IX

Se o destino queria ser cruel com ela, tinha conseguido com mérito. Em apenas um dia, tinha conseguido perder sua liberdade, felicidade, e o amor da sua vida. Estava assistindo de camarote sua vida se arruinar por causa das decisões dos outros. Não conseguia enxergar nenhuma saída para a situação em que estava, por enquanto, tentaria apenas se concentrar para não cometer um assassinato e fazer uma perfeita atuação para os convidados do seu casamento.

Não poderia jamais esquecer os olhos tristes de Karl olhando aquela cerimônia. O quão partia seu coração vê-lo triste e não poder abraçá-lo como deveria ser feito. Ousou dizer que o queria, mesmo com tantas presentes, porque nada mais importava, já estava casada.

— Deveria sorrir ao menos alguma vez, minha querida esposa. — Albert sorriu ao falar. — As pessoas sabem quando alguém está com mau humor, que é o seu caso. Vamos melhorar esse rosto?

— Não faça com que eu mande você ir para o inferno.

— Acalme-se, Helene.

Resolveu se calar, não perderia o único fio de paciência que ainda lhe restava com aquele homem. Apenas encostou a cabeça na janela da carruagem, mas sentiu a mão de Albert pousar em sua coxa. Automaticamente deu um tapa sobre a mão dele e outro no rosto.

— Não ouse encostar sua mão imunda em meu corpo. Aviso desde agora que prefiro a morte do que ter alguma coisa com um ser humano desprezível como você. Se ousar mais uma vez, encostar sua mão em mim, não respondo por meus atos!

— Somos marido e mulher! Deve-me obediência!

— Devo-lhe um belo tapa em seu rosto, não obediência. — Helene olhou pela janela, tinham chegado em frente ao palácio. — Chegamos.

A carruagem parou assim que Helene terminou a frase. Passou a mão pelo tecido do vestido branco, e esperou Albert descer, para depois chegar a sua vez. Infelizmente teria que ficar junto a ele por toda a festa.

— Hofburg nunca me pareceu tão feio. — murmurou.

— Acene para as pessoas que estão no portão ao menos. — Albert disse em seu ouvido.

— Acene você, não tenho obrigação alguma.

— Sabe que tem obrigações agora.

— Para o inferno!

— Helene! — sua mãe se aproximou tão de repente, que ela nem notou o quão de pessoas estavam perto. — Pelo de Deus, não fale algo tão pecaminoso em um dia tão sagrado. Ainda mais, esteve diante do arcebispo em poucos minutos para estar dizendo essas coisas.

Helene se aproximou da mãe, olhou bem em seus olhos e sorriu diabolicamente.

— Para o inferno. — sussurrou.

A baronesa apenas abaixou a cabeça e não disse nada. Helene voltou para o lado de Albert e não acenou. Seu objeto era que todos percebessem o quão ela estava infeliz, não hesitaria em obter sucesso em seu plano. Tinha que se divertir de alguma forma naquela festa.

Depois começou a procurar por Karl desesperadamente, mas não o encontrava. Queria sentir a presença dele perto dela, ao menos isso faria ela se sentir um pouco melhor. Depois de tentar achá-lo mais uma vez, sem sucesso, foi obrigada a desistir, pois teria que entrar no palácio.

Entrou ao lado de Albert no imenso e belo salão de Hofburg. Todos começaram a fazer reverências quando eles passaram, achou aquilo tão estranho; antes era ela que fazia isso diante da família imperial.

— Teremos que dançar uma valsa, Helene. Por favor, não queira arranjar mais confusão. — Albert falou em seu ouvido.

— O que seria uma festa imperial sem uma bela valsa? — desdenhou.

— Pensei que cederia quando estivesse casada comigo. Não consigo imaginar o motivo do seu tamanho ódio por mim, Helene.

O primeiro toque da orquestra começou, e eles se posicionaram para dançar a valsa. Helene ficou completamente séria, enquanto Albert sorria, como se tivessem lhe contado a piada mais engraçada do mundo.

— Nunca foi um homem bom, Albert. Nunca. E, não venha me dizer que foi. Todos sabem quem é você, não é segredo para ninguém. Por que eu agiria diferente? Todos o respeitam pelo simples fato de ser o futuro imperador, se não fosse isso, nem olhariam em seu rosto.

— Jamais fui ruim com você.

— Não? — deu uma risada sarcástica. — Esse casamento significa o que para você? Responda-me, Albert.

— O amor que sinto por você.

— Mas eu não sinto.

— Milhares de casamentos no mundo foram arranjados. Alguns deram sorte, outros não.

— Sempre soube que eu não gostava de você. Usou suas armas para me juntar a você, como um troféu, algo assim, não tenho certeza. Na verdade, não conheço suas razões egoístas, e não quero saber.

— Torna as coisas mais complicadas, Helene.

— Eu não quero você. Eu não amo você.

— Não diga essas coisas, podemos nos amar futuramente. O amor também pode ser construído.

— Nunca.

A valsa acabou, para o alívio de Helene. Logo depois caminharam para a sala de jantar, tudo seria muito rápido para eles, por causa da lua-de-mel. Gostaria de rir na cara de todos por acharem que haveria alguma consumação. Se dependesse dela, a dinastia Anschütz acabaria sem herdeiros.

— Sabe do seu irmão?

— Felizmente não. Por que quer saber?

— Porque eu gosto dele.

Albert apertou o braço dela com força.

— Está me machucando. — disse entredentes.

— Não me provoque, Helene. Estou sendo bom e paciente demais com você.

— Sério? Vai me bater como fazia com seus empregados?

— Como...

Foram interrompidos pelo discurso do imperador, dizendo o quão estava feliz pelo matrimônio do filho mais velho. Gostaria também de poder discursar, mas jamais seria dado para ela o poder da fala, ainda mais com o histórico problemático.

Quando terminou de jantar, Anne surgiu ao seu lado de repente.

— Precisa me acompanhar.

— O que houve?

— Precisa trocar sua roupa, por uma...

— Entendi. — levantou-se de péssimo humor.

Helene e Anne passaram por uma porta, que dava para as escadas do quarto de núpcias. Seu estômago começou a embrulhar, sentiu que estava sendo levada para um abatedouro.

— Em algum momento viu Karl?

— Infelizmente não, Helene. Pensei que ele estaria com vocês.

— Não. Depois da igreja, não o vi mais. O que pode ter acontecido?

— Ele pode ter ido embora.

— Eu disse que o queria.

— Disse? — pegou a mão de Helene, que estava suando frio.

— Sim, não me arrependo.

— Está certa. Depois poderia se arrepender por não ter dito.

— Como é a camisola?

— Transparente demais, nada do seu uso habitual.

— Claro que não, devo seduzir o meu amado marido. — disse com sarcasmo.

— Eu simplesmente não sei o que lhe dizer.

— Não diga nada, apenas observe o que vai acontecer amanhã.

— Helene... — começou a repreendê-la.

— Apenas aguarde.

— Conhece o costume que as mães e suas damas ficam aguardando em uma sala a consumação, não sabe?

— Sim, esse momento desagradável existe.

Anne abriu a porta do quarto para Helene passar.

— O que vai aprontar? — sussurrou, pois outras empregadas vieram ajudá-la a tirar o vestido de noiva.

Helene ofereceu apenas uma risada para Anne.

Sentiu um imenso alívio quando o corset foi retirado. A bela camisola de seda foi colocada em seu corpo, era um tecido maravilhoso. Desprenderam seus longos cabelos do penteado e pentearam.

— Essa camisola possui algum robe?

— Sim, alteza. — respondeu uma das empregadas.

— Traga para mim, por favor.

A empregada foi até uma cadeira, e entregou o robe para Helene.

— Obrigada.

A mulher fez uma pequena reverência e saiu com as outras empregadas, levando seus antigos trajes. Anne retornou depois com um perfume diferente do que ela usava diariamente.

— O que é isso?

— Um perfume.

— Eu sei que é um perfume. Quero saber o motivo dele.

— Mandaram eu passar em você.

— Dispenso.

— Helene!

— Não vou usar.

— Eu posso perder meu emprego!

— Não se a culpa for inteiramente minha.

— Bem, desisto de você. Preciso ir, Albert chegará em poucos minutos. Juízo, Helene. Boa sorte.

Helene beijou as bochechas rosadas de Anne e a abraçou fortemente, amava aquela dama como se fosse uma irmã.

— Obrigada por tudo.

— Eu que agradeço por sua bondade e amizade comigo. — passou a mão pelo cabelo de Helene. — Realmente, preciso ir.

Anne saiu, deixando Helene completamente sozinha. Deitou-se na cama, cobriu-se com a colcha e fechou os olhos. Estava exausta, não tinha percebido antes. Talvez fosse todos os sentimentos aflorados dentro dela; muito estresse, tristeza e ódio acumulados. Tinha ouvido em algum lugar que esses sentimentos poderiam exaurir a alma de qualquer um, agora tinha certeza que era verdade essa afirmação.

Estava quase adormecendo quando Albert entrou. Abriu os olhos, mas ignorou o marido, e voltou a fechar os olhos.

— Não finja que não notou minha presença.

— Pode dormir ao meu lado. Ou, se preferir, deite-se no tapete.

— Como?

— Eu sei que não tem problemas em sua audição.

— Não aceitarei isso!

— Não aceite. Melhor dormir no tapete.

— Helene não me provoque.

— Boa noite, Albert.

Fechou os olhos, sorrindo.

Helene acordou com a claridade em seu rosto. Não enxergou Albert em lugar algum, e agradeceu a Deus por isso. Levantou-se da cama completamente, havia conseguido fugir dele naquela noite, teria que fugir até o último dia de sua vida ao lado dele.

— Helene!

Anne invadiu o quarto completamente afobada.

— Olá minha querida amiga!

— Não estou acreditando nos boatos que estão circulando no palácio.

— Qual seria os boatos? — perguntou com cinismo.

— Que não houve consumação.

— Boatos tão verdadeiros quanto meu casamento com Albert.

— Como conseguiu isso?

— Ah, nem eu sei muito bem explicar, mas eu consegui.

Anne puxou uma carta do seu decote e entregou para Helene.

— Karl mandou para você.

— Quando viu ele?

— Logo que eu saí daqui.

— Como... Como ele estava?

— Nada bem.

— Fique atenta, não quero que ninguém me veja com algo de Karl.

— Ficarei atenta.

Helene rasgou o envelope e puxou o papel com a caligrafia dele. Ainda não tinha começado a ler, mas seus olhos já estavam cheios de lágrimas.

Helene,

Eu sempre soube que a vida me traria muitas coisas boas e ruins. Nada dura para sempre, nem mesmo os bons momentos, por mais que queiramos e desejamos isso. Ainda não me sinto bem em olhar seus olhos novamente, me dói muito, muito mesmo. Não sei como vai ser daqui em diante; eu espero que tente ser feliz da melhor maneira possível. Não poderei estar ao seu lado fisicamente, mas em pensamento, sempre estarei.

Estou voltando para o exército, talvez essa seja a melhor coisa que eu faça em minha vida no momento. Evitarei ao máximo voltar para o berço da minha família, nunca nos demos muito bem, sabe disso. Agora, com você sendo esposa do meu irmão, as coisas podem piorar.

Nunca se esqueça de mim, pois eu nunca me esquecerei de você. Quem sabe, em algum dia, em algum momento, podemos ficar juntos e sermos felizes da maneira que nos é devido.

Estou partindo de Viena, mas não do seu coração.

Meu coração pertence a você, Helene.

Sempre pertenceu, eu apenas não sabia, até darmos o nosso primeiro beijo.

Sentirei sua falta.

Eternamente seu,

K.A

Colocou a carta sobre seu coração, chorando como jamais havia chorado em sua vida. Estava doendo tanto, mais tanto, que ela não conseguia dizer nada. Sentou-se no chão, soluçando, como se sentia infeliz.

— Helene! — Anne sentou-se ao lado dela.

— Oh, Anne, perdi meu grande amor.

— Não, não perdeu.

— Sim, eu o perdi.

Anne a levou para seu peito, afagando suas costas com carinho.

— Chore tudo o que puder, alivia a alma.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top