O banheiro está vazio, para minha sorte.

Odiaria ter alguém aqui para presenciar o quanto impotente e pequena eu sou. Porque é assim que me sinto e não é a primeira vez.

Encaro o hematoma em meu braço, com raiva. Me odeio por deixá-lo fazer isso. Sempre digo para mim mesma que ele só está em um dia ruim, mas seus dias ruins ficaram muito constantes ultimamente. Mês passado ele estava furioso com alguma coisa e quase torceu meu braço.

Enxugo mais uma vez meu rosto e respiro fundo. Começo a retocar a maquiagem quando Beverly entra no banheiro.

— Achei você! Brad está irritadinho com alguma coisa — Beverly pega um batom na minha bolsa — Ele é tão babaca... Eu sei que vocês têm esse negócio entre vocês, mas não entendo como você gosta dele... Elle? — ela vira para mim quando não digo nada. Sinto sua mão na minha, obrigando-me a lhe encarar. — O que houve?

— Eu... — começo a contar a ela, já decidia que não quero mais guardar isso para mim, quando Bonnie entra no banheiro.

— Estão falando mal de mim? — Bonnie se olha no espelho e pega meu batom da mão da Beverly.

— Nós usamos nosso tempo para fazer coisas úteis, Bonnie — minha amiga revira os olhos e volta sua atenção para mim, ainda segurando minha mão. — O que você estava dizendo?

Bonnie está nos observando e sinto-me exposta. Não confio nela e sei que se eu contar a ela, todos nesse maldito colégio vão saber.

— Não é nada — forço um sorriso. Ponho meu blazer o mais rápido possível, escondendo o hematoma. — É melhor nós irmos.



Estou arrumando minha bolsa quando Damon vem até mim. Não tem mais ninguém na sala. Brad não falou comigo ou pediu desculpas e Beverly saiu correndo quando o horário bateu, dando-me apenas um beija na bochecha.

— Você está bem? — Damon parece um pouco hesitante agora. Estamos a poucos passos de distância. Ainda bem. É tudo culpa dele.

— Isso importa? — passo por ele, mas sem trombar como fiz mais cedo. Estou quase na porta quando ele diz:

— Eu me importo. — sua voz é baixinha. Viro para ele, aqueles olhos fixados em mim. Sei que não devia, mas pergunto.

— Por que?

— Eu não sei.

Papai não está em casa quando chego e não me surpreende. Deve estar no Casino. Ele é um pai presente, disso não posso me queixar, mas essa casa é grande demais e vazia demais.

Se Kenan estivesse aqui... Ele deve estar na  empresa do pai. Temos uma diferença de idade de três anos. Ele se formou no ensino médio já tem tempo e está na faculdade. Em algumas semanas vai para a Europa com o tio, me deixando sozinha.

Tomo um banho e vou para a biblioteca. A luz do sol entra pela cortina, iluminando o lugar. Várias estantes cobrem boa parte do andar de baixo, onde nunca encontrei nenhum livro muito interessante, então como sempre faço, subo as escadas em espiral, para o andar de cima.

Mais cinco estantes me recebem. Vou para a terceira, onde deixo todos os meus livros. Pego um que já li várias vezes e chega a estar desgastado.

Ler livros de fantasia é o único jeito de me tirar dessa realidade que é cruel às vezes, então me escondo aqui por horas, dias até. Uma vez passei três dias aqui quando papai precisou viajar. Saí apenas para tomar banho e deixar Magda entrar para me trazer comida.

Vou para o sofá nos fundo, abaixo de uma janela. Meu cobertor está no mesmo lugar que deixei, sinal de que obedeceram minhas ordens e não vieram aqui.

Me aconchego no sofá já gasto, cobrindo-me com o cobertor e abrindo o livro para finalmente entrar na aventura que a história promete.

Passei o resto da tarde lendo e ficaria assim se não fosse pelo barulho das portas rangendo, indicando que alguém está aqui.

Levanto preguiçosamente depois de fechar o livro, marcando a página. Levo um tempo para me espreguiçar. Estava na mesma posição por muito tempo.

Arrasto meus pés até a sacada da biblioteca. Apoio minhas mãos no corrimão de ferro e olho para baixo esperando encontrar Magda e uma bandeja de comida, mas o que encontro é um par de olhos azuis escuros olhando em volta até parar em mim.

Brad e eu nos encaramos por um bom tempo. Em sua mão tem um buquê de rosas vermelhas e na outra uma caixa de bombom em forma de coração.

Brad faz menção de vir até mim, mas eu o interrompo.

— Pare. — minha voz é baixa, mas firme. Ele obedece, pela primeira vez. Enquanto desço as escadas, reparo na minha roupa. Estou usando uma calça xadrez e uma camisa de Kenan. Meu cabelo está preso em um coque que vai desmoronar a qualquer momento e... Merda, os óculos!

Sinto o rubor em minhas bochechas. Nem Brad nem nenhum de meus amigos já me viram assim. Talvez Beverly e obviamente Kenan, mas mais ninguém. E óculos... Se eu os tirar agora não vou enxergar nada e minhas lentes estão no meu quarto, sempre tiro quando estou sozinha.

Finalmente paro a poucos passos de Brad. Ele está me olhando de um jeito estranho. Avaliando-me.

— Você... Você não parece você — ele franze as sobrancelhas para meu cabelo. Tento não me encolher com o comentário — Enfim, trouxe para você. — ele estende as flores e a caixa de bombom. Pego ambos.

— São lindas. — murmuro, inspirando o cheiro das rosas. Brad continha olhando, parecendo desconfortável.

— Você gosta de ler? — a sobrancelha erguida é a prova da sua surpresa. Ele põe as mãos nos bolsos e olha em volta, fazendo careta para os livros.

— Não. Eu só queria ficar sozinha — minto descaradamente. Sinto-me exposta como hoje cedo, tendo ele aqui, no meu lugar de refúgio — Vamos conversar no meu quarto. — faço sinal para sairmos. Preciso tirá-lo daqui antes que seu desprezo arruíne o único lugar que me sinto segura.

Quando saímos, tranco a biblioteca com minha chave e seguimos pelo corredor em silêncio, até chegarmos ao meu quarto.

Ele está prestes a começar a falar quando faço um sinal para esperar. Vou correndo para meu closet. Tiro a calça e a blusa de Kenan, trocando por um vestido azul escuro. Passo do closet para o banheiro e prendo meu cabelo, depois ponho minhas lentes de contato.

Quando volto, Brad está onde o deixei. Ele me avalia de novo e me dá um sorrisinho.

— Então...? — pergunto. Não é estranho ele vir aqui, mas sei porque veio e quero ouvir da boca dele.

— Desculpe.... Por hoje cedo, por todas as outras vezes também... Eu estava com ciúmes. — noto o rubor em suas bochechas e sei que esse pedido de desculpas deve estar o corroendo por dentro.

Mordo o lábio e me aproximo. Cruzo os braços, ciente de que ele vai notar o que fez. Seus olhos brilham com culpa – e espero – arrependimento.

— Flores e chocolate não vão desfazer nada. — digo lentamente.

— Não, mas prometo não fazer mais isso — Brad dá um passo para frente e odeio meu corpo por reagir, fazendo-me dar um passo para trás. Ele me encara com as sobrancelhas erguidas. — Então é assim? Eu saio do controle uma vez e você quer desistir?

— Não foi a primeira vez. — rebato rapidamente. Ele cerra os punhos ao lado do corpo, mas sua voz sai controlada quando diz:

— Nunca, Elle. Nunca foi minha intenção machucar você... Por favor, não jogue nossa história fora... Por favor — não sei se já ouvi essas duas últimas palavras saírem da sua boca antes. Brad se aproxima de novo, mas dessa vez não recuo. Ele toca o hematoma que fez, o maxilar se contraindo. — Me dê mais uma chance.

E talvez seja porque eu seja covarde e solitária ou mesmo ingênua e burra, mas falo:

— Tudo bem. Todos temos dias ruins... Só me prometa que vai se controlar... — mordo o lábio, ansiosa e insegura sem saber se estou fazendo a coisa certa. Brad se inclina e beija meus lábios brevemente.

— Nunca mais.

E por ser tola e ter medo de ficar sozinha, acredito nele. Porque é o que me resta: acreditar.

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2bjs, môres♥

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