Capítulo 3
Tom e eu estávamos deitados de lado, um de frente para o outro, conversando sobre tudo o que conseguimos pensar. Falamos sobre coisas banais, como nossas idades e descobrimos que ele era quase um ano mais velho que eu, tendo ele 10 anos e eu 9, sobre nossas cores preferidas, a dele sendo verde e a minha vermelha, o animal que mais gostamos, ambos optando por cobras que ajudavam príncipes perdidos à voltar para casa.
Falamos sobre pessoas queridas e assim chegamos em temas tensos, como sermos órfãos, sofrermos abusos de pessoas cruéis, sermos tratados como aberrações e até discutimos sobre magia, quando contei sobre Bertha e minhas descobertas, sem pensar muito nas consequências, pois meu cérebro não conseguia fazer minha boca entender que era para ficar fechada em alguns momentos. Porém, para minha surpresa, ele contou que podia fazer coisas impossíveis que pessoas normais não entendiam, por isso ele evitava fazê-las quando acompanhado.
Saímos da cama momentos depois para ele mostrar sua habilidade de dominar as chamas da lareira, sendo essa a forma como ele chamou esse seu talento especial, fazendo duas pessoas de fogo dançarem uma valsa perfeita, que me fez corar em animação e sorrir. Após perguntar onde ele aprendeu, Tom revirou os olhos e disse que era um gênio, ninguém precisava lhe ensinar nada, pois ele aprenderia com seu próprio esforço. Foi assim que percebi o quão orgulhoso ele era.
Após essa demonstração de magia, voltamos para cama e eu me senti confortável o suficiente para lhe contar sobre meus sonhos, dos mais normais aos mais tenebrosos, como um raio verde se aproximando e me causando dor, o choro e gritos de uma mulher que sempre me atormentaram, ou até mesmo quando via aquele orfanato, porém sem nunca poder entrar nele.
- Então você esteve sonhando com esse orfanato durante anos, por isso acha que deve estar dormindo e nada aqui é real? - Tom perguntou tranquilamente, encarando meus olhos com tanta vontade que podia jurar que ele iria ler minha mente se fosse possível.
- Com você falando dessa forma, parece que eu sou louco.. - Murmurei, desviando o olhar, sentindo a pele fria dos dedos dele roçar nos meus lábios.
- Não precisa fazer bico, eu não estou te chamando de louco ou algo desse tipo, se quer saber. - Voltei a contemplar o rapaz, que sorriu expansivo. - Na verdade, eu achei que estava ficando louco quando você entrou no quarto.
- Por quê? - Perguntei, me aconchegando no ombro de Tom até conseguir me deitar ali. Pude ouvir ele rir baixinho, para depois mexer suavemente no cabelo perto da minha nuca, o que me fez sentir instantaneamente sono.
- Bem, quando você entrou.. - Ele pareceu pensar um pouco, negando com a cabeça em seguida. - Antes de você entrar no quarto, eu estava sentindo uma presença diferente, como se algo estivesse vindo para mim. - Senti o carinho ser intensificado, então me aconchegei mais ainda do ombro alheio e suspirei quando fui puxado por uma mão nas minhas costas, me fazendo ficar ainda mais colado no rapaz. - E então você entrou no quarto, porque era você quem estava vindo para mim. - Sua voz soou baixinha, mesmo tão de perto, mas ouvi com clareza e sua fala me fez querer chorar. - Harry?
Ele tirou a mão das minhas costas, levantando meu rosto com ela. Seu dedo indicador passou vagarosamente pela minha bochecha, limpando uma lágrima que eu nem tinha percebido ter deixado cair, por ser apenas um derramar leve de lágrimas e pensamentos confusos.
- E-eu.. - Sibilei, tentando pegar ar ao mesmo tempo em que o perdia e que me perdia em meu raciocínio.
- Você..? - Ouvi sua pergunta ser suspirada contra minha testa, a expiração de Tom chocando-se com a pele sensível da minha cicatriz. Respirei fundo, tentando parar o choro silencioso. - Harry, você não está dormindo.
Meus olhos miraram os seus. Se eu não estou dormindo, quer dizer que.. o que isso quer dizer?
- Eu não preciso mais ficar com meus tios? - Perguntei, vendo ele negar com a cabeça, me fazendo rir um pouco. - Posso aprender magia? - Nosso olhar cúmplice me fez pensar no quão divertida seria essa amizade daqui para frente, nos fazendo rir juntos dessa vez. Quando paramos de rir, toquei o rosto pálido de Tom com os dedos, sentindo a pele morna contra a minha, me tranquilizando conforme percebia que aquilo era real demais para ser um sonho. - Vamos ficar juntos?
- Eu não pretendo te deixar ir para lugar nenhum, se é essa a sua dúvida. - Sorri com aquilo, sentindo o meu peito aquecer com a esperança de finalmente não estar mais sozinho, de ter uma família que me quisesse por perto tanto quanto eu a queria.
Passamos mais alguns minutos deitados antes de eu sentir algo formigar sobre minha pele, fazendo cócegas no meu corpo. Ri e me debati até entender que aquilo era obra do casaco que estava vestindo, então o tirei com a ajuda de Tom e ambos olhamos para a peça de roupa da cor preta nas mãos dele.
- Foi você quem fez isso? - Perguntei para o moreno, que bufou, antes de jogar o casaco em cima de sua cama, me afastando dele.
- Você acha que fui eu? - Me respondeu com outra pergunta, entredentes, que me fez rir baixinho. Ele estava claramente irritado. Tom me olhou indignado e apontou para o meu rosto e eu tive que conter a vontade de rir ainda mais, tentando me manter sério. - Deve ter sido a bruxa velha que te trouxe aqui! Por que infernos eu faria isso, Harry?! - Então ele apontou para si e arregalou os olhos castanhos quando algo na lareira explodiu. Eu comecei a rir alto da cena, me abaixando quando ele pegou o casaco que se remexia e o jogou em minha direção, rindo mais alto por ele não ter me acertado.
- Tom.. - Murmurei entre um olhar de morte dele e minha crise de riso, me aproximando do rapaz. - Desculpa por perguntar isso, mas eu fiquei surpreso! - Segurei seu ombro quando ele tentou se esquivar de mim, olhando feio para a atitude idiota dele. - Tom!
- Deve ter sido a bruxa velha.. - Ele murmurou, fitando o chão como se sua vida dependesse disso.
- Ela não é uma bruxa velha! - Falei, dando um tapa no antebraço alheio e pude ouví-lo sussurrar um "ela é sim", o que me fez rir de novo.
- Você ri com muita facilidade. - Ele falou e revirou os olhos, saindo de perto de mim para pegar o casaco que foi jogado no chão, depois voltando para pegar minha mão com a sua livre, levando-nos para fora do quarto.
- Você me faz rir com facilidade. - Argumentei, vendo o outro sorrir cheio de si e dessa vez eu que revirei os olhos. - Para onde estamos indo?
- A bruxa velha deve estar te chamando. - Ouvi ele contar como se não estivesse insultando a bruxa que é realmente mais velha que nós dois. Ok, talvez não seja uma ofensa. - Será que ela vai tentar te levar com ela? - Ele me perguntou quando estávamos descendo as escadas e eu quase caí do degrau com a questão, pois esse era meio que nosso plano inicial.
Mordi meu lábios inferior até sentir o gosto metálico do sangue, sabendo que isso não iria acabar bem. Tom já não parecia ser muito favorável à Bertha desde que mencionei-a, sendo que eu ainda nem pude contar para ele que iria morar com ela em cerca de um mês. Não que ele tenha odiado completamente a ruiva, pois guardou e distribuiu todo esse sentimento para meus tios e primo quando os citei na nossa longa conversa no quarto.
Mas isso não significa que ele tenha gostado de Albertha Waterhouse, muito pelo contrário, ele disse ter achado a ruiva completamente insana e perigosa, que ficar perto dela seria exposição ao perigo iminente. Ela era uma desconhecida, afinal, e isso era algo que Tom pontuou várias vezes em tom de bronca, como se esquecesse que o conheci pouco tempo depois dela.
Por um momento, cheguei a pensar que ele estava pressentindo algum tipo de perigo que eu não era capaz de compreender, mas logo descartei essa possibilidade ao lembrar do quão doce e cômica a mulher podia ser, assim como sua família, apesar de ter um pé atrás quanto algumas histórias e frases deles, que pareciam um tanto macabras, até para fantasmas, mesmo não tendo conhecido nenhum antes deles.
- Como sabe que ela está me chamando? - Apertei minha mão na do rapaz ao meu lado, sorrindo quando ele entrelaçou nossos dedos e me puxou para mais perto, próximo o suficiente para sua boca relar em minha orelha.
- Eu já te disse que sou um gênio. - Sussurou no meu ouvido, fazendo meu corpo arrepiar sem motivo aparente.
Senti meu rosto catatonicamente quente e fui acometido por ansiedade. Mordi meu lábio inferior na tentativa de acalmar meu coração que galopava arduamente e por muito pouco, isso desde que conheci Tom. Incomodado pelo outro não se afastar e andar cada vez mais devagar, comigo em seu encalço, virei o rosto na direção do moreno. Esse foi o meu erro. Me deparar com os olhos castanho-escuros brilhando para os meus, perder o fôlego e sentir ele se aproximar de mim sem saber o que fazer. Quando sua cabeça descansou sobre meu ombro, me senti muito mal.
- Acho que sou genial o suficiente para saber que você não vai ficar. - Seu sussuro doeu mais do que qualquer surra que tio Valter me dera, que qualquer função doméstica trabalhosa e árdua que tia Petúnia me colocara para fazer ou que as coisas horríveis das quais Dudley e seus colegas me chamavam. Aquilo pareceu ferir minha alma. Nada disso parecia estar certo, o plano de Bertha; eu não podia deixar ele desse jeito ou de qualquer outra forma.
Toquei com minha mão desocupada sua nuca e dedilhei aquela região, ouvindo um soluço profundo em meu ombro. Não pude me impedir de depositar um beijinho na ponta da cabeça dele, parando meu rosto ali, aspirando o agradável cheiro de shampoo e.. Tom. Um cheiro que eu não sabia explicar qual era, só que combinava com ele e é bom. Muito bom.
- Eu não pretendo deixar te deixar ir para lugar nenhum, se é essa a sua dúvida. - Senti os braços dele me apertarem com força, como se eu fosse capaz de deixá-lo em um piscar de olhos. Devolvi o abraço, esfregando meu nariz nas madeixas castanhas onduladas que cheiravam tão bem.
Depois de um momento muito confortável onde ficamos abraçados, minha consciência pesou quando ele levantou a cabeça do meu ombro e se afastou. Fiquei um pouco constrangido no segundo seguinte, mas essa sensação foi pelos ares assim que vi um sorriso amplo e genuinamente feliz no rosto de Tom, com suas bochechas e olhos levemente vermelhos pelo choro abafado pelo meu ombro. Aquele era o sorriso mais bonito e estonteante que eu já tinha visto, tudo nele era perfeito, o que me fez acompanhá-lo no gesto. Demos as mãos novamente e seguimos até o corredor pelo qual passei, onde me pus à conduzir o moreno até a sala que tinha visto Bertha pela última vez.
Na porta, pude ver Bertha e senhora Cole conversando animadamente, rindo e sorrindo algumas vezes, mas, quando essas se viraram para nós, seus sorrisos morreram. Senhora Cole assumiu uma postura rígida e fria, como se estivesse vendo um inseto, me fazendo apertar a mão de Tom e colar meu corpo no dele, me pondo na sua frente instintivamente. Já Bertha, totalmente alheia à mulher, parecia chocada com o que via, os olhos esbugalhados e a boca alterando entre sorrisos estranhos e uma abertura de boca que dava medo.
- Com licença?! - A senhora Cole foi a primeira a se pronunciar, olhando para nós como se fosse capaz de nos matar com um olhar. Sua voz era estridente e irritante o suficiente para me fazer ter espasmos de dor de cabeça instantaneamente. - Volte para seu quarto agora, Senhor Riddle! - A mulher loira ordenou cortante, as pupilas quase desaparecendo nos olhos azuis. A frase foi carregada de nojo e ódio, me fazendo tremer no lugar em que estava.
- Eu não.. - Tom ia dizer algo, até tentou falar, porém foi interrompido abruptamente.
- Sinto muito por isso, senhora Waterhouse, foi tolice minha acreditar que não veríamos uma praga hoje. - A loira se aproximou de nós, andando em passos duros, sua expressão fria como o gelo, mas com olhos borbulhando em pura raiva.
Eu pensei anteriormente que esse um olhar direcionado apenas para mim, já o tinha visto várias vezes estampado nos olhos do meu tio, mas quando percebi que ela olhava fixamente para a pessoa atrás de mim, um fio na minha mente pareceu se partir. Em seguida, os gritos de dor foram ouvidos por todo o corredor, onde Bertha, Tom e eu víamos a mulher gritar ajoelhada, os olhos, antes cheios de ódio, agora estavam estatelados em dor conforme ela parecia rasgar as cordas vocais com seus urros. Era a primeira vez que via algo daquele tipo, uma pessoa sendo torturada por, provavelmente, magia, e foi assustador o quão satisfatória aquela cena me pareceu, como a tal justiça divina da qual tia Petúnia vivia se gabando quando comentava sobre a morte dos meus pais.
- Já é o suficiente. - Ouvi Bertha dizer, tocando minha cabeça e eu sequer percebi quando ela se aproximou. Movi meus dedos para conferir se tudo estava bem, sentindo a mão quente e quase do mesmo tamanho da minha apertar de voltar. Respirei aliviado, me permitindo relaxar com a certeza de que Tom está seguro e comigo.
Não estava mais ouvindo gritos. Olhei para o chão onde estava a senhora Cole anteriormente, vendo a mulher estirada no chão. Seu corpo tremia algumas vezes, evidenciando que ela permanecia viva, apesar de desmaiada e esgotada. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu me virei, abraçando Tom pelo pescoço, praticamente me pendurando nele, e fui retribuído por seus braços que envolveram minha cintura. Sentir o calor do corpo dele, o cheiro, sua respiração e batimentos cardíacos era tudo que eu precisava. Ele está bem e isso é tudo o que importa.
- O que você fez?! - Ouvi ele perguntar próximo ao meu ouvido e tremi com a dureza em seu tom, com a raiva e dor entrelaçadas nas suas palavras, fazendo eu me perder cada vez mais em meu choro e meus pensamentos.
Pela primeira vez, em toda a minha vida, senti medo de realmente ser aquilo do que meus tios e primo sempre me chamaram; uma aberração.
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