𝐄𝐩𝐢̄𝐥𝐨𝐠𝐨

Oito meses depois

UM;

Dois;

Três;

Quatro...

O sinal ecoou na sala e todos os alunos começam a arrumar as coisas. Alguns saem sem nem mesmo pôr os pertences nas mochilas. Muito menos esperam a professora — que agora está observando todos saírem — terminar de falar.

Fecho meu notebook e guardo na bolsa. Ao meu lado Natasha faz o mesmo. Ela se despede com sorriso gentil e sai. Vou em seguida.

— Senhorita Allen? — a voz da professora ressoa na sala. Viro-me para ela, sorrindo ao ouvir ser chamada pelo sobrenome da minha mãe.

— Sim. — desço os degraus até chegar a professora.

— Gostei bastante do seu trabalho. Queria saber se me daria a permissão para usar como exemplo nas outras turmas.

— Ah, claro. Sem problemas! — dou meu melhor sorriso a ela.

Ser uma das melhores alunas de Fotografia Publicitária é umas das coisas que me orgulho bastante ultimamente.

Saio da segurança da faculdade e estremeço com a mudança de temperatura. Mesmo com luvas, o suéter, o casaco e o sobretudo que vai até meus joelhos, estou tremendo até os ossos. Ponho minha touca de lã com um pompom rosa que Laila me deu de Natal e começo meu caminho pelo campus. Meu dormitório está a quinze minutos de distância.

Escondo minhas mãos nos bolsos do sobretudo e suspiro, conseguindo ver minha própria respiração se dissipar no ar, enquanto olho para o céu. A neve deu uma trégua, mas os últimos dias têm sido impiedosos. Assim é Boston em janeiro. É o meu primeiro inverno com neve e achei um exagero quando diziam que eu ia querer usar várias camadas de roupa.

No primeiro dia, ainda em dezembro, eu não estava preparada e fiquei doente por alguns dias. Passei o Natal comendo comida japonesa e assistindo Friends.

Estremeço mais ainda quando um vento forte bagunça meu cabelo. Eu cortei acima do ombro de novo, gostei de como o corte realça minhas feições. Mas agora não queria ter feito isso, seria melhor ter o calor dos meus fios.

Cumprimento algumas garotas quando finalmente chego ao meu dormitório, aliviada por não ter sido congelada no meio do caminho. Eu nem deveria estar aqui hoje, mas preciso pegar algumas roupas.

Já no terceiro andar, depois de virar dois corredores e esbarrar com três pessoas, chego ao quarto que divido com uma outra garota. Garota essa que está debaixo das cobertas quando entro.

— Não ia passar o fim de semana na casa do seu namorado gato? — Laila diz como cumprimento, sem tirar os olhos do livro que está lendo desde ontem. Retiro a touca e as luvas, jogando ambas em cima da minha cama, junto com a bolsa.

— Eu vou, mas preciso de roupas limpas. — vou direto para o guarda roupas. Ouço o virar da página do livro de Laila.

— Não sei por quê não moram juntos. Você passa mais tempo lá do que aqui. Às vezes acho que divido o quarto com um fantasma. — apesar do tédio em suas palavras, sei que ela não pensa assim.

— Meu namorado gato — olho para ela pelo canto do olho. — e eu não estamos prontos para dar esse passo.

Pego duas calças moletons e os três suéteres que vejo primeiro. Não me dou o trabalho de pegar meias ou moletons quando posso pegar os dele quando chegar lá.

— Qual a diferença? — Laila não tira os olhos do livro, mesmo quando lhe encaro. A pele branca como a neve lá fora é cheia de pintinhas no rosto, dando a ela um ar fofinho quando na verdade ela é brava e feroz.

— Será diferente quando passarmos a nos ver todos os dias ou quando começarmos a brigar por ele ser bagunceiro e não ligar para as roupas jogadas debaixo da cama e os sapatos espalhados pelo apartamento.

— Devo mudar o apelido de namorado gato para namorado porco? — ela arqueia a sobrancelha quando finalmente olha para mim. Os olhos azuis brilhando com diversão cruel.

— Acho melhor não chamá—lo de nada além do nome dele. — pego minha mochila que sempre levo para sua casa e ponho as peças de roupa depois de também pegar algumas calcinhas.

— Mas ele é um gato, então por quê não chamá—lo assim? — Laila pergunta e se eu não soubesse que ela prefere garotas, teria ficado incomodada, apesar de ele realmente ser um gato.

— Tchau, Lalá — solto um beijo para ela quando pego a touca, as luvas e a bolsa, depois de colocar a mochila nas costas. — Te amo.

— Como não amar? — ela pergunta quando já estou fechando a porta. Quando dou alguns passos, ela grita: — Usem camisinha!

Duas garotas que passam por mim, riem e eu fico vermelha.

Estou tremendo mais uma vez quando giro a chave. Meus dedos estão gelados mesmo dentro das luvas e elas estão molhadas. Estava nevando quando cheguei no meio do caminho para o apartamento e fiz a burrice de continuar o caminho de dez minutos.

Estou encharcada.

Entro no apartamento e fecho a porta com um baque, tão estrondoso que eu mesma me assusto e rezo para não ter lhe acordado.

Quando viro, Damon está sentado na cama, com livros ao seu redor e o notebook no colo. Ele fica de pé assim que me vê. Seus olhos verdes percorrem meu corpo e ele balança a cabeça.

— Vou preparar um banho quente para você. — apenas de calça moletom — já que, graças a Deus, o termostato está ligado — Damon caminha para o banheiro.

Deixo minha mochila e bolsa em um canto no chão e caminho até a cadeira da sua escrivaninha. Sento-me e solto um suspiro que me faz estremecer de novo.

— Oi, víbora. — sorrio para a cobra de Damon na caixa de vidro. Ela está enroscada em volta de de mesma, mas com os olhos bem abertos.

Meu tio conseguiu trazê-la para Boston quando veio nos visitar depois que voltamos de Londres.

Olho ao redor e vejo que o apartamento está limpo. Sorrio. Das vezes que venho de surpresa, encontro sempre tudo bagunçado, mas quando combinamos de eu passar um ou duas noites aqui, tudo fica impecável. Tirando a cama. Ele devia estar fazendo algum trabalho.

O apartamento não é grande. Não há paredes dividindo os cômodos. A cama fica do lado oposto onde estou, de modo que é a primeira coisa a ser vista quando entramos aqui. Do lado direito é parte da cozinha. Com as coisas básicas: pia, fogão, armário e uma mesa com quatro cadeiras. Do lado esquerdo fica a janela de vidro grosso, que cobre toda a parede e tem uma vista perfeita de Boston. Ao fundo é o banheiro. E onde estou está a escrivaninha e o guarda roupa.

As paredes são de tijolos, dando um ar rústico ao lugar.

— Está pronto — a voz de Damon ecoa pelo cômodo e eu me sobressalto. Mas vou de bom grado para o banheiro, onde Damon está de pé, me olhando com a testa franzida. — Por quê não me ligou? Teria ido buscar você.

— Não estava nevando quando saí. — murmuro. Retiro as luvas e as toucas mais uma vez. Damon já está abaixado tirando minhas botas e meias.

— Mesmo assim. Esqueceu de como ficou doente no Natal? — sua pele está agradavelmente quente quando ele começa a tirar minha calça, enquanto eu tiro o sobretudo.

— Não vou ficar doente. — estremeço pela quinta vez quando tiro o casaco e o suéter logo em seguida, ficando apenas de roupa íntima.

— Você é cabeça dura! — Damon fica de pé e envolve meu rosto com as mãos. Tão quente... — Promete que não vai mais sair sem guarda—chuva ou vai me ligar?

— Aham. — balanço levemente a cabeça enquanto encaro seus lábios. A ideia de tomá—los agora mesmo não me parece nada ruim.

— Deus, você está tremendo tanto que parece que vai se desfazer a qualquer minuto!

Reviro os olhos e me afasto. Tiro o resto de roupas que me sobra e entro na banheira. Sou recebida com a água quente que me tira um gemido. O cheiro de jasmim me lembra o quanto Damon faz de tudo para eu me sentir à vontade aqui. Olho para ele.

— Obrigada... Não quer se juntar? — pisco os olhos e me encosto na banheira, arqueando as costas, fazendo meus seios ficarem visíveis.

Damon fecha as mãos ao lado do corpo, como se para conter o impulso de usá-las para segurar meus seios, o que sei que está pensando em fazer. Seus olhos desviam de mim e ele engole em seco.

— Preciso... terminar um trabalho. — sua voz está rouca agora e eu sorrio com seu esforço.

— Mesmo? — ergo a mão em concha, fazendo a água cair em meus seios firmes. Damon balança a cabeça e aponta o dedo para mim.

— Você é uma garota muito má. — e sai. Dou uma risada alta.

Enrolo o roupão branco em volta de mim e uso a toalha para enxugar o cabelo. Ainda estou fazendo isso quando saio do banheiro e encontro Damon na parte da cozinha, de costas para mim. Jogo a toalha no cesto de roupa e vou até ele.

Eu o abraço por trás, beijando sua pele quente e logo depois apoiando meu rosto.

— O banho estava bom? — Damon pergunta, os músculos de suas costas se contraindo enquanto ele faz movimentos leves.

— Estaria melhor se você tivesse me acompanhado. — sorrio quando sua risada reverbera pelo meu corpo.

Fico na ponta dos pés e beijo a pele exposta do seu pescoço. Minhas mãos fazem carícias em sua barriga. Descendo e descendo. Damon para seja lá o que estava fazendo quando começo a brincar com a borda da sua calça. Ele não costuma usar cueca em casa.

— Você terminou aquele trabalho? — pergunto suavemente. Consigo ouvir sua respiração mudando o ritmo.

— Sim... — sua voz é baixa e rouca. Deposito outro beijo em sua pele. Arrasto meus lábios mais para cima e mordisco o lóbulo da sua orelha, no mesmo momento que minha mão entra em sua calça e lhe encontro duro e firme. Damon solta gemido.

— Então vou ter você só para mim? — os pelos da sua nuca se arrepiam quando lhe envolvo com a mão e eu sorrio mais ainda.

— Sim... — Damon joga a cabeça para trás assim que começo a movimentar minha mão.

— Você vai ser um bom garoto? — continuo os movimentos e inclino a cabeça para o lado para poder ver seu rosto. Seus olhos estão fechados com força e seus lábios entreabertos sussurram minha resposta.

— Sim... — Damon abaixa a cabeça e segura o mármore da pia com força, fazendo os músculos de suas costas se contrariem.

— Vai ficar comigo a noite toda? — acelero os movimentos e ele geme meu nome. Cravo os dentes em suas costas.

— Porra... S... Sim... — as palavras saem arrastadas e sei que falta pouco para ele gozar, então me apresso em fazer uma última pergunta.

— Vai jogar aquela camisa azul fora? Ela é horrível. — beijo seu pescoço mais uma vez, sabendo que isso ajuda a lhe desestabilizar.

— O quê...? Ahhh... S—sim... — com mais alguns movimentos e ele goza. Sinto seus músculos relaxarem e ele respirar fundo antes virar para mim.

Suas mãos já estão em meu rosto e ele me puxa para um beijo ardente e caloroso. Seus lábios tem uma ferocidade admirável ao envolver os meus. Perco todo controle que tinha a segundos atrás e me entrego totalmente ao beijo, a ele...

— Espere... — Damon se afasta repentinamente e eu abro os olhos. Seus olhos estão semicerrados me encarando. — Me seduziu para me convencer a jogar minha camisa fora?

— Isso importa? — tento lhe beijar de novo, necessitando disso, mas ele afasta meu rosto de novo.

— Você é muito má, sabia? — apesar de ele parecer chateado ao dizer isso, um sorriso felino se forma em seus lábios.

— Você gosta quando sou má. — sussurro para ele e desço minhas mãos que estavam em seu quadril para sua bunda, apertando e puxando-o para perto.

A mão de Damon desce para o meu pescoço e a outra afasta uma mecha de cabelo do meu rosto. Ele emite um estalo com a língua e semicerra os olhos mais uma vez.

— O que eu deveria fazer com você, amor? — ainda com a mão em meu pescoço, Damon aproxima os lábios do meu ouvido, enquanto sua outra mão vai descendo. — Deveria punir você por ser má comigo?

Um gemido escapa de mim quando seus dedos encontram minha intimidade. Calor toma conta de mim.

— Que punição dou a você? — seu dedo entra sem cerimônia e eu contraio as pernas, querendo que ele continue, que incendeie meu corpo.

Damon sobe a mão de meu pescoço o suficiente para seu polegar roçar em meus lábios. Envolvo seu dedo com a boca. Ele sorri e seu outro dedo se movimenta lentamente... Tão lentamente...

— Você gosta disso? — Damon desce sua mão para meu pescoço de novo e aperta de leve para que eu abra os olhos. Faço que sim. — Palavras, amor. Quero que use palavras.

— S-sim. — o jogo se inverteu, parece. Meu namorado põe mais um dedo e outro gemido escapa de mim.

A mão que estava em meu pescoço está agora desfazendo o laço do meu roupão e um segundo depois, meus seios firmes pesados estão agora totalmente à sua mercê. Eu estou e ele pode fazer o que quiser comigo agora.

Sua mão envolve meu seio e eu encaro seus lábios. Preciso dos seus lábios em mim. Seja em minha boca, seja em todo o meu corpo... Me inclino para frente, para tomar seus lábios, mas tudo que consigo é um beijo suave de sua parte.

— Por favor! — apoio a cabeça em seu ombro, respirando com dificuldade e encarando aquela mão lá embaixo, que está tão dolorosamente devagar.

— Por favor, o quê? — Damon murmura em meu ouvido. Ele está me provocando...

— Mais rápido! — mordo o lábio e movimento o quadril, querendo mais, mas sua outra mão me contém.

— Por que? Estou me divertindo tanto. — consigo sentir seu sorriso malicioso, mas solto um gemido como resposta.

Damon ergue meu queixo e me beija, em seguida seus dedos entram e saem de mim em a velocidade que me tira o fôlego. Mal consigo beijá-lo quando aquele calor estrondoso pulsa em mim, fazendo todos os meus pensamentos virarem nada e apenas seus dedos ágeis e rápidos fazem sentido.

— Damon... — seguro seus ombros e jogo a cabeça para trás, estremecendo e não de frio. Não, puro prazer corre em minhas veias quando me liberto em seus dedos.

Encaro Damon, ofegante. Ele leva seus dedos à boca, chupando, provando meu gosto. Isso me deixa ainda mais aturdida e desejosa. Desejando-o dentro de mim.

Lendo cada pensamento impuro meu, Damon me beija com a mesma ferocidade e determinação de minutos atrás, me arrancando mais um gemido prazeroso.

Nós vamos dando passos e mais passos para trás e quando presumo estarmos perto da cama, Damon se afasta — mais delicadamente dessa vez — e morde meu lábios antes de virar de costas e como se meu corpo soubesse o que fazer, eu abaixo a parte superior do meu corpo na cama, empinando minha bunda para ele.

Damon sobe meu roupão e me dá um tapa, me tirando um gritinho. Suas mãos fortes pegam meus braços, prendendo-os às minhas costas com apenas uma mão. Ele usa o pé para afastar minhas pernas e posso jurar que ouvi um grunhido de satisfação seu ao ver a visão privilegiada que tem.

Prendo a respiração quando ele entra em mim, sem aviso prévio, apenas seu membro grosso e duro.

— Ah, Elle... Você está sempre tão pronta para mim. — Damon diz e ouço seu suspiro por cima do latejar dos meus batimentos cardíacos em meus ouvidos.

Mordo o lençol da cama para conter o gemido, mas é inútil quando as estocadas ficam cada vez mais profundas, alcançando meu interior de forma avassaladora, fazendo os nossos gemidos se misturarem, cada um mais carregado de prazer que o outro.

Meu corpo se encontra naquele frenesi que apenas Damon consegue me fazer sentir, me fazendo revirar os olhos de prazer. Prazer. Prazer é tudo que me resume no momento. Não chamaria essa selvageria que pulsa entre nós no momento de fazer amor, o termo parece delicado demais, mas há amor. Isso não tenho dúvida.

Então, entrego-me a esse prazer. A ele. Deixo que suas palavras — nada gentis agora — mas que me exitam de qualquer forma, tomarem minha mente. Suas estocadas estrondão em mim, me fazendo gemer seu nome repetidas vezes.

— Elle... Eu vou... — não o culpo por não conseguir terminar a frase quando nem mesmo eu consigo dizer nada além de seu nome.

Minha respiração está acelerada, assim como meu coração quando sinto aquela sensação de estar chegando perto de algo... De estar tão perto que apenas mais uma estocada...

Damon e eu alcançamos o prazer juntos e sinto-o se libertar dentro de mim e sair logo depois.

Estamos deitados horas depois, assistindo um seriado. As cortinas estão fechadas, mas sei que lá fora está nevando descontroladamente.

Damon mantém os braços ao redor de mim, fazendo carinho e às vezes me beijando, uma lembrança de que está aqui, comigo e sempre estará.

— Por que não trás suas coisas para cá? — Damon pergunta de repente. Pisco algumas vezes para afastar o sono e viro o rosto para ele.

— Minhas coisas? — franzo as sobrancelhas paro o seu rosto iluminado pela luz da TV.

— Sim... Quero dizer... Por quê não vem morar aqui? — a expectativa por minha resposta é clara. Me desvencilho dele e me sento na cama. Não falamos disso. Apenas uma vez, mas havíamos concordado de esperar um pouco.

— Por que? — sei que não é o que ele queria ouvir, mas também sei que ele não esperaria que eu aceitasse assim.

Damon dá de ombros.

— Você fica mais aqui do quê no dormitório, então por quê não? — Damon senta na cama e se recosta na parede. Mordo o lábio, pensando no assunto.

Não vou mentir que queria mesmo que morássemos juntos, já que a ideia de termos um futuro se concretiza a cada dia. Poderia ser um teste, então. Nós dois aqui, se vendo todos os dias de manhã ao acordar. Ter a certeza de que teremos um ao outro toda noite...

— Mas se você não quiser... — Damon começa a dizer quando fico muito tempo calada. Eu sorrio.

— Acho que vou precisar de uma parte a mais do guarda-roupa.

Três meses depois

Estou atrasada pra faculdade e não sei onde estão os meus óculos. Eu uso tanto eles como as lentes, mas hoje, como disse, estou atrasada e sem paciência para pôr as lentes que também estão perdidas no armário do banheiro.

— Quer ovos? — Damon pergunta do fogão, onde está despreocupado fritando ovos.

— Acha que tenho tempo para comer ovos? — olho embaixo da cama pela segunda vez, mas não vejo nada além do par de sapato de Damon que está mais podre que a comida estragada que joguei fora ontem. — Seu sapato está infestando o apartamento!

— Está atrasada para comer ovos, mas não para comentar sobre meus sapatos? — Damon ainda está sem camisa, apenas de calça moletom e fazendo o café da manhã.

— Argh! A culpa é sua que ficou com a TV ligada até tarde. — suspiro irritada e sento na cama, cobrindo meu rosto com as mãos e apoiando os cotovelos nos joelhos.

— Ei! — Damon está em minha frente segundos depois. Ele afasta minhas mãos e vejo que está ajoelhado.

— Desculpe... — apoio minha testa na sua e acaricio sua barba por fazer. — Tem sido difícil...

— Eu sei. Mas vai ficar tudo bem. Eu prometo — Damon beija minha testa e depois meu nariz, me tirando um sorriso — Mas... Estava procurando isso? — ele mostra os óculos em sua mão.

— Onde... Estava com ele o tempo todo?!

— Não. Você deixou no lugar de sempre.

— Mas... — encaro a escrivaninha ou "o lugar de sempre" como ele acabou de chamar.

— Você usa óculos porque tem problema de visão, porque ainda fica surpresa por não achar os próprios óculos?

Dou um tapa em seu braço.

Seis dias depois eu estou trancada no banheiro, contando os cinco minutos necessários para obter os resultados dos testes. Passei na farmácia agora pouco e comprei logo três para me sentir mais segura de qualquer que seja o resultado.

Estou torcendo as mãos no colo, batendo a perna no chão de mármore e engolindo o choro. Mas é em vão porque começo a chorar mesmo não querendo enquanto sussurro várias vezes:

— Que eu não esteja grávida... Que eu não esteja grávida...

Ouço um baque e viro para porta como se pudesse ver exatamente a careta que Damon deve está fazendo por ser tão barulhento e xingando por ainda não ter mandado consertar. É sempre assim...

Mordo o lábio para conter o choro. Ele não devia estar em casa agora. O estágio na empresa de arquitetura termina apenas às seis e ainda são quatro da tarde... O destino sempre brincando comigo.

Não contei a ele sobre minhas suspeitas. Não falei que minha menstruação está há semanas atrasada e eu só percebi há três dias. Também faço estágio, mas em uma revista, e isso ocupa três dias da minha semana, começando ao meio dia até às sete da noite. O resto do tempo passo estudando e estudando. Não percebi que estava sem menstruar a um tempo considerável.

Olho para o relógio em meu pulso. Mais dois minutos...

— Elle...? — a voz de Damon se sobressai pelos meus pensamentos, me deixando alerta sobre quanto soou perto e como seus passos estão cada vez mais próximos do banheiro.

Uma batida e eu me sobressalto.

— Amor? Eu vi sua bolsa... Você está bem? — a preocupação em sua voz é de partir o coração. Me obrigo a respirar fundo e manter a voz firme.

— Sim. — encaro os testes no chão. Nada ainda.

— Sim o quê?

— E-estou bem. — me amaldiçoou por gaguejar. Damon força a maçaneta.

— Abre a porta — ele força a pobre maçaneta mais uma vez e eu fecho os olhos — Elle, por favor... O que está acontecendo? — Damon xinga quando a porta se recusa a abrir quando já está trancada por dentro. — Estou ficando preocupado, Elle... Se não me deixar entrar, eu vou arrombar.

— Vai deslocar o ombro. — murmuro sem querer e abro os olhos, dando-me conta que mais um minuto já passou.

Damon está dizendo mais alguma coisa, mas estou prestando atenção nos três testes com resultados iguais. Bom. O que significa que não está errado... O que significa...

Damon parou de falar. E para ele parar de falar...

Corro para a porta antes que ele arrombe. O que era exatamente o que estava se preparando para fazer.

— O que aconteceu? Por quê está chorando? — ele se aproxima e envolve meu rosto com as mãos.

— Eu... — mas as palavras não vem. Minha respiração está irregular e as paredes... As paredes...

— Merda! — é tudo que ouço antes de desmaiar em seus braços.

O macio da cama é tão bom que eu não me importaria de passar o resto do dia aqui se não fosse pela umidade em meu rosto. Na testa, depois na bochecha e descendo para o meu pescoço.

Abro os olhos e encontro os de Damon. Apoio os cotovelos na cama e olho em volta. Estamos na cama, isso é óbvio e ele estava passando pano molhado em meu rosto.

— Você só desmaia assim quando está muito, muito nervosa — diz ele, deixando o pano de lado e me encarando, seu rosto é pura preocupação. — O que aconteceu? Tem haver com esses testes?

Encaro os testes de gravidez postos ao meu lado na cama. Desabo se novo no colchão e encaro o teto.

— Bom... Sim. — suspiro quando sinto cheiro de comida tailandesa, quase me levanto ansiosa para ir ver o que ele trouxe, mas Damon parece tenso, me encarando.

— Então esses testes... — ele engole em seco. — Você está... Está...

— O que tem nesses testes? — pergunto a ele quase rindo. Damon franze as sobrancelhas para os testes.

— Um traço em cada um? — ele olha para mim e ergue a sobrancelha.

— E o que isso deveria significar? — também ergo a sobrancelha. Ele coça as sobrancelhas com o polegar e o indicador. Costuma fazer isso quando está trabalhando e não consegue resolver um problema.

— Eu não sei... Nunca fiz um teste de gravidez antes, se já não é óbvio. — dou risada da sua impaciência.

— Não. Não estou grávida, se é isso que quer saber. O atraso da minha menstruação deve ser o estresse. É normal. Agora podemos comer? Estou faminta! — levanto-me da cama, mas não antes de perceber os ombros relaxarem e ele passar a mão pelo rosto. Damon usa a mesma mão para me impedir de ir para cozinha.

— Por que não me contou? — e não é alívio que vejo em seus olhos, talvez um pouco, mas há mais mágoa por eu não ter compartilhado essa preocupação com ele.

Sento-me em seu colo e ele passa os braços por minha cintura.

— Não queria preocupar você ou dar falsas esperanças, mesmo nós dois estando bastante aliviados. — dou de ombros. Não estou mentindo quando digo isso.

— Deveria ter me contado. Tenho tanta responsabilidade nisso quanto você — Damon me beija e depois se afasta. Seus olhos verdes estão brilhando quando encaram os meus. — E eu quero que tenhamos um filho. Vários. Só que agora...

— Eu sei. — sussurro para ele, sorrindo. Ninguém quer um filho quando está na faculdade, mas depois... Depois teremos uma família.

Quatro anos depois

Acabei de sair do trabalho e estou atrasada para o meu encontro com Beverly. Ela havia me contado que estaria aqui em Boston para supervisionar um leilão de artes e combinamos de nos ver. Mas eu estou quinze minutos atrasada.

Deveria ter ligado para Damon, para poder me buscar se ele não tivesse com muito trabalho para fazer. Faltando poucos meses para se formar, ele tem andando mais atarefado do que nunca. Não o julgo. Ano passado, quando eu estava prestes a me formar, fiquei do mesmo jeito. E agora, um ano depois de ter me formado em Publicidade, ainda ando ocupada.

O vento do outono bagunça meu cabelo enquanto ando pelas ruas movimentadas de Boston. Estou de salto alto, coisa que passei a usar quando passei de estagiária para funcionária comum. O blazer preto eu carrego no braço, com minha bolsa. A camisa social está desabotoada em cima, mas nada muito revelador. E uma saia preta justa que vai até os joelhos completa meu look.

Avisto Beverly em uma mesa do lado de fora do café em que marcamos. Ela está linda. O cabelo cacheado longo até a bunda. O rosto está iluminado com um sorriso quando me vê.

Nos vimos há dois meses, mas eu já estava com saudades.

— Mil desculpas pelo atraso. — digo como cumprimento quando nos abraçamos.

— Relaxa. Também acabei de chegar. — nós nos sentamos e eu suspiro de alívio. Esses saltos estão acabando comigo. Fiquei em pé o dia todo.

— Então... Quais as novidades?! — pergunto animada. Ela estava bastante nervosa no telefone.

— Estou noiva! — Beverly ergue a mão, mostrando o anel de diamante no dedo. Olho para ela incrédula, surpresa, feliz... Várias emoções se acumulam em mim quando seguro sua mão.

— Não acredito! Ai meu Deus! Parabéns! — levanto-me e abraço-a de novo. — Quando?

— Ontem a noite. Nós jantamos em um arranha céu famoso de Nova York. Ele contratou uma banda famosa da cidade para cantar e fez o pedido. — os olhos da minha amiga brilham com a lembrança.

— Não acredito que ele não me contou! — forço um pouco a memória, mas nada foi mencionado.

— Acho que ele achou que você me contaria — Beverly dá de ombros, encarando a joia no dedo — Eu disse que era demais — ela se refere ao anel. — Mas ele disse que esse diamante não era nada comparado ao amor que sente por mim.

— Ele é tão apaixonado por você! — sorrio toda boba. Beverly também.

— E eu por ele.

Beverly e Kenan estão juntos há três anos, quando meu melhor amigo voltou para os Estados Unidos e como a mim, não quis ficar em Las Vegas e quando soube que Beverly estava estudando em Nova York, veio para cá e estão juntos até hoje.

Estou feliz por eles. Algumas pessoas não acham legal que seus melhores amigos namorem, mas eu gritei de felicidade quando Kenan me pediu ajuda para planejar o pedido de namoro.

— Você e Damon serão nossos padrinhos, não é? — Beverly pergunta com cuidado.

— Sim! Sim, claro! — eu praticamente grito. Se eles não me chamassem para ser madrinha, ficaria magoada. Minha amiga sorri.

Passamos o resto da tarde batendo papo até ela precisar ir embora, mas prometemos tomar café da manhã juntas. Então, nos despedimos e seguimos caminhos diferentes.

Damon não está quando chego e não fico surpresa. Eu chego mais cedo na maioria das vezes, mesmo hoje quando passei as últimas duas horas com Beverly.

Tomo um banho não muito demorado, visto apenas uma calcinha e uma camisa sua. Prendo meu cabelo — que agora está batendo no meio das costas — em um coque e vou procurar alguma coisa no armário.

Não vivemos de comida enlatada. Damon cozinha sempre, mas hoje ele está mais atrasado que o habitual e deve chegar cansado. Não custa nada eu fazer alguma coisa, mesmo que minhas experiências com comida sejam limitadas.

Me aventuro a fazer macarrão com queijo. É estranho, mas é seu prato preferido e eu já vi fazendo várias vezes para não errar o ponto do macarrão. Ou é o que eu espero.

O relógio bate às 02:00h e suspiro. O macarrão esfriou e bebi três taças de vinho nesse meio tempo. Verifiquei minha agenda e enviei alguns e-mails para adiantar meu trabalho. Fiz essas coisas para não ter que pensar que estou sozinha no apartamento às duas da manhã. Agora estou sentada no sofá perto da vidraça, observando a lua.

Damon não entendeu minhas ligações e deixei inúmeros recados e mensagens. Nenhuma resposta até agora.

Não é a primeira vez, na verdade. É terceira em dois meses e sei exatamente que está como das outras vezes quando ouço a maçaneta girar.

Damon entra cambaleando no apartamento e meu estômago se revira. Ele fecha a porta com um baque e nem mesmo tranca antes de se arrastar às cegas até a cama, onde se joga.

— Elle... — Damon murmura meu nome enquanto vasculha a cama com a mão, procurando por mim. — Elle!

E eu o observo chamar por mim, mas não vou até ele. Não me aproximo para poder sentir o cheiro da bebida e sabe se lá qual outro cheiro posso sentir. Um perfume feminino talvez?

Passo a noite acordada e observo o dia clarear. Os primeiros raios de sol iluminam Boston e eu poderia apreciar a vista privilegiada caso não estivesse levantado depois de horas sentada e ido até o guarda-roupa, para fazer minhas malas.

Seis malas no total e uma hora e meia. Depois tomei um banho e vesti a roupa que separei. Quase a mesma coisa de ontem: saia justa até os joelhos, camisa social branca e o blazer azul escuro como a saia.

Meu rabo de cavalo balança de um lado para o outro enquanto ando pelo apartamento, meus saltos fazendo barulho no piso de carvalho. E talvez isso tenha despertado Damon, pois eu o ouço murmurar alguma coisa.

Chamo um táxi que deve chegar em dez minutos e viro-me para encarar o homem na cama com o corpo apoiado nos cotovelos, a cara sonolenta encarando me encarando e depois as malas.

Damon senta-se ereto na cama, o sono sumindo e seus olhos se arregalando conforme entende o que está acontecendo.

— O quê... Para quê são essas malas? — Damon se levanta. Seu cabelo está mais bagunçado do que nunca e sua barba está por fazer.

— Estou indo para Nova York. — digo simplesmente. Tento o máximo possível não demonstrar o quanto estou magoada e espero que toda a maquiagem que usei sirva para esconder minha cara de choro e as olheiras.

— Indo... O quê? Como assim? A trabalho? — seus olhos disparam para as malas de novo e ele é inteligente o bastante para saber que não é a trabalho.

— Recebi uma proposta de emprego — dou de ombros. — E aceitei.

— Quando? E pra quê essas malas? Você está... Está indo embora? — agora ele também parece magoado, mas desvio dos seus olhos. Não vou recuar.

— Há duas semanas. Eu teria contado se você parasse em casa. Mas parecia muito... — olho para suas roupas. — ocupado.

— Não... Elle... — Damon passa as mãos pelo rosto, parecendo desesperado. Meu coração se aperta. — Eu... Desculpe... Desculpe... Por favor, vamos conversar...

— Meu vôo é em duas horas. Queria conversar ontem, mas... Bom, você tinha outros compromissos, parece. — volto a encarar suas roupas e depois a mesa ainda arrumada. Ele também olha e xinga.

— Eu saí com uns amigos... Esqueci de avisar... Eu fiz isso outras vezes, mas eu estava apenas sobrecarregado e não queria jogar tudo isso em cima de você... Não percebi o que isso estava fazendo... Por favor, amor...

Começo a recuar, incapaz de ver seu desespero. Exatamente como anos atrás. Bloqueio isso quando lhe dou as costas. Meus olhos ardem conforme eu luto contras as lágrimas e a emoção. Não sou mais uma adolescente. Não, sou uma mulher de 23 anos que sabe tomar suas decisões sem deixar a emoção tomar conta.

— Elleonor... Amor...

— Precisa buscar suas roupas na lavanderia hoje — engulo em seco, pegando minha bolsa do sofá. — Alguém vai consertar o ar-condicionado ainda essa semana e não se esqueça do seu carro, se não quiser levar uma multa por deixar estacionado na frente do prédio.

Viro-me para ele, me deparando com olhos verdes avermelhados, cabelo despenteado e barba por fazer. Continua sendo Damon, o homem por quem me apaixonei e sou apaixonada, mas... Não sei.

— E o que quer que eu faça? — Damon anda até mim, parando tão perto que posso distinguir as íris verdes do vermelho de seus olhos.

— Não há nada para fazer... Não agora. Nós... Nós precisamos de tempo...

— Não preciso de nada além de você. — ele repete quase as mesmas palavras de anos atrás, quando lhe dei as costas depois que disse.

— Eu preciso de tempo, Damon. Não estou fazendo isso para magoá-lo. Estou fazendo isso por mim. Poderia me ajudar? — minhas palavras são cada vez mais baixas e engulo em seco de novo.

— Não quero ficar longe de você... — Damon apoia a testa na minha e passa os braços ao redor de mim.

— Um tempo, apenas isso. — acaricio os pelos de sua barba e ele se inclina para o meu toque.

— Quanto tempo e por quê agora? — ele me aperta um pouco para que eu responda.

— Recebi uma proposta. — digo apenas. Damon suspira.

— Poderia levá-la, pelo menos. — ele oferece, já começando a aceitar minha decisão. Eu nego.

— Chamei um táxi e você não está em condições. — eu recuo para encará-lo. Sua expressão é de cansaço e tristeza.

Ficamos assim por um tempo, apenas nos encarando, ouvindo a respiração um do outro. Achei que ele fosse tentar me fazer mudar de ideia, mas é Damon. Ele irá respeitar minha decisão, mesmo que isso o mantenha afastado.

— Onde irá ficar? Posso visitá-la? Quer dizer... Isso não é um término, certo? É apenas um tempo? — de repente ele se afasta, segurando meus ombros. Damon parece subitamente preocupado.

— Na casa de Kenan e Beverly até achar um apartamento — eles vão se casar logo e tudo que menos quero é atrapalhar, mas Beverly ofereceu o apartamento quando liguei hoje pela manhã. — Se estamos dando um tempo... Acho melhor não nos virmos até... Bom... Não sei.

Lhe encaro, esperando não magoá-lo mais ainda. Damon respira fundo e balança a cabeça.

— Mas poderá me ligar sempre que quiser — tento dar um pouco de entusiasmo na minha voz e Damon dá um meio sorriso, assentindo — Não é um término. — sussurro para ele. — É apenas um tempo. Casais dão tempo um para o outro. Nós dois estamos muito ocupados ultimamente e tenho medo que se não fizermos nada agora...

Não termino a frase, mas Damon assente mais uma vez.

Meu telefone toca e não preciso olhar para saber que é o táxi.

Depois de colocar as malas dentro do carro (nem todas cabendo no porta malas) não sei o que dizer. Não estamos nos despedindo para sempre, mas eu também não sei quanto tempo será.

— Vou ligar todos os dias. — Damon é o primeiro a falar. Estamos na calçada, eu me recostei no carro e Damon está parado à minha frente.

— Irei atender — sorrio um pouco, sentido um aperto no peito. Damon me puxa para si, seu braço envolve minha cintura e sua outra mão segura minha nuca, mantendo-me presa a ele, como se isso fosse me impedir de ir embora. — Não é para sempre.

— Dói mesmo assim.

Nos afastamos e ele me olha. Olha mesmo, como se visse que precisamos disso, desse tempo e entende que é para o nosso bem. Por fim, Damon assente e me beija mais uma vez, abrindo a porta do carro logo depois. Antes que eu entre, ele segura minha mão que ainda mantenho sobre seu peito.

— Eu te amo... As coisas podem estar confusas, mas tenha a certeza que eu te amo, Elle.

— Eu te amo, Damon.

Entro no carro antes que mude de ideia. A porta é fechada e olho para Damon pelo vidro do carro, ele acena e diz mais uma vez que me ama e eu posso jurar que vi lágrimas escorrerem por suas bochechas quando o carro deu partida, deixando-o para trás, mesmo eu tendo ele em meu coração.

Quatro meses depois

Nova York é uma completa loucura. Agora entendo quando as pessoas dizem que a cidade nunca dorme, pois é verdade. Não importa a hora, sempre haverá pessoas circulando, é como um Cassino: se passar muito tempo dentro, perde a noção da hora.

Caminho pelos corredores da Mystical Company, é um nome bem incomum para uma empresa, mas a falecida fundadora achou legal pôr esse nome para uma empresa de cosméticos e para falar a verdade, combina, já que todos os cosméticos, principalmente os perfumes, tem algo de místico em suas fragrâncias. É difícil explicar.

Minhas botas são confortáveis o suficiente para não me fazer resmungar por ter ido andando até o trabalho. Achei que depois de quatro meses não faria mal dar uma caminhada, mas demorei uma hora para chegar, quando na verdade demoro metade do tempo de carro ou metrô.

— Bom dia, srta Allen! — May me cumprimenta quando passa por mim.

— Bom dia, May. — aceno para ela e entro na minha sala. Não é muito grande, mas tem uma vista incrível e às vezes acho que passo mais tempo olhando para a cidade lá embaixo do que trabalhando.

— Ah, senhorita... — May põe a cabeça para dentro. — O sr Robert Allen ligou, mas não deixou recado além do pedido que a senhora retornasse a ligação.

— Ligue para ele e passe a ligação para mim, por favor. — sento-me atrás da mesa e ponho meu café em cima de um papel. Minha mesa está uma bagunça.

— Okay — May volta a fechar porta e eu suspiro, meus olhando vão para o porta retrato na mesa. A fotografia foi tirada há um mês, na formatura de Damon. Eu não podia deixar de ir, precisava apoiá-lo em um momento tão importante em sua vida e assim foi. Não rolou nada entre nós dois. Eu queria, ah se eu queria, mas ele pareceu levar esse negócio de tempo muito a sério já que não me deu nada mais um breve selinho e depois se desculpou dizendo ser força do hábito.

O telefone toca e eu atendo no ato.

— Ele já está na linha. — May avisa.

— Pode passar. — bebo um pouco do meu café e giro a cadeira, observando a cidade. Las Vegas e Nova York podem ser parecidas no quesito população, mas passei a amar a cidade como nunca amei Las Vegas.

Fico surpreso de conseguir uma hora na sua agenda. — meu tio diz do outro lado da linha. Sorrio.

— Bom dia. — bebo mais um pouco do café e fecho os olhos para sentir o sol batendo em meu rosto.

Bom dia, gatinha. Como estão as coisas por aí?

Então conto a ele sobre os últimos dias, sobre a nova campanha que estou trabalhando. É meu primeiro projeto sozinha e estou bastante animada.

Conversamos sobre como o tempo é diferente em Nova York e ele me conta sobre o quiosque que abriu em Malibu. Fico feliz por ele, ainda mais feliz quando me conta sobre sua nova namorada, dessa ele realmente parece gostar e quer até que eu a conheça. Como se isso fosse uma deixa, o assunto sobre o Natal apareceu. Nos últimos anos temos sido apenas Damon e eu. Na verdade, a data passava sempre despercebida por nós. Mas talvez esteja na hora de mudar e prometi ao meu tio pensar no assunto quando achasse um apartamento.

— Quatro meses e ainda não achei um apartamento decente e tenho procurado muito. — estou dizendo a ele. Nesse tempo eu fiquei no apartamento de Kenan e Beverly. Logo depois do primeiro mês eu fiquei incomodada porque não era certo atrapalhar os dois, então Kenan precisou viajar e durou semanas, então fiquei para fazer companhia a Beverly. Mas nas semanas seguintes eu estava muito ocupada com o trabalho e ajudando minha amiga com as coisas do casamento que não tive tempo para mais nada.

Vai morar sozinha, então? — uma forma sutil de perguntar se Damon e eu ainda estamos juntos.

— É... Bom, não sei... Hã... Preciso desligar, tio, tenho uma reunião em cinco minutos. — verdade e mentira. A reunião é em uma hora.

Claro... — ele ri, não acreditando. — Nos falamos em breve.

— Até mais. Beijos.

Desligo o telefone e suspiro. Preciso resolver minha vida.

Depois da reunião, tirei o dia de folga. A Mystical Company é bem liberal em relação ao horário. Se você já fez tudo o que tinha para fazer na empresa, mesmo no meu caso que foi uma única reunião, pode ir trabalhar em outro lugar. Com tanto que cumpra com suas responsabilidades. E como preciso terminar a minha proposta para campanha, é bom um pouco de ar puro para clarear as ideias.

Visitei três apartamentos em Manhattan. Nenhum me agradou muito. Parecia que faltava alguma coisa. Nada conseguiu me agradar e eu não consegui sentir seja lá o que sentimos quando vamos ver um apartamento. Então volto para casa — para casa dos meus melhores amigos.

— Ah! Elle, que bom que chegou! Venha, me ajude aqui. — Beverly me arrasta até a mesa da sala de jantar.

— Tudo bem? — Kenan pergunta, encarando—me com aquele olhar de irmão mais velho.

— Estou apenas frustrada por não conseguir achar um apartamento. — me acomodo na mesa ao lado de Beverly. Ela está com o notebook aberto.

— Já falamos que não precisa ter pressa. — minha amiga sorri. Balanço a cabeça.

— Faz quatro meses! Se eu não conseguir achar um apartamento em uma semana, irei para um hotel.

— Não há necessidade...

— Vocês se casarão em breve, não posso ficar aqui. E nem ousem me contradizer!

Ambos suspiram, insatisfeito, mas logo mudo de assunto. Eles estavam fazendo a playlist do casamento antes de eu chegar e estavam me esperando para ver o que eu achava. Então jantamos e eu fui para o quarto.

Estou cansada, então preparo um banho e fico na banheira. Meu celular toca algumas músicas baixas, para me ajudar a relaxar.

Estava quase dormindo quando um toque estridente soou. Enxuguei a mão com a toalha e peguei o celular. Amor. Sem pensar duas vezes, eu atendo.

— Boa noite! — minha voz soa mais alegre do que estou.

Boa noite... Está ocupada? — ah, como estava com saudade da sua voz. Tudo bem que nos falamos ontem, mas senti saudade mesmo assim.

— Nunca para você. — coro na mesma hora que digo isso. Posso não estar vendo, mas sei que ele está sorrindo.

Fico feliz em saber disso. Como foi o seu dia? — a mesma pergunta de ontem e da noite antes desta e antes da de antes. Todas as noites nós conversamos e todas as noites falamos sobre o dia um do outro. Às vezes eu falo mais e preciso perguntar a ele se ainda está na linha quando fica muito tempo calado. Tem dias que ele é quem está muito falante e eu não faço nada além de ouvir sua voz e imaginá-lo comigo.

Falamos sobre nossos dias e conto a ele sobre minha frustração ao procurar um apartamento e Damon diz que irá me ajudar, olhando alguns pela internet. Ele me conta sobre seu trabalho e como seu chefe está pegando no seu pé agora que ele não é mais um estagiário. Nós rimos quando ele compara o pobre coitado com um papagaio.

Queria que estivesse aqui. — Damon diz de repente. Fecho os olhos. Há dias também que ele diz isso e não sei como reagir. Eu pedi esse tempo e Damon está me dando, mas agora depois de quatro meses, quero mandar ele pegar um avião e vir me ver. Mas tenho medo. Medo de algo ter mudado entre nós... Sei que esse foi o objetivo desse espaço: para que ambos pensassem sobre suas vidas e ter uma evolução pessoal que pudesse ajudar também no nosso relacionamento, mas e se esse tempo mudou o que sentimentos um pelo outro? — Elle?

— Sim... — engulo as lágrimas. Só há um jeito de responder todas essas perguntas... — Consegue vir para cá nesse final de semana?

Nesse tempo que estou aqui em Nova York, ainda não tinha ido à praia. Não são como Malibu e Las Vegas, mas tem mar e areia, então está bom. Não tive muita dificuldade para chegar também. Rockaway Beach é bem perto e prático.

O vestido verde longo protege minhas pernas no vento, apesar do tecido ser fino e de alcinha. Pelo menos meu cabelo está indo em apenas uma direção e preciso lembrar de cortá-lo, está quase batendo na bunda.

Esqueci como fica linda de verde.

É a mensagem que recebo de Damon. Olho para o lado e vejo-o caminhando até mim com o sorriso mais lindo no rosto. Está de calça jeans, camisa social e blazer azul escuro. Um pouco formal para os seus padrões, mas lindo de qualquer jeito.

Descruzo os braços e me lanço em cima dele. Damon hesita, surpreso, mas logo está me apertando e acariciando minhas costas. Seu perfume toma meus sentidos e sou levada aos momentos de nós dois juntos.

— Senti falta disso. — Damon sussurra. Eu lhe aperto mais.

Quando finalmente nos afastamos — não muito — ele envolve meu rosto com as mãos e parece olhar cada detalhe. Seguro seus pulsos, mas não o afasto.

— Ainda sou a mesma. — garanto a ele. Damon ri, depois seus olhos descem para o meu vestido.

— Escolheu esse vestido apenas porque combina com meus olhos, não foi? — ele balança a cabeça, aprovando. Reviro os olhos.

— Vesti a primeira coisa que achei. — dou de ombros, mentindo. Damon semicerra os olhos para mim como se também soubesse que passei duas horas tentando decidir qual vestido verde ficaria melhor, mas tinha que ser verde porque me lembrava seus olhos.

— Está incrível. — suas mãos descem para minha cintura e ele me puxa para perto e esse simples gesto me faz pensar que nada realmente mudou.

— Obrigada... Por ter vindo. — abaixo os olhos e encaro os botões de sua camisa branca.

— Eu quis vir todos os dias. Mas você pediu um tempo e mesmo que isso me deixasse louco... — ele balança a cabeça. — Se estou aqui, presumo que... Bom, o que você decidiu?

Achei que já estivesse óbvio o que eu havia decidido... Na verdade não havia uma decisão a tomar, não é como se eu estivesse em dúvida se ainda queria continuar com ele, eu só queria um tempo naquele momento... Vejo que estou calada a tempo de mais e pigarreio.

— Você ainda quer ficar comigo... Mesmo depois desse tempo? — arrisco olhar para ele e vejo a confusão em seu rosto.

— Eu passei cada maldito dia pensando em você e ainda tem dúvidas se eu a quero? — Damon está me olhando como se eu fosse tonta. — Eu te amo e quero ficar com você, Elle!

Balanço a cabeça e percebo que o aperto em meu coração se afrouxou. Não que eu não achasse que ele não queria mais nada comigo, só achei que depois de quatro meses separados talvez ele mudasse de idéia.

— Não aguento mais ficar longe de você. — confesso a ele. Damon sorri feito bobo antes de me beijar. Sinto-me radiante e desperta como toda vez que nos beijamos. Minhas mãos correm por seu cabelo que tanto senti falta e suas mãos me apertam e me acariciam. Quatro meses sem beijá-lo e eu quero fazer amor com ele aqui mesmo nessa praia.

— Isso é bom — Damon diz se afastando. Fico me perguntando se disse meu último pensamento em voz alta, mas percebo que ele se refere ao que falei. — Senão eu estaria fazendo papel de idiota nesse momento, mas por você eu faria qualquer coisa, você sabe, não é? Eu te amo e...

— Damon, o que está acontecendo? — pergunto confusa. Ele está passando a mão no cabelo e respirando fundo várias vezes.

— Só diga que sim, está bem? — ele parece mais nervoso do que eu jamais vi.

— Dizer sim para q... Oh, meu Deus! — levo as mãos a boca quando ele se ajoelhou à minha frente.

— Elle, meu amor, você aceita se casar comigo? — o sorriso dele é hesitante, mas suas palavras soam firmes. Encaro a caixinha em sua mão com o anel dentro... Não posso acreditar... Isso... Oh meu Deus!

— Sim — eu sussurro — Sim — digo mais alto — SIM! — eu grito. Damon levanta imediatamente e me beija. O beijo tem um gosto salgado e percebo que estou chorando e rindo. — Não acredito que fez isso.

Damon pega minha mão e põe o anel em meu dedo. A pedra, percebo, é esmeralda e definitivamente brilha.

— Como os seus olhos. — digo a ele. Damon parece corar e eu acho graça.

— Tive medo que não aceitasse. — apesar do sorriso, vejo que ele fala sério. Por quê eu não aceitaria?

— Talvez eu mude de ideia. — brinco e ele fica imóvel. Dou risada.

— Tenho uma surpresa para você.

— Isso já não foi surpresa o suficiente? — encaro o anel em meu dedo. Damon segura minha mão e beija, sorrindo, mas não diz nada sobre essa surpresa.

Pegamos um metrô para ir para Manhattan. Não sei o que ele pode querer lá se mal conhece a cidade, mas supus que devemos estar indo a algum restaurante.

Andamos alguns quarteirões até ele parar na frente de uma casa. Está anoitecendo e quase não há mais luz natural, então a única coisa que ilumina a casa são os postes na rua. A casa é grande, provavelmente de dois andares com um jardim lindo.

— É o meu novo projeto. — Damon está dizendo enquanto caminhamos pela trilha. A trilha se divide entre a garagem e a porta principal, para onde vamos.

Subimos os degraus, passando entre as duas pilastras brancas. Damon tira uma chave do bolso e abre a porta. Está escuro, mas antes que eu faça alguma coisa, meu noivo acende a luz.

A casa está vazia. Paramos no pequeno saguão e eu encaro a escada que dá para cima. Ao meu lado direito há uma porta e presumo ser a cozinha. Mais para frente tem a sala de estar e é bem espaçosa.

Enquanto avançamos, Damon vai me contando o que pretende mudar. Que parede vai destruir ou qual porta tirar. Nunca tinha visto ele entusiasmado assim e fico feliz por ele e o projeto.

Depois de ele mostrar o escritório, a cozinha, mais dois cômodos que ainda não sabe o que fazer com eles, paramos em um quarto maior. Tirando o tamanho, é igual aos outros: o piso é de carvalho, há um banheiro e um closet (isso também é maior que os outros) e janelas grandes.

Paro na janela, encarando o jardim.

— O que achou? — Damon pergunta passando os braços por minha cintura e beijando meu pescoço. Se ele beijar mais uma vez eu não irei me importar onde estamos.

— É uma casa bem grande. Será sortuda a pessoa que morar aqui. — digo e sou sincera. Sinto Damon sorrir.

— Que bom. Já assinei os papéis e não há como voltar atrás. — viro-me para ele de olhos arregalados.

— Você... Você comprou essa casa?! — não consigo acreditar.

— Sim. Achei que como vamos casar, certamente precisaremos de um teto para morar e essa casa estava à venda... Você sabe, uma coisa levou a outra.

Uma coisa levou a outra? E se eu não aceitasse? — finjo indignação quando na verdade estou querendo pular de alegria por ele ter imaginado um futuro para nós dois.

— Sabia que não ia resistir ao meu charme — ele dá de ombros e lhe soco no braço, mas continuo sorrindo ainda sem acreditar que ele comprara essa casa para nós — Acha que será feliz aqui? — sua voz é baixa e suave. Passo os braços ao redor de seu pescoço e ele me puxa para mais perto.

— Serei feliz em qualquer lugar onde eu tenha você. — eu o beijo e não me importo de estarmos em uma casa vazia — a nossa casa — e me entrego a ele.

Em minutos nossas roupas já estão espalhadas pelo quarto e nós estamos fazendo amor no piso de carvalho.

Três anos depois

Acordo no meio da noite e sinto algo estranho: Damon não está. Lembro de termos ido dormir agarrados um ao outro depois de fazer amor, mas ele não está mais na cama.

Olho para o relógio na cômoda e vejo que são 04:26h da manhã. Ao lado do despertador noto outra coisa estranha: a babá eletrônica não está.

Levanto-me da cama, ponho meu robe e calço as pantufas, para depois sair do quarto. É final de ano o que significa que está nevando como nunca lá fora e mesmo com o termostato ligado, eu me encolho ao andar pelo corredor.

Passo por uma foto pendurada na parede, do dia do nosso casamento, há dois anos. Na foto Damon e eu estamos abraçados, sorrindo e felizes. Meu vestido foi feito de renda, estilo tomara que caia, mas com mangas cumpridas. Beverly quem me ajudou a escolher, seu casamento tinha sido apenas há poucos meses antes do meu.

Chego no quarto com porta rosa e uma placa escrito Meredith e Amélia. Escolhemos esses nomes em homenagem às nossas mães. Lembro-me de ter sido a maior festa quando, há um ano, descobrimos que eu estava grávida de gêmeas. Minha barriga ficou enorme.

Damon está de costas para mim e vou na pontinha dos pés. Espio por cima do seu ombro para ver qual das gêmeas ele tem nos braços. Elas são gêmeas idênticas se não fosse pela marquinha que Amélia tem nas costas da mão. Damon está segurando a mãozinha de Meredith, pois não há marquinha alguma.

— A Amélia acaba de acordar. — ele diz para mim sem se virar. É claro que acordou também. Parece que ser gêmeas implica em acordar na mesma hora também.

Quando chego ao outro berço, olhinhos castanhos esverdeados me encaram e seus braços se agitam. Sorrindo, eu a pego no colo.

— Quero ver o dia que vão dormir uma noite inteira. — eu digo, indo para perto do meu marido.

— Nossas meninas. — Damon murmura, tirando os olhos de Meredith e olhando para Amélia. Ele está com um sorriso bobo no rosto. Me apaixono cada vez mais quando vejo-o sorrir assim.

Damon passa o braço por minha cintura e apoio a cabeça em seu ombro enquanto observo as gêmeas em nossos braços. Nossas meninas. Nossa família. Não podia pedir nada melhor que isso. Hoje estou feliz com o homem que amo e nossas filhas, frutos do nosso amor. Eles são meu tudo e tenho orgulho da minha família como jamais tive de qualquer coisa. São partes de mim e eu os amo cada dia mais.

Aproveito esse momento para contar a ele algo que lhe fará sorrir como bobo de novo.

— Damon?

— Sim...

— Em alguns meses Meredith e Amélia ganharão um irmãozinho.

FIM

Votem e comentem

O que acharam? Ficaram com medo de Elle e Damon não ficarem juntos? Achou o capítulo muito longo?
Confesso que demorei muito escrevendo, mas achei que seria legal vocês saberem como o relacionamento deles foi com o decorrer dos anos.
Deixem seus comentários e sigam para os agradecimentos e avisos. Quero contar algo a vocês!

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2bjs, môres♥

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