Capítulo 2
Assim que nos despedimos da família no quadro, seguimos para a calçada da biblioteca, que é tão bem cuidada por fora quanto por dentro, sendo muito bem pintada com cores claras e alegres, fazendo com que quem passasse sem muita pressa notasse ela ali, em meio às tantas outras construções. Sorri com aquilo, imaginando que isso poderia ser coisa pensada pela ruiva que não parava que andar, nos levando até o ponto de ônibus do bairro. Esperamos por alguns minutos, já que o veículo público passava às 6 horas em ponto e eram dez para as seis. Curioso como sempre fui, perguntei que horas a biblioteca abria, não me surpreendendo quando ela disse que era às 8 da manhã, já imaginando que teríamos pouco tempo para o passeio, mas por meus próprios motivos.
O ônibus chegou na hora certa, já que estávamos cansados de esperar ao lado de tantos homens que olhavam de maneira nada sutil Albertha, me fazendo pensar que talvez soubessem que ela era uma bruxa. Deixei esses pensamentos voarem para fora da minha mente quando entramos no ônibus e voltamos com nossa conversa, deixando o veículo nos levar ao nosso destino que eu não me permitia perguntar qual era.
Ao chegarmos em nosso destino, desembarcamos em frente a uma delegacia, com uma entrada simples, porém bonita. Ao adentrarmos o local, inconscientemente levei uma das mãos ao vestido de Bertha, um pouco intimidado com o clima mórbido daquele lugar. Os pisos no chão eram brilhantes e pretos, suas paredes brancas, igualmente brilhantes, e haviam pessoas carrancudas nos olhando de cima a baixo em suas mesas de escritório. A ruiva me puxou para mais perto de si, nos guiando até um homem grisalho com uma carranca menos assustadora que as outras.
- Posso ajudar? - Perguntou o senhor, sério como um guarda do castelo de Buckingham deveria ser.
- Oh, sim! E-eu encontrei esse jovenzinho perdido na minha biblioteca. - Ela contou um pouco agoniada, olhando para mim algumas vezes. - Ele se perdeu da família, provavelmente esqueceram que ele estava lá e foram para casa. - Ela amuou um pouco, como se realmente tivesse acontecido e fosse penoso, de alguma forma.
O senhor olhou para Bertha e depois para mim, sorrindo um pouco no final da contemplação e voltando o olhar para a mais velha.
- Entendo, senhora..? - Ele olhou para a moça que sorriu mais uma vez.
- Albertha Waterhouse, mas todos me chamam de Bertha, senhor delegado. - Ambos sorriram simultâneamente dessa vez, completamente alheios aos meus questionamentos dessa cena.
- Encantado. Me chamo Walter Williams, minha senhora. - Em um gesto solene, ele tocou os lábios nas costas da mão da Bertha.
- Ora, eu que estou encantada.. - A mulher já estava corando até o tom de seu cabelo, me olhando de canto de olho com um risinho preso que eu correspondi, mordendo meus lábios para não soltar uma risada mais alta. - Mas, senhor Williams..
- Pode me chamar de Walter. - Falou o homem, com seus olhos castanhos brilhando.
- Claro, Walter. - Ela sorriu tímida e prosseguiu. - Quanto ao menino, o que faço com ele? - Perguntado isso, ela me apertou mais contra si, como uma verdadeira mãe faria, pelo menos, era o que eu via tia Petúnia fazer com Dudley. Apenas me acomodei melhor na saia do vestido dela, me encolhendo ali.
O homem pareceu pensar um pouco, trocando olhares entre nós dois, mas logo saiu de seu posto até uma mesa, abriu a gaveta e tirou uma pasta de lá, batendo-a na mão esquerda enquanto a segurava com a direita. Caminhou de volta até nós e entregou o papel para Bertha, que fez uma expressão desgostosa quando viu o conteúdo.
- Um orfanato?! Por que um orfanato, senhor Walter? - Ela encarou o homem com sangue nos olhos, me deixando um pouco assustado, não só com ela, mas com a perspectiva de ir para um orfanato, porém logo ela pôs a mão livre na minha cabeça, fazendo carinho ali até eu me acalmar novamente.
O senhor Williams pareceu vibrar de susto, mas recuperou a postura tão rápido quanto possível, mantendo uma expressão satisfeita no rosto.
- Eu conheço o dono desse orfanato, Bertha, e posso garantir que ele será muito bem tratado durante sua estadia. - Seu sorriso pareceu expandir conforme ele falava. - Ele só ficará lá até a família o achar, mas, se isso servir para lhe tranquilizar, depois de um mês lá, toda criança tem o direito de ser adotada por alguém que, é claro, se afeiçoe a ela e que a criança aceite ter como o seu ou sua responsável legal.
Vi um sorriso de orelha à orelha se formar no rosto reluzente de Bertha, que balançou rapidamente a cabeça, aprovando algo que eu ainda não havia entendido. Eles trocaram algumas palavras e informações minhas, como nome, idade, nome do pai e da mãe - o que eu tive que falar, já que Bertha não sabia - e depois trocaram endereço para correspondência, o que foi engraçado de ver, pois ambos estavam sem jeito e meio corados. Nos despedimos do senhor Williams e fomos até o lado de fora, seguindo para o ponto de ônibus novamente.
- E o que faremos agora? - Perguntei, pois estava apreensivo com a ideia do senhor Williams, apesar de imaginar que a ruiva não me deixaria em um orfanato dessa forma tão leviana.
- Vamos ao orfanato que Walter me mostrou, pequeno, deixar você lá até que complete um mês de estadia. - Contou alegremente, dando pequenos pulinhos onde estava, com as mãos juntas na frente do peito.
Acenti, um pouco trêmulo, sem saber como reagir após a notícia. Minha garganta havia fechado com a vontade de chorar, o medo de ser abandonado em um orfanato era imenso, não queria ir para aquele lugar.
- Se seus tios não te encontrarem em até um mês, e pode ter certeza que não vão encontrar, eu te levo daquele lugar com a ajuda do meu amigo delegado, que é amigo do dono do orfanato! - Suas palmas foram o que me tiraram do choque de sua fala. Será que eu entendi direito?
- A senhora quer dizer que.. vai..
- Não sei quanto essa tal senhora que você está falando, moleque. - Ela me lançou um olhar de morte , me fazendo perder um pouco o ar. - Mas Albertha Waterhouse pode e vai te adotar em cerca de um mês, se você aceitar ir morar com uma linda dama e habilidosa.. - Seus olhos vagaram pelas pessoas ao redor, então ela se aproximou do meu ouvido para sussurrar. - Bruxa!
Meus olhos triplicaram de tamanho, assim como meu sorriso, que agora não cabia no rosto de tão largo. Conversamos mais um pouco sobre isso e como ela faria para que meus tios não me encontrassem, um feitiço que faria com que trouxas se confundissem quanto a minha aparência. Quando chegamos na nossa parada, saímos do ônibus e fomos até um beco, de onde ela tirou a varinha de dentro da roupa, pela parte de cima do vestido, sorrindo ao apontar para mim e murmurar algumas palavras, enquanto balançava o objeto em mãos. Depois de poucos segundos, Bertha disse que eu estava pronto e saímos do beco escuro, transformando ali a varinha em bengala e seguimos até uma construção que parecia em ruínas, com algumas janelas quebradas e a pintura desgastada. Parecia inabitada.
Era uma espécie de casa com uma torre bem alta no centro, mas o que me surpreendeu de fato foi reconhecer aquele lugar de cara, já o tinha visto em outros sonhos, junto com aquela sensação sufocante de ter que entrar e buscar por algo, que me acometia todas as vezes que sonhava com essa construção em ruínas. Entretanto, nunca havia conseguido entrar ali, pois, depois de ver esse prédio, eu sempre acordava. Segurei a mão da ruiva com forca, temendo acordar naquele momento e andamos em passos incertos até o local, onde fomos recebidos por uma senhora com um sorriso amistoso.
- Prazer.. senhora Cole? - Disse a ruiva em tom de dúvida, porém essa foi sanada quando a moça na nossa frente balançou a cabeça loira em concordância, arqueando uma das sombrancelhas finas e escuras como carvão. - Me chamo Albertha Waterhouse. Meu amigo, delegado Walter Williams, me instruiu para trazer esse rapaz, que encontrei perdido em minha biblioteca, até você, para que ele passasse um breve período de tempo no seu orfanato até que reencontre sua família ou seja adotado. - Ela explicou, sorrindo para o loira que rapidamente abriu as grades pelas quais conversávamos, nos deixando entrar e levando-nos para dentro do orfanato.
Paredes de tijolos vermelhos desbotados e chão cimentado compunham todas as salas e corredores pelos quais passamos, tendo entre um cômodo ou outro mobílias de madeira ou couro marrom. Passamos por uma garotinha mais baixa que eu, essa segurava uma boneca de pano, balbuciando o que parecia ser uma música. Logo a senhora Cole nos informou que ela se perdeu da família materna em uma viagem na qual o navio afundou e ninguém ali sabia falar francês, língua nativa da menina, o que deixou a ruiva triste, porém eu estava ocupado demais para dar muita importância ao que a moça disse. Olhei com tanta curiosidade o local que em certo momento não conseguia mais ouvir ambas as moças, mas quem poderia me julgar? Enfim estava dentro daquele orfanato e a sensação de ter algo ali para mim era angustiante, como se esse algo me chamasse aos gritos. Era tanta confusão e pressa na minha mente que nem notei quando entramos em um escritório, porém vasculhei tudo com os olhos, vendo as mesmas características de todas as outras salas. As mulheres me pediram um momento para conversar e nem esperei alguém me dizer onde ficar, saí em disparada para os outros cômodos, sentindo meu coração palpitar dolorosamente.
Meus pés me levaram para um corredor no lado esquerdo do escritório, podendo ver uma escada no fim do corredor e corri até lá, tropeçando enquanto pulava de dois em dois degraus. Quase chorei aliviado quando não havia mais o que subir, seguindo por um corredor logo na frente da escada, andando trôpego o caminho até a última porta. Quem me visse, poderia dizer que minha respiração entrecortada era por conta da subida e do esforço, mas eu sabia que era pela emoção de saber o que estava do outro lado daquela porta, saber o que porquê de me sentir tão bem que meu corpo tremia, correspondendo a estímulos que nem sequer sabia de onde vinham.
Quando toquei na maçaneta, parecia que tudo havia evaporado, nada fazia sentido e era como se eu fosse morrer ali, naquele instante, então eu só virei a maçaneta com minhas últimas forças e empurrei a porta, encontrando um quarto tão frustantemente igual ao resto do orfanato.
Foi nesse momento que o vi. Cabelos negros ondulados, mãos e pernas pálidas em um corpo do tamanho do meu, estirado de bruços na cama com um cotovelo apoiado no colchão, erguendo o rosto na mão e mantendo a outra jogada ao lado de um livro. Ele estava usando roupas formais demais para uma criança, mas complementavam a imagem de criança estudiosa e entediada que ele passava, pois os olhos castanhos não pareciam estar prestando a atenção necessária no livro em sua cama, porém ele virou uma página, descansando novamente a mão na colchão.
- Vai me dizer quem é você ou pretende ficar me encarando para sempre? - Ouvi sua voz melodiosa, que foi capaz de me tirar o pouco ar que ainda estava em meus pulmões. Podia jurar que conhecia aquela voz tanto quanto a minha própria, mas seria loucura deixar isso escapar da minha mente. - Se você sabe falar, me responda, nem que seja em outra língua. - Seus olhos castanhos deixaram o livro e repousaram lentamente em mim, me olhando de baixo para cima.
Mordi meus lábios, pensando no que dizer ao rapaz, sem conseguir entender as frases feitas dentro do meu cérebro. Um suspiro me tirou das divagações, chamando minha atenção conforme o garoto se sentava, acomodando as pernas em lótus e pondo a palma da destra no peito.
- Tom Riddle. - Falou calmamente, com uma expressão avaliativa e então apontou essa mesma mão para mim.
- Harry Potter. - Respondi ao entender o gesto, fazendo com que um sorriso discreto se formasse em meu rosto conforme minha timidez aumentava.
O rapaz pareceu estático por um momento, mas logo se recompôs e acariciou a bochecha com a falange dos dedos, seu olhar perdido, como se buscasse algo na mente.
- Harry Potter.. - Murmurou, parecendo questionar meu nome. Ele negou com movimentos da cabeça, agora franzindo as sombrancelhas. - Eu não conheço você.
Nos fitamos por um instante, eu procurava na minha mente todas as dúvidas que eu sabia que tinha, mas não conseguia chegar muito longe, pois era constantemente puxado de volta para os olhos castanhos ameaçadores, mas nublados, como se o rapaz também estivesse divagando.
- Quer sentar? - Perguntou brevemente, parando de me olhar para pegar seu livro, dando batidas suaves no colchão com a mão desocupada, no lado direito ao seu corpo.
Não respondi verbalmente, só me deixei aproximar da cama, subindo nela com cautela e sentei onde ele havia indicado. Nossos ombros se encontraram e automaticamente eu senti aconchego e familiaridade, inclinando meu corpo para aquela sensação tranquila de estar no lugar certo, podendo sentir o moreno também se aconchegar contra mim e nenhum de nós se pronunciou quanto a proximidade ou afastou o outro, apenas aceitando sem questionar toda a situação estranha e familiar.
- Qual o nome? - Perguntei, me referindo ao que ele estava lendo, porém o garoto parecia não ter entendido, erguendo uma sombrancelha. - Do livro.
- O pequeno príncipe. - Ele falou, dando de ombros. - Quer ler? - Me estendeu o livro e eu aceitei. - Ele morre no final.
- O quê?! Como? - Me virei para o rapaz que sorria, mirando meus olhos verdes com os seus castanhos.
- Ele pediu a ajuda de uma cobra para levá-lo para casa, então ela o picou. - Seu sorriso alargou mais, conforme eu ficava mais curioso sobre o livro. - Pelo o que eu entendi, ele queria reencontrar a pessoa que amava, mas ela já não estava viva, então a única capaz de juntar os dois era.. - Tom foi se aproximando, até estar com o corpo quase em cima do meu, com as mãos nos meus ombros me empurrando um pouco para baixo com seu peso. - A morte!
Seu grito ressoou nos meus tímpanos quando ele me empurrou com força para cama, fazendo com que eu caísse com as costas no colchão e ele sentasse na minha barriga, com uma perna de cada lado do meu corpo. Nos olhamos por um momento, somente o som das nossas respirações eram ouvidas, e assim que a ficha caiu da tentativa cômica de me surpreender, não consegui deixar de rir, em alto e bom som, sendo acompanhado por uma crise de riso mais baixa, porém constante, podendo ver os olhos semiabertos, as bochechas levantadas e coradas enquanto Tom ria como uma criança; ele é uma criança, afinal, mesmo que se vista como um mini-adulto indo para o trabalho.
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