Lagrimas que Moldam o Destino

Após a vitória na primeira batalha, a atmosfera no reino de Arandor estava carregada de alívio e cansaço. As tropas humanas, embora exaustas, começaram a se organizar novamente sob a liderança de Alexandre e seus aliados. No entanto, a verdadeira preocupação agora era como manter as terras protegidas até que Karathiel e Helena completassem sua missão e derrotassem o Senhor das Trevas de uma vez por todas.

Os elfos do reino dourado, liderados pelo General Valen, demonstravam uma calma estratégica enquanto observavam os mapas detalhados na grande sala de guerra. Com sua experiência milenar, eles começaram a discutir possíveis planos para fortificar o território e enfrentar as forças das trevas, que certamente voltariam mais fortes. Borin, o anão, sugeriu reforçar as defesas naturais ao redor das montanhas, enquanto Alexandra e Samantha propunham patrulhas constantes para antecipar novos ataques.

Caitlin, Barry e Axel, permaneceram atentos, trocando olhares preocupados. Eles sabiam que cada momento era crucial. Barry quebrou o silêncio:

"Precisamos ganhar tempo. Cada dia que seguramos as trevas aqui é um dia a mais para Karathiel e Helena cumprirem sua missão."

O General Valen, com sua postura imponente, respondeu com convicção:

"As trevas não conhecem limites, mas juntos somos a resistência. O sacrifício de hoje pavimentará o caminho para o futuro."

A ideia era clara: manter o domínio do sul unido, firmar alianças com outros reinos e ganhar o tempo necessário para que as Guardiãs da Luz concluíssem o que haviam começado. Mas todos ali sabiam que isso exigiria mais sangue, sacrifício e fé. A batalha estava longe de acabar.

Uma jornada além dos Oceanos de Lutharon

Os ventos eram frios e úmidos, carregando consigo o cheiro salgado do mar. Karathiel e Helena estavam no convés de um navio élfico, esculpido em detalhes intrincados de madeira viva, que parecia respirar ao toque dos navegadores do Reino dos Sábios. As velas, bordadas com runas que brilhavam em prata sob a luz da lua, guiavam a embarcação através das águas estreitas de Lutharon.

"Estamos nos aproximando," anunciou o capitão elfo, sua voz grave ecoando na quietude da noite. "Esses mares guardam segredos que nem mesmo os elfos ousam desvendar por completo."

Helena olhou para o horizonte, onde as estrelas começavam a desaparecer atrás de uma névoa espessa. Podia sentir a tensão no ar, como se o próprio oceano estivesse os alertando sobre o que estava por vir.

"Que tipo de segredos?" perguntou ela, sua voz baixa, mas firme.

Um dos navegadores, de olhos brilhantes e profundos como o oceano, respondeu:

"Embarcações como a nossa já desafiaram essas águas antes. Mas nenhuma voltou intacta. Algumas nunca voltaram."

Karathiel, de olhos fechados, apoiou a mão no mastro. Ela podia sentir as correntes marítimas ao redor do casco, o movimento ritmado das ondas que sussurravam histórias antigas. Sua ligação com a natureza captava algo mais profundo ali - uma força selvagem e indomada.

"É como se o próprio mar aqui estivesse vivo..." disse ela, abrindo os olhos. "Não é apenas a maldade das criaturas abissais, mas algo muito mais antigo, muito mais natural."

O capitão assentiu, sua expressão sombria.

"Essas águas são guardiãs de uma terra onde as trevas não ousam pisar. O que reina lá é outra forma de escuridão, nascida do puro instinto de sobrevivência."

Enquanto o navio avançava, os destroços começaram a surgir, suas formas fantasmagóricas surgindo das profundezas. Mastros quebrados apontavam para o céu como dedos acusadores, enquanto cascos enegrecidos contavam histórias de embates perdidos.

"Essas embarcações..." Helena começou, a voz entrecortada pelo impacto da cena. "O que aconteceu com elas?"

Outro navegador respondeu, o tom carregado de pesar:

"Foram vítimas das criaturas. Golfinhos negros que atacam em cardumes, serpentes gigantes que emergem das profundezas e as sombras que caminham na areia da ilha."

Helena engoliu seco, sentindo a garganta seca apesar da umidade que pairava no ar.

"E estamos indo direto para isso?"

Karathiel se virou para ela, seus olhos brilhando com uma determinação quase sobrenatural.

"Estamos indo para onde devemos ir. Essa ilha não nos quer aqui, mas é exatamente por isso que precisamos chegar até ela."

A cada metro que se aproximavam, a sensação de opressão aumentava. O cheiro no ar mudou - o sal do oceano foi substituído por algo metálico, como sangue. Helena apertou a mão no cabo de seus sais, sentindo o peso frio do metal contra sua pele, como se a arma estivesse tentando tranquilizá-la.

Karathiel, por outro lado, caminhou até a proa, permitindo que o vento gelado cortasse seu rosto. Ela fechou os olhos novamente, sentindo o calor pulsante da magia natural que emanava da ilha à frente. Cada fibra de seu ser parecia vibrar com aquela energia primal.

"Essa força..." murmurou. "É avassaladora. Não é como o que enfrentamos até agora. Não é trevas, é... algo além de qualquer conceito que conhecemos."

Helena se aproximou, colocando a mão no ombro de Karathiel.

"Seja o que for, nós enfrentaremos juntas. Como sempre."

Os elfos continuaram navegando, agora em silêncio. Quando a névoa se dissipou ligeiramente, a silhueta da ilha surgiu no horizonte. Rochas negras e pontiagudas emergiam das águas como dentes, cercando o local em um círculo ameaçador. Uma sensação de desconforto percorreu todos a bordo.

Imagem gerada por IA

"Estamos próximos," disse o capitão. "Não podemos ir além deste ponto. A magia que protege nosso navio não funcionará naquelas águas."

Helena e Karathiel trocaram um olhar. A ilha, com sua aura opressora, parecia chamá-las, como se soubesse que elas eram as únicas que poderiam entrar.

"Então, é aqui que seguimos sozinhas," disse Karathiel, firme.

Os navegadores abaixaram uma pequena embarcação nas águas, e as duas guardiãs desceram, levando consigo o mínimo necessário para enfrentar o desconhecido. Quando começaram a remar em direção à ilha, o som das ondas contra o casco foi substituído por um silêncio quase absoluto.

"Não há pássaros, nem vento..." Helena observou, quebrando o silêncio. "É como se o mundo tivesse parado."

Karathiel olhou para a ilha, sentindo o coração bater mais rápido.

"Não, o mundo não parou. Está nos observando."

Com cada remada, a opressão crescia. O cheiro metálico se intensificava, e o som ocasional de algo se movendo sob a água fazia Helena apertar ainda mais os seus sais. Quando finalmente chegaram à margem, Karathiel desceu primeiro, sentindo a areia fria e úmida sob seus pés.

"Está começando," ela disse, olhando para Helena.

Helena respirou fundo, encarando a vastidão sombria da ilha à sua frente.

"Então vamos começar também."

Bem vindas ao mundo da escuridão abissal

Assim que Karathiel e Helena pisaram na areia fria e negra da ilha, o chão sob seus pés pareceu vibrar, como se um coração oculto pulsasse nas profundezas daquele lugar. A ilha despertava, e junto com ela, algo mais sombrio. As águas ao redor começaram a borbulhar, formando redemoinhos que pareciam vivos. Criaturas abissais começaram a emergir, uma após a outra, seus corpos distorcidos reluzindo à luz fraca das estrelas.

Serpentes marinhas com escamas escuras como obsidiana, crustáceos gigantes com garras afiadas como lâminas e formas informes que desafiavam qualquer descrição conhecida subiram à superfície, cercando a pequena embarcação e as duas guardiãs.

Imagem gerada por IA

Karathiel, instintivamente, deu um passo à frente, colocando-se entre Helena e as criaturas. Sua conexão com a natureza era quase palpável, e ela ergueu uma mão na tentativa de se comunicar.

"Calma," ela sussurrou, seu tom sereno, mas firme. "Eu sinto sua dor... Sei que estão protegendo este lugar. Não viemos para causar destruição."

Helena observava em silêncio, seu coração acelerado, os dedos trêmulos ao redor de seus sais. A presença das criaturas era avassaladora, quase como se sugassem o ar ao redor.

Karathiel tentou novamente, sua voz carregada de um poder antigo:

"Eu sou Karathiel, filha das estrelas. Ouçam-me."

Mas, em vez de uma resposta, a única coisa que veio foi uma onda de tensão ainda maior. As criaturas se agitaram, como se suas palavras tivessem apenas alimentado sua fúria. O silêncio foi quebrado por um som profundo, gutural, vindo do centro da ilha - uma voz não humana, poderosa e enigmática, que reverberou por todo o lugar, como se a própria ilha estivesse falando:

"Bem-vindas, guardiãs." A voz era fria, quase zombeteira. "Vocês vieram em busca do fragmento, mas esta terra não o cederá tão facilmente."

Karathiel fechou os punhos, a tensão visível em seu rosto.

"Quem está aí? Mostre-se!"

A voz ignorou o pedido, continuando como um eco que parecia envolver as duas:

"Para conquistar o fragmento, devem provar-se dignas. Domem as mais puras criaturas abissais, seres da sobrevivência e da verdade primordial. Apenas as que triunfarem sobre elas serão merecedoras da vida... e da saída desta ilha."

Helena sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

"E se falharmos?"

A resposta veio rápida e cortante:

"Se falharem, se juntarão àqueles que vieram antes de vocês. Eternamente prisioneiras de minha vontade."

Assim que a voz enigmática terminou de falar, as criaturas abissais que cercavam Karathiel e Helena começaram a se dissipar. Como uma névoa que se desfaz com o vento, seus corpos monstruosos desapareceram, mergulhando novamente nas profundezas das águas escuras ao redor da ilha. A sensação opressiva permaneceu, como se a própria ilha as estivesse observando, avaliando cada passo.

Karathiel respirou fundo, tentando acalmar seu coração acelerado.

"Elas se foram..." murmurou, embora não houvesse alívio em sua voz. Ela virou-se para Helena, que ainda segurava seus sais com força, o olhar fixo nos arredores. "Mas isso não significa que estamos seguras."

Helena assentiu, os olhos brilhando com determinação.

"Não temos escolha. Precisamos seguir em frente."

A Ilha

A cada passo, a ilha revelava sua verdadeira natureza. O chão era coberto por uma areia negra e áspera, que parecia grudar nos sapatos e dificultar a caminhada. Rochas pontiagudas e deformadas brotavam do solo como dentes de uma fera adormecida. Árvores torcidas e retorcidas erguiam-se em várias direções, suas folhas com tons esverdeados e púrpuras emitindo um brilho fraco, como se estivessem vivas.

Imagem gerada por IA

O ar era pesado, impregnado de um odor salgado e metálico, quase como sangue misturado à brisa do mar. Cada respiração parecia mais difícil, e até o som do vento era estranho, como sussurros que vinham de todas as direções.

"Este lugar..." Karathiel quebrou o silêncio, olhando ao redor com desconfiança. "Está vivo. É como se a ilha nos observasse."

Helena olhou para ela, tentando manter a calma.

"Você consegue sentir algo? Alguma conexão com... qualquer coisa?"

Karathiel balançou a cabeça, frustrada.

"Nada. É como se minhas habilidades estivessem bloqueadas. A natureza aqui não me reconhece... ou talvez tenha sido corrompida a um ponto que não consigo alcançar."

Ela olhou para Helena, preocupada, seus olhos demonstrando algo mais profundo que receio: culpa.

"Não posso te proteger aqui. Se algo acontecer..."

Helena colocou a mão no ombro de Karathiel, apertando-o com firmeza.

"Estamos juntas nisso, Karathiel. Você já me protegeu de tantas formas. Agora é minha vez de proteger nós duas, se for preciso."

Karathiel hesitou, mas acabou assentindo. Ainda assim, ela não conseguia evitar olhar para Helena a cada poucos passos, como se quisesse se certificar de que ela estava bem.

Caminhada pela Ilha

Conforme seguiam por um caminho natural na areia, cada vez mais sinais de destruição e perigo ficavam evidentes. Restos de embarcações naufragadas estavam espalhados ao longo da costa, mastros quebrados e velas rasgadas cobertas de algas. Os elfos sábios, que haviam ficado para trás no barco, haviam mencionado que muitos haviam tentado conquistar essa ilha antes - e todos falharam.

"As embarcações..." Helena observou, apontando para um casco afundado em meio às pedras. "Quantos morreram aqui, tentando alcançar o que estamos buscando?"

Karathiel olhou para os destroços com olhos sombrios.

"Não foi só a ganância que os trouxe. Alguns devem ter vindo por necessidade... ou desespero. A ilha é um teste para mais do que a força física."

"E o que ela está testando em nós?" Helena perguntou, a voz baixa, quase como um sussurro.

Karathiel parou de caminhar por um momento, olhando para o horizonte nebuloso da ilha.

"Eu não sei... mas sinto que ela está observando. Esperando."

O Interior da Ilha

Ao avançarem, as duas começaram a deixar a costa para trás, entrando em uma floresta densa e sufocante. As árvores eram ainda mais retorcidas, suas raízes grossas formando obstáculos no caminho. Helena tropeçou algumas vezes, mas Karathiel estava sempre pronta para segurá-la, os dedos firmes ao redor de seu braço.

"Cuidado," Karathiel murmurou, olhando para baixo enquanto ajudava Helena a desviar de uma raiz particularmente alta. "Esta terra não nos quer aqui."

"Não é como se tivéssemos outra escolha," Helena respondeu, tentando esconder o nervosismo. "Precisamos continuar."

O silêncio entre elas era preenchido apenas pelo som de seus passos e o ocasional estalar de galhos secos sob seus pés. Mas, de vez em quando, Helena podia jurar que ouvia algo mais: um sussurro, distante, como se alguém estivesse chamando seu nome.

"Você ouviu isso? " Helena perguntou, parando abruptamente.

Karathiel franziu o cenho.

"Ouvir o quê?"

Helena hesitou, olhando ao redor. O som já havia desaparecido, mas a sensação de estar sendo observada continuava.

"Nada... deve ter sido o vento."

Karathiel não pareceu convencida, mas não pressionou. Apenas manteve-se ainda mais próxima de Helena, seus olhos atentos a cada sombra.

O Coração da Ilha

Depois de horas de caminhada, a floresta começou a se abrir, revelando uma clareira. No centro, uma fonte borbulhava, mas sua água era negra como tinta. A luz das estrelas acima parecia ser absorvida por aquele líquido estranho, e a temperatura ao redor caiu, como se estivessem sendo engolidas por algo sobrenatural.

Imagem gerada por IA

Karathiel parou abruptamente, segurando Helena pelo braço.

"Não toque em nada. Este lugar é o coração da ilha. Posso sentir... alguma coisa aqui."

Helena olhou ao redor, a mão instintivamente indo para os seus sais.

"E agora?"

Antes que Karathiel pudesse responder, a voz voltou, reverberando pelo ar pesado:

"Guardiãs, o primeiro passo foi dado. Vocês chegaram ao coração. Agora, mostrem-se dignas."

O chão sob seus pés começou a tremer, e as águas da fonte borbulhavam ainda mais. Algo estava prestes a acontecer. Karathiel e Helena trocaram um olhar, sabendo que o verdadeiro teste estava apenas começando.

O chão continuava a tremer sob seus pés enquanto a voz enigmática ecoava na clareira:

"Guardiã Karathiel, você depende de seus dons, de sua ligação com a natureza e dos sentidos que a tornam extraordinária. Mas agora, queremos ver quem você é sem isso. O que resta quando tudo o que define você é tirado?"

Antes que Karathiel pudesse responder, um grito rompeu o silêncio: Helena.

Ela virou-se rapidamente, o coração disparando no peito. Criaturas sombrias, saídas das profundezas da terra, agarraram Helena com suas garras viscosas. Seus olhos brilhavam em tons amarelados e vermelhos, e seus corpos eram deformados, uma mistura de carne e sombras pulsantes.

"Não!" Karathiel gritou, correndo em direção a Helena, mas foi impedida quando as criaturas se dissiparam, carregando-a para dentro da escuridão.

Helena lutava, tentando se libertar, mas sua espada caiu ao chão, inutilizada.

"Karathiel!" ela gritou, a voz ecoando enquanto desaparecia.

O som de sua voz sendo arrastada foi como uma lâmina perfurando o coração de Karathiel. Ela correu cegamente, mas antes que pudesse alcançá-la, a clareira começou a mudar. O chão ao redor dela se dissolveu em um abismo escuro, forçando-a a parar.

O teste de Karathiel

A voz ecoou novamente:

"Sem seus dons, você é apenas uma guerreira, Karathiel. Uma simples elfa que deve decidir se seu amor é suficiente para enfrentar o que está por vir."

Karathiel caiu de joelhos por um momento, as mãos trêmulas pressionadas ao chão. Ela fechou os olhos, tentando sentir algo, qualquer conexão com a natureza, mas era como se estivesse sozinha em um vazio.

Ela respirou fundo, lembrando-se das palavras de Helena antes de chegarem à ilha:
"Estamos juntas nisso, Karathiel. Você já me protegeu de tantas formas."

Essas palavras reacenderam algo dentro dela. Helena sempre acreditou nela, não por causa de seus dons, mas pelo que ela era. Uma guerreira, uma protetora... e alguém capaz de amar com todo o coração.

Seguindo em Frente

Levantando-se, Karathiel agarrou os sais de Helena do chão.

"Eu não vou falhar." Sua voz era baixa, mas determinada.

Ela começou a caminhar pela direção onde Helena havia sido levada, cada passo parecendo mais pesado. A clareira ao seu redor parecia mudar constantemente, criando ilusões de labirintos e ecos de vozes familiares, todas tentando distraí-la.

Uma dessas vozes era a de seu próprio pai, há muito falecido.

"Você nunca será forte o suficiente sem a natureza ao seu lado, filha. Você é inútil sem seus dons."

Karathiel parou, apertando os punhos ao redor do cabo de sua espada.

"Eu sou mais do que isso," ela disse para a ilusão, encarando o vazio onde a voz ressoava. "E vou provar isso."

Depois do que pareceram horas caminhando, Karathiel finalmente encontrou Helena.

O Sacrifício de Karathiel

O ambiente ao redor de Karathiel era sufocante. O céu, sempre claro e estrelado para ela, estava agora coberto por nuvens densas e escuras que pareciam esmagar a clareira. O som do vento era um lamento contínuo, e cada respiração que ela dava era impregnada de um cheiro acre, como madeira queimada e terra úmida.

Diante dela, Helena estava de pé, cercada pelas criaturas abissais. Seus olhos estavam fixos em Karathiel, cheios de medo. Karathiel tentou avançar, mas o solo parecia segurá-la, as raízes enrolando-se ao redor de seus pés como correntes invisíveis.

"Helena! Segure-se, eu vou te salvar!"

Helena tentou correr em sua direção, mas antes que pudesse dar mais de dois passos, uma das criaturas surgiu por trás dela. Era enorme, com um corpo sinuoso como o de uma serpente, coberto por escamas que brilhavam com uma luz etérea. Seu ferrão se ergueu, brilhando em um tom púrpura venenoso.

Imagem gerada por IA

"NÃO!" Karathiel gritou, lutando contra as raízes que a prendiam.

O ferrão perfurou Helena pelas costas. O som foi como o de carne rasgando, cruel e real. Helena tombou para frente, o sangue se espalhando pelo chão em um fluxo lento, tingindo o musgo de vermelho. Karathiel caiu de joelhos, seus olhos arregalados em descrença.

"Helena..."

Ela se arrastou até o corpo, ignorando as criaturas que agora a cercavam em silêncio. Cada movimento era uma tortura, mas ela finalmente chegou até Helena. Seus dedos trêmulos tocaram o rosto pálido da jovem, ainda quente, mas já sem vida.

""Por favor, não..."" sussurrou Karathiel, sua voz embargada. Pela primeira vez, uma lágrima escorreu de seus olhos, percorrendo sua bochecha e caindo sobre a pele de Helena.

Helena, observando tudo de dentro de sua prisão invisível, gritava desesperada.

"Karathiel! Não é real! Por favor, pare! É uma ilusão!"

Mas Karathiel não podia ouvi-la. Tudo em sua mente dizia que Helena estava morta.

A Entrega Final

Uma risada fria e cruel ecoou pela clareira, reverberando como trovões.

"Você vê agora, filha das estrelas? Você não é nada sem seus dons. Mesmo com todo o poder da natureza, você falhou. Mas... há uma escolha."

Karathiel ergueu os olhos, cheios de dor, para o vazio ao seu redor.

"Faça o que quiser comigo. Tome tudo o que sou. Mas traga Helena de volta."

As criaturas avançaram lentamente, seus olhos brilhando com malícia. A voz continuou:

"Você abandonaria seus dons? Aquilo que a faz especial? Aquilo que a conecta às estrelas e à terra?"

Karathiel segurou o rosto de Helena, seus dedos acariciando levemente sua bochecha, mesmo que fria como mármore.

"Já faz um tempo que percebi que sem ela, meus dons não significam nada, se ela não estiver do meu lado. Se isso salvar Helena, então tire tudo de mim. Tire minha força, minha conexão com as estrelas, minha própria vida. Só a traga de volta..."

A clareira inteira pareceu estremecer. O chão sob Karathiel começou a brilhar em um tom dourado, e as raízes que antes a prendiam começaram a subir, envolvendo seu corpo. Ela sentiu uma dor excruciante, como se cada fibra de seu ser estivesse sendo rasgada. A conexão que ela tinha com a natureza, as estrelas, e sua própria essência foi arrancada dela como um pedaço de sua alma.

Helena, vendo isso, caiu de joelhos dentro de sua prisão invisível.

"Karathiel... não! Por favor, não faça isso por mim!"

Karathiel, exausta, sussurrou com a voz fraca:

"Eu amo você, Helena... sempre amei. Nunca tive coragem de dizer, mas agora é tudo o que posso te dar."

Quando a última gota de poder foi retirada de Karathiel, ela caiu no chão e as criaturas se aproximaram de seu corpo. Elas pararam, hesitantes, observando a lágrima que ainda brilhava sobre o rosto da jovem elfa. A gota começou a se espalhar, como se fosse um rio de luz dourada.

De repente, a voz mudou. Não era mais cruel, mas reverente, quase humilde.

"Nunca antes alguém fez tal sacrifício. Aqueles que vieram buscavam poder, glória, controle. Mas você, filha das estrelas, deu tudo por amor."

As criaturas começaram a se curvar, uma a uma, emitindo sons suaves, quase como uma melodia de lamento. O chão tremeu novamente, e a luz dourada que emanava de Karathiel se espalhou pela clareira, cobrindo o corpo de Helena.

Helena, que observava tudo com lágrimas nos olhos, viu seu próprio corpo começar a se mexer. Ela tocou o rosto falso de si mesma e, em um piscar de olhos, estava livre. A verdadeira Helena agora estava ao lado de Karathiel.

"Karathiel..." ela murmurou, segurando a elfa em seus braços.

Karathiel abriu os olhos, sua visão turva, e sorriu suavemente.

"Você está bem... isso é tudo o que importa."

A luz dourada explodiu pela clareira, e a ilha inteira floresceu em um instante. As árvores antes retorcidas agora estavam cobertas de folhas vibrantes; o chão, antes sombrio, estava repleto de flores e ervas aromáticas. As criaturas, antes ameaçadoras, olhavam para Karathiel com uma reverência profunda, emitindo sons que pareciam canções de gratidão.

A voz finalizou, cheia de emoção:

"Você não perdeu seus dons, Karathiel. Você os transcendeu. Agora, você é uma com a natureza e as estrelas, porque seu amor provou ser o mais puro."

Helena segurou Karathiel, beijando sua testa suavemente.

"Eu também amo você, minha guerreira. E nunca vou deixar você esquecer isso."

Naquele momento, a ilha inteira parecia viva, como se celebrasse o sacrifício e o amor verdadeiro que acabara de testemunhar. Karathiel não era mais apenas filha da natureza e das estrelas - agora, ela era uma guardiã eterna, amada por todos os seres da ilha.

A Dádiva das Terras de Morwaenor

Embora a clareira tivesse florescido momentaneamente com a explosão de luz dourada, logo o brilho se desfez, e o ambiente retornou ao seu estado natural: sombrio, misterioso, mas pulsando com vida. O equilíbrio das Terras de Morwaenor era único, um reflexo da harmonia entre luz e sombra, onde até a escuridão tinha seu propósito.

As árvores se dobravam gentilmente, suas copas lançando sombras suaves sobre Karathiel e Helena. As criaturas que antes pareciam ameaçadoras mantinham-se em silêncio, reverenciando as duas jovens no centro da clareira.

De repente, a voz da ilha preencheu o espaço novamente. Não havia mais o tom de desafio ou julgamento. Agora, ela era solene, quase maternal.

"Vocês provaram algo que jamais foi visto nestas terras, nem mesmo nos cantos mais luminosos e puros. Amor verdadeiro, coragem além do medo e sacrifício sem egoísmo."

Helena segurava Karathiel em seus braços, a elfa ainda fraca após o sacrifício. Mas ao ouvir aquelas palavras, Karathiel ergueu a cabeça, com os olhos agora brilhando suavemente, como uma chama que não se apaga.

"Eu faria tudo de novo, sem hesitar." disse Karathiel, sua voz ainda carregada de emoção.

Helena olhou para a ilha, com lágrimas nos olhos.

"Tudo o que queremos é proteger o que é bom, o que é verdadeiro. Mesmo que isso nos custe tudo."

A voz respondeu, agora carregada de um tom mais grave.

"Então, ouçam, filhas das estrelas e da lua. Vocês não podem enfrentar o mal apenas com bondade. Para derrotar aquilo que aflige estas terras, precisam de algo mais. Coragem, força, e... a aceitação da sombra que habita em todos os seres vivos."

As sombras na clareira começaram a se mover, convergindo para um ponto no chão. As árvores, as criaturas, e até mesmo o ar ao redor pareciam contribuir para a formação de um pequeno fragmento que flutuava diante das duas.

Era uma pedra negra, pequena, mas que pulsava com uma energia intensa, como se contivesse o peso de mil tempestades. Sua superfície brilhava com reflexos carmesins, um contraste marcante contra o ambiente sombrio.

Imagem gerada por IA

"Este é o fragmento de minha maldade. Um pedaço da escuridão que mantém o equilíbrio destas terras. A luz sozinha não pode vencer o que está por vir. Apenas com a coragem de enfrentar a escuridão, dentro e fora de si mesmas, vocês triunfarão."

Helena olhou para o fragmento com hesitação. Sua energia era densa, quase sufocante, mas também carregava uma força irresistível. Karathiel, por outro lado, estendeu a mão, mesmo ainda fraca, e segurou o fragmento. No instante em que o tocou, sentiu um calor intenso percorrer seu corpo, como se todas as emoções reprimidas - medo, raiva, dor - fossem expostas e depois moldadas em algo mais forte.

Helena colocou a mão sobre a de Karathiel, tocando o fragmento junto a ela. Uma corrente de energia passou pelas duas, e a clareira inteira pareceu reagir, um vento forte passando entre as árvores, como um suspiro profundo da ilha.

A voz falou novamente, desta vez mais suave:

"Com este fragmento, vocês terão a força e a coragem necessárias para enfrentar o que está por vir. Mas lembrem-se: o poder da sombra não é um inimigo. Ele é um reflexo de quem somos. Aceitem-no, mas nunca se deixem consumir por ele. E jamais duvidem do que sentem. Foi o amor que trouxe vocês até aqui, e será o amor que as levará adiante."

As criaturas ao redor das duas começaram a emitir sons, não mais ameaçadores, mas quase como cânticos reverentes. Algumas se prostraram, enquanto outras permaneciam em pé, com olhares fixos e respeitosos. A clareira, mesmo em sua escuridão, parecia agora repleta de uma vida transcendente, algo que ia além da natureza.

Karathiel olhou para Helena, suas mãos ainda entrelaçadas sobre o fragmento.

"Seja o que for que enfrentaremos... faremos juntas."

Helena sorriu, segurando o rosto de Karathiel com ternura.

"Você é mais forte do que qualquer força desta ilha. Não por seus dons, mas por seu coração. Eu estou com você, sempre."

A voz finalizou, como um sussurro carregado pelo vento:

"Vão, filhas das estrelas e da lua. Levem o fragmento e o amor que as guia. Este mundo está em equilíbrio, mas os desequilíbrios começam em outros lugares. Sejam a força que traz a harmonia de volta."

Com o fragmento em mãos, Karathiel e Helena partiram da clareira, suas almas mais unidas do que nunca. As sombras da ilha continuaram a observar, mas não como um julgamento - agora, como guardiãs silenciosas, respeitando aquelas que haviam provado serem dignas do equilíbrio das Terras de Morwaenor.

O Retorno das Guardiãs

O vento gélido da ilha acariciava seus rostos quando Karathiel e Helena emergiram da floresta sombria, cada passo dado em direção ao barco, um reflexo da jornada que acabara de ser superada. No entanto, algo parecia diferente agora. As árvores atrás delas, que antes pareciam apenas sombras ameaçadoras, pareciam curvar-se levemente, como se reconhecessem a vitória das duas sobre a escuridão, sobre as próprias limitações. A energia do fragmento pulsava em seus corpos, e a clareira atrás delas era agora um eco distante.

À distância, o grupo de elfos aguardava ansiosamente no barco. Quando avistaram Karathiel e Helena, uma onda de alívio passou por seus rostos. A espera parecia interminável. Três dias haviam se passado desde que as duas partiram em busca do fragmento, e eles estavam em constante apreensão. Mas quando viram a força e a luz irradiando das duas, seus corações se aqueceram.

"Elas... estão de volta." um dos elfos murmurou, os olhos arregalados de espanto e reverência. "E não estão sozinhas. Algo maior vem delas."

O capitão do barco, com a testa franzida de preocupação, não pode deixar de sorrir ao ver Karathiel e Helena se aproximando. Um poder ainda mais intenso emanava delas, e algo em seus corações dizia que aquilo não era apenas a força de suas vitórias passadas, mas um poder que transcendera o próprio conceito de magia. As duas haviam mudado, como se a própria natureza, o próprio equilíbrio das terras de Morwaenor, tivesse deixado uma marca nelas, algo imortal.

Ao subirem no barco, a sensação de estar de volta à segurança foi quase palpável, mas o peso do que ainda estava por vir pairava sobre elas. O capitão pegou o leme, e os elfos começaram a preparar a navegação, mas antes que qualquer palavra fosse dita, uma energia envolveu o ar.

À medida que se afastavam da ilha, o horizonte à frente das duas se iluminou, revelando uma nova linha de caminho - não para qualquer terra conhecida, mas para um reino distante, um lugar onde os navegadores humanos viviam. O próximo fragmento estava ali, esperando por elas, e agora a ilha de Morwaenor, em sua sabedoria ancestral, revelava esse novo destino.

As duas olhavam para o mar à frente, e a vastidão do oceano parecia refletir tudo o que haviam vivido até ali - a escuridão da ilha, a coragem, o sacrifício, e agora a promessa de algo ainda maior a ser alcançado. O caminho para o reino dos humanos navegadores não era simples, mas com o poder dos fragmentos e a força do amor que compartilhavam, elas sabiam que estavam prontas para o que viesse.

Enquanto o barco seguia calmamente, Karathiel e Helena se aproximaram uma da outra, o calor de seus corpos agora sentindo a suavidade do momento. Helena, com seus cabelos ao vento e os olhos brilhando de emoção, foi a primeira a quebrar o silêncio.

"Karathiel... O que aconteceu lá? Eu senti algo em você. Algo tão profundo."

Karathiel sorriu suavemente, mas o olhar nos seus olhos era intenso, como se uma nova compreensão tivesse tomado conta dela.

"Eu... finalmente percebi o que significa ser verdadeiramente livre. Não é sobre os dons que possuímos, mas sobre o que estamos dispostas a sacrificar pelo outro."

Helena tocou seu rosto, seus dedos suavemente acariciando a pele da elfa, antes de se aproximar mais, sentindo a respiração de Karathiel em seu pescoço.

"E o que você sacrificou, Karathiel?"

Karathiel, com um sorriso melancólico, respondeu baixinho, mas com um fervor inegável em sua voz:

"Eu sacrifiquei o que restava de mim para que você vivesse, Helena. Não havia outra escolha."

Helena olhou nos olhos dela, seu coração batendo forte no peito. Aquelas palavras não eram um pedido de compaixão, mas um reflexo de um amor que só quem tinha enfrentado a escuridão poderia compreender.

A elfa sentiu seu peito apertar, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de calor envolveu seu corpo. Ela envolveu a cintura de Helena com uma firmeza delicada, como se fosse a última vez que seguraria a mulher que amava. Seus corpos estavam mais próximos, seus corações agora batendo em uníssono. Karathiel, com cuidado, puxou Helena para um beijo, desta vez sem hesitação, sem medo. Não era o mesmo beijo roubado meses atrás, mas sim um beijo de verdadeira entrega.

A língua de Karathiel se encontrou com a de Helena, ambas se entrelaçando com uma suavidade, como se o mundo ao redor delas desaparecesse. A cada movimento, uma promessa silenciosa era feita - a de que nada, nem mesmo os maiores desafios, poderiam separá-las.

O beijo foi profundo, carregado de todas as emoções que elas haviam experimentado: o medo, o sofrimento, a superação, e agora o amor puro, sem mais barreiras. Quando se separaram, Karathiel olhou para Helena com os olhos marejados.

"Eu te amo, Helena. Nunca duvide disso."

Helena sorriu, um sorriso que iluminou todo o seu ser.

"E eu te amo, Karathiel. Sempre será nós duas."

À medida que o barco se afastava ainda mais da ilha, as estrelas começaram a brilhar mais intensamente no céu, refletindo a luz do amor que agora preenchia a vida de ambas. O futuro, com todas as suas incertezas, parecia mais claro do que nunca. Os fragmentos que elas carregavam era apenas uma parte de um destino maior, mas o que realmente as guiaria seria o poder do amor verdadeiro, um amor que elas haviam, enfim, descoberto e abraçado.

E, assim, com o vento suave embalando o barco, elas seguiram para o reino dos humanos navegadores, onde o próximo fragmento e o próximo desafio as aguardavam.

Continua...

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top