XXI

O silêncio tornou-se um pesadelo. Quanto mais procurava respostas, explicações, tudo era negado. E pediam tempo e paciência para ele. Como poderia ter tempo e paciência, se foi isso que ele teve durante todos aqueles dias em agonia sem poder vê-la, conversar ou tocá-la.

Helene se recusava dar qualquer palavra com ele ou qualquer pessoa. Sua mãe recuava do assunto toda vez que ele perguntava o que havia acontecido. Até mesmo o médico manteve silêncio. Mas o seu coração dizia que tinha Albert envolvido em todo aquele mistério, no entanto não iria enfrentar o irmão, que caiu enfermo na véspera do ano novo.

Seu pai manteve a festa, não poderia cancelar tudo de última hora por causa de Albert. Karl não deu o ar da sua presença, preferiu ficar em seu quarto, não estava com a mínima vontade de fingir sorrisos para pessoas vazias e curiosas. O problema é que seu quarto apesar de estar silencioso, sua mente estava barulhenta e caótica. Tinha criado tantas teorias, que estava prestes a ter algum surto. Estava inseguro, e ele odiava se sentir dessa forma: impotente.

Estava com vontade de voltar para Salzburgo, para sua antiga rotina. Mas não podia deixá-la. Não, não podia. Ele a amava demais para abandoná-la. Ainda mais que ele sabia que Helene precisava dele mais do que tudo. Porém, a recusa dela em vê-lo o estava matando dia após dia, como se fosse alguma espécie de veneno.

Karl descobriu que sentimentos eram perigosos e muitas vezes confusos.

Respirou fundo e passou a mão pelo cabelo, que se assemelhava ao seu estado de espírito atual: uma completa bagunça.

Ouviu uma batida na porta, e deu permissão para a pessoa entrar.

Era Albert acompanhado da sua enfermeira.

Karl não fez questão alguma em saber que doença acometia o irmão, mas vê-lo naquele estado, fez com que se sentisse culpado.

— O que faz aqui? — perguntou cansado.

— Preciso conversar com você. — tossiu fortemente, fazendo com que a enfermeira o segurasse com mais força. — Por favor, eu preciso disso.

O rosto do irmão estava cadavérico, amarelado, como se tivesse sem comer há anos.

Levantou-se para ajudar a enfermeira a colocá-lo em uma poltrona perto da lareira. Depois Karl pegou uma cadeira para que ela se sentasse ao lado de Albert

— Estou morrendo, Karl.

Manteve-se em silêncio olhando o irmão.

— Agora não é mais uma das minhas mentiras do passado. Aquela que eu disse há dez anos.

Karl crispou os lábios e respirou fundo, controlando a raiva que ainda sentia sobre isso.

— É uma doença que os médicos ainda estudam, não possuem certeza de nada. Mesmo que me deem remédios fortes, que me deixam enjoado e sem controle dos meus impulsos, sei que nada vai adiantar.

— Por que essa conversa agora?

— Não posso dar adeus a esse mundo sem pedir o seu perdão. O de Helene eu nunca terei, tenho absoluta certeza disso. E se um dia eu tiver, estarei morto. As coisas que fiz com ela não são fáceis de esquecer, e nenhum ser humano é bom o suficiente para perdoar tão facilmente minhas atitudes. São coisas que demoram certo tempo.

— Palavras sábias vindas de você. Parece-me tão estranho, nunca foi muito sensato. As únicas coisas que saiam da sua boca eram palavras de ódio, ressentimento e inveja. E, Albert, não acredito em mudanças drásticas. Quando somos ruins, e percebemos que devemos melhorar, leva meses, anos, talvez.

— Karl, eu gostaria de me arrepender de todas as coisas que fiz, mas algo dentro de mim diz que eu não preciso me arrepender, porque eu fiz o certo.

— Você é doente.

— Como se eu não soubesse. — tentou dar um pequeno sorriso, mas começou a tossir novamente, e dessa vez, saiu sangue. — Estava achando estranho não ter sangue saindo da minha boca ainda. — pegou o pano da mão da enfermeira, e limpou a boca.

— Como você me pede perdão se não há arrependimentos?

— Porque é o que devo fazer.

— Se isso não partir do seu coração, do fundo da sua alma, nada adiantará eu lhe dar o meu perdão.

— Adiantará. De alguma forma, adiantará.

— Não é fácil.

— Preciso lhe contar mais uma coisa.

— Estou ouvindo.

— Eu empurrei Helene da escada.

Karl ficou paralisado. A forma tranquila que ele tinha dito aquilo, deixou ele sem reação. Apertou fortemente a perna para não avançar em cima do irmão enfermo. Sabia que em alguma coisa ele estava envolvido, mas não de maneira tão monstruosa.

— Como ousa vir em meus aposentos, pedir o meu perdão e dizer com essa completa tranquilidade que empurrou Helene da escada? — falou controlando cada palavra, não podia começar a gritar, porque sabia que perderia o controle da situação.

— Não podia ficar sem saber sobre isso. Helene sempre tenta poupar qualquer atrito entre nós. Quando ela saísse da escuridão daquele quarto, diria que era algo particular, que não precisaria se preocupar. Agora sabe a verdade. E, eu não sabia, mas acabei descobrindo, pessoas falam muito, e esquecem que as paredes têm ouvidos. Ela estava grávida.

Então Karl sentiu que a cor do seu rosto tinha sumido completamente. Sentou-se na poltrona digerindo aquela última frase proferida por seu irmão.

Ela estava grávida.

Começou a chorar, era tudo muito cruel para absorver naquele momento.

— Sei que me odeia ainda mais agora. Matei seu filho e quase matei sua mulher. Helene nunca me pertenceu, apenas em minhas fantasias mais sombrias. — começou a tossir novamente, seu corpo inteiro se contorcendo. — Não consigo respirar.

— Vossa Alteza, vou chamar o médico. — a enfermeira levantou-se. — Eu sabia que não deveria trazê-lo até aqui, seria mais adequado ter chamado Sua Alteza.

— Não. — colocou a mão ensanguentada em cima do braço dela. — É a morte me chamando.

— Chame-o, enfermeira.

A mulher assentiu e desprendeu-se da mão de Albert.

— Acalme-se, quanto mais ficar nervoso, mais piorará. — Karl começou a sentir medo do que poderia acontecer. — Não quero vê-lo morrendo diante dos meus olhos. Mesmo que a vida tenha nos feito rivais, não por minha causa, essa culpa é inteiramente, não deixa de ser meu irmão. Meu único irmão. E todas as vezes que eu lhe desejei o mal, me arrependi logo depois.

Albert olhou uma última vez para ele, com lágrimas nos olhos e parou de respirar.

Karl fechou os olhos do irmão sem vida e limpou sua boca. Lágrimas começaram a descer por seu rosto, era estranho ter aquele homem ao seu lado morto.

— Alteza.

O médico chegou apressado, com a enfermeira ao lado.

— Ele está morto.

O médico olhou atônito para ele.

— Meu irmão está morto.

Karl saiu do quarto em direção ao quarto da mãe.

Não seria fácil dizer aquela notícia para ela.

Não seria nada fácil.

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