2°
DEPOIS de colocarem ataduras nas minhas mãos e fazerem um raio X para se certificarem de que não quebrei nenhum osso, finalmente me deixaram sozinha em um corredor, encarando minhas mãos. Minhas pernas doem um pouco e tenho alguns arranhões. O médico disse que o hematoma roxo vai demorar para sumir.
Você está bem?
Essas palavras, de alguma forma, soaram estranhas na boca dele. E os olhos... Tão familiar...
— Elle, minha filha! — papai está praticamente correndo até mim e me levanto para abraçá-lo. Minhas pernas reclamam, mas não deixo transparecer. — Quem foi que fez isso?
— Eu estou bem, pai. É isso que importa. — volto a sentar, papai sentando ao meu lado.
— Quem foi o bastado? Eu...
— Papai, por favor...
— E vocês? — ele se dirigiu aos seguranças, irritado. — Como deixaram isso acontecer? É para isso que estou pagando vocês?
— Papai! — fico de pé rapidamente e isso me faz reprimir o gemido de dor. — Foi um acidente. Eu estava desatenta. A culpa foi minha, Ok?
— Querida...
— Quero ir embora. — passo por ele, fazendo meus saltos ecoarem o barulho pelo corredor vazio, o que é estranho já que estamos em um hospital.
O elevador não demorou muito e meu pai não veio atrás. Os seguranças sabiamente me seguiram sem dizer uma palavra. Devem se perguntar por quê uma garotinha mimada e que faz birra com qualquer coisa está “acobertando” o que aconteceu. Eu também não sei.
Não consigo tirar aqueles olhos da cabeça. Talvez eu esteja em transe.
— Bom dia, Elle. — aquela vozinha irritante me cumprimenta quando paro a poucos metros do carro do meu pai. Panny olha para minhas mãos enfaixadas e os poucos arranhões nos braços e pernas.
— Olá, Panny. — forço um sorriso para secretaria/amante do meu pai. Ela está prestes a dizer algo quando lhe dou as costas, indo para o carro. Nossa relação nunca foi uma das melhores e hoje é um péssimo dia para ter que ser gentil com ela.
Encaro minhas mãos enfaixadas mais uma vez. Com certeza elas não serão tão lisas e macias com as cicatrizes. Puxei a saia um pouco para cima, revelando o horrível hematoma em minhas pernas. O médico disse que tive sorte pelo motorista ter freado a tempo ou teria sido pior.
Depois do que parece ser uma eternidade, meu pai e os guardas-costas apareceram e finalmente podemos ir para casa.
Passo a maior parte do tempo no celular, vendo o site de notícias da escola, onde já colocaram o vídeo. Na filmagem eu apareço caída no chão e um garoto – o garoto – está ajoelhado ao meu lado. O ângulo não é muito bom e não consigo ver o seu rosto antes dele ser arrancado do meu lado pela Daiane, mas consigo vê-lo perfeitamente quando o outro guarda costas e o motorista o seguram. Seus olhos estão cravados em mim e seu desespero é nítido. Ele passa a mão pelo cabelo como se fosse arrancar cada fio preto. A câmera foca em mim, enquanto estou sendo levantada por Daiane, quando digo a ela para me levar embora.
Depois que entramos no carro, a câmera vai direto para o garoto, que está parado no meio da pista, olhando para o carro sumindo e depois virou direto para câmera, seus olhos – tão verdes como esmeraldas – são uma confusão de raiva, desespero e... fúria.
— Desliga isso. — ele praticamente rosna, dando passos firmes para quem estava filmando
— Ou o que vai fazer? Me atropelar também? — a pessoa pergunta, rindo. Mas seu riso é interrompido quando o garoto de olhos verdes arranca o aparelho que estava filmando da sua mão, o atirando no chão e indo para cima de quem filmava.
O vídeo acabou aí.
Uma vez, quando eu era criança, pedi para o meu pai fazer muffins quando machuquei o braço brincando de bicicleta. Ele queimou os muffins, mas comi mesmo assim. Agora ele pediu para que Magda trouxesse muffins para mim. Talvez cure as feridas em minhas mãos ou posso fingir que sim.
Depois de um banho bem demorado de banheira, vesti uma calça folgada e uma blusa de lã, para finalmente me deitar e poder dormir depois de terminar os muffins e tomar um remédio para dor de cabeça.
Minha cama é tão macia que se tornou meu lugar preferido da casa, depois da biblioteca, claro, mas ninguém sabe disso. Geralmente vou lá escondido, o que é ridículo considerando que é minha, mas não gosto que as pessoas me vejam lendo... Tenho vergonha do que possam pensar ao me verem lendo fantasia, meu gênero preferido.
Coberta até o pescoço, finalmente fecho os olhos e deixo que a tensão deixe meu corpo. A primeira imagem que vejo são aqueles olhos verdes, olhando para mim, encarando-me... Adormeço com essa imagem e com a certeza de que gostaria de pintá-la.
Abro os olhos quando sinto algo gelado pressionando contra meus lábios e uma respiração ofegante em meu rosto. Agarro o pulso de quem segura, enquanto me debato e tento gritar. Um xingamento é o único indicativo de que não estou sonhando e essa voz...
— Vai acordar a casa toda assim... — ele sussurra e sei que um sorriso se forma em seus lábios. Me estico na cama e acendo o abajur quando ele se afasta.
— Kenan! — grito e avanço pra cima dele, derrubando-o na cama, enquanto uma risada rouca escapa de seus lábios. Eu o aperto quando suas mãos passam por minha cintura e finalmente sinto seu toque. Caídos na cama, me afasto um pouco para ver seu rosto –— Se meu pai souber...
— Ele não me pegou em seis anos, por que faria agora? — Kenan afasta meu cabelo do rosto e sorri pra mim. Eu o abraço de novo, mais forte. — Vai esmagar meus ossos.
— Insuportável! — me afasto dele, sentando na cama. Ele se apoia nos cotovelos e me olha de cima abaixo
— Você parece inteira pra quem sofreu um acidente... — apesar da sua diversão, vejo a preocupação brilhando em seus olhos cor de mel, iluminados unicamente pela luz do abajur.
— Você deveria ver como ficou o carro dele. Minhas pernas fizeram um belo estrago — minto, mas ele ri e senta em minha frente. Seus cachinhos caindo sobre a testa. — Por que se arriscar tanto? Podia ter entrado pela porta da frente.
Meu melhor amigo ri de novo, antes de tirar a jaqueta e as botas. Está mais forte do que a última vez que eu o vi, há um mês, quando bebemos até o amanhecer e fiquei de castigo por despistar os seguranças, deixando apenas uma bilhete dizendo que eu estava segura e fora de problemas. O que em partes foi verdade, se não tivéssemos nos perdidos e precisado ligar para sua mãe ir nos buscar e depois passar a noite em seu quarto, acabando com a garrafa de whisky do seu pai.
— Não seria tão emocionante. — responde ele. Reviro os olhos e lhe arremesso o travesseiro.
— Garota malvada. — dito isso, ele avança para cima de mim com o travesseiro enquanto eu pegava outro. Nossas risadas sendo o único barulho no quarto escuro. Engasgo no que deveria ser uma risada quando ele me acerta no estômago e eu o acerto na cabeça e depois acerto suas costas quando ele se abaixa e sou surpreendida com algo macio no rosto, me fazendo cair de costas na cama.
— Idiota! — pego mais dois travesseiros para poder tirar esse seu sorrisinho do seu rosto. Ele sempre ganha todas as guerras de travesseiro. Talvez por ser mais rápido e mais forte, mas-
— Elle? — congelo onde estou. Kenan, fica imóvel também — Elle, tudo bem aí? — meu pai força a maceta na porta, que por sorte tranquei.
— Papai... Oi... — faço um sinal para Kenan que me obedece e vai para o banheiro.
Espero até ele entrar e corro para a porta. Ajeito meus cabelos e abro a porta, com um enorme sorriso.
— Ouvi vozes... Quem está aí? — ele dá um passo para entrar, mas eu o impresso.
— Brad e eu estávamos conversando pelo Skype. — rezo para ele não notar que minha cama está bagunçada demais para ter sido feita só por uma pessoa ou a jaqueta e as botas de Kenan no chão.
— Já é tarde, deveria dormir. — Papai finalmente tira os olhos do meu quarto e encara meu rosto.
— Eu vou... Boa noite, papai. — dou um beijo em sua bochecha e deixo ele beijar meu cabelo.
— Boa noite, pequenina. — com isso ele me dá as costas. Espero ele cruzar o corredor para poder fechar a porta, me recostando na mesma.
Levo a mão ao peito, sentindo o coração acelerado e a adrenalina fervilhando em minha pele. Kenan já está se jogando na cama de novo, rindo.
— Como ele não percebe? — ele pergunta, rindo mais ainda. As coisas com ele são assim, sempre engraçadas. Kenan não percebe que meu pai pode acabar com ele por vir aqui escondido, mesmo que seus pais sejam meus padrinhos.
— Sou uma boa atriz, mas até isso tem limites, Kenan. — caminho até ele e sento na borda da cama.
— Não faz essa cara. Você gosta da adrenalina. — antes que eu conteste, ele me arremessa o travesseiro.
Mas ele está certo. Gosto de tê-lo aqui escondido ou fugir dos seguranças. Talvez seja por isso que meu pai não goste que sejamos tão amigos, Kenan me ensinou a me divertir. Com ele aprendi a gostar de livros de fantasia e com ele era mais fácil suportar tudo isso. Essa vida.
Não estou me queixando, gosto da minha vida de luxo, mas com Kenan ao meu lado sempre foi fácil e dói saber que isso está prestes a acabar. Quando ele for embora, será apenas eu. E não sei se quero ser sozinha de novo.
O que acharam do Kenan?
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2bjs, môres ♥
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