QUANDO eu era criança, minha mãe – até onde minhas lembranças me permitem ir – costumava pentear meu cabelo toda vez antes de dormir. Ela contava uma história logo depois, sobre príncipes e princesas, fadas e dragões... Talvez seja por isso que eu goste tanto de ler fantasia. Me lembra a minha mãe.

Eu não a odeio por nos deixar. Seria hipócrita se odiasse.

Mas queria que ela entrasse em contato só uma vez... Só uma única vez e eu pediria para me levar embora com ela.

Papai e eu não falamos disso – dela. Não tem fotos dela em casa, o que é compreensível. Tudo o que tenho da minha mãe além das lembranças é a correntinha em meu pescoço. O pingente é uma uma estrela.

Ela costumava dizer que eu era sua estrelinha.

Beverly me dá um abraço apertado quando nos encontramos no pátio no dia seguinte.

— Garota, eu te amo. Entendeu? Amo! — ela se afasta o suficiente para olhar em meu rosto. Acho que ela vai me beijar quando encara meus lábios, mas ela sorri. — Eu adorei seu batom. É sexy.

— Você está bêbada. — sussurro. Ninguém parece ligar muito para nós. Estão acostumados com o comportamento extrovertido dela.

— Você quer um pouco? Ainda tem um pouco de vinho. — ela balança a garrafa plástica na mão, o líquido quase no final. Ela deve ter posto o vinho ali como faz com o whisky.

Puxo minha amiga para um canto mais reservado, afastado o suficiente para que ninguém nos veja ou ouça. Ela faz uma careta.

— O que houve? — Beverly mal consegue ficar em pé, como ninguém reparou que isso está além do seu comportamento desajeitado? Nós somos bem diferentes. Eu não demonstro as coisas com frequência, mas Beverly... Ela é tão transparente quanto água.

— Meu pai, aquele pilantra sem vergonha... O safado bateu nela de novo. E ela? Não fez nada... Nada, Elle! Ela só olhou para ele e... — Beverly começa a chorar e eu a abraço. Ela é um pouco menor que eu e por isso eu a chamo de Smurf para perturbá-la. Seu cabelo tem cheiro de cerveja, como se em algum momento ela simplesmente tivesse derramado a bebida na cabeça.

Sua maquiagem está borrada quando ela se afasta, fungando. Lhe ofereço o lenço que tirei da bolsa. Ela balbucia um “obrigada”. Fico segurando sua mão até ela se acalmar.

— Ela não quer denunciá-lo. Não quer pedir o divórcio... Não sei como ela aguenta... Eu não sei — ela balança a cabeça. — Quando olho para ele, não vejo mais o meu pai... Vejo um monstro. Porque é isso que ele é.

— Eu sinto muito... — ponho uma mecha do seu cabelo atrás da orelha e enxugo uma lágrima solitária. Ela dá de ombros.

— Eu não quero voltar para casa... Posso... Posso ficar com você... Apenas hoje? — aqueles olhinhos castanhos esverdeados me encararam, em súplica.

— Sim, claro... Hoje, amanhã... Até quando você precisar. — eu abraço a novamente. Ela retribui rapidamente antes de se afastar e virar para o lado. Por sorte, uma lata de lixo está ao seu lado e ela vomita.

Vou até ela, prendendo seu cabelo e acariciando suas costas. Ela não vai conseguir assistir uma única aula assim. Preciso tirá-la do colégio.

Quando ela termina de vomitar, senta no chão.

— Eu já volto, está bem? — sussurro. Beverly assente. Deixo minha bolsa com ela e corro para nossa sala. O sinal bateu e nós não prestamos atenção.

Eu literalmente corro pelos corredores até chegar na porta da sala, onde paro subitamente. O professor de biologia me olha de cima a baixo, assim como toda a turma. Meus olhos correm pela sala e param no garoto de olhos verdes no fundo.

— Professor Smith, o diretor Booth pede a presença de Damon... — então percebo que não sei seu sobrenome. Ele arqueia sobrancelha — Na sua sala... Agora.

— Posso saber o motivo? — o professor e todos da turma, incluindo Brad, encaram-me desconfiados. Olho para Damon que parece da mesma forma.

— A sua mãe — digo para ele — Ela está muito mal... Preciso que venha comigo.

Vamos lá... Acredite em mim... Vamos lá...

— Oh! Isso é terrível! — o professor exclama.  Damon abre a boca para dizer alguma coisa, mas desiste, pegando sua mochila e finalmente vindo até mim. Tento não suspirar aliviada.

Seus olhos ficam em mim a cada passo, até estarmos cara a cara. Dou um passo para o lado, para ele poder passar.

— Espero que tenha uma boa explicação.  — seu hálito acaricia meu rosto quando ele sussurra em meu ouvido.

Aceno para o professor. Antes de virar para sair, encaro Brad, ele está segurando o lápis com muita força e no momento em que nossos olhares se encontram, o lápis parte ao meio.

Estremeço, mas lhe dou as costas. Lido com Brad depois.

Damon está me encarando. Faço sinal para ele andar e depois de poucos passos ele segura meu pulso.

— Minha mãe está morta. — as palavras ecoam por mim, no silêncio e culpa agora pairando em minha mente.

— Sinto muito...

— Dispenso seus sentimentos. Se quer um momento a sós comigo, pode me mandar uma mensagem, sabe. — ele sorri e me solta.

— Cretino.

Não deixo ele responder e agora eu quem pego seu pulso, guiando-o para o pátio, o lugar onde deixei minha amiga.

— Isso está ficando interessante... Estou me lembrando... Você nunca me disse seu nome. — Damon tagarela enquanto caminhamos pelos corredores. Eu sei que ele sabe meu nome. Todos sabem quem eu sou, por razões diferentes, mas sabem

— Elle... Elleonor. — estamos do lado de fora. Só mais alguns passos...

— Elleonor... — sinto um arrepio ao ouvi-lo pronunciar meu nome — Elleonor — ele repete, parecendo se divertir. Olho para ele por cima do ombro com os olhos semicerrados. — Elle...

— Chega. — aperto seu pulso e o cretino sorri.

— Gosto do seu nome.

— Que bom... Eu não.

— Por que?

— Por que não cala a boca? — suspiro. Ele para subitamente e dá um puxão no braço, me fazendo cambalear. Suas mãos seguram meus braços, mantendo-me de costas para ele. Sinto sua respiração em meu pescoço quando ele se inclina para sussurrar.

— Não sei em que merda se meteu, mas se quer minha ajuda, é melhor me tratar com mais educação. — Damon finalmente me solta. Viro para ele.

— Não ponha suas mãos em mim novamente — estamos próximos mais uma vez. Respirações misturadas, o roçar de seus dedos em minha pele... Seus olhos vão para os meus lábios e eu engulo em seco. — Venha... Por favor.

Lhe dou as costas e ele me segue.

Beverly está onde deixei, mas... Dormin- não, desmaiada.

— Merda! — Damon exclama. Ele me ajuda a sentá-la contra a parede, o cabelo caindo pelo rosto — O que aconteceu?

— Explico depois. Preciso do seu carro e... que me ajude a tirá-la daqui. — me preparo para ouvi-lo dizer que não e que não tem nada haver isso. Afinal ele mal a conhece-

— Como? Você deve ter um plano.

Com Beverly nos braços de Damon, caminhamos para uma sala ao lado do pátio, desocupada há muito tempo. Está escuro e com várias coisas no caminho que preciso abrir espaço para ele passar com ela. Tem um cheiro horrível.

Paramos abaixo de uma janela grande o suficiente para uma pessoa passar, mas alta o suficiente para precisar de uma escada para subir.

— Essa janela dá diretamente para rua. — explico. Damon olha ao redor e depois volta o olhar para mim.

— E você pretende criar asas e carregar todos nós?

— Grosso. — resmungo irritada. Talvez tenha sido uma péssima ideia tê-lo pedido para me ajudar, mas não podia pedir ajuda a mais ninguém.

— Olha os modos. — sinto o divertimento em sua voz mesmo não podendo ver seu rosto na sombra.

— Você é...

— Um cretino... Já entendi. Você deveria ler mais o dicionário para achar mais palavras para poder me insultar.

— Odeio você. — digo entre dentes. Beverly murmura alguma coisa e percebo que é melhor sairmos daqui. Vou até o canto da sala, pegando a escada. Tento não fazer muito barulho.

— Você espera que eu suba aí com ela? — deve estar arqueando a sobrancelha.

— Não. Estou esperando você criar asas — reviro os olhos — Eu vou primeiro e depois você me dá ela — coloco a escada no lugar certo e me preparo para subir. — Fecha os olhos.

— O quê?

— Fecha. Os. Olhos. — repito. Minha saia é curta o bastante para ele ter alguma visão. Ele respira fundo e apesar do escuro vejo-o fechar os olhos.

A escada range quando eu subo mais alguns degraus e me pergunto se vai aguentar o peso de Damon com Beverly em seus braços.

Paro faltando alguns degraus e olho para Damon. Ele permanece parado, de olhos fechados com minha amiga desmaiada em seus braços. Apesar da jaqueta de couro preta que usa por cima do uniforme, noto os braços fortes e imagino se ele vai à academia ou faz algum exercício.

Damon abre os olhos, sentindo ser observado e agradeço por aqui ser tão mal iluminado ou ele notaria minhas bochechas rosadas.

Volto a subir as escadas.

Abro a janela e sento no batente, de cabeça baixa. Jogo minha bolsa e a de Beverly primeiro, depois os saltos. Com um único impulso estou dentro da lata de lixo enorme, cheia de sacos pretos. E o cheiro... Tenho vontade de vomitar.

Espero impacientemente Damon aparecer. Vou precisar de um bom banho. Talvez passe horas, muitas horas na banheira para tirar esse cheiro de peixe podre... De onde saiu esse peixe? E... Eca! Ratos... Ratos mortos...

Bile queima minha garganta e vomito nos sacos de lixo.

— Lá vai! — Damon avisa. Ergo a cabeça a tempo de vê-lo jogar Beverly como se fosse uma boneca. Ergo os braços e nós duas afundamos. Meu cabelo grudando no meu próprio vômito.

Faço cara feia, mas me concentro em Beverly. Ela murmura algo de novo, mas não acorda. Empurro seu corpo para o lado e saio da lixeira. Damon pula em seguida.

— Você está...

— Não comece. — digo irritada. Ele ri e pega Beverly nos braços mais uma vez e entrega minha amiga a mim. Ela está tão podre quanto eu agora.

Ela não é pesada assim, graças a Deus.

— Meu carro está ali. — Damon aponta para o estacionamento. Ele pega nossas bolsas e meus saltos antes de dividir o peso de Beverly, segurando suas pernas. Ela está tão inerte que não entendo como não consegue perceber nossa situação humilhante.

Ele ri e lhe encaro.

— O que é tão engraçado? — pergunto. Seu cabelo está mais desgrenhado do que seu habitual. Tão bad boy dos filmes...

— Parece que acabamos de matar sua amiga e vamos esconder o corpo. — não é engraçado, mas não evito a risada que sai de dentro de mim. Finalmente chegamos em seu carro, o mesmo que me atropelou...

Entro primeiro, puxando seu corpo comigo, até bater na porta. Damon dá um jeito de prender os cintos de segurança, mesmo ela deitada, a cabeça em meu colo.

— Vou pagar para limparem seu carro depois. — digo para Damon quando ele se acomoda no banco do motorista. Ele ri com escárnio e me dá uma garrafa d’água. Agradeço e digo a ele meu endereço. Damon põe o endereço no aplicativo e seguimos para minha casa.

Beverly vai adorar quando contar a ela a aventura que tivemos.

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2bjs, môres♥

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