Capítulo 5 || Brenna Croft
Brenna Croft
Meu corpo dói, o cheiro de desinfetante invade o lugar onde eu estou deitada. Alguns bips ao redor, o vento, os sussurros. Eu desci para o inferno então?
Mas é claro Brenna, você não é importante para ninguém se acostume com isso.
Aqui é escuro e tenebroso é como se eu estivesse presa dentro de mim mesma. Tento abrir os olhos para contemplar o lugar onde passarei toda a minha eternidade, mas tudo dói, cada célula do meu corpo reclama quando movimento o braço, não sinto minha pernas, muito menos meu braço esquerdo. Eu devia estar sentindo dor. Depois de morrer? Ainda lembro do carro na qual eu bati de frente.
Será que alguém se machucou? Droga, eu devia ter pensado nisso. Fui egoísta ao lembrar apenas da minha dor, mas nada passou. Ainda sinto muita dor, não só no corpo. Mas na alma, é uma dor mais forte. E se alguém se machucou no acidente?
— Eu não estou indo pagar, nenhum centavo da conta desse hospital, que ela morra nessa maldita cama — quando os monstros que habitam minha mente se calam. Consigo ouvir a voz do diabo perfeitamente encarnada. Nem depois de morrer terei a oportunidade de me livrar desse homem? O que eu fiz para os deuses me castiguem dessa maneira?
" Acorde meu amor"
(...)
Consigo abrir os olhos aos poucos, estou em uma casa enorme cercada de grama e brinquedos infantis, uma mulher que não consigo ver o rosto dança com uma criança pequena que usa apenas um vestido florido com os pés no chão.
O cheiro de grama e chuva acariciam meu nariz, como se sentisse minha chegada a moça solta a criança deixando um beijo na cabecinha careca antes de flutuar? Até mim, olhei ao redor tentando encontrar outra pessoa que possa me beliscar e me tirar desse pesadelo ou sonho não sei ao certo. Ainda não me decidi, a camisola branca abraça meu corpo, enquanto meus cabelos dançam juntos ao vento.
" Volte para o mundo real, querida", — não consigo ver o seu rosto graças a névoa que o cobre. Mas a sua voz é doce, e muito familiar pra mim. Seria ela um dos meus monstros? O quanto perturbada minha mente está?
— Quem é você? — consigo sussurrar, perguntando a ela.
" Você será feliz meu amor, mas terá que derrubar cada um dos seus monstros. Deixe ele entrar, ele será seu desejo oculto, o anjo negro que precisa de libertação"
Antes que eu consiga fazer ou falar algo, a névoa desapareceu e meus olhos piscam com a claridade excessiva do quarto, em uma poltrona ao lado da janela está Mary, lendo um de seus romances. Pelas olheiras que ocupam seu rosto já estou aqui a muito tempo. Semanas? Dias? Horas? Não tenho noção alguma. Não sinto minhas pernas e meu braço esquerdo está engessado e as dores pro corpo é insuportável O colchão incomoda minha lombar e a vontade de gritar está ali, apertando minhas cordas vocais.
Mesmo assim a mulher misteriosa dos meus sonhos não saí da minha cabeça, quem seria o meu desejo oculto? Quem contou pra ela que eu mereço ser feliz um dia? Uma suicida louca, que não suporta mais olhar o seu próprio reflexo no espelho. Nem para morrer eu presto, a dor de estar viva domina meu corpo. Eu só queria morrer, eu só queria sentir aquela paz que dominou meu corpo quando meu carro bateu de frente com outro. A única coisa que quero sentir é paz, nem que isso ocorra no inferno. Não quero mais olhar pra mim, essa Brenna repleta de cicatrizes na qual a família Croft destruiu.
"Ele será seu desejo oculto, o anjo negro que precisa de libertação"
A frase martela dentro do meu ser, ela não sabe de nada. Ela não sabe a merda de vida na qual eu vivi, as dores que senti, das noites em claro que passei sentindo medo. Medo de sentir as mãos deles em mim, das queimaduras feitas com charuto cubano. Humilhações em público, quando eu era tratada como empregada pelas minhas irmãs, mas nunca como membro da família Croft. Eu nunca fiz parte daquela família.
— Brenna? — os olhos de jabuticaba da minha melhor amiga estão assustados, ela excita tentando manter meu corpo parada, mas algo me fez mexer o corpo sem controle algum.
— Faça parar? Não quero mais sentir — digo sentindo as lágrimas descerem sem controle algum por meu rosto. Mary aperta um botão sem parar enquanto meu corpo treme sem controle algum. Estou morrendo? Alguém ouviu minhas preces.
— Eu quero que ela vá embora Mary, faça essa maldita dor parar! — imploro quando os olhos do meu pai atravessam o quarto. Não sei em que momento meu corpo parou de tremer ou como a dor desapareceu, só sei que o terror ficou estampado em meu rosto antes que eu apaga-se novamente com os olhos dele ali.
[...]
— Jogue ela em algum puteiro. Essa vagabunda não vale nada, igual a você. Sua negra imunda. Se ela aparecer novamente na minha frente vou matá-la como devia ter feito a muito tempo. Ela seduziu o meu marido com essa gordura toda, ela quer ser melhor do que as irmãs, mas nunca chegará nem perto de uma delas — a voz da mulher que um dia eu chamei de mãe está por todo quarto, quero morrer! — Vou deixar um cheque, quero que você e ela desapareçam do mapa. E se ela morrer? É melhor ainda, tenho nojo de ter colocado no mundo um ser humano desses. Aqui está! Meio milhão de reais pra vocês sumirem daqui. Faça um bem a todos Mary, mate ela e fique com o dinheiro, é o melhor que você faz para todos — os saltos dela batem no piso de madeira antes da porta do quarto bater, levando seu perfume enjoativo e sua negatividade embora. Consigo respirar fundo mesmo com a garganta arranhada, sentindo um pouco de alívio ao saber que eles me querem longe.
— Mary-y? — consigo falar, atraindo sua atenção. Usando somente uma camisa xadrez vermelho com branco, um jeans desgastado e seu óculos de leitura velho, minha melhor amiga aproximasse da cama. Seus olhos vermelhos e a aparência cansada me deixam preocupada. Mesmo que eu esteja quebrada em todos os sentidos da palavra, olhar pra ela é como um belo pôr do sol. Sua pele negra bem cuidada contrasta lindamente com seus cachinhos, que hoje estão ressecados. Ela está sofrendo. E somente isso que faço com as pessoas.
— Por quê? — é a pergunta que ela faz segurando minha mãos entre as suas. O contato é bem vindo. Senti sua falta mesmo que a dor ainda esteja presente dentro do meu coração.
— Eu não aguento mais Mary e... — quando vou começar a explicar os motivos pelo qual eu tentei e ainda vou tentar tirar minha vida. Um homem alto, usando jaleco e o prontuário na mão entra no quarto. Em letras bonitas no lado direito do jaleco está escrito: Doutor Fabiano Casagrande, sua especialidade: psicólogo e clínico geral. Com uma expressão relaxada e postura firme ele chega próxima a cama, Mary está ciente de seu porte atlético. E eu também. Porquê infelizmente não estou morta, não ainda!
— Boa tarde senhorita Croft... — ele diz abrindo uma fileira de dentes bonitos — Vejamos aqui... — seu sorriso vai diminuindo conforme ele lê o que está escrito no prontuário. Conhecer a mente humana deve ser um porre, mas seu olhar carrega algo como esperança.
— A senhorita sofreu um traumatismo craniano, quebrou duas costelas, o osso da perna esquerda, um osso no antebraço, e durante a cirurgia que fizemos teve uma infecção generalizada. Que conseguimos controlar com a ajuda de antibióticos. Mas... Sinto muito senhorita Croft, devido a batida contra o carro, seu útero sofreu com um prolapso uterino, sabe me dizer com quantos anos iniciou sua vida sexual? Porque algumas descamações foram encontradas em suas paredes vaginais, mandamos uma amostra para o laboratório em breve teremos o resultado da biópsia. Sinto em lhe informar, você nunca poderá gerar uma criança em seu ventre. Mas pense pelo lado bom — um sorriso gentil é direcionado a mim — a medicina está evoluindo cada dia mais, e alguns procedimentos são possíveis.
Devo ficar triste ou feliz com essa notícia? Vivi durante anos num inferno quente e doloroso onde não tive escolhas, sonhos ou infância, o que me faz questionar a felicidade de algumas mulheres com a maternidade. Ou talvez a família Croft não estivesse pronta para assumir uma filha fora dos padrões que eles pregam para a sociedade todos os dias, seria eu um caso especial? Não tive nenhum momento feliz nos anos que vivi com eles, então porque não ficar feliz com a ideia de que nunca vou gerar um ser humano que sofrerá as consequências cruéis que esse mundo impõe a cada dia.
Eu só queria descansar em paz, sem sentir que o mundo quer me engolir a todo momento. O que parece fácil para uns, pra mim é difícil, respirar dói mas não mais do que viver em um mundo onde ninguém gosta de você.
— Brenna? Um homem trouxe você pra cá. E ele quer te ver... Ainda hoje.
— A quanto tempo estou desacordada? — pergunto sentindo a garganta seca. Respiro fundo sentindo o cheiro de desinfetante dominar com mais afinco o quarto de hospital.
— A senhorita ficou em coma induzido por dois meses e meio — respondeu, depositando um beijo nos fios soltos do meu cabelo. Eu fiquei desacordada por quase três meses? Essa constatação me pega de surpresa. Porque não morri de uma vez só?
— Quem me trouxe até aqui? — pergunto ainda em estado de choque. Tenho que matá-lo pessoalmente por me salvar do meu objetivo final.
— Um grosso, quer dizer um homem chamado... — ela coloca a mão no queixo, pensativa. O que está acontecendo nesse quarto? — Heitor Bonfim!
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