Livro 4. Capítulo 2. Pesadelo: Não poderia ser pior
Isabelle embarcou para Miami em uma sexta-feira, no final do mês de março, deixando para trás familiares, amigos, e carregando a esperança de dias melhores. Aprenderia a ser mais independente, cuidaria de sua própria vida, realizando o sonho de estudar nos Estados Unidos. Desta vez, ela não deixaria que nada nem ninguém a impedisse de conquistar seu objetivo. Para frente é que se anda, garota, seu futuro será brilhante. Ela disse para si mesma, um pouco antes de entrar no avião.
Seu desembarque, cerca de nove horas depois, ocorreu sem problemas. Do aeroporto ela pegou um taxi diretamente para a escola de línguas, localizada na praia de South Beach, em Miami Beach. Resolveria de cara algumas pendências e pegaria as informações sobre sua hospedagem. Isabelle optara por passar os quatro meses no alojamento da escola. Seria melhor conviver com outros alunos a correr o risco de ser alocada com pessoas mais velhas e chatas, o que poderia ter ocorrido, caso tivesse optado por acomodação em casa de família.
Na quase meia hora em que passou no taxi, do aeroporto até a escola de idiomas, Isabelle acompanhou o despertar da cidade, prestando atenção às pessoas, aos prédios e principalmente ao cheiro do mar. O sol, ainda tímido, indicava que seria um lindo dia em Miami Beach, e tão logo ficasse livre dos compromissos relativos à sua estadia, correria para a praia em frente ao prédio. Lavar a alma e começar com o pé direito fazia parte do seu ritual de boas-vindas.
O edifício branco, de cinco andares, estilo Art Decó, não impressionava perto dos outros muito maiores do seu lado direito e lado esquerdo, mas era bonito e se destacava, especialmente pelo clima em seu interior. O andar térreo, bem iluminado, onde ficava a recepção, uma área de conveniência e computadores compartilhados, emanava alegria às 8 horas da manhã. Alguns alunos carregavam livros, outros pareciam ter o sábado livre, mas todos tinham um sorriso no rosto. Já gostei daqui.
Isabelle levou meia hora até preencher alguns papéis e finalizar detalhes de sua estadia e, em seguida, acompanhada de um monitor, dirigiu-se para a ala dos dormitórios.
— Estou em quarto duplo, certo? — Ela quis confirmar novamente, pois havia desembolsado um pouco mais para evitar as acomodações quádruplas. Bastava a obrigatoriedade de encarar os banheiros comunitários.
— Duplo. E sua companheira de quarto é muito querida por aqui — disse o monitor, parando em frente à porta 511. — Bom começo para você, Isabelle. Nós nos veremos por aí, e qualquer coisa é só ir até a recepção. Teremos o maior prazer em lhe atender.
Bem, lá vou eu! Isabelle deu batidinhas à porta, para que não incomodasse demais, caso sua nova companheira estivesse dormindo.
— Olá, seja bem-vinda! — A loira, alta e sorridente, abriu a porta estendendo-lhe a mão, muito bem disposta. — Sou April! Você é?...
— Isabelle. Acabei de chegar do Brasil — disse, apertando a mão da garota. — Rio de Janeiro, para ser mais exata.
— Oslo, Noruega. Entre, entre. — April escancarou a porta, ajudando Isabelle com suas duas malas. — Este é o nosso imenso quarto.
A ironia ficou óbvia na descrição do espaço de no máximo 4 metros quadrados com uma cama-beliche, um armário de duas portas e uma mesa para uso de laptop e refeições. Apesar de pequeno, era aconchegante.
— Está cansada, quer descansar? — A norueguesa continuou colocando em prática seu inglês, fazendo uma pergunta atrás da outra. — Ou você prefere se instalar aqui, trocar de roupa e circular por aí? Posso lhe mostrar as instalações, caso ninguém tenha feito isso. A piscina, a sala de jogos, o acesso à praia... O que você estiver a fim de fazer, eu topo. Quero ser a melhor anfitriã para a nova caloura.
— Há quanto tempo você está aqui? — perguntou, jogando a mochila em cima da cama inferior do beliche.
— Dois. Estou no programa de nove meses. E você?
— No de quatro meses. Preciso terminar depressa. Daqui vou emendar minha graduação na Universidade de Miami.
April soltou um gritinho.
— O coração deve estar a mil, não está? Então quer dizer que você já tem seu futuro garantido. — A companheira de quarto puxou a cadeira da escrivaninha e sentou-se próxima à Isabelle, que tirava alguns pertences da mochila. — Se eu concluir o meu curso com êxito, é provável que consiga aprovação em alguma universidade do país. Espero que dê certo, mas, se não der, não terei problema em voltar para a Noruega. Por que escolheu Miami?
— Fiz uma pesquisa e gostei do que a universidade daqui oferece. O campus me pareceu ótimo, o estilo de vida dos alunos... Gosto do clima também; calor o ano todo, mesmo no inverno. — Isabelle sentou-se na cama para abrir a mala, pegando um biquíni que estava logo por cima. — Escolhi fazer o curso de preparação universitária nesta escola para ocupar o espaço livre até agosto. Vou aprender termos mais técnicos, relacionados à minha futura área de atuação. E será bom conhecer de antemão o lugar onde vou morar nos próximos anos. E você, por que logo Miami?
— Por que não Miami? — Riu. — Falei para o meu pai, que banca tudo isto aqui, que eu estudaria inglês pelo tempo que ele quisesse, desde que nos Estados Unidos. Parece bobagem, mas sou uma grande fã de boy bands. Backstreet Boys e N'sync são minhas favoritas. Tem lugar melhor para eu estar do que na Flórida? Não, não tem. Só seria melhor se estivesse em Orlando. Ah, mas quando começarem as turnês; sai de baixo! Irei a todos os shows e comprarei os melhores ingressos. — April soltou um gritinho animado. — E você, curte o quê?
— Ah, eu? — O estômago de Isabelle gelou quando ela se lembrou dos Hanson, mas já que April não havia colocado o nome deles na lista de boy bands, ela não citou os loirinhos. — Gosto de muitas bandas, nada específico — desconversou e sacudiu o biquíni no ar. — Topa ir à praia?
— Topo! Assim você me conta mais sobre você, sem a gente sufocar neste quarto claustrofóbico. Uau! Consegui falar claustrofóbico sem enrolar a língua. — Riu da sua habilidade em inglês. — Na volta eu prometo lhe ajudar a colocar as roupas no armário e organizar o seu cantinho.
Isabelle e April se trocaram depressa e desceram para aproveitar o dia lindo. Saíram pelos fundos, pararam para um lanche rápido na lanchonete da varanda térrea, que dava para a piscina, e atravessaram o caminho de areia, passando pelo calçadão até alcançarem a praia.
— Nada como um lindo dia de primavera. — Isabelle se espreguiçou ao pisar na areia, estendendo as mãos para o céu, recebendo a energia dos raios solares. — Não sei se você sentiu isto quando chegou aqui, mas eu tenho certeza de que a vida é boa demais.
— E põe boa nisso! Espere só até você começar a conhecer os gatinhos surfistas, ou os gatinhos skatistas, ou sei lá. Todos são maravilhosos. — April esticou o queixo para um grupo de loiros atléticos sentados adiante.
— Hum. Não vim procurar gatinhos. Vim estudar.
— Não seja tão séria. Podemos arrumar uma festa para ir hoje à noite. Talvez você mude de ideia.
— Não tenho idade para festas. — Deu uma desculpa. — Dezessete ainda.
— Nem eu. Dezessete também. Mas não estou falando dessas festas que pedem identidade para entrar e são cheias de frescura. Confie em mim, vou levar você nas boas e lhe apresentar a uns gatinhos. Conheci uma galera local.
Isabelle revirou os olhos, tomando cuidado para que April não percebesse o seu descontentamento. Uma companheira baladeira não era exatamente o que ela esperava ter em sua primeira temporada em Miami.
As meninas torraram ao sol, estendidas na areia, até a hora do almoço, quando enfim os estômagos roncaram. April quis levar Isabelle a um restaurante ali perto, mas ela preferiu tomar um banho, colocar uma roupa confortável e comer no refeitório da escola. O cansaço da viagem havia chegado com tudo, e assim que desfizesse suas malas, provavelmente tiraria um cochilo.
— Você trouxe muitas coisas. — April constatou ao retirar as roupas de Isabelle da mala, passando para ela as colocar no armário. — Não sei se caberá tudo aí.
— Vou apertar, e terá que caber. Pretendo fazer compras depois.
— Você tem umas roupas tão legais. — A norueguesa abriu um vestido curto de lantejoulas. — Vou querer este emprestado. Você não se importa de compartilhar as suas coisas, se importa?
— Sim, me importo — frisou. — Sou bastante ciumenta com as minhas roupas e objetos, e gosto que respeitem o meu espaço.
— Hum. Tome este. — Sem graça, April arremessou outro vestido para Isabelle.
As meninas perderam cerca de quarenta minutos naquela tarefa, e então passaram a se ocupar da escrivaninha e da mesinha de cabeceira. Na mesa de estudos, cada uma ficaria com uma gaveta, e precisariam se revezar para usar o restante do espaço quando fossem ler ou praticar exercícios.
— Temos a área de convivência lá embaixo, então não teremos problema com espaço, caso uma de nós esteja ocupando a mesa. E a biblioteca, apesar de pequena, também tem lugar de sobra — explicou a veterana.
— Eu me viro até na cama. Nada como apoiar o livro nas pernas. E quanto às nossas mesinhas? — Referiu-se às de cabeceira.
— A minha é esta aqui, no pé da cama. — April mostrou a ela o cubo branco com duas prateleiras horizontais. Na parte de baixo ela colocara alguns livros e revistas adolescentes, e, em cima, cremes hidratantes, perfumes e uma foto dela com familiares. — Estes são meus pais e meu irmão. Eu olho sempre, para matar a saudade. Ah, e também olho para estes aqui! — Ela correu até seu armário e abriu a porta, mostrando um pôster do Nick Carter e outro do Justin Timberlake colados na parte interna. É proibido grudar qualquer coisa nas paredes, então eu dei meu jeito. Estou lhe avisando, para não ser chamada a atenção.
— Ah, obrigada pela dica. — Riu, pois não pretendia colocar nada na parede, e sentou-se na cama, perto do outro cubo branco ao lado do beliche. — Posso então ficar com esta mesinha?
— Sim, é sua. O que você trouxe?
Isabelle tirou da mala sua bolsinha de cosméticos e um porta-retratos. Ela suspirou diante da foto, e seus olhos marejaram.
— Quem é? — April puxou a moldura para o lado, para poder olhar melhor.
— Hm. Ninguém — respondeu, encarando o presente que ganhara de Diana no último Natal.
— Ninguém? — April franziu o rosto e riu. — Você está quase chorando. Deve ser alguém muito especial.
— Nem sei por que eu trouxe esta merda — rosnou. — É o meu ex.
— Por favor! Quem anda para cima e para baixo com lembrancinha do ex? E por que uma foto de quando ele era bebê?
— Muitas perguntas.
— Okay, okay. Agora entendi por que você não está aberta para conhecer gatinhos. Ainda está presa ao gatinho anterior. E quem nunca passou por isso, não é? Não lhe julgo. Não tem uma foto recente dele?
— Não! — respondeu depressa, colocando o porta-retratos na cabeceira. — Não aqui. Não deveria ter trazido nem esta. Coloquei na mala de última hora. Excesso de bagagem. — Bufou.
— Se ele não lhe faz bem, como parece não fazer, não há razão para deixar esse troço ao lado de sua cama. — April observou Isabelle, que não tirava os olhos da imagem de Taylor. — Vocês terminaram há muito tempo?
— Pouco. Meses.
— Mas se você está aqui, e ele lá no Brasil... — especulou.
— Olhe, não quero mais falar sobre isso.
— Está certo. Algumas coisas só o coração explica.
Naquela mesma tarde, no Brasil, Barbara abriu os olhos após um pesadelo e ergueu o tronco na cama buscando o ar. O desprezo de Isabelle e o sumiço de Isaac apareciam sempre durante o seu descanso, disfarçados em metáforas criadas pelo seu subconsciente. Desta vez ela se viu afogando-se num mar escuro e revolto, levantando os braços para buscar ajuda. Sua ex-amiga e seu grande amor, do alto de um penhasco, apenas a observavam, como se o seu drama lhes fosse indiferente.
O suor frio no rosto e as mãos geladas aumentaram o mal-estar da garota, e Barbara correu para o banheiro. Ela tossiu após o vômito, esperando a próxima golfada, e quando terminou, olhou-se no espelho, detestando encarar o que havia se tornado.
— Sabrina, você pode vir aqui? — por telefone, ela pediu à amiga, que morava ali perto, para que lhe fizesse companhia. — Meus pais não estão em casa e não me sinto bem. Eu vomitei e estou estranha e... Só me ajude, por favor.
O choro e o desespero da garota ligou um alerta em Sabrina, que chegou ao apartamento da amiga em menos de quinze minutos.
— Não aguento mais. — Barbara abraçou a pequena, soluçando em seu ombrinho estreito. — Estou vivendo um inferno, e não vejo como sair da sombra. Quatro! Quatro meses sem sinal do Isaac.
— Amiga. — Sabrina respirou devagar e, segurando a mão da outra, a levou para o sofá. — Vamos nos sentar. Eu sei que é difícil, mas está na hora de esquecer o Isaac e seguir em frente. Nós já conversamos sobre isso. Você já tentou contato, ele não quis lhe atender, e também não respondeu aos e-mails. Ele deu todos os sinais de que não vai rolar. No início eu lhe apoiei, falei que daria tudo certo, concordei com aquela cigana idiota, mas agora... Barbara, você está adoecendo.
— Eu já estou doente. Eu sei. Não tenho mais disposição para nada. Só dormir, dormir e dormir! — Barbara socou o acolchoado do sofá. — Mas durmo e tenho sonhos ruins. Estraguei tudo de um jeito que não imaginei que poderia acontecer. Estraguei tudo para mim e para todas nós. Por culpa minha, nem você tem falado direito com o Zac.
— A culpa de Zac e eu estarmos sem muito contato não é sua, é do Walker.
— Mas se eu não tivesse acendido um fósforo e detonado uma bomba em dois relacionamentos de uma só vez, vocês dois, parte do grupo, ainda estariam bem juntinhos.
Em parte, Sabrina concordava com Barbara, pois de fato a separação dos outros casais balançara as estruturas do relacionamento dela com Zac, mas não podia colocar a culpa inteira nas costas da amiga. O fato de eles terem pouca idade e nenhum poder de decisão para ir e vir era o grande e verdadeiro destruidor de sonhos.
— Bem, de vez em quando ele me manda um e-mail. Não é mais como antes, mas ainda é alguma coisa. — Sabrina deu de ombros. — Mas não vim aqui para falar de mim e do fiapo de esperança que ainda me conecta ao Zac. Amiga, você precisa ficar bem.
— Não vou ficar. Eu errei para caramba, mas será que não mereço ser ouvida? O Isaac não faz a menor questão. E a Isabelle foi embora sem me dar chance. Tentei várias vezes, fui até o prédio dela pessoalmente, e nada.
— Dói. Eu posso imaginar. Mas você sabia que poderia ser assim. — Sabrina puxou Barbara para si, e a garota deitou com a cabeça em seu colo, derramando lágrimas infindáveis. — A partida da Belle, ontem, mexeu com você, não foi?
— Marcou o fim, o fim mesmo, sabe? — Barbara fungou. — Você tem razão, talvez seja a hora de deixar o Isaac partir também. Eu só não sei como farei isso.
— Retirar os pôsteres das paredes pode ser um bom começo. — Sabrina deu a dica, perguntando-se por que Barbara não havia se livrado daquilo até o momento. — E se puder não ligar o rádio, vai ajudar também. Apesar de ruim, a Mmmbop versão dance mix tem tocado bastante. — Sabrina citou o pré-lançamento dos Hanson, liberado antes de o álbum ficar pronto. — Nada de MTV e VHS. Você terá que excluir esses meninos da sua vida, cortar o elo de vez.
Barbara praticamente convulsionou nos braços da amiga, relutante em exterminar o mínimo que restara de seu sonho. Soluçando e tossindo, ela levantou-se depressa e correu para o banheiro.
— Ah, não. De novo? — Sabrina perguntou de maneira retórica. O vômito era óbvio. E nojento. — Você comeu alguma coisa diferente?
— O enjoo vem do desânimo. — Barbara deu a descarga e lavou o rosto, chorando menos após vomitar. — Quando recordo algo ruim, não consigo segurar. De madruga, recebi um e-mail do Taylor, e só de ler o nome dele no remetente, a queimação subiu pela garganta e terminou da pior maneira possível.
— O que ele queria? Você não me falou que ele lhe escreveu.
— Estou lhe falando agora. Depois de me dar gelo durante todos esses meses, ele resolveu aparecer. Não tinha nada no corpo do e-mail, só uma pergunta no título. "Como você está?" — Barbara revirou os olhos. — Até parece que ele realmente se importa. Ninguém naquela família está nem aí para o que acontece aqui. Ensaiei responder alguma coisa, mas não achei palavras para descrever o quão mal estou. Digitei, apaguei e deixei para lá. Talvez fosse a voz da razão me dizendo para manter o afastamento. Não sei se devo demonstrar minha fraqueza, mais do que já demonstrei, implorando o perdão do Ike.
— Fale com o Taylor, Barbara. Para desabafar, pelo menos. E daí se você demonstrar sua fraqueza? Aposto que ele também está comendo o pão que o diabo amassou.
— Não me sinto à vontade. Não vai me ajudar em nada. E, mesmo com essa história de controle do Walker, ele poderia ter me escrito antes.
— Você também não o procurou.
— Ah! — Estalou a língua. — Chega.
— Se prefere assim... — Sabrina deu de ombros. — Quer ajuda para tirar os pôsteres da parede? — perguntou quando elas entraram no quarto de Barbara. — Pela quantidade, você levará dois dias se eu não lhe der uma mãozinha.
— Hoje? Tem certeza? — Um embrulho no estômago incomodou a mais velha, e as paredes giraram quando ela olhou ao redor. — Eu posso dar um jeito nisso amanhã.
— Hoje. E de brinde vou lhe ajudar a catar essas roupas sujas, copos e pratos acumulado por aqui. É por isso que você vomita a toda hora, seu quarto está nojento.
Barbara começou a desgrudar os pôsteres mais perto da cama, para não ter que se levantar. A tarefa trouxe as lágrimas de volta à superfície, e o enjoo persistiu.
— Não vai dar. — Ela correu para o banheiro, e, sem ter mais nada no estômago, a bile saiu pura. — Chega, chega... — murmurou no fim, com a cabeça baixa enquanto apertava a descarga.
— Barbara, você não está grávida, não? — Sabrina, encostada ao batente da porta, perguntou.
— Uh? Claro que não. — Retirou a camiseta, a calça e, por fim, a lingerie. — Preciso de um banho. Este cheiro de azedo me enjoa ainda mais.
— Você está grávida, sim.
A pequena escaneou o corpo da amiga, atenta à barriga. Barbara sempre fora seca, chapada, então a protuberância, na altura do umbigo, pareceu-lhe estranha demais.
— Eu tomava pílula. — Barbara ligou a água do chuveiro e entrou de cabeça e tudo.
— Tomava?
— Uhum. Parei quando cheguei aqui, não fazia mais sentido continuar tomando.
— Parou quando chegou. Certo. E já menstruou? — Sabrina franziu a testa e precisou insistir: — Menstruou ou não?
— Não. Demora às vezes, até regular. Normal.
— Normal coisa nenhuma. Você não menstruou, está vomitando a cada dois segundos e exibindo essa pança de quem não faz cocô há mais de uma semana.
Barbara ensaboou a barriga, ponderando os comentários da amiga. Até então não cogitara a possibilidade de gravidez.
— Não estou grávida.
— Você tomou a pílula direito?
O barulho da água caindo do chuveiro foi tudo que se ouviu no banheiro por longos segundos. Barbara terminou de ensaboar o cabelo e permaneceu calada, enxaguando devagar a espuma abundante.
— Pulei uns dias. Três ou quatro. Eu me enrolei na contagem durante a viagem.
— Está grávida. — Sabrina exalou o ar. — E nós vamos comprovar isso a-go-ra.
A mais nova deixou o banheiro e ligou para a farmácia, solicitando um teste de gravidez caseiro, que em questão de minutos acabaria com a dúvida.
Barbara mal havia terminado de se vestir quando a entrega chegou. Sabrina encarregou-se de receber e pagar pelo pedido e correu de volta para o quarto.
— Vamos lá. Basta fazer xixi no potinho e mergulhar a fita até a marca azul. Um minuto no xixi e cinco minutos de espera. — Sabrina ditou as regras após ler as instruções na caixa.
Os ponteiros do relógio demoraram a girar, e Barbara roía as unhas, encostada à bancada do banheiro, enquanto aguardava a resposta.
— A cigana falou. — Sabrina rompeu o silêncio. — Falou do fruto. Você se lembra?
— Uhum. — Barbara murmurou sem prestar muita atenção, focada na fita.
— Ela também falou da virada na sua vida e que daria tudo certo.
— Você me mandou esquecer o Isaac.
— Não se você estiver grávida. E aí? E aí? — Sabrina levantou da privada, onde se acomodara, para espiar o resultado do exame. — Dois traços roxos?! — Arregalou os olhos. — Você não está grávida. Você está muito, muito grávida!
O frio congelante desceu do topo da cabeça de Barbara, empalidecendo sua face e percorrendo o seu corpo. A pequena fez força para segurar o peso da amiga, mas seus 45 quilos foram diretamente para o chão.
— Ah, não.
Chorando e estapeando o rosto sem cor, Sabrina esperou Barbara voltar a si. A garota abriu os olhos devagar, aos poucos se dando conta de onde estava e do motivo que a levara ao desmaio.
— Merda — grunhiu.
— Você quase me matou — exagerou a pirralha, aflita. — Levante-se devagar, vamos para o seu quarto.
— Eu estou... Estou mesmo?
— Uhum. Grávida.
Barbara deixou o chão, chorando, largando o pote de xixi e a fita do teste de gravidez para trás. A cama bagunçada abraçou seu corpo e recebeu as lágrimas, de um pranto que não tinha hora para findar.
— O que eu vou fazer agora, Bina? — Arranhou a voz em desespero. — Essa porcaria está errada, tem que estar errada.
— Pode estar errada, mas não acho que esteja. — Sabrina olhou para um dos pôsteres, intercalando entre as imagens de Isaac e Taylor. Preferiu não externar a dúvida que lhe ocorrera. — Você pode confirmar a gravidez com um exame de sangue. Pode e deve.
— A minha mãe vai me matar. — Barbara tossiu, engasgada com o bolo na garganta. — Não posso deixar que ela fique sabendo disso.
— Não vai dar para esconder. E a sua mãe será o menor dos problemas. — Sabrina voltou a olhar para Isaac e Taylor no pôster e não aguentou, escolhendo as palavras para perguntar: — Você usou camisinha quando transou com o Taylor?
Barbara girou o corpo na cama, debatendo-se e abafando o choro nos travesseiros. Ela nem precisou responder com um sim para que a amiga entendesse que o sexo fora desprotegido.
— Ah. Nossa. — A mais nova suspirou e curvou o corpo para abraçar e acalmar a outra. — Não fique assim. Um passo de cada vez. Você vai refazer o teste em um laboratório, e depois, caso o resultado seja positivo...
— Estou ferrada! Fodida e mal paga. Jogue aquela merda fora! — Referiu-se ao teste sobre a bancada do banheiro. — Não quero rastros do meu fim espalhados por aí.
— Amiga, não terá como esconder os rastros. Você está grávida e sua barriguinha já está até aparecendo. O exame de sangue será só para não restar dúvida. — Sabrina se levantou, para fazer o que Barbara lhe pedira. — Respire, tente se acalmar, porque cedo ou tarde você terá que contar a novidade aos meninos.
— Eu não vou contar.
Sabrina passou o restante da tarde consolando Barbara, que não parou de chorar e de se lamentar pelas escolhas que fizera.
No domingo, Sabrina voltou ao apartamento da amiga, e o ânimo da garota não havia melhorado nada. A pequena se incumbiu da tarefa de tirar os pôsteres da parede, porém, atendendo ao pedido da dona do quarto, deixou um do rosto de Isaac colado ao lado da cama. Ela aproveitou, também, para organizar os pertences de Barbara, e arrumou sua escrivaninha, separando as roupas, catando farelos e eliminando a camada de poeira.
— Você vai começar a se sentir melhor. A arrumação foi um grande avanço.
— Não vou me sentir melhor — murmurou da cama. — Talvez amanhã, se por um milagre o beta hcg der negativo.
— Sabemos que não vai dar.
De posse do resultado do exame nas mãos, Barbara trancou-se em seu quarto e passou o final da tarde e a noite de segunda-feira chorando. Não havia comparecido às aulas da faculdade na semana anterior, e provavelmente esta seria mais uma em que não pisaria no campus.
Acordada de madrugada, ela se aventurou na internet, catando informações sobre os Hanson no site oficial da banda e se atualizando das novidades em fan sites de todo canto do mundo, coisa que evitara fazer até então. Exceto pela música remixada, recém-lançada, que ela tratou de dar download no Napster, imperavam a ausência de notícias, fofocas e fotos novas dos meninos.
Ouvindo uma baladinha triste do Roxette, que dizia "as coisas nunca mais serão as mesmas", Barbara abriu o webmail e percorreu a lista de mensagens que enviara a Isaac nos últimos meses, todas elas sem respostas. Ela passou para a caixa de entrada e demorou-se no "como você está?" recebido de Taylor. Após enxugar o rosto molhado e respirar fundo, ela clicou na mensagem, na seta para responder, e preencheu o espaço em branco:
Estou grávida.
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[ Nota ]
Música citada:
"Things will never be the same" (ROXETTE, 1993)
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