Março, 02
Março, dia 02
Sabes que eu te adoro, maninha, mas odeio ver o estado em que ficas de cada vez que voltas do hospital. Entras lá com o teu habitual sorriso e com esse teu olhar que me quer dizer "Vai ficar tudo bem", mas depois sais de lá abatida. Mais pálida, com o olhar perdido e sinais de exaustão no corpo, como se te obrigassem a suportar uma longa e dura prova física.
E não é que seja algo físico ou fisiológico, porque as transfusões e os medicamentos servem para te deixar melhor, para que tenhas uma vida mais fácil. Mas estares lá dentro com tanta regularidade relembra-te que não és como todos os outros, que tens limitações que muitos nem sequer sonham. E isso arrasa-te psicologicamente, como se os tratamentos que fazes acabassem por te deixar pior do que antes. Mas, infelizmente, eles são extremamente necessários. Não só para poderes perseguir o teu sonho como para poderes combater a tua doença e assim levar uma vida sem grandes preocupações. Contudo, quem me dera que assim não fosse.
A negligência da mãe nos teus primeiros anos de vida foi o catalisador desta equação toda, não foi? Eu tento culpá-la nas tuas horas mais difíceis, mas eu juro que não consigo. Não consigo culpá-la pelo estado avançado em que a tua doença ficou, não consigo culpá-la pelo ano de solidão que passámos num orfanato bafiento, que estava em tão mau estado que chovia mais lá dentro do que no exterior. Não consigo culpá-la por nada, porque de certo modo acho que ela não teve culpa, mesmo depois de ter fugido de tudo. Talvez seja a influência da minha infância, no tempo em que tu ainda não eras nascida, que me está a cegar e a moldar a opinião que eu tenho sobre a mãe. Mas isso agora também não interessa, não é? Faz tudo parte do passado, e quem vive no passado é aquele tipo de pessoa que não tem nada por que viver no presente.
Mas eu tenho razões que me chegam e sobram para me fazer concentrar no presente. Tenho-te a ti. Tenho um curso que estou a adorar fazer . Tenho a Carol. E tenho a Martha e o John.
Eles estão a cuidar tão bem de nós, de ti, que eu não tenho palavras suficientes para lhes agradecer. Não olham a meios quando se trata da tua saúde, e têm sempre em vista a sua felicidade e conforto. Para além disso, fazem questão de me manter informado sobre o estado da tua doença e de me pedir opinião nos assuntos médicos que te dizem respeito - detalhe pelo qual sou extremamente grato.
Eles têm uma relação tão aberta connosco, que sinto que podemos confiar-lhes tudo. No início, tive receio de me apegar, mais por ti do que por mim. Eu sei que poderia suportar a dor do abandono se eles nos mandassem embora, especialmente depois de verem a enorme batalha que tens pela frente. Aliás, era com isso que eu estava a contar, inicialmente. É como naquele dizer popular: "Espera o melhor mas prepara-te para o pior". No entanto, não tinha a certeza de que tu poderias aguentar esse tipo de dor. Outra vez.
Foi com enorme felicidade que vi os esforços que a Martha e o John fizeram para se aproximar de nós e de ganhar a nossa confiança. Aos poucos, fomos construindo uma relação tão ou mais forte que a de uma família com laços de sangue. Hoje, parece que estivemos juntos desde sempre.
Antes de acabar, preciso de saber uma coisa: que história é essa do rapaz que está sempre a aparecer à nossa porta para te levar a sair? Umas vezes leva-te às compras, outras ao cinema, outras apenas a passear... Não sei se gosto muito deste tal de Max... Tens de ter cuidado, Di. E se, quando ele descobrir aquilo que é, verdadeiramente, a tua vida, ele se aperceber que já não gosta de ti? Não te quero ver de coração partido. Já basta os problemas que tens, não precisas de mais. Eu percebo o interesse dele em ti; és uma miúda fantástica e muito bonita. Só não sei se ele é capaz de ver que isso compensa tudo o resto...
Com Amor,
Sam
[editado: Dez 2024]
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