CAPÍTULO 03
Melhor do que acordar com som de máquinas de construção de edifícios, buzina de carro ou vizinhos que discutiam toda manhã no mesmo horário, era acordar com o som de pássaros e outros animais que meu cérebro sonolento tentava identificar junto com um cheiro agradável de café. Abrir os olhos, o sol atravessava as brechas da janela, alcançando em cheio o mesmo rosto, me banhando com alguma vitamina importante para a pele que não conseguia pensar perfeitamente de qual se tratava. Demorou alguns instantes até tudo fazer sentido para mim, erguendo-me na força da coragem e arrumando a bagunça que tinha espalhado noite passada antes de pegar no sono. Também tomei um banho, escovando meus dentes e alongando minhas costas, juntando os pratos e caminhando para fora do cômodo, avistando minha vó concentrada com um gatinho em seu colo, na mesa da cozinha meu avô tomava seu café.
— Bom dia — cumprimentei os mais velhos e antes de fazer qualquer qualquer seguir em direção a pia, lavando os pratos. Escutei minha vó reclamando que não precisava me ocupar com aquilo, mas insistir que era uma prática simples e rápida, que em alguns minutos eu já tinha lavado e secado.
— Você vem comigo hoje? — o mais velho perguntou e concordei, me alimentando antes de me aventurar com tudo o que ele fazia nesse meio tempo que morava ali. Assentir, respondendo positivamente, finalizando o café e me juntando com ele. — Bem, trouxe para você — se aproximou, me entregando um chapéu de couro. — Foi o primeiro que tive, vai ficar muito bom em você e te proteger caso alguma fruta caía, mas se for a maçã caiu na cabeça de Isaac Newton, podemos pensar, o que acha?
— Acho melhor eu ficar de olho nas macieiras daqui — um riso genuíno escapou dos meus lábios. Eu e meu avô saímos da casa, caminhando um pouco até chegarmos onde estava algumas vacas, todas muito bem tratadas e cuidadas. Observei o cuidado do mais velho com cada um dos animais, como tinha paciência e também tinha amor, asseando os animais e me orientando.
— Como está seu pai? — Indagou. Esperava por aquela pergunta desde que cheguei aqui. Sabia do pequeno desentendimento do meu pai com meu avô por conta da decisão de morar na fazenda, longe da cidade grande, ter uma vida mais simples, menos agitada. Meu pai não aprovava isso e isso só piorou quando cogitou internar meus avós, indagando com certeza que os dois não tinham condições mentais para se aventurarem em um lugar que não tinha praticamente nada. Nem eu, muito menos minha irmã e minha mãe aprovaram sua fala, sabíamos que os mais velhos estavam saudáveis o suficiente e que estavam cientes de tudo.
— Ele está bem. Bem, pelo menos a última vez que falei com ele, foi isso que disse.
— Ele não perguntou sobre mim ou sobre sua avó? — Pensei no que responderia, se contaria a verdade ou tentaria desviar, no entanto, um estalo me fez lembrar que quanto mais adiava, mais difícil ficaria. Neguei com a cabeça, observando seu olhar ficar miúdo e seus ombros encolherem. — Bom, pelo menos ele está bem, é o que importa.
— Tenho certeza que vocês vão se acertar vô — afaguei seu ombro, sendo positivo como sempre me ensinou a ser. — Meu pai só está na fase da ignorância, confio que ele vai ver o erro e o peso das palavras e vai conversar com você e a vovó.
— Espero que sim, querido — Apertou meu ombro, se virando para mim. — Vamos apanhar as frutas que sua avó pediu? Ela quer fazer uma torta hoje.
— Vamos sim — nos abraçamos. Era como quando montava em seus ombros, correndo por aí, descobrindo não só o mundo como o universo. Pegamos um cavalo, como eu não sabia montar, meu avô me explicou os detalhes e tentei seguir a risca, sentindo meu traseiro doer devido ao impacto do animal e a falta de costume. Chegamos em um local muito bonito, um imenso jardim com caminhos de pedras, árvores gigantescas, a maioria com frutos bonitos e outras apenas com folhas. Estávamos em uma temporada boa, ouvia muitos dizer que nesse período a colheita agradava a todos.
Me encantei com as cores, com os raios de sol atravessando os galhos, das frutas caídas do pé, do aroma que exalava com passar e aproveitei para pegar algumas cestas.
— Ela pediu peras, pitangas, caju e maçã. — especificou. Nos dividimos, cada um indo para o lado. Tratei de encher as cestas com as frutas, vislumbrando a paisagem e vivendo aquilo. Eu entendia porque meus avós tinham decidido sair da cidade, fazia todo o sentido e se eu estivesse no lugar deles, faria o mesmo.
Quando terminamos de arrumar tudo, colocamos em uma pequena carroça, voltando para a casa.
— Me espere aqui, Hoseok, vou ver porque as galinhas estão agitadas — escutei o barulho intenso dos animais, parecia que estavam brigando ou algo parecido. Já tínhamos chegado na área principal e durante a saída rápida do mais velho, decidi adiantar as coisas, levando as cestas para a varanda no qual, em seguida, poderia levar para dentro da residência.
Quando menos esperava, o som de uma moto bem barulhenta tomou meus ouvidos e quando me virei, em direção a cerca que era aberta, observei uma figura, o motoqueiro que se minha memória era forte, era o mesmo que por pouco tinha me atropelado no dia anterior. Parei o que estava fazendo sem perceber que tinha parado, olhando enquanto se aproximava, estacionando bem rente a entrada, puxando o descanso da moto e saindo de cima, por fim removeu o capacete.
Meus olhos piscaram algumas vezes, focando na mulher de cabelos longos e cacheados, a motoqueira ao invés de motoqueiro, percebendo os belos e únicos detalhes, da despigmentação da pele na forma de manchas que vinha do rosto e descia pelo seu pescoço, alcançando as mãos, da jaqueta muito bem trajada que envolvia seus ombros e braços, descendo sobre uma blusa preta e combinando com a calça jeans escura e desbotada, agregando a bota suja da areia do solo ou apenas da poeira que se erguia quando acelerava a motocicleta.
Esperei para que virasse em minha direção e ao fazer, pude ter total visibilidade dos seus olhos castanhos claros sobre os raios do sol ameno daquela manhã, notando quando me encarou de volta, prolongando aquilo em segundos desconfortáveis. Olhei para o outro lado, voltando a fazer o que fazia, tirando a última cesta de frutas.
Os passos ficaram mais próximos à medida que o tempo se arrastava.
— Olá — A voz iniciou. O tom começava brando e finalizava irregular. — Bom dia, você poderia me informar se o senhor ou a senhora Jung, estão? — Direcionei para ela. A mulher na minha frente era alta, mediana eu diria, daria não mais de 1,65 de altura, o que próximo da minha altura era considerado baixo. Numa distância de três passos, vi mais de perto seu rosto, seus olhos, o declínio que os fios ondulados faziam envolto do rosto dela, de maneira que fosse hipnotizante para mim.
— Estão sim — respondi, inalterado, balançando a cabeça. Olhei para trás, em direção a sua moto, percebendo o desenho de uma aranha na lateral, o mesmo que vi anteriormente. Dúvidas não existiam, era ela a pessoa que por pouco não havia me atropelado.
— Ah, tudo bem — oscilou a cabeça e antes de dar de ombros, minha voz saiu, escapulindo o que eu queria indagar desde que tinha notado.
— Você veio aqui ontem, certo? — Tirei o chapéu da cabeça, pondo sobre a carroça, olhando brevemente para o cavalo que em todo o momento não tinha se afetado com nenhum dos barulhos.
— Como? — Retornou para mim.
— Ontem, foi você que estava aqui ontem.
— Sim? Por que?
— E que acredito que tenha sido você que quase me atropelou quando estava chegando — ela arqueou o cenho, como se o que eu falei tivesse puxado alguma lembrança dela.
— Ah, sim, você. Eu lembro — Não transpareceu culpa.
— Não estou pedindo desculpas nem nada, mas deveria tomar cuidado, olhar para frente mais vezes — a vi balançar a cabeça, sorrindo frouxo.
— Entendo, entendo. Mas não sou eu que devo olhar para frente e sim você, quem ficou olhando pro nada, pelo que lembro, foi você. — foi minha vez de arquear o cenho. — De qualquer jeito, você está bem, não é? Pronto, perfeito, é o suficiente — deu as costas, sem me permitir responder.
Me sentia levemente ofendido com sua fala e como converteu a culpa como se fosse somente minha. Fato, eu estava bem, mas era bom ter cuidado para evitar acidentes.
— Só quis dizer para evitar acidentes, não é porque a pessoa tá olhando para o nada que você vai passar por cima — mudei totalmente minha atenção, olhando ao redor, procurando o mais velho.
— Mas que mer… — cortou a própria fala. — Só para deixar claro, eu não iria passar por cima de você, entendeu? Eu sei muito bem evitar acidentes.
— Não pareceu — murmurei.
— Olha, eu não sei quem é você mas… — antes que pudesse completar a fala, meu avô surgiu dos fundos, abrindo um sorriso gigante.
— Jade, que bom que veio — enunciou, ficando mais perto. — Vejo que já conheceu meu neto, Hoseok, não é? — olhou para mim e posteriormente para ela. — Tá tudo bem por aqui?
— Tudo bem sim vô, a senhorita estava procurando você ou a vovó.
— Tudo certo por aqui senhor Jung — sorriu docemente. Sua expressão mudou completamente, nem parecia a mesma pessoa de antes, evitando olhar até mesmo para mim. Já não bastava quase ser atropelado, agora a culpada estava simplesmente jogando a culpa em cima de mim.
Me contive. Eu tinha um equilíbrio entre ser calmo e ter pavio extremamente curto e me esforçava para manter esse equilíbrio.
— Essa é a Jade, Hoseok, ela é uma jovem adorável — comentou o mais velho. — ela e seus amigos sempre me ajudam com as coisas da fazenda ou fazendo entrega, como eu disse, todos aqui se ajudam.
— Muito legal vovô — curvei o canto dos lábios, formando um sorriso. A mulher, Jade, fez o mesmo movimento e rapidamente desviou.
— Vou aproveitar que você tá aqui e pra pegar as jarras de leite para ela, faça companhia para a moça até eu voltar — despediu com um aceno breve, indo para os fundos da casa. Se antes já me sentia desconfortável, agora tinha piorado ainda mais.
— Neto do senhor jung, né? — perguntou, um riso irônico.
— Sim, por que? — confrontei.
— Não parece. Ele sempre foi uma pessoa gentil e muito amigável, imaginei que todos da família dele eram assim, mas pelo visto nem todos.
— Gentil e amigável eu também sou, mas com quem não tenta me atropelar e ainda por cima me culpa. — Falei, sem ter qualquer receio. Já estava ficando levemente irritado com aquilo.
— Não tentei atropelar você e apenas falei a verdade! — rebateu, seus olhos caíram sobre mim e eu não desviei, não iria desviar quando eu confiava nas minhas palavras. — De qualquer jeito, ache o que quiser.
Se calou e não me esforcei para puxar assuntos. Os minutos se passaram e absorvemos o silêncio como uma discussão que ambos ganhariam.
— Pronto, aqui — meu avô retornou e a ajudou a arrumar as jarras em um compartimento ao lado da moto. — Jade, antes de ir, queria pedir algo para você.
— O que?
— Se pudesse apresentar a cidade para meu neto quando puder, ficaria muito feliz. Tem muitas coisas legais e sei que você está por dentro dos eventos e das confraternizações.
— Vovô, não precis…
— Queria que ele conhecesse um pouco do lugar. — Mirei o homem mais velho, sem focar na mulher sobre a moto.
— Uhuh, qualquer dia desses, quem sabe, não é? — ela sorriu, um sorriso genuíno e bonito. Pisquei uma, duas, três vezes seguidas. A motoqueira em sua moto saiu em disparada, sem olhar para trás e isso foi muito bom, pois já tinha consciência que não tínhamos nos dado muito bem, ou apenas começado da maneira errada e que o pedido do meu avô com certeza seria esquecido por ela e por mim.
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