CAPÍTULO 25

JUNG HOSEOK

Tudo mudou tão de repente que eu não tive tempo para juntar as peças naquele instante. O tal desconhecido para mim, mas nem tão desconhecido para os demais parecia ser alguém que não era de boas intenções, o modo como Jade e os demais se comportaram, como suas veias saltaram em segundos a medida que ficavam no mesmo ambiente me paralisou.

Não estava muito distante, nem muito perto, tudo soou rápido para mim, eu não entendia a razão, mas o que havia presenciado era o suficiente. Meus olhos não saíram da motoqueira, percebi como sua pele parecia fria de longe e seus olhos longes daquilo, tensa me incomodava, pensei em me achegar, mais Taehyung fez o mesmo antes, eu queria fazer algo, mas não soube o que ou como. A maneira como praticamente correu dali, com o olhar de quem estava mais eufórica do que parecia me fez ir atrás minutos depois, sem me importar com o que achariam da minha atitude.

Caminhei cegamente, ela já tinha sumido do segundo andar em segundos. No caminho, que ia para uma das portas que estavam fechadas quando fui apresentada ao lugar, observei sua jaqueta no chão, solta ali, como se ela não quisesse mais aquilo. Peguei, erguendo o olhar e percebendo a porta prateada aberta.

Ela deveria tá ali. Foi o que pensei e seguir, empurrando para que eu passasse, notando que era como uma imensa varanda com vista para o céu limpo, sem nenhuma estrela, apenas com a gigantesca lua iluminando. Na direita a vi, contida em seu próprio espaço, fechada e reclusa do mundo.

— Jade… — sussurrei seu nome, sem ideia da sua reação, me vendo ir ao seu encontro e a trazer para mim, em um abraço que, inicialmente, ela não retribuiu, mas com o passar dos minutos, seu corpo relaxou e deixou ser aquecido pelo meu. Seus braços estavam expostos ao frio daquele dia, seu rosto molhado do que com certeza era lágrimas. Não havia visto seu rosto, não era necessário, eu sentia, naquele gesto que fazer questionamentos não adiantariam nada.

Não conseguir dizer nada, apenas a trouxe, abraçando como se um abraço fosse a resposta de todos os problemas da vida, acariciando seus cabelos, sentindo seu coração bater contra o meu e seu choro silencioso umedecer minha camiseta. Apoiei minha cabeça sobre a sua, sentando ao seu lado, no chão, encolhidos como um casulo frágil. Meu peito doía sem qualquer explicação, eu queria entender Jade, eu queria ajudar aquela mulher e dissipar tudo o que a machucava.

— Eu pedi pra ficar sozinha — Sussurrou.

— Eu sei — suspirou. — desculpa.

— Não precisa pedir desculpas — respondeu, fungando lentamente, respirando lentamente, como se tivesse tentando lidar com algo que só ela poderia lidar.

— Eu…eu…

— você?

— Eu não pensei muito, só quis ir atrás de você.  — ficamos abraçados, sem reação, sem nada que não fosse aquilo. — O que eu posso fazer?

— Nada… — sua voz falhou. — você não pode fazer nada, eu também não posso, no fim, ninguém pode fazer nada.

— Sempre tem algo pra ser feito.

— Talvez sim, mas agora…agora não tem. — Fechei os olhos. Se existisse uma única palavra para descrever aquilo, isso, esse momento, eu precisaria saber depois, pois agora eu sentia que precisava ouvir tudo. — Na verdade, tem sim.

— O que?

— Me abraça — pediu, não era necessário ver, o calor das lágrimas de jade aqueciam meu peito. Um nó se formou em minha garganta, mas não recuei e apenas a abracei, tão forte, tão apertado, espremendo nossos corpos um no outro. — Eu só queria ter o controle das coisas, sabe? Eu só queria que nada fosse como é agora, eu só queria não me sentir tão incapaz de fazer o que quero, o que acredito, o que eu confio.

Me calei, escutando suas palavras com toda atenção.

— Me sinto tão patética às vezes, tudo isso é tão simples, mas pra mim é tão difícil, eu simplesmente não consigo entender o que acontece comigo, ninguém entenderia também — me apertou. —  Eu só queria gritar, acordar, ser forte…

— A gente só tem controle daquilo que está ao nosso alcance — comecei. — e mesmo assim, controle é questão de prática, não é uma fórmula mágica, um pozinho de fada, é um processo tão lento que consome nossas energias — Soltei seu corpo, mas ela permaneceu me abraçando, busquei a jaqueta, pondo sobre seus ombros, cobrindo para que ela pudesse se aquecer e voltando a abraçá-la. — e no fim, vale a pena.

— Falando assim, até parece fácil.

— É, até pode ser.

— sempre é — interrompeu antes que eu pudesse terminar.

— Mas você não tá sozinha, você tem pessoas ao seu lado — Acariciei levemente seu cabelos com a ponta dos meus dedos, utilizando a outra para fazer o mesmo gesto sobre o pele. — Você me tem aqui, agora, quando quiser — engoli a seco. — é só me permitir fazer parte disso também, aguentar isso com você.

Não disse absolutamente nada, lidando melhor com o silêncio do que com uma possível resposta. Não quis pressionar, mesmo que quisesse entender Jade, entender todo mistério eu sabia que não tínhamos intimidade o suficiente, talvez nem era para eu estar aqui, talvez nem era para eu tomar a dor dela como se fosse minha. Mesmo assim, independentemente de todos os fatores contras, eu estava ali, querendo ser o mundo dela por uma única e passageira noite, deixar que ela me abraçasse apertado, sendo mais do que um conhecido, um estranho, um desconhecido da cidade que veio tirar férias.

Ela era tão ela que descrever seria impossível, mas eu diria que a motoqueira era como o céu, distante o suficiente para fazer com que eu quisesse estender minha mão para alcançar, e cheia de mistério que aguçava não só a curiosidade como também o coração. Aquela sensação de olhar para tudo sobre mim e perceber como cada instante, minuto, frações de segundos eram tão importantes para mim como respirar. Eu não queria confessar, provavelmente seria cedo demais para dizer isso a mim mesma, mas eu gostava dela, com tudo o que era, com todo o nosso currículo de opiniões divergentes.

Passamos um bom tempo só respirando o mesmo ar. Analisava discretamente o modo como aos poucos toda a agitação nela diminuía, sumia por algumas horas ou apenas era colocado atrás da defesa que ela mesma erguia. Não era a melhor pessoa do mundo para entender todos ao meu redor, mas desde de pequeno me preocupei com as pessoas que sentia uma ligação interna.

— O que você viu lá embaixo…

— Não precisa falar sobre aquilo — seu abraço se afrouxou.

— Você saberia de qualquer jeito, então, antes fosse por mim do que alguém da cidade — concordei, soltando seu corpo gradativamente, até que estivéssemos apenas um do lado do outro, separados por uma fenda pequena, mas ainda assim significava. Tentei não fazer contato diretamente, não ainda, vendo de soslaio. — Ele se chama Rick e era um dos conhecidos que meu pai, quando vivo, pegava dinheiro emprestado pra beber ou gastar com besteiras sem sentido. O velho morreu, mas deixou uma dívida com ele, vinte mil, e nas palavras dele: dívida é que nem herança, passa adiante.

Fungou, limpando a face, olhando para o céu também.

— De começo, eu não quis pagar, achei um absurdo, não pela dívida em si, mas pelo fato que nem morto meu pai me deixava em paz — não era necessário olhar para perceber o peso, o sentimento de frustração que saia dos seus lábios. — ele foi um pai horrível, só piorou depois que minha mãe morreu. Ele me abusou psicologicamente por anos até finalmente morrer e lá estava eu, pagando novamente por algo que ele fez e não pensou um só segundo em mim. — seu olhar caiu sobre mim. — Alguns dizem que todo pai ama o seu filho e irá protegê-lo, só acho que estão enganados, nem todo pai nasceu pra ser pai, apenas genitor.

— Eu te entendo — encarei ela de volta e ela concordou.

— Mas isso nem é o pior — riu, como se aquilo fosse uma piada. — Ele ameaçou meus amigos, o que me obrigou a aceitar pagar essa dívida.

— Você já tentou levar isso pra polícia?

— Polícia? — arfou pela narina. — É a mesma coisa que nada, eu sei que Rick é capaz, ele parece um bom homem mas é só pra enganar a pessoa de longe.

— E tudo isso vai acabar depois que a dívida do seu pai for paga?

— Sabe, não sei, espero que sim, até lá, preciso manter todos protegidos, não quero arriscar. Você viu, aquele homem é maluco, ele gosta de fazer pressão psicológica.

— deve ter algo que possa fazer — tentei pensar, achar algo, uma solução, mas era uma situação onde não tinha muito o que fazer a não ser realmente pagar o que era pedido. — Já percebeu como você quer cuidar de todo mundo, e não quer receber cuidados? — seus lábios torceram e seus cenhos se ergueram em resposta. — Ou só não deixa ninguém cuidar de você.

— Eu já percebi isso em mim — Murmurou. — Só não sei como permitir isso.

— Tem muitas maneiras — falei e ela me encarou, como se não fosse tantas assim.

— Então me conte senhor Jung, já que aparentemente… — pausou, gesticulando. — Você vê muitas coisas em mim que eu não vejo.

— Huh… — pensei. — Dividir um pouco desse peso que você carrega já seria um bom começo — Pisquei, obtendo um sorriso de canto. — Você não tem culpa do que aconteceu aqui, mas age como se tivesse. Esse Rick? Ele é um cuzão.

Ouvir o sorriso de canto se tornar algo maior, algo que eu gostava de ver e relembrar.

— Tudo isso é uma merda — bufei, sentindo meus ombros doerem. — mas não é culpa sua, não é responsabilidade sua suportar o que seu pai fez no passado.

— Nem morto ele me deixa em paz — oscilou negativamente a cabeça e fiz a menção de me achegar mais a ela, diminuindo a distância entre nós.

— Já tentou enterrar ele de você?

— Não sei — os fios longos tamparam a visão dos seus olhos castanhos dos meus e antes que eu mesmo tirasse, Jade os colocou atrás da orelha. — Eu achava que sim, mas pelo jeito ainda não.

— É… — estalei meus dedos contra minhas pernas, esticando-as na superfície áspera, admirando a beleza ao mesmo tempo que tentava aquecer as palmas da minha mão do frio.

Não era só a beleza do céu que estava tão próximo a mim, pelo canto dos olhos, podia ver Jade reflexiva, com os olhos inchados e as bochechas coradas. Cada ar que circulava pelo meu corpo parecia um segundo de coragem a mais para manter a conversa, não sabia, não tinha a menor ideia do que acontecia dentro da sua mente, só tendo o reflexo das suas íris sobre a lua.

— Pelo visto você é bem resolvido com sua família — fiz uma careta. Antes fosse e queria que realmente as coisas seguissem essa linha.

— Me dou bem com meus avós, eles sempre cuidaram e me deram uma segurança que nunca tive em lugar nenhum. — ela concordou, compreendendo. — Já meus pais, minha mãe é extremamente protetora, não que seja ruim, mas também tenho a sensação que… — busquei a palavra que se encaixasse ali.

— Te sufocasse? — Nos olhamos, mantendo aquele contato. Fiz que sim, continuando.

— E meu pai é… meu pai é distante de tudo, de todos, até de quem ele diz amar. Mas o maior problema disso é saber que ele e meu avô brigaram e as chances de fazerem as pazes se torna uma fração minúscula a cada dia. — Apertei meus dedos entre si. — e sinto a necessidade de ajudar eles, a reunir a família novamente como éramos quando eu não passava de uma criança aprendendo sobre o mundo.

— Isso parece algo que só um pai e um filho podem resolver, eles são adultos e… — mosdicou os lábios. — Você não tem culpa do que aconteceu entre eles, mas age como se tivesse, e quer solucionar.

— usando as minhas palavras contra mim? — tencionei a testa.

— Serve para nós dois no fim das contas — cintilou os olhos, se achegando também, repousando sua cabeça em meu braço, erguendo-a para que pudesse fixar em mim, ler meus sentimentos, meus segredos, minhas verdades.

Coloquei minha mão sobre a sua, entrelaçando nossos dedos, sentindo a temperatura da sua mão exercer um efeito em mim que fez até meu coração balbuciar enquanto minha boca secava.

— Valeu por aparecer por aqui.

— Não precisa agradecer — minha voz saiu baixa, mas alta o bastante para ela ouvir. — Eu só fiz o que senti, tenho certeza que o pessoal faria o mesmo se não estivessem com a taverna cheia.

— Eles devem ter ficado preocupados, detesto causar isso neles.

— Às vezes preocupação tem seus bons pontos, significa que todos eles gostam de você e querem seu bem.

— Você tem razão — seus dedos também se envolveram ao redor dos meus, pressionando suavemente. Aproveitei o momento e sua cabeça descansando na minha para fazer o mesmo, repousando sobre a dela, sentindo o cheiro de cereja dos seus cabelos.

— É um milagre ouvir isso de você sobre mim, parece que temos grandes progressos por aqui. — Jade riu.

— Você não perde a oportunidade, não é?

— Claro que não — ouvir sorri entre as narinas.

Passamos alguns minutos ali, na presença um do outro, por diversas vezes falava algo que a fazia rir novamente, sempre tendo as respostas na ponta da língua. Em nenhum momento questionamos algo sobre nós, somente vivíamos o que queríamos naquele exato momento.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top