II
Desde o dia em que Karl fugiu de casa para nadar no lago sem avisar a ninguém, sua vida ganhou um rumo completamente diferente; o que ele tinha ansiado por muito tempo. Porque nunca tinha achado que fazia parte daquela corte tão falsa e sórdida, fora o convívio difícil com sua família.
Foi criado para ser um exemplo para o país, com tutores severos e maus, mas ele nunca tinha reclamado ou se rebelado, até completar quinze anos. Queria de todas as formas sair daquela vida monótona e insuportável, foi quando resolveu aprontar de todas as formas para seu pai expulsá-lo do palácio e enviá-lo para as bases do exército austríaco; conseguiu com êxito.
Passou por diversos treinamentos, fome, sede, além de ver sua vida passar diante dos seus olhos em batalhas, mas não tinha medo, era aquilo que ele sempre quis: uma vida agitada e fora de Viena.
Quando recebeu uma carta do seu pai ordenando que ele voltasse para Kaiservilla no verão, e posteriormente, migrarem para Viena, estranhou. Jamais esperou receber tal ordem do imperador tão cedo, mas parecia que alguma coisa estava acontecendo e ele não tinha conhecimento. Poderia ser algo relacionado ao seu irmão mais velho, Albert, pessoa que ele considerava tão inútil quanto uma mosca.
Karl sabia que quando tinha nascido, os vienenses haviam ficado felizes, afinal, era outro filho homem, porém, em seu íntimo, gostaria de que sua mãe tivesse outro filho, e que fosse uma mulher. Ele se apegaria e cuidaria dela, trataria ela como uma irmã deveria ser tratada. Entretanto, sua mãe não quis ter mais filhos depois que quase morreu em seu parto, ficando somente com eles dois.
Ele sempre foi o mais excluído, seus pais sempre mimaram e amaram mais a Albert do que ele. Karl tentava fazer coisas boas e sempre obedecê-los, mas nunca recebia realmente a atenção devida, ou a que tanta ansiava; por isso jogou todas as regras para o alto e tornou-se o que queria.
Quando a carruagem parou em frente a Kaiservilla, suas lembranças sobre os verões que passou ali voltaram à tona. Um embrulho se formou em seu estômago, e a única vontade que tinha era sair dali correndo, mas não faria isso, não era um covarde como Albert.
Quando entrou naquele salão e olhou todas aquelas pessoas com olhares curiosos sobre ele, teve uma enorme vontade de gargalhar. Tinha uma certeza dentro de si que todos esperavam alguém feio, cheio de cicatrizes - tinha várias delas espalhadas pelo corpo, mas não era visível -, ou com a aparência velha como a do irmão.
Porém, quando seu olhar se encontrou com uma jovem, que era estranhamente familiar, sua memória começou a procurar por onde tinha visto aquele rosto. Até que lembrou da garota ousada do lago, a reconheceu pelo olhar atrevido e também pelo azul-celeste que possuía.
Ele não pensava em quebrar as regras assim que chegasse, mas não pôde evitar ao rever Helene ali, praticamente acuada em um lugar que não queria estar. E quando ela aceitou seu braço e lhe deu um sorriso maroto, soube que ainda possuía o mesmo jeito de ser.
— Ainda não acredito que o famoso arquiduque Karl Ferdinand é você. — disse segurando ainda mais seu braço. — É como um milagre de verão.
— Aqui está tão ruim assim?
— Está. — mordeu os lábios e o olhou. — Não aguento mais viver aqui.
— Entendo perfeitamente.
Ele entendia completamente os sentimentos dela. Era diferente nascer naquele meio, ser obrigado a cumprir regras o tempo inteiro sem reclamar. Mas uma pessoa que não nasceu naquele meio, acostumar-se com tudo aquilo era um tormento.
— O que aconteceu naquele dia em que nos encontramos?
— Quando cheguei aqui?
— Sim. — perguntou com curiosidade.
— Tinha tantos guardas me procurando, que me perdi nas contas. Levei uma punição severa, como eu já esperava, não me importei. Tive uma briga feia com minha mãe, mas a pior foi com meu pai. Mas eu também não me importei, porque era aquilo que eu queria, fazia tudo parte de um plano maior. Temos muito o que conversar ainda, fico feliz que esteja aqui.
— Eu também. — corou.
— Posso lhe fazer uma pergunta?
— Esteja à vontade.
— Helene, sabe o motivo por qual meu pai me chamou para voltar? — perguntou na esperança dela saber.
— Infelizmente não. Papai não me conta sobre o que acontece em suas reuniões com o imperador, nem mesmo com mamãe. Raramente sabemos de algo, a não ser que surja uma fofoca.
— Não observou nada de estranho acontecendo por aqui?
— Tudo aqui é estranho.
— Albert deve estar envolvido de alguma forma. — disse para si mesmo.
— Então não vem coisa boa. Desculpe-me, não gosto do seu irmão. — Helene fez uma expressão enojada.
Karl começou a rir e beijou a mão dela.
— Eu também não.
— Alteza! — chamou uma voz masculina.
— Sim? — virou-se para saber quem o tinha chamado.
— Sua Majestade, o imperador, exige a sua presença em seu gabinete imediatamente.
— Mas...
— Ele disse que é do seu interesse.
— Diga que estou indo.
— Sim, Vossa Alteza. — depois fez uma vênia para Helene.
Karl esperou o secretário do seu pai desaparecer do corredor para abraçar Helene mais uma vez.
— Infelizmente tenho que sair da sua companhia.
— Mas não por muito tempo.
— Não. — soltou-se de Helene. — Tenho um convite para a senhorita.
— O que seria?
— Cavalgar por Bad Ischl.
— Passe em meu quarto pela manhã, estarei pronta.
— Vamos nos ver ainda hoje?
— Ainda não sei.
Karl beijou a mão de Helene e saiu em direção ao gabinete do pai na esperança de finalmente descobrir o motivo de estar ali.
ஜ
Seu pai nunca tinha sido adepto a mudanças em seus cômodos, então o gabinete continuava da mesma maneira que ele se lembrava. A única coisa diferente era um quadro do seu irmão ao lado da sua mãe.
Nunca admitiu para ninguém, nem para ele mesmo, mas sentia-se incomodado com aquela situação. Sempre desejou a atenção dos pais, no entanto, nunca obteve da maneira que queria, e era mais doloroso do que gostaria de admitir.
— Karl. — seu pai entrou no gabinete juntamente com Albert.
— Majestade. — respondeu secamente.
— Finalmente resolveu parar com suas pirraças infantis.
— Oh, estou aqui porque tenho uma curiosidade dentro de mim, não por obediência ao senhor.
O imperador sentou-se em sua bela cadeira atrás da mesa e o fitou com interesse e curiosidade. Karl sentiu-se incomodado com a avaliação do pai, mas resolveu não dizer nada.
— Seu irmão está doente.
Karl olhou para Albert que estava o encarando com um brilho assassino nos olhos.
— E o que eu tenho com isso?
— Ele é seu irmão, herdeiro do trono.
— Sei disso desde o meu nascimento.
— Ele não é casado e não tem herdeiros.
— Também sei disso.
— Assim você seria o segundo na linha de sucessão.
— Não gosto de rodeios Majestade.
— Não acho que esteja apto para assumir o império da Áustria. Surpreende-me muito ter se tornado coronel do exército, fiquei orgulhoso, obviamente.
— Seu filho mais velho que deveria ser o coronel do exército, não eu. O senhor sabe muito bem. Porém, passa a mão na cabeça do pobre Albert. Também, sempre foi um idiota mimado pela mamãe e o papai. Peço licença para sair.
— Não concedida. — Fernand falou com o tom de voz irado. — Respeite-me, não somente como seu soberano, mas como pai. Respeite também ao seu irmão.
— Esse imbecil nem me responde nada.
— Não vou gastar nenhuma palavra com você, Karl.
— Claro, nunca teve atitude para nada. Mas eu não estou entendendo o porquê eu fui intimado para vir a Kaiservilla.
— Vamos casar seu irmão brevemente, precisamos de você.
— Para que precisam de mim? Ele vai casar, não eu. Não faço a mínima questão de estar presente nessa ocasião.
— Meu amado irmão, minha noiva é belíssima, vai amá-la.
Karl olhou desconfiado para o irmão.
— Tenho piedade dela ao aceitar seu pedido de casamento.
— Oh. — Albert deu uma risada cínica, e um brilho de satisfação passou por seus olhos. — Ela ainda não tem conhecimento, apenas o pai dela.
— Que terrível o destino dessa mulher. — murmurou. — Quantas meses até seu casamento?
— No máximo três meses. Eu a amo.
— E o sentimento é recíproco?
— Claro que sim. — o irmão deu um sorriso triunfante.
Karl estava achando tudo aquilo muito suspeito. Nenhuma mulher que o conhecesse aguentaria ficar com ele três dias, quanto mais a vida inteira. Os casamentos poderiam ser arranjados, mas o que Albert deu a entender é que conhecia a noiva fazia algum tempo.
— Bem, fiquei curioso, quem é a noiva?
— Helene Wittgenstein.
Olhou para Albert, que tinha um sorriso de satisfação no rosto ao dar aquela notícia. Karl sentiu seu coração parar de pulsar e ficou completamente pálido ao ouvir aquilo.
Helene teria um destino amargurado e infeliz. De todas as pessoas que conhecia, ela era única pessoa que não merecia aquela situação.
Não poderia deixar Helene passar por aquilo.
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