19 | Julgamento
Um ano depois
Ísis foi presa.
Depois do que li no diário, fomos no mesmo instante para a delegacia. Usando o diário como prova do que aconteceu, uma vez que o tal recibo citado não foi achado em lugar nenhum. As investigações foram abertas e em pouco tempo a prisão preventiva foi decretada, Ísis não resistiu a nenhuma das aproximações da polícia — apesar de se recusar a dizer qualquer coisa além de “quero meu advogado” no interrogatório.
No dia seguinte a sua prisão, fotos do seu rosto estampavam todos os jornais com manchetes no estilo “ex-mulher acusada de matar milionário para ficar com empregado é presa”, não me dou ao trabalho de checar as matérias tendenciosas. Apenas continuo vivendo minha vida, ignorando todo o sensacionalismo e os repórteres na minha porta.
Isso acontece, até o dia que minha presença é solicitada no tribunal, para o julgamento da mulher que matou meu tio.
— Está pronta Senhora? — Phillip bate na porta do meu quarto.
— Estou Phillip, podemos ir — caminho até a porta com a respiração presa na garganta.
Estou vestida com um blazer preto, camisa social branca e uma saia lápis também preta. Meus saltos pretos estalam no chão conforme caminho até a porta e encontro Phillip ali, absolutamente lindo, usando uma camisa branca de botões, calça social e gravata preta, suspensório e tênis marrons e por cima disso tudo um sobretudo marrom bem escuro.
— Está muito frio la fora? — Pergunto olhando para seu casaco pesado e me questionando se deveria colocar mais alguma roupa.
— Um pouco, sim, mas não se preocupe Senhora. Posso te aquecer se sentir frio — Sinto meu rosto enrubescer ao ouvir as palavras.
— Você é realmente ótimo Phillip Alferez — dou um sorriso contido.
Chego até junto dele e colo nossos lábios, minha língua busca pela sua e juntas elas dançam e se enroscam uma na outra. Minhas mãos o enlaçam pela cintura e puxo seu corpo ainda mais para mim. Quando o ar começa a faltar, mordo seu lábio inferior e afasto nossos rostos.
— Não temos tempo para brincar agora, Phillip, controle-se. Teremos muito tempo depois que tudo isso finalmente acabar.
— Está certa, como sempre, Senhora — Phillip responde com a voz entrecortada.
Mal consigo me controlar, já faz mais de um ano que tenho Phillip, jogamos e fazemos realmente bom sexo, mas ao menos para mim, o que temos vai muito além disso. Apesar de já ter tudo planejado, não tive coragem de dar mais nenhum passo avançando essa relação, não antes de resolvermos tudo o que está acontecendo. E ainda assim, meu coração bate tão forte quanto na primeira vez, talvez ainda mais forte hoje em dia.
Me aproximo uma vez mais da sua pele, mordo seu lábio e arrasto minha boca até seu pescoço, onde deixo escapar uma nova mordida, no entanto, me afasto antes que eu deixe uma marca que o colarinho de sua camisa não possa cobrir.
— Porque você é sempre a droga de um escravo tão delicioso — reclamo — tudo o que eu queria era te jogar na porra da cama e te foder até cada parte do seu corpo estar roxa, ou vermelha e não temos tempo para isso, Phillip.
— Me desculpe por ser tão mal, Senhora.
— Você é o pior que existe — dou-lhe outro beijo nos lábios — agora vamos, estamos a alguns minutos de nos atrasar e tudo o que eu não quero é que isso seja usado contra mim no tribunal… Literalmente.
Phillip ri e eu saio do quarto, fecho a porta e estou prestes a trancá-la quando me lembro de uma coisa. Volto para dentro rapidamente e busco a caixinha da joalheria, intocada até então. Pego seu conteúdo e saio do quarto, trancando a porta atrás de mim e acompanho Phillip até o carro.
Seguimos a alta velocidade até o tribunal, onde uma multidão de câmeras e repórteres aguarda na porta, como urubus em cima da carniça.
— Acho que seremos a capa de alguns jornais amanhã — ironizo.
Eu e Phillip descemos do carro, ele parece nervoso, então pego sua mão e faço meu melhor para acalmá-lo descrevendo círculos em sua pele macia. Ouço passos apressados vindo até mim e respiro fundo me preparando para o caos. O alívio me toma de uma vez, quando percebo se tratar do advogado e não toda a corja de repórteres e jornalistas.
— Vocês têm dez minutos para estarem lá dentro. Onde tinham se metido caramba? — O homem ralha assim que chega a nossa frente.
— Estamos aqui a tempo, não é isso que importa no final doutor McNamara?
O advogado não responde, ele suspira e leva os dedos a ponte nasal, num gesto de impaciência. Após alguns segundos ele levanta os olhos e me encara, sua testa se franze ligeiramente antes que ele fale.
— É melhor vocês dois soltarem essas mãos, ou vão acabar dando palco para os boatos.
Phillip concorda e começa puxar sua mão, no entanto, eu apenas o seguro mais firme, impedindo que ele se afaste.
— Que se danem os boatos, agora podemos ir doutor McNamara? Até onde sei estamos atrasados.
O julgamento começa, repórteres tiram fotos com flashes que fazem meus olhos arderem quando chega a minha hora de depor. Faço o juramento e o doutor McNamara começa com as perguntas.
— Senhorita Fairchild, como descreve seu relacionamento com Ísis Fairchild até o falecimento do seu tio?
— Não tínhamos um relacionamento. Ela sugeriu que eu parasse de ir à mansão depois de certa idade. O máximo que eu sabia sobre ela era o que meu tio dizia em ligações ocasionais, ou o que via nas redes sociais. Nas poucas interações que tivemos ela nunca se mostrou disposta a conversar ou de aproximar, mesmo que meu tio e bem… ela, fossem a única família que me restava.
— Foi você que descobriu o diário onde Ísis confessa o assassinato, certo? Como isso aconteceu?
— Entrei no quarto dela. Fiz uma cópia da chave naquele dia, tínhamos algumas suspeitas que aumentaram depois que encontrei uma carta no carro do meu tio direcionada ao senhor, a carta dizia que meu tio estava temendo ser assassinado e que sabia que Ísis o traia com um dos funcionários. Não foi preciso muito para ligar os pontos e descobrir a suspeita do meu tio.
— Não acha que de alguma forma pode ter sido uma atitude imprudente ter invadido o quarto?
— Não, quando repassei o testamento estava muito específico lá, tudo o que existe na mansão era de minha posse depois que meu tio morreu. Logo que mudei para lá, Ísis esteve na residência em duas ocasiões diferentes, avisei a ela em ambas as ocasiões, com a presença de testemunhas, que ela não poderia entrar na casa novamente. Em ambas as ocasiões ela teve oportunidade de retirar o que bem entendesse de dentro da casa. Sendo assim, não entrei no quarto da Ísis, entrei em um dos quartos da MINHA residência, o qual Ísis ocupou enquanto residia ali.
Muitas perguntas são feitas, faço o melhor que posso para responder a cada uma delas com clareza. Doutor McNamara acredita que a defesa tentará alegar que as provas são inválidas, mesmo que uma nova autópsia tenha sido feita — agora que sabemos exatamente o que procurar — e a substância descrita por Ísis tenha sido realmente encontrada nos restos mortais do meu tio. Depois que o doutor McNamara termina de fazer as perguntas, o advogado de defesa se põe a minha frente.
— Senhorita Fairchild é verdade que teve diversos desentendimentos com minha cliente? Chegando a ameaçar chamar a polícia em mais de uma ocasião?
— Sim, eu o fiz quando ela entrou na minha casa, uma propriedade privada, sem autorização.
— E antes disso vocês nunca se deram bem, correto?
— Sim, acredito que podemos dizer isso, uma vez que ela me impediu de ver meu tio e de visitar a residência.
— Passou pela sua cabeça que minha cliente poderia tê-la afastado por notar que sempre tentava causar discórdia entre ela e seu tio?
— Não, pois eu nunca fiz isso.
— Tem alguém que possa provar o que está dizendo?
— Não, apenas meu tio.
— Você ficou quanto tempo sem contato com a residência Fairchild?
— Mais de dez anos.
— E ainda assim foi a herdeira da casa, isso não é estranho?
— Não quando meu tio suspeitava da esposa, e eu era a única parente viva. Tio Edmund e eu sempre nos demos bem, mesmo depois de sua tentativa de nos manter afastados.
— Você tem o conhecimento de que a semente de Cerbera odollam é originária da Índia e de alguns países no sul da Ásia?
— Sim, eu li isso no diário de Ísis.
— Pelo que sei, seu antigo noivo esteve no sul da Ásia, enquanto seu tio ainda estava vivo, estou errado?
— Não, isso está certo. Ele esteve lá a trabalho e passou limpo pela imigração. De toda forma, não entendo como essa pode ser uma informação relevante, uma vez que Dimitri confessou que deu um jeito de contrabandear a semente. Isso não está em discussão aqui.
Meu coração bate acelerado a cada pergunta, dou uma olhada de esguelha para o juri, tentando de alguma forma adivinhar o que eles estão pensando, mas claro que é inútil, todos têm a mesma cara de paisagem. O advogado parece pensar por um segundo e noto que ele está prestes a mudar a estratégia. Ainda que eu estivesse pronta pelo que veio a seguir, não deixei de me surpreender.
— Qual é seu relacionamento com o senhor Alferez, senhorita Fairchild?
Ele quer me invalidar, entendo, fazer o juri questionar a veracidade das minhas palavras por me considerar uma pessoa baixa. Não deixo isso me abalar.
— Estamos em um relacionamento.
Uma foto é posta a minha frente, a foto é nítida, do dia em que perdi o limite com Phillip. Ele está com uma expressão de dor enquanto mordo sua barriga. Por sorte a foto não pega de um angulo mais amplo, sem dar para ver suas bolas apertadas em minhas mãos, o ar me falta por um momento.
— Isso não parece um relacionamento para mim, a menos que possamos considerar um relacionamento abusivo, para mim isso parece muito com algum tipo de tortura.
— Protesto meritíssimo, a prova é invalida uma vez que foi tirada em situação de perseguição, sem o conhecimento das partes e em uma propriedade privada — Doutor McNamara diz no mesmo instante.
— Protesto cedido.
Noto o sorriso nos lábios do advogado de defesa, ele sabia que aquilo aconteceria e mesmo que a foto seja uma prova inválida já serviu para manchar minha imagem perante ao juri, então respondo-o mesmo assim.
— É uma relação saudável e consensual. Nada feito em qualquer situação feriu o direito de escolha de Phillip. No mais, não vejo como o que faço ou deixo de fazer com meu noivo é relevante para o caso.
— Noivo? — Ísis praticamente grita, os olhos arregalados, ao mesmo tempo que o advogado de defesa fala apressado — sem mais perguntas, meritíssimo.
— Vocês estão noivos? Isso… Não é possível — Ísis continua, eu apenas levanto minha mão direita e mostro a aliança de ouro retorcido em meus dedos.
Posso ver o olhar arregalado de Phillip de onde estou, com as outras testemunhas. Ísis parece possessa, olhando de mim para a aliança em meus dedos. Sem acreditar em seus próprios olhos, seu advogado parece cada vez mais branco enquanto ela fala, sem perceber ou se importar com o que está dizendo.
— Vocês não podem estar noivos, não quando eu me empenhei tanto, eu fiz todo o necessário para estar com Phillip. Matei Edmund, droga, para no fim ele pedir alguém como você em noivado? Você?
Ísis está tão absorta nos próprios pensamentos que mal percebe o que falou, não antes que seja tarde demais e ainda que tente consertar o que foi dito, nada podia ser feito.
Essa provavelmente foi a discussão mais rápida que um juri já fez. Quando o veredito é dado, ninguém se surpreende ao ver ela ser julgada como culpada e condenada a prisão perpétua.
Saio do tribunal com os repórteres nos meus pés. Novamente de mãos dadas com Phillip, ele não diz uma palavra sequer até entrarmos no carro.
— A senhora disse… — Ele começa eu interrompo.
— Que estamos noivos. Comprei essa aliança há algum tempo, mas tive medo de fazer a proposta, sequer sei se uma dominadora pode se casar com seu submisso. Não queria apressar as coisas, mas algo me disse que seria necessário hoje — olho para a aliança — ela me lembra você, de alguma forma.
— Está me pedindo em casamento ou isso foi uma mentira, jovem senhora?
— Quero estar com você, Phillip, quero estar com você pelo resto da minha vida. Não sei se quer se casar comigo, mas não é uma mentira, isso é mais sério que qualquer coisa que eu já possa ter dito na minha vida.
— Sou seu, minha rainha, para fazer o que quiser de mim. Eu continuaria a ser seu de qualquer modo, estou aqui para te satisfazer e se o que a senhora deseja é dizer sim diante de um altar, estarei ali com prazer para realizar as suas vontades. Sou teu escravo afinal.
— Phillip…
— Eu te amo, Agatha.
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