Fevereiro, 06
Fevereiro, dia 6
Não tenho tido muito tempo para escrever. O pior de voltar de férias é ter de voltar às rotinas, que nós preferimos ignorar durante esse período em que as aulas e os outros deveres parecem ser apenas uma ideia muito distante. Para além de me ter estado a habituar a ter de novo matéria para aprender e saber de cor, as avaliações estão mesmo aqui à porta.
Mas tu também sofres disso, não é? Também tens avaliações para as quais tens de te esforçar. A gripe que apanhaste não se espalhou pela tua turma e tu ficaste boa num instante, o que foi uma sorte para todos. Agora estás de volta à dança. A casa anda de novo envolta em música quase todo o dia e tu voltaste a espalhar a tua felicidade por todos os que te rodeiam.
Tenho que te contar o que aconteceu hoje.
Vinha sentado no autocarro para regressar a casa quando, à minha frente, se senta um miúdo acompanhado pela mãe. De todas as pessoas que todos os dias apanham o mesmo autocarro que eu, de todos os lugares existentes no autocarro, eles tiveram de se sentar ali, neste preciso dia. E isso trouxe-me um sentimento de nostalgia que nem fazes ideia...
O rapazinho vinha entretido a contar à mãe como a sua equipa tinha ganho o jogo na aula de Educação Física, como tinha acertado um exercício de matemática quando a professora o mandou ao quadro, e como ele tinha conseguido começar a namorar a rapariga mais velha da turma. O menino devia ter uns oito ou nove anos, não mais. Ele estava mesmo feliz e orgulhoso de si próprio. E a sua mãe, nada mais fazia que exibir um sorriso cansado na sua cara marcada pela idade e repreender o rapaz com palavras gentis, de tempos a tempos, para ele se sentar direito na cadeira e estar quieto por um bocadinho. E depois de algumas paragens, saíram de mãos dadas, seguindo o seu caminho.
E esta cena, que para outros seria completamente banal, para mim teve um grande impacto. A simples cena da mãe com o seu filho trouxe-me recordações do tempo em que o pai ainda era vivo, levando-me depois a avançar no tempo, até sermos apenas nós os três. Tu não deves ter recordações disso, mas eu tenho uma excelente memória. Para além disso, estas foram as imagens que eu revivi vezes e vezes sem conta quando nos tiraram o tapete debaixo dos pés. Quando a minha infância desmoronou.
Lembrei-me da mãe. Lembrei-me daquilo que ela nos fez passar, daquilo que ela nos privou. Contudo, ela não era má pessoa. Viu-se apenas numa estrada que ela não era capaz de percorrer sozinha. Acho que foi por isso que ela fez o que fez. Acho que Deus tinha um outro caminho traçado para ela, outra tarefa para ela cumprir.
A decisão que ela tomou quando o desespero a ameaçou sufocar até a vida se lhe escapar por entre os dedos fez-nos sofrer. Mas tal sofrimento não durou muito, felizmente. Não tivemos aquilo que aquele rapazinho teve, mas tivemos algo semelhante. Apesar de tudo, as coisas voltaram a correr bem. E agora estamos bem. Aqueles tempos já lá vão.
Bem fazes tu, que não tens memórias disto. Não és atormentada por recordações que te tomam os sonhos e pensamentos de assalto, de vez em quando. Que bem fazes tu em não te deixares levar pelo passado, meu pirilampo. Quem me dera esquecer! Quem me dera recomeçar com uma folha em branco, tal com tu fizeste, e ser feliz. Mas não posso. Este é o fardo que tenho de carregar. Isto faz parte de quem sou, não é algo que se possa simplesmente apagar como se nunca tivesse existido antes, por muito que me doa.
Mas pensar nisto faz-me mal. Nem sei porque é que te contei.
Tenho coisas para fazer, é melhor ir andando.
Com Amor,
Sammy
[editado: Dez 2024]
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