho em direção à casa e quase tudo parece apagado, morto e sem vida. Exceto por um único cômodo, no alto da residência, é possível ver a luz acesa apesar da cortina escura tampando a janela.

Cortina escura? Me levanto e corro pelo labirinto, por dentro da casa e subo os degraus com pressa. Tropeço no último e quase caio de cara no chão, devido à falta de luz, mas ignoro a pontada de dor no meu tornozelo, isso não é importante no momento. 

Paro em frente a porta, a luz aparecendo pela fresta embaixo dela. Não me importo com o que encontrarei ali quando viro a maçaneta, será que ele se cansou de mim? Ele foi realmente tão rápido em encontrar outra pessoa? Abro a porta e me deparo com…

Phillip, sentado no chão, de costas para mim, ao redor de uma bagunça de papéis, cadernos e coisas embaladas em sacos plásticos.

— O que é tudo isso? — Pergunto e ele dá um pulo.

Entro no quarto, fecho a porta atrás de mim, me aproximo e puxo um dos cadernos, Phillip não me impede. Reconheço a caligrafia no mesmo instante, tio Edmund, é um diário de tio Edmund. 

— O que está fazendo com isso Phillip? — pergunto com o cenho franzido e ele me encara, sem responder por um tempo, então finalmente diz.

— Não acredito que seu tio tenha morrido de causas naturais. Ele era saudável demais, comia direito e fazia exercícios. Eu… Pesquisei algumas coisas e... — Phillip deixa a frase morrer, inacabada, mas não é necessário que ele diga com todas as letras para que eu entenda aonde quer chegar.

— Você acha que alguém o matou — arregalo os olhos com a implicação do que isso significa, claro, é por isso que Phillip foi tão bruto comigo quando nos conhecemos. 

Um nome então vem na minha mente. 

— Ísis, você acha que Ísis o matou.

— Ela tinha motivo e oportunidade. Dizem que a esposa é sempre a maior suspeita.

— Onde viu isso? Um livro da Agatha Christie? — Pergunto e ele ruboriza — porque está fazendo isso, Phillip? Quem é você? Qual era honestamente sua relação com meu tio?

— Ele era como um pai para mim, droga, ele fez muito mais por mim do que meu pai faria — ele diz e eu me surpreendo, espero que ele continue e depois de algum tempo ele o faz.

— Nasci de uma mulher japonesa, viemos para os Estados Unidos quando ainda era criança, fugimos do Japão. Minha mãe… Se envolveu com as pessoas erradas e precisou fugir — ele faz uma pausa.

— É apenas uma teoria minha, uma vez que não tenho ninguém para me dizer com certeza, mas acho que meu pai era um membro da Yakuza, ou ao menos próximo de alguém que era da máfia japonesa. 

Phillip faz uma pausa, lembrando da sua infância e demora alguns segundos para que ele continue.

— Eu ainda era um bebê quando nos mudamos para cá, então não conheço a história completa. Mudamos de nomes e minha mãe recomeçou a vida. Estava indo tudo bem, mas eventualmente eu a pegava nervosa ao telefone, falando em japonês e algumas vezes gritando… Eu sabia que tinha algo relacionado a mim e ao meu pai, eu entendia muito poucas palavras, mas entre elas estava a palavra, que nunca podia ser repetida, Yakuza. Eu tinha sete anos a essa altura, tínhamos uma boa vida, sem luxos, mas eu era feliz. 

“Um dia ela simplesmente disse que precisaria ir para o Japão, precisava voltar e resolver assuntos que estacam pendentes. Ela não me contou o que era, mas nunca voltou. Nunca soube se ela simplesmente me abandonou ou morreu por lá, de qualquer forma, também nunca tive ninguém atrás de mim. Continuei a viver, mas eu não trabalhava, não tinha idade para isso e uma hora as reservas que minha mãe escondia pela casa acabaram. Não tinha como pagar o aluguel, não tinha como me alimentar. Tentei dar um jeito, mas… eu não era bom o suficiente em arrumar dinheiro de forma ilegal. Sai de casa antes que alguém me encontrasse e me levasse para um orfanato. Procurei alguns amigos da escola, disse que minha mãe tinha me expulsado e consegui passar um tempo assim, mas alguém acabou descobrindo que minha mãe não tinha me expulsado realmente, ela tinha… Me abandonado.”

“Fugi da casa do meu amigo, com medo de ser levado para um orfanato. Não deixei que soubessem que eu já sabia de tudo e sai na calada da noite. Dei sorte. Nenhum bandido me abordou, mas também, o que alguém poderia querer com um moleque como eu. Passei a noite ao relento, sem casa, sem um lugar para voltar, sem família, eu tinha dez anos e não sabia o que fazer. No terceiro dia, cruzei com seu tio, eu estava… tentando dar um jeito, estava com fome e precisava fazer alguma coisa. Ele parecia ter dinheiro, então tentei afanar sua carteira. Eu nunca havia feito isso na vida, não era bom nisso. Ele me pegou, mas não brigou comigo nem me bateu como imaginei que faria, ele me levou para um café e me alimentou.”

“Meus olhos brilharam, comi muito naquele dia, comi pelos três dias que não comia nada. Seu tio perguntou minha história, e eu acabei contando. Ele sabia como persuadir alguém a dizer o que queria ouvir. No final, quando acabei, ele me ofereceu um lugar para ficar. Me recusei a passar pelo processo de adoção, então ele simplesmente me deixou, viver aqui. Quando completei 15 anos, insisti para fazer parte da equipe de funcionários. Foi assim desde então. Sempre fui grato a ele, ele salvou minha vida. Não posso deixar isso assim, preciso descobrir o que realmente aconteceu Senhora. Por mim mais do que por ele.”

— Como eu nunca te vi quando estava aqui na casa?

— Sempre evitei as pessoas, sabia que havia alguém, uma sobrinha… Não percebi que era a mesma pessoa quando a gente se conheceu, não antes de você dizer e depois disso não parecia fazer diferença mais.

— Sinto muito Phillip, por tudo o que passou. Entendo que queira investigar a morte do tio Edmund, mas… está preparado para que isso não dê em nada?

— Sim, sei que tem essa possibilidade, Senhora, mas sinto… No fundo do meu coração. Sei que não foi apenas uma morte natural.

— Sendo assim, farei o possível para te ajudar, Phillip. 

Fico em silêncio e Phillip me encara, meus olhos encaram os seus e sinto tanta vontade de o tocar que dói, faz apenas uma semana que estamos longe, ainda assim, meu corpo parece com um viciado sofrendo de abstinência. 

— Por que não foi se encontrar comigo Phillip? — Pergunto e ele arregala os olhos. 

Vim trazer para vocês apenas uma curiosidade sobre a história de Phillip (que ele não sabe então não será citado no texto) na verdade quem era da Yakuza era sua mãe, ela fugiu e isso trouxe problemas para ela. Quando ela volta ao Japão, faz isso para pagar por ter fugido e garantir que Phillip seja deixado em paz.

Beijos, a autora.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top