2 | Mansão Fairchild

Chego em meu pequeno apartamento e não consigo deixar de me sentir envergonhada. Não sei exatamente quem Phillip é, mas sua roupa perfeitamente alinhada e passada, além de sua expressão de profundo horror, me indicam que ele não está acostumado a um lugar desordenado como está minha casa nesse momento.

Uma parte de mim quer explicar que não vivo num chiqueiro normalmente, ontem foi um dia atípico em que peguei meu noivo na cama com outra mulher e isso deveria ser um passe livre para deixar as coisas desordenadas, outra parte de mim, no entanto, quer mandá-lo a merda. Quem ele pensa que é para me julgar assim afinal? Ele nem me conhece direito.

Por fim, opto por não fazer nenhuma das duas coisas, apenas pego rápido qualquer item que pode ser importante, roupas, documentos, produtos de beleza enfim, tudo o que me faz ser eu mesma. Em seguida saio praticamente empurrando o homem para fora da minha casa e trancando-a em seguida.

— Agora podemos ir — revelo, carregada de duas malas e uma mochila. Não posso deixar de notar que Phillip não se oferece para me ajudar.

Seguimos viagem até a mansão no suburban que Phillip dirige, nem mesmo ousei ponderar a possibilidade de ir no meu marea caindo aos pedaços, provavelmente Phillip nasceu em berço de ouro, duvido que esteja acostumado a casas bagunçadas e carros velhos, visto a sua reação exagerada, imagino sua cara ao me ver dirigindo meu pobre carro que um dia teve uma pintura azul e uma risadinha sai pelos meus lábios.

A viagem segue em silêncio e tento o possível para ignorar meu celular tocando repetidamente, assim como tento ignorar o belo e misterioso homem ao meu lado. As dúvidas em relação a ele parecem aumentar cada vez mais. Porque um homem com tanta classe estaria indo me buscar? Qual é a relação desse jovem com meu tio e com a residência? Perguntas e mais perguntas enchem minha cabeça.

— Phillip não é um nome asiático — acabo soltando quando meus pensamentos fervilham demais.

— Fico feliz que percebeu, jovem senhora — responde, cínico.

— Desculpe se soei mal, é que você tem traços asiáticos, mas seu nome…  

— Esse não é meu nome de nascimento, jovem senhora — me interrompe, espero que continue, mas não o faz.

O silêncio parece tentar retornar, cortado apenas pelo zumbido insistente que meu celular persiste em fazer. 

— Você deveria atender o telefone. O zumbido está atrapalhando a minha concentração — diz Phillip, com o tom de voz sério.

— Não quero atender o telefone Phillip — suspiro, lembrando-me da cena que presenciei um dia antes e sabendo quem é que está do outro lado da linha. — Peguei meu noivo na cama com outra mulher, ontem. É ele que está me ligando.

— Desligue o aparelho então — responde ele, no mesmo tom de voz frio.

Não me dou ao trabalho de dizer qualquer outra coisa, apenas desligo o aparelho e envolto minha cabeça no vidro do carro. Tudo parece estar dando errado na minha vida, a única coisa boa é essa herança, que por si só já advém de uma outra tragédia e de toda forma só serei realmente possuidora daqui a dois anos. Fecho os olhos por um momento, o cansaço atingindo meu corpo com força.

— Jovem senhorita, acorde — sinto mãos masculinas fortes em meus ombros enquanto a voz me desperta. 

Ergo meus olhos em direção a Phillip, que está me encarando com a mesma expressão estoica. 

— Chegamos — responde e se afasta bruscamente, retirando sua mão da minha pele quase como se eu fosse um bicho, um bicho pegando fogo, ignoro a sensação ruim e apenas saio do carro.

Olho em volta, a mansão é exatamente como eu me lembro, a construção parece um misto de antigo e moderno ao mesmo tempo. As paredes feitas algum tipo de pedra, enquanto amplas janelas de vidro trazem modernidade. A grama verde parece muito bem cuidada e o labirinto de arbustos antigo não parece ter sequer uma folha murcha. Sorrio, lembrando-me de meu tio, e dos bons tempos que passamos aqui.

— Está feliz com a mansão ou com a morte do senhor Fairchild, jovem senhora? — Phillip pergunta, nem ao menos havia notado sua presença ao meu lado.

— O que está insinuando senhor Alferez? — Encaro-o e digo com um tom de voz cortante. 

— Estou insinuando exatamente o que eu disse. Muito conveniente que o senhor Fairchild tenha deixado sua mansão para uma jovem qualquer que nunca sequer o visitou. Ele sempre foi um homem saudável apesar da idade… Isso me deixa com teorias, jovem senhora e creio que não é nenhum absurdo achar que está no centro de tudo isso — diz num tom de voz acusatório.

— Do que está me acusando? — Levanto a voz.

Era só o que me faltava para a montanha de problemas que parecem permear minha vida dar uma guinada ainda maior. Não acredito que estou sendo acusada de matar um tio que não vejo a anos — sua teoria sequer faz sentido.

— Seria muito fácil para a senhorita pagar alguém para envenenar a bebida do senhor Fairchild e depois dos dois anos vender a mansão, dividir os lucros…

Não consigo me controlar, a raiva de tudo o que está acontecendo apenas se agrava com a acusação infundada de Phillip Alferez, semicerro os olhos que faíscam com ódio mal contido e dou-lhe um tapa direto em sua face. Meus dedos queimam, sua pele fica marcada em vermelho, não me arrependo nem mesmo por um segundo. 

Phillip arregala os olhos e leva a mão a sua face, sua boca abre e fecha novamente. Sua respiração parece ter ficado irregular. Ele não diz nada, mas por algum motivo, seus olhos parecem ter escurecido um tom ou dois quando ele me encara de volta.

— Quem você pensa que é afinal, senhor Alferez? 

Ele não responde, apenas me olha fixamente. A profundidade de seu olhar, faz com que meu coração dispare. Minha boca seca e preciso respirar fundo para controlar a raiva e algo mais, algo mais denso que parece querer me devorar. Desvio os olhos antes de dizer mais alguma coisa. 

— Se não visitei mais o meu tio, foi por que Ísis sempre colocava barreiras para que eu não chegasse perto. Meu tio se afastou de todos, sequer foi ao velório da minha mãe, mas sempre o amei. Ele era como um segundo pai para mim, mesmo que eu não o visse, sabia que o momento ia chegar, o momento em que poderíamos nos reaproximar. Isso não aconteceu Phillip, mas não por minha culpa ou do tio Edmund, ainda que não vejo como isso pode ser da sua conta. Não sei o que aconteceu e se você realmente acha que não foi um acidente, espero que possamos fazer o necessário para descobrir a realidade. Agora, acusar-me de algo sem nem ao menos me conhecer é rude e infantil da sua parte. Não vou te pedir desculpas pelo tapa, porque não me arrependo dele, não haja como um idiota se não quiser sofrer as consequências disso.

Quando termino de falar estou olhando seus olhos fixamente, meu corpo e o seu estão mais próximos e eu sequer havia notado que tinha me aproximado. Respiro fundo e finalmente vejo Phillip abrir a boca.

— Desculpe, jovem senhora. Não deveria tirar conclusões precipitadas… Eu e seu tio… Tínhamos uma relação próxima, apesar de sua posição social. Ele era um homem bom que sempre me tratou como um filho. Ainda sinto a dor de sua perda, mas não deveria acusá-la.

— Relação próxima? — Pergunto confusa e não consigo segurar minha língua antes de continuar — você por acaso era amante do meu tio?

Phillip enrubesce, seu rosto tão vermelho que quase não dá para ver a marca de meus dedos ainda ali.

— Seu tio era fiel à senhora Ísis e era como um pai para mim. Nunca, em nenhum momento…  

— Desculpe, mas quem é você então Phillip? — Corto.

— Sou apenas o criado. Principal serviçal da residência, quase um conselheiro para o senhor Fairchild e agora, seu... Serviçal — Phillip faz uma breve mesura.

Eu o olho e meu coração acelera novamente, um homem tão bonito é apenas um criado? Como ele foi parar nessa situação? Nossos olhos se encontram por um segundo a mais do que deveria, como se o tapa que eu lhe dei tivesse quebrado uma barreira entre nós, que não sei se realmente deveria ter sido quebrada.

— Vamos, jovem senhora, vou lhe apresentar a mansão.

— Espere… — Minha mente faz raciocínios e mais uma vez não consigo impedir minha boca — herdei tudo isso, certo? A casa, os móveis…

— Sim, senhora, a casa, os móveis, os carros, o labirinto, os funcionários… Tudo — ele completa.

— Se herdei até mesmo os funcionários… Isso significa que herdei… Você? — Meu coração bate tão forte que parece um tambor.

— Temo que sim, jovem senhora — Phillip responde e seus olhos me olham tão intensamente que me pergunto se ele sente o mesmo que eu.

Caminho pela mansão, seguindo atrás de Phillip, por dentro o edifício parece muito mais moderno que do lado de fora. O piso brilhante, a parede com madeira até a metade e gesso branco no resto. Os móveis parecem caros e os funcionários parecem correr de um lado para o outro. Tudo está impecável, não é para menos que Phillip tenha se sentido mal no meu pequeno apartamento.

Seguimos pelos cômodos e ele me mostra a grande sala de estar. Com enormes sofás brancos que não se manteriam dessa cor por muito tempo em uma casa normal. Passamos pela sala de jantar com a mesa de muitos lugares, a cozinha com equipamento de última geração, a biblioteca abarrotada de livros do chão ao teto e por fim subimos até o segundo andar onde ficam os quartos. Noto que muitos cômodos, como o escritório do tio Edmund. Phillip não me mostra. Passando reto por várias portas como se elas nem mesmo estivessem ali. Phillip me mostra alguns quartos de visita, e me aponta alguns quartos de criados. Em seguida, no terceiro piso, ele novamente apenas aponta o qual seria o quarto de Ísis, de meu tio, e o seu. Por fim, ele abre uma das portas. O quarto é amplo, todo em tons de bege e creme, a cama é tão grande que deve ter o dobro do tamanho da minha, sem contar o banheiro e o closet imensos.

— Esse vai ser o seu quarto, jovem senhora.

— Nossa, é... Enorme — digo ainda embasbacada.

— Se precisar de alguma coisa, estarei no meu quarto, de qualquerforma seria melhor que anotasse meu número para caso não me encontre. Logo os outros criados trarão suas malas jovem senhora.

Estendo meu celular para Phillip e ele o liga, nem me lembrava de que havia desligado o aparelho. Nos poucos momentos em que Phillip anota seu número, no entanto, o aparelho começa a vibrar novamente. O homem me encara por um segundo antes de atender a ligação. 

— Alô, bom dia, poderia por gentileza parar de ligar para este número? Acredito que já tenha notado que a dona do aparelho não tenha nada para falar com você, nem mesmo interesse. Então, por favor, deixe-nos em paz para que eu não tenha que tomar medidas mais drásticas.

Matthew deve dizer alguma coisa, pois Phillip escuta, com a mesma expressão estoica, que já estou me habituando. Depois de alguns momentos ele responde novamente. 

— Sou o amante dela — seus olhos encontram os meus quando ele diz a próxima frase — e estou totalmente ao dispor dos seus desejos.

Meu coração parece prestes a saltar pela minha boca, meu corpo parece esquentar alguns graus e minha respiração fica fraca. Phillip devolve o celular para mim, mas mal consigo pegar o aparelho, com todo meu corpo se revirando dessa forma.

— Acredito que ele não vai te perturbar novamente por um tempo, jovem senhora — diz e se retira do meu quarto como se nada tivesse acontecido.

Eu o olho sair, enquanto meu corpo parece quase suplicar por ele. Penso em pedir para que ele volte mas e se eu estiver entendendo tudo errado? E se ele somente fez um favor a sua nova chefe. Respiro fundo, tentando acalmar meu coração, na certeza que é isso. Phillip apenas está me fazendo um favor.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top