Capítulo 4
Quando Harry se jogou em meus braços, um pensamento cruzou minha mente. Eu tenho que proteger ele. Desde o início achei ele tão fofo, gentil e corajoso, muito mais forte do que qualquer um que eu já conheci. Harry veio até mim como um presente, meu primeiro presente na vida, e ele queria ficar comigo, mesmo isso significando ter que estar nesse lugar horrível, com pessoas detestáveis e cruéis.
Não queria perdê-lo, nem deixar alguém machucar meu Harry, que é minha primeira família depois de tanto tempo sozinho. Mas tinha alguém que queria tudo isso e mais, que queria tirar ele de mim descaradamente e eu sabia disso, conseguia sentir em meus ossos a dor de imaginar os olhos verdes vidrados naquela bruxa velha, imbecil e ladra de Harry.
Levantei meus olhos, estava com tanta raiva que sentia minha garganta fechar, fazendo minha voz sair cortante quando me pronunciei.
- O que você fez?! - Olhei nos olhos daquela magricela gigante, com rosto de lua cheia e cabelo cor de ferrugem. Tudo nela parecia me deixar possesso, como se pudesse jogá-la pelos ares por um suspiro sequer que soltasse.
Não poderia me importar menos se ela matasse a maldita Cole ali mesmo, odiava tanto a loira que até poderia aplaudir a cena, mas tinha feito na frente do meu Harry uma demonstração descabida de tortura e agora ele não parava de chorar. Ela é uma louca perigosa, agora eu tinha certeza disso, apesar de já ter afirmado isso para o rapaz em meus braços antes mesmo de conhecê-la.
- Escuta aqui, pirralho, eu..
- ESCUTE VOCÊ! - Gritei, sentindo o moreno se espremer em meus braços, quase se fundindo à mim. Apertei-o, sentindo o cheiro de lírios e produtos de limpeza impregnado nele, com um aroma em especial saindo dele, como algo próprio, da autoria de seus hormônios. Esse cheiro me fez vibrar, era como sentir a fragrância do medo adentrar meus pulmões e isso fez meu peito apertar. Meus olhos se encheram contra minha vontade. Respirei fundo, tentando recuperar meu controle antes de voltar à falar. - Não sei o que você quer aqui, pouco me importa isso, mas se voltar a fazer o Harry chorar, eu vou mandá-la pessoalmente para o inferno, bruxa velha! - Ralhei entredentes, vendo a mulher arregalar os olhos. - Se quer matar a Cole, leve-a para casa e faça vinho com o seu sangue, mas eu não vou deixar você levar ele para longe de mim.
O momento de silêncio foi quase ensurdecedor. Tirando pela respiração desregulada do mais novo e as batidas do seu coração, podia jurar que o som ambiente havia desaparecido. Então, como uma explosão, a mulher gargalhou alto e, como a verdadeira velhota que era, tossiu algumas vezes antes de sua crise de riso diminuir.
- Então foi isso que você esteve fazendo enquanto eu me ocupava com essa trouxa imunda? - Ouvi a pergunta da mulher, sem entender exatamente o que ela quis dizer.
Apesar de entender o termo trouxa, por conta das visitas do velhote, ainda era estranho ouvir alguém falar assim.
- Tom.. - Harry me chamou, levantando os olhos verdes, suplicantes e inchados, me impedindo de continuar xingando a ruiva. Toquei a lateral de seu rosto com o dedo indicador, repousando o polegar no canto do olho esquerdo dele, deslizando suavemente a fim de tirar a umidade dali. - Eu.. ela.. - Ele olhou de soslaio para a loira, depois voltando o verde intenso para mim, que agora brilhava por novas lágrimas acumulando. - Ela é tão má.. Queria te machucar. - Assisti ele morder o lábio e soltar com força, ato que entendi ser frequente quando Harry ficava nervoso. Quando seus olhos fecharam, as lágrimas desceram por suas bochechas rosadas como em um chafariz. - Eu não podia deixar, Tom.. Não podia.. P-proteger você..
Quando a ficha caiu, fiquei sem saber o que dizer. Olhei para a ruiva que concordou com um sorriso e alguns pulinhos, comemorando meu entendimento. Voltei minha atenção para Harry que chorava novamente, ele realmente parecia assustado com tudo aquilo, mas na verdade, seu medo era outro que eu nunca imaginaria sem que ele dissesse, pois não acreditaria em qualquer outro que falasse tal absurdo. Ele havia se posto na minha frente para me proteger e atacou a Cole quando essa ousou tentar me machucar. E agora chorava com medo da minha reação ser negativa, talvez de eu achar que ele é um monstro? Uma aberração? De forma alguma! Harry Potter foi a primeira pessoa que interviu por mim, para me proteger. Ele foi a primeira pessoa que se importou comigo de verdade, sem pedir nada em troca, mesmo tendo me conhecido pouco tempo atrás. E essa mesma pessoa estava se desculpando eloquentemente para mim.
Não consegui segurar uma risada profunda, chamando a atenção dos dois que estavam conscientes. Harry estava fungando tanto, fazendo um barulho engraçado quando soluçava ao mesmo tempo, e eu ri um pouco mais. Seus olhos estavam arregalados, me permitindo olhar a imensidão verde viva. Igual um raio, pensei, depois mirando a cicatriz que, ironicamente ou não, era no formato de um raio.
- Como seus tios conseguiram te esconder de mim por tanto tempo? - Questionei, sem realmente esperar uma resposta, pegando o rosto branquinho nas minhas mãos, vendo ele morder o lábio e remexer a ponta do nariz. Sorri para sua expressão preocupada. - Não se preocupe, porque agora você é meu e eu não vou te devolver para eles. - Me aproximei do seu ouvido, sussurrando com um sorriso nos lábios. - Ou para bruxa velha com cara de lua cheia.
Depois de falar aquilo convicto das minhas palavras, pude ouvir Harry rir baixinho para mim, me puxando para outro abraço, até que a bruxa decidiu nos separar, batendo na minha cabeça com força demais para a velha caquética que ela é.
- Solta meu filhote agora, cabelo lambido! - Me senti tentado a socar a velha e abraçar o Harry de novo, mas o outro se afastou de mim, rindo da minha indignação. - Quem você está achando que é para me chamar de velha?! Um fedelho que cheira a leite e talquinho, querendo bancar o adulto só porque está de terno e gravata? Não me faça rir, moleque. - Ela batia sua bengala repetidas vezes no chão, enquanto apontava com a mão livre para mim, revirando os olhos castanhos algumas vezes, voltando a encher a boca para falar asneiras.
- Parece que o guarda do asilo deixou uma velha catatônica fugir.. Ou será que foi o guarda do hospício? - Retruquei, vendo a mulher ficar com a face da cor do cabelo ruivo, rangendo os dentes enquanto me olhava. - Harry, eu já te disse para não falar com pessoas suspeitas.
- Acho que devemos procurar outro orfanato para você ficar. - Ela puxou o rapaz pela mão, que olhou para a velhota com uma expressão muito confusa, recebendo um olhar estranho da mulher. - Quero que tenha amigos que saibam me respeitar, não moleques abusados para te influenciar a se revoltar contra mim.
Antes que a louca pudesse arrastar o moreno, peguei em sua outra mão, o puxando em minha direção. Nos olhamos com raiva crescente, porém fomos interrompidos por um murmúrio estrangulado.
Nós três olhamos para Cole se contorcendo no chão como um inseto, ato muito válido para ela. A ruiva soltou Harry e foi até a mulher semi-desperta, batendo a bengala no piso até essa encolher. Nas mãos da mais velha uma varinha com elevações quase esféricas cheias de furos era balançada de um lado para o outro, em conjunto com alguns dizeres da bruxa, fazendo com que Cole parasse de resmungar e retornasse para sua inconsciência.
- Ela vai acordar? - Harry, até então calado, perguntou, olhando profundamente para a moça desmaiada. No instante em que a ruiva soltou um suspiro, percebi a mão do rapaz entrelaçada à minha, com força o suficiente para eu não conseguir me soltar.
- Vai. - A velha respondeu. Minha mão foi apertada ainda mais e pude sentir meu corpo ser jogado para trás do moreno, ele se pondo entre a loira e eu. Sorri com isso, repousando meu queixo em seu ombro enquanto olhava para a velha. Conforme sua expressão ficava furiosa, decidi abraçar o rapaz na minha frente e suspirei em deleite quando ele repousou as costas no meu peito. A bruxa velha não iria conseguir tirar Harry de mim, isso devido ao simples fato dele não querer me deixar. A escolha é dele, afinal, e assistiria feliz ela morrer de desgosto por isso. - Mas não irá se lembrar dos últimos acontecimentos, pois apaguei as memórias recentes dela sobre sua demonstração de magia. - Ela contou e sorriu. - Só vai sentir uma dor de cabeça infernal, mas é possível que nem perceba por conta das dores corporais.
Ouvi Harry rir baixinho, não me agradando muito, afinal, sou eu aquele que o faz rir com facilidade. Apertei seu corpo no meu, ouvindo ele ofegar e interromper sua risada.
- Então ele vai ficar, Albertha Waterhouse? - Isso não foi uma pergunta, foi um desafio. Tente tirar ele de mim, velhota, e veja o que te aguarda.
- Oh! - Ela pareceu surpresa, mas logo abriu um sorriso amplo e alegre para mim. - Pode me chamar de Bertha, criança! - Fiquei sem reação com aquilo. Quando viramos amigos? - O Harry com certeza quer ficar com você, senhor..?
- Tom Riddle! - O garoto em meus braços quase pulou ao falar, porém o firmei no chão e belisquei sua cintura, para ver se ele aprende a não falar com desconhecidos. Seu murmúrio de dor foi um pouco fofo, pois em vez de se afastar, ele apenas se aconchegou em meus braços.
- Com o senhor Riddle, então! - A moça saltitou, batendo palmas como uma desvairada. Confirmado que a mulher é completamente maluca e bipolar, apenas neguei com a cabeça.
- Ela é sempre assim? - Sussurrei para Harry, que riu baixinho para mim. Sorri, satisfeito por ser aquele quem o fez rir.
- Acho que Bertha gostou de você.. - Ele respondeu no mesmo tom de voz da minha pergunta, rindo mais um pouquinho quando mostrei a língua para ele em sinal de nojo. Talvez fazê-lo rir só para ouvir o som de sua doce risada acabasse virando, com o tempo, algum tipo de vício meu. - Só não chame ela de você-sabe-o-quê.
Revirei os olhos. Conversamos nós três por mais alguns minutos, tentei me restringir ao máximo de chamar a velha de velha, já que Harry havia me pedido com jeitinho. Conseguimos chegar num acordo, aonde o rapaz de olhos verdes iria visitar, comigo como seu segurança, a biblioteca de Albertha durante a semana, para que ele e, consequentemente, eu fossemos ensinados pela ruiva um pouco de magia, já que éramos "diamantes brutos pedindo por lapidação" de acordo com a visão da velha.
Depois disso, a mulher levou Cole para o sofá com facilidade, levitando a loira desmaiada acima de nossas cabeças e deitando-a sobre o couro falso da mobília. Começou a se despedir de nós dois, dizendo para sairmos dali, pois discutiria com a governanta do orfanato alguns assuntos importantes antes de voltar para casa, pois passava da hora de abrir a biblioteca. Harry correu para abraçá-la, me deixando com um gosto amargo na boca, entretanto, tamanho foi meu susto quando a ruiva me puxou para também participar do abraço, sendo apertado contra ela e o rapaz que jogou um dos braços sobre meu pescoço. Apesar de contrariado, me permiti ser abraçado, em consideração ao meu novo amigo, e até retribuí a mulher com cautela, ouvindo a mesma rir e me apertar até meu ar quase esvair dos pulmões. Tive que me segurar para não chamá-la de velha assassina.
Não admitiria nem sob tortura, mas Albertha foi a segunda pessoa que me abraçou desde que me entendo por gente e isso foi reconfortante. Ter Harry ali comigo era simplesmente mágico, como estar completo depois de uma vida sozinho e, só talvez, aceitar a presença velhota não seja uma ideia tão péssima como parecia antes. Eles pareciam se importar um com o outro e fazer parte disso parecia certo demais na minha cabeça. Isso me preocupou, porque eu percebi que realmente queria, depois de todos esses anos negando para mim mesmo, uma família que me amasse e estivesse comigo nos momentos que precisasse.
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