11 | Noite das meninas
Não saio do quarto durante o resto do final de semana inteiro, totalmente abatida pelo desânimo. Não quero ver ninguém e muito menos quero que alguém me veja. Passo o domingo inteiro sem comer, deitada na cama, dormindo e me revirando. Apenas deixo que o tempo passe, na esperança de que meu coração pare de doer em algum momento. Na segunda de manhã levanto no horário para o trabalho. Tomo um banho, troco de roupa e saio do quarto, pela primeira vez depois de todo esse tempo.
Passo pela porta de Phillip e vejo a luz acesa, indicando que ele está acordado, apesar do horário. Meu coração se aperta por um momento e paro em frente a sua porta, cogitando seriamente a possibilidade de bater apenas para ver seu rosto mais uma vez e fazer mais uma tentativa de me explicar. Meu sangue gela, no entanto, quando parada em frente ao seu quarto ouço um par de vozes vindas do lado de dentro.
— Shhh, faça menos barulho. Alguém pode ouvir — uma mulher diz num tom ríspido.
Não fico parada tempo o suficiente para tentar descobrir a resposta, Phillip não perdeu tempo para colocar outra pessoa em meu lugar, dentro da minha casa. O sangue sobe e a fúria toma conta de mim, não acredito que ele fez algo assim, nós terminamos, faz o quê? Dois dias e hoje ele já tem outra em seu quarto.
Fui realmente muito estúpida, é claro que ele não teria problemas em me substituir, Phillip é um homem nitidamente experiente e nosso relacionamento sempre foi casual, ele não estava envolvido sentimentalmente, viajei sozinha por essa estrada.
Corro para a garagem e não me importo em pegar um dos carros do meu tio — meus carros —, preciso de algo que corra a mais de 60 quilômetros por hora. Pego a primeira chave que vejo, pendurada na parede junto das demais e entro em um audi A4, que ele comprou pouco tempo antes de sua morte.
Saio da casa sem me importar em cantar pneu, corro pelas estradas vazias, sentindo a adrenalina vazar enquanto afundo meu pé no acelerador. As lágrimas fogem dos meus olhos enquanto a estrada passa como flashes por mim. Corro enfurecida, praticamente voo, indo a quase 120 quilômetros nos lugares onde o trânsito está totalmente livre.
Chego ao serviço quase uma hora antes do necessário, os nós dos dedos doendo pela força com a qual segurei o volante. Respiro fundo e dou um soco no painel que só aumenta a dor em minha mão. Quero gritar, socar alguém, quebrar alguma coisa e me entupir de doces. Acabo optando pelo menos prejudicial, saio do carro e caminho até a cafeteria, que abriu ainda a pouco. Peço dois cafés grandes e uma caixa com 10 rosquinhas, pago e volto para o veículo me entupindo com a bebida quente e forte, que desce pela minha garganta, me trazendo uma sensação acolhedora que eu tanto necessitava no momento.
Coloco a caixa com as rosquinhas no banco do passageiro de uma forma descuidada e acabo esbarrando e abrindo o porta-luvas sem querer, um envelope voa até o chão e me abaixo apressada para pegá-lo e devolvê-lo ao lugar, porém quando vou me levantar acerto minha cabeça no painel e a dor vibra em meu corpo, paro por um momento com o envelope nas mãos, enquanto aliso meu cabelo tentando afastar a sensação dolorosa e é nesse momento que eu congelo. Vejo a letra do meu tio e logo percebo que se trata de uma carta para o advogado.
Me lembro de Phillip dizendo sobre a estranheza da morte de sua morte, suas suspeitas de que não foi algo natural e antes que eu perceba, eu já abri a carta e comecei a ler, me espantando com seu conteúdo revelador. A carta datada de pouco mais de uma semana antes da morte do meu tio, que nunca chegou a ser entregue ao advogado, diz:
"Caro doutor McNamara,
Minhas suspeitas se provaram reais. Ísis tem realmente me traído.
Coloquei um detetive em seu encalço, mas o homem nem precisou de muito trabalho. Ela estava fazendo isso nem debaixo do meu nariz. Na minha própria casa! Com um dos meus funcionários!
Isso é motivo suficiente para eu arrancá-la da minha conta e deixá-la sem nada? Espero que sim, de todo modo, ao menos a casa consigo renomear.
Estou apreensivo ultimamente, sinto que Ísis pode fazer algo se souber que quero arrancar seu nome do meu testamento. É nem capaz de que ela me interne em um asilo ou em um lugar para doentes mentais. Se isso ocorrer, use essa carta para mostrar que estou em perfeita ordem com minhas capacidades mentais.
PS. Junto da carta estou anexando uma das fotos que o detetive tirou."
Olho o envelope, mas não vejo a foto mencionada em lugar nenhum, guardo a carta em minha bolsa. Ísis traia meu tio, e ele suspeitava que ela poderia fazer algo, isso é algum tipo de prova ou evidência? Phillip pode ter razão, talvez meu tio não tenha morrido de causas naturais. Estou concentrada quando uma batida na janela me assusta e me faz dar um pulo.
— De onde saiu esse carro, posso saber? — Ruby pergunta.
— Droga, Ruby, quase morri do coração agora. Esse carro é do meu tio — digo saindo do veículo e estendo para ela a caixa de rosquinhas — vai precisar de um novo café. Tomei todo o meu e bem, esse já foi mais uns goles.
— Não esquenta a cabeça, não sou tão fã assim de café. Seu tio deixa você dirigir o audi dele? Ele deve ser um cara realmente legal.
— Ele era — decido abrir o jogo — ele faleceu, faz pouco mais de uma semana.
— Meu deus, Agatha, eu sinto muito. De verdade, sou uma idiota.
— Não, Ruby, não tinha como você saber. Podemos entrar agora? Preciso comer um pouco de açúcar.
— Está tudo bem? — Ruby me encara e abre a loja.
— Não. Comprei rosquinhas para aliviar a tristeza, como adivinhou?
Ruby sorri e dá de ombros, como quem diz “isso é óbvio” mais uma vez seguimos até o fundo da loja e começamos a comer. Estou realmente grata por ela não perguntar se o carro faz parte da minha herança. Ruby tem se provado uma ótima amiga. O que é uma ótima coisa, afinal, ela é a única que tenho no momento.
— Me conta tudo — ela diz após preparar uma xícara de chá e se sentar na minha frente.
Droga, olho para a xícara e me lembro de Phillip e todo o episódio do chá, ainda sinto tão terrivelmente a falta dele. Me lembro do seu quarto, a voz pedindo silêncio e enfio uma rosquinha na boca para abafar meus sentimentos.
— Matthew apareceu na casa do meu tio sábado, ele me beijou. O cara que eu estava saindo viu e terminou tudo o que nem chegamos a ter… Acabou, essa foi toda a história — falo com a boca cheia.
— Agatha. Sinto muito… Você tentou conversar com ele pelo menos?
— Ele não quis saber de conversa — dou de ombros.
— Homens são todos uns idiotas — Ruby diz com uma careta, eu concordo e ela completa — é por isso que só saio com mulher. Nunca passarei por esse tipo de coisa, somos muito mais abertas e dispostas a conversar.
— Você fala como se mulheres não tivessem os próprios problemas… — falo e Ruby dá de ombros.
— Problemas muito melhores na minha opinião. Posso fazer algo por você? Que tal se formos a algum lugar essa noite. Depois do serviço. Posso chamar Helena e fazer uma noite das garotas, em um bar com tequila e tacos indecentes de tão bons. O que me diz?
Eu realmente não estava com cabeça para sair, mas não queria voltar para a mansão e dar de cara com Phillip. Então acabo concordando.
O dia passa rápido principalmente quando faço questão de ocupar cada célula e neurônio com o trabalho, Helena passa na loja no fim da tarde e sua companhia me anima um pouco mais, ela é uma ruiva alta e muito divertida com brilhantes olhos esverdeados, corpo esbelto e um senso de humor realmente contagiante.
Estamos saindo da loja, completamente animadas, Ruby nos deu a terça-feira de folga, então não precisaria trabalhar no dia seguinte. Só então percebo uma coisa.
— Não posso ir, não posso beber com esse carro.
— Eu dirijo. — Helena se prontifica. — Um audi é realmente um bom carro, além disso, eu não bebo de qualquer forma.
— Tem certeza? — Pergunto.
— Claro que tenho certeza que não bebo. — ela ri da própria piada — falando sério, não se preocupe, posso deixar você na sua casa depois e pedir um táxi para mim e para Ruby.
— Ou vocês podem simplesmente dormir na minha casa, não é como se fossem incomodar. Temos quartos de sobra.
— Acho melhor não…
— Por favor, Ruby, vou ficar no quarto trancada na minha folga se estiver sozinha. Vocês podiam me ajudar… A passar por isso, e vai ser como uma verdadeira noite das garotas, por favor! — imploro.
— Vamos Ruby, ela está pedindo por favor — Helena pede chacoalhando o braço da minha chefe.
— Certo. Ok, vocês venceram — Ruby cede, rindo.
Entramos no audi e Helena nos guia até um bar mexicano chamado “The killa” o ambiente é agradável com música alta em um espanhol que eu não entendo e mesas redondas de madeira rústica com um cacto em cima. Nos sentamos em uma das mesas vazias e Ruby pede tacos e tequilas para nós três.
A comida é gostosa e a bebida é um alívio rápido para a dor que ainda pulsa no fundo do meu peito. Helena conta piadas e Ruby histórias sobre as duas. A noite flue muito bem, depois de cinco tequilas já não sinto mais a dor no meu peito.
— Depois de oito tequilas. Você não deve sentir mais absolutamente nada Agatha, minha querida — Helena responde, rindo. Sequer havia percebido que falara em voz alta.
— Não foram oito — digo com um soluço.
— Tem razão deve ter sido mais — Helena diz e se levanta — agora vamos para casa as duas, não quero ninguém passando mal no meio do caminho, acabarei precisando pagar uma limpeza no audi e isso será caro, então vamos.
Ruby e eu protestamos um pouco, mas acabamos cedendo, pagamos a conta e Helena estende o celular aberto no GPS. Coloco rapidamente o endereço e me enfio no banco traseiro, com o álcool subindo em minha cabeça.
— Agatha, tem certeza que esse é o endereço certo? — Ruby me acorda quando chegamos a mansão. Sua voz ligeiramente grogue, mostrando que ela esta quase tão bêbada quanto eu.
— Sim, é aqui mesmo. Está certo — digo com uma voz embolada que me faz rir. Helena dá de ombros.
— Se não for aqui, ao menos teremos uma ótima história para contar, sobre o dia que os seguranças de algum milionário maluco nos botaram para correr — Helena para em frente a porta — vamos, eles devem ter alguém para estacionar o carro, certo Agatha?
— Claro que tem alguém — respondo com a testa franzida e pulo para fora do carro.
Dentro da mansão consigo ouvir música e vozes enquanto procuro a chave dentro da bolsa. Ruby e Helena se entreolham, ainda duvidando que estamos na casa certa.
— Droga, acho que eles estão dando uma festa — Ruby murmura.
— Melhor ainda Rubyzinha, sou ótima em festas — Helena retruca com uma piscadela.
Ruby por sua vez diz algo que eu não entendo, mas sua expressão de nervoso me arranca risadas do fundo do peito.
Finalmente pesco a chave em minha bolsa e dou um grito de “achei” estendendo a mão para cima, no mesmo momento meu pé vira e eu perco o equilíbrio, só dou de cara no chão, pois Ruby e Helena me seguram, uma de cada lado.
Minhas amigas me ajudam a chegar até a porta e coloco a chave no trinco. Ouço seus suspiros assombrados quando a porta se abre. Olho para dentro da mansão, estão realmente dando uma festa, apesar de não parecer nada glamouroso parece mais ser o aniversário de alguém. Alguns olhos me encaram e logo encontro seus olhos diretamente nos meus.
Observo Phillip se aproximar e perguntar algo, que Helena responde prontamente, não presto atenção nas palavras, apenas encaro cada centímetro de pele dele. Ouço então uma voz baixa, próxima ao meu ouvido.
— Se controla Agatha, está dando bandeira demais — engulo em seco e assinto.
— Elas são minhas amigas, vão dormir aqui hoje. Por favor, arrumem um quarto para elas, eu preciso me deitar — digo me esforçando para soar clara e me solto das minhas amigas usando toda minha força de vontade para me manter em pé.
Ruby e Helena ficam paralisadas na entrada, até que uma das funcionárias — A loira que ouvi no outro dia — chama elas para que se juntem a eles.
— Estamos comemorando o aniversário da Holly. — Ela diz e minhas amigas parecem se enturmar rapidamente.
Tento dar um passo e me seguro na parede, sinto olhos pesados em cima de mim e já imagino os funcionários fofocando sobre a cena que causei. Tento cuidadosamente me locomover com o auxílio da parede, temendo uma nova queda. No entanto, antes que eu possa processar mãos fortes envolvem minha cintura, fecho os olhos e sinto o odor suave de Phillip.
— Vamos, jovem senhora, vou levá-la até seu quarto.
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