2.1 | Dia 1
Segunda-feira...
Ele está adorável nesta manhã. Todos os dias acordar com esta visão dos céus me deixa extremamente feliz.
– Bom dia... – digo entre um bocejo, coçando um dos olhos com uma mão.
– Você parecia estar cansado de ontem, achei melhor deixá-lo dormir mais um pouco – diz Hansel, voltando sua visão para o fogão novamente.
Me aproximo dele e fico ao seu lado, observando a refeição que cozinha. O cheiro de bacon faz meu estômago roncar, adoro a comida que ele faz, parece de outro mundo.
– Só tive um sonho estranho durante a noite, nada assustador, só... estranho – respondo, andando até a geladeira cinza e abrindo-a.
– "Estranho" como? – pergunta ele, sem olhar para mim.
– Só parecia muito real, apenas isso – respondo, enquanto coloco água em um copo e bebo.
Me sento em uma cadeira da mesa de jantar e observo os movimentos de Hansel, sentindo meu coração palpitar. Sinto o calor do sol em minha pele pela luz que adentra a cozinha através da janela atrás de mim. Resolvo olhar por ela, ver o cenário de fora. A vizinhança em que estamos... ela é muito tranquila. É uma das partes mais tranquilas da área nobre de nossa cidade. Não são pessoas necessariamente ricas que moram aqui, mas que possuem boa quantidade de dinheiro.
Olho para um pequeno quadro na parede que mostra uma foto minha e de Hansel, sentados no sofá da sala de estar. Esta é nossa casa...
Hansel coloca um prato em frente a mim, levando minha atenção a ele, e outro prato em frente à cadeira que fica ao meu lado, a ponta da mesa. Meus olhos brilham ao ver os ovos mexidos e o bacon e um outro prato.
– O cheiro está maravilhoso! – digo, pronto para atacar. Antes que consiga chegar ao prato, Hansel me impede.
– Sim, está maravilhoso, mas você não vai comer sem escovar os dentes – diz ele.
– Certo! Claro! Como pude me esquecer?! – digo, me levantando às pressas e indo em direção ao banheiro. Acho que fiquei tão distraído com a calmaria do ambiente que estamos que esqueci de fazer o mínimo depois de acordar.
Vejo a pia onde fica um pequeno pote com duas escovas de dente, uma azul na esquerda e uma vermelha na direita. A minha é a vermelha, é claro. Pego a escova e observo meu reflexo no espelho, vendo os traços de meu rosto. Não tenho uma aparência velha, mas já não sou mais tão novo quanto era aos quinze anos. Talvez devesse começar a usar cremes antienvelhecimento.
Passo alguns minutos escovando meus dentes e volto para a mesa de jantar, onde encontro Hansel sentado, apenas me esperando.
– Já estava achando que ia deixar a comida esfriar – diz ele com voz leve.
– Comida fria sequer existe para um ser do fogo?! – pergunto sarcasticamente.
– Não. Mas excesso de confiança parece existir – responde ele com um sorrisinho no rosto.
Deixo escapar uma risada, aceitando a minha derrota. Hansel e eu adoramos provocar um ao outro no dia a dia, é como nosso relacionamento sempre funcionou.
A manhã logo passa, e sou obrigado a ir me arrumar para meu trabalho. Saio de casa e me deparo com um carro prata de quatro portas, nosso carro. Geralmente, sou eu quem o uso no dia a dia, Hansel tem seus próprios meios de se locomover. Me sento no assento de motorista e dou a partida, me preparando para sair.
O trajeto de casa para o trabalho é tranquilo, uma vez que nossa cidade tem estado em seu maior momento de glória desde a última década. Graças ao aumento de vigilantes nas ruas a todas as horas, criminalidade decaiu bastante.
Logo, chego na agência de vigilantes na qual trabalho, a Corporação Ether Ones. Ela é a maior agência de toda a ilha, só os melhores e mais qualificados trabalham aqui. Me sinto honrado de ser um deles.
Levo meu tempo para entrar em meu setor e me preparar para sair às ruas, afinal, o trabalho de um vigilante é vigiar. Uma das melhores partes de começar o horário de trabalho é me olhar no espelho depois de vestir meu uniforme. Cada um de nós tem um uniforme especial e exclusivo. Uma vez que o povo precisa de heróis, cabe a nós tomarmos a forma deles.
Meu uniforme teu sua parte superior em vermelho e parte inferior preta, dividida por um cinto cinza-escuro. Ele tem detalhes de fogo na lateral e as letras F e S na parte peitoral. Inteiramente a prova de fogo. Eu o visto rapidamente e coloco os braceletes dourados que são usados como comunicadores entre os vigilantes e a agência, eles também possuem um assistente virtual.
– Bom dia! Aqui é Firestrocke deixando a agência para a rota de vigilância – digo no comunicador que tenho em meu ouvido.
– Bom dia, Firestrocke! Sua rota de vigilância é a área comercial A da zona Centro de Dunamous! – responde o assistente virtual. Geralmente, os vigilantes não conversam com os assistentes, mas eu gosto de tagarelar enquanto faço minha rota. Eu o chamo de Garry.
Subo em meu veículo de trabalho e deixo a agência para trás. Os veículos de vigilantes são pequenos e de fácil locomoção, uma vez que precisam ser ágeis em casos de perseguição. O meu é mais parecido com uma motocicleta do que um carro. Ele possui a logo da agência atrás e meu nome na lateral.
Enquanto passo pelas ruas, vejo algumas pessoas aleatórias acenando para mim, gritando meu nome de trabalho. Amo a atenção que a população dá a nós, é extremamente gratificante, afinal, estamos colocando as nossas vidas em risco todos os dias para mantê-los seguros.
– Garry, qual a previsão do clima para hoje? – pergunto.
– O clima está previsto para ser ensolarado durante a maior parte do dia. As temperaturas ficarão entre 23ºC e 29ºC, nem quente e nem frio – responde ele.
Perfeito, equilíbrio entre os dois polos. De fato, é assim que as coisas têm estado nos últimos tempos, tudo parece estar em perfeito equilíbrio. Pessoas estão felizes, a cidade está prosperando como nunca, os vigilantes passam a maior parte do dia apenas passeando pela cidade, tudo numa boa.
Enquanto penso no clima do dia, vejo passar por mim uma moto em alta velocidade. Me assusto com o barulho que aparece de repente e então percebo do que se trata. Vejo dois caras nela carregando uma mochila.
Bom, não enquanto eu estiver aqui!
Ativo a sirene do veículo e prossigo em direção a eles, que aceleram assim que percebem. Sinto muito, foras da lei, mas não será tão fácil assim!
O motorista da moto acelera entre os carros da rodovia na qual estamos, fazendo ziguezagues na tentativa de me despistar. Mas sou treinado para saber como agir em situações assim, suas tentativas não surtem efeito algum. Em meio ao vento que sopra contra meu rosto, ao som dos carros, das pessoas, a perseguição enche meu corpo de adrenalina. A sensação de estar em busca de algo, vivo, como se tivesse nascido para isto.
O bandido que está na traseira da moto se vira para trás e direciona sua mão a mim. Logo percebo rajadas de fogo vindo em minha direção, me fazendo desviar delas rapidamente. Claro, ele tinha que ser um ser do fogo, não tinha?!
– Atenção, central! Tenho um 10-80 em um veículo de duas rodas! Um dos indivíduos é ser do fogo! Preciso de apoio! – digo no comunicador.
– Apoio foi enviado para nossa localização, Firestrock! – responde Garry. Toda vez que esses bandidos causam caos nas ruas assim sempre é necessário apoio para auxiliar as pessoas que são afetadas pelo caminho. Como estou lidando com outro ser do fogo, é muito fácil um incêndio ser causado. Provavelmente enviarão um ser da água seguindo a rota que acabei de percorrer.
Os bandidos fazem uma curva violenta, entrando em um beco estreito. Alguns carros que vinham pela via contrária acabam se chocando um contra o outro, na tentativa de não acertar a moto deles. Esses dois já estão causando confusão demais para uma manhã, preciso acabar com isto de uma vez!
Sigo pelo mesmo caminho do beco, que não é muito longo. Antes que chegue ao final, vejo uma muralha de pedra se erguendo bem na sua saída, impedindo os bandidos de atravessarem. Diminuo minha velocidade e desço de meu veículo, apontando minhas mãos em direção a eles.
– Rendam-se, pois estão cercados! – digo rispidamente. Os dois olham com expressão de raiva, derrota, percebendo que não há mais para onde ir.
O ser do fogo desce da moto e atira contra mim. Ele lança rajadas pequenas e lentas das qual facilmente desvio. Fazendo algumas cambalhotas, rapidamente lanço uma única rajada contra ele, que é lançado contra o chão. Não muito forte, só o suficiente para o nocautear. Assustado com o que acabou de acontecer, o bandido motorista ergue as suas mãos, se rendendo. Decisão sábia.
Enquanto algemo os dois, vejo o muro de pedra descer, revelando Caio logo atrás dele, ou como é chamado por seu nome de vigilante, Rockshot. Ele está acompanhado de alguns policiais, que saem de uma viatura.
– Não achei que te veria tão cedo, hoje – diz ele, se aproximando de mim.
– É bom te ver também – digo. Nós dois nos cumprimentamos com um toque.
– Qual a situação, assalto? – pergunta ele, olhando para os dois bandidos algemados.
– Provavelmente. Quando os vi, já estavam fugindo – respondo, olhando para eles também. Os dois bandidos parecem ser bem jovens. Um tem pele clara, e o outro, mais escura. Não pareciam saber bem o que estavam fazendo, agiram mais por impulso do que por estratégia. – A polícia vai dizer de onde esses dois vieram. Nosso trabalho está feito aqui.
– Para onde você vai daqui? Topa fazer uma patrulha em conjunto? – pergunta Caio.
– Claro! Considerando que não é nem onze da manhã e o dia já começou assim, companhia não faria mal – respondo, me afastando da cena de prisão e voltando ao meu veículo.
Caio e eu entramos em meu veículo de vigilante e deixamos a área, indo patrulhar em outro lado da cidade, este bairro provavelmente vai estar mais seguro agora que outros vigilantes foram chamados para cá.
É apenas o início de mais um dia. Um dia comum, como todos os outros, como nada de diferente acontecendo.
Respiro profundamente, lentamente tocando meus pés no chão, no outro lado da rua que fica entre mim e o portão de entrada da U.S.E. Atravesso a rua e adentro a universidade.
– Bom dia, senhor Johnson! – diz o guarda assim que passo por ele. Eu o cumprimento balançando a cabeça.
Os alunos todos me observam enquanto ando em meio a eles, cochichando e sorrindo, como se estivessem vendo uma celebridade passando, como em todos os dias.
Vejo uma poça de água perto da calçada em que estou, paro um minuto para olhar meu reflexo, observando os detalhes do terno em que estou vestido. Todo mundo me conhece aqui. Qualquer um que ouvir meu nome saberá de quem se trata.
Atravesso os corredores, indo em direção à administração da universidade, até ficar de frente para a grande porta que esconde a sala do conselho. Uma vez que a abro, vejo os membros todos me esperando, olhando para mim com expectativas.
– Bom dia, diretor Johnson! – diz um dos professores. – Estávamos aguardando o senhor para iniciarmos a nossa reunião de hoje!
Exatamente. Um dia normal, como todos os outros.
A reunião passa conforme o esperado, com todos os assuntos relacionados à universidade discutidos exatamente como planejado. Tópicos como o calendário de férias, as atividades extracurriculares oferecidas para aprimoramento dos dons dos alunos, até mesmo sobre as próximas Olimpíadas. Logo, cada um fica livre para cumprir com o restante de suas obrigações do dia, incluindo a mim. Me encaminho à minha sala, onde passo a maior parte do dia.
Abro a porta, revelando a sala escura, com as luzes abafadas pelas cortinas que escondem as janelas de vidro que ficam atrás da grande mesa de madeira marrom. Caminho em direção a ela, tocando a madeira com os dedos de minha mão, olhando para a grande cadeira vermelha.
Eu a puxo um pouco para trás e me sento lentamente, sentindo o conforto do material em meu corpo, colocando meus braços sobre os descansos nas laterais e olhando para frente, erguendo minha cabeça.
Um dia normal. Como todos os outros.
Finalmente abro a porta de minha casa, já voltando de um dia cansativo de trabalho. Ainda são por volta das sete da noite, mas já queria que fosse dez, para poder ir dormir logo. Olho em volta, não há ninguém, Hansel ainda não voltou da U.S.E. Geralmente, ele volta mais apenas mais tarde, o que significa que o jantar fica por minha conta.
Apesar de todo o cansaço do dia e de sempre estar colocando minha vida em risco lá fora, saber que tenho uma casa e um marido para voltar faz tudo valer a pena. Este é nosso lar. Não iria querer nada mais. Tudo está perfeito do jeito que está.
Levo um tempo para tomar um belo e refrescante banho e vestir um pijama bem confortável. Hora de preparar o jantar! Sei que Hansel evita comer fora de casa durante a noite especificamente para poder passar esse tempo comigo, é um momento muito importante para nós dois. É quando finalmente temos o momento de conversar sobre o que aconteceu durante o dia.
Abro o armário à procura de ingredientes para o jantar. Hansel não é muito chegado a massas, mas considerando que ainda não fizemos mercado nessa semana, graças à nossa agenda apertada, vou ter que cozinhar macarrão. Hansel gosta bastante de carne, então, lasanha de carne vai ser ótimo!
O tempo passa mais rápido do que o esperado, me fazendo perceber que estou demorando mais do que o normal para finalizar o jantar. Só me dou conta quando ouço o som da porta da frente se abrir e ver Hansel entrando por ela.
– Boa noite, querido! – diz ele da entrada.
– Boa noite! – digo surpreso. – Você chegou mais cedo?
– Não...? Estou no horário de sempre – responde Hansel, se aproximando de mim. – Você não terminou o jantar?
– Não... – respondo, olhando para as coisas ainda pela metade.
– Bom, não será um problema. Deixa comigo – diz ele.
Hansel faz uns movimentos com as mãos e uma luz azul envolve todos os materiais que estava usando. A próxima coisa que vejo é uma lasanha pronta já na mesa e dois pratos com talheres posicionados nos nossos lugares.
– Hansel! – Olho para ele com decepção. – Nós já conversamos sobre isso!
– Qual éee? Eu não quero que nosso jantar atrase! Vamos ter menos tempo para conversar! – diz ele se aproximando de mim e segurando as minhas mãos.
– Você sabe que o jantar não é o fim da nossa noite, não é? – digo para ele com um sorriso leve.
– É mesmo? Bom, estou aberto às possibilidades – responde ele, se aproximando mais de mim e me dando um beijo rápido.
Hansel logo me solta e vai se preparar para ficar em casa. Tomar seu banho, vestir outra roupa, o mesmo de todos os dias. É o tempo que levo para preparar um suco para nós dois. Ele logo aparece na porta da cozinha, se sentando em sua cadeira, em frente a mim.
– Olha... Eu falei sério em relação ao que você fez – digo, cortando um pedaço de lasanha e colocando no meu prato. – Você prometeu que não iria usar seus poderes para trapacear na vida, que levaríamos uma vida comum. Se todos na vida tivessem um "modo criativo" qual seria a graça de viver?
– Eu sei, Enji, só achei que quisesse ajuda com o jantar – responde ele, desviando seu olhar.
– Não é essa a questão. Você poderia ter me ajudado a terminar com as suas próprias mãos em vez de usar magia – digo. Ele volta a olhar para mim. Eu toco em sua mão com a minha direita. – Você é incrível, Hansel, com as coisas que você pode fazer e na pessoa que você é. Mas precisa ser responsável com o seu dom.
– Eu sei... – diz ele com um sorriso tímido, desviando seu olhar de mim mais uma vez. Hansel fecha a sua mão sob a minha, deixando nossos dedos entrelaçados. Observo sua aliança de casamento encostando em minha pele e, então, olho para a minha, em minha mão esquerda. Ele é o homem da minha vida, só preciso que me escute com mais frequência.
Passamos o restante do nosso tempo conversando sobre o que aconteceu no dia. Ele me conta sobre sua reunião com o conselho da U.S.E. e os planos agendados para o restante do ano, enquanto eu conto sobre a perseguição do dia e do encontro com Caio no meio dela. Faz um tempo desde a última vez que nos encontramos com nossos amigos. Eles têm andado ocupados com suas próprias vidas.
Após limparmos toda a louça da cozinha com nossas próprias mãos, nos preparamos para dormir. Me deito em meu lado da cama, enquanto Hansel se deita em seu lado e me abraça. A sensação dele contra meu corpo nunca me sacia. Quanto mais dele eu tenho, mais quero. É como se fosse errado estarmos distantes um do outro, como se metade estivesse longe quando acontece. E então, no fim do dia, quando nos juntamos assim de novo, tudo está onde deve estar.
Esta é a minha vida. Minha vida dos sonhos.
Acordo assustado com o pesadelo que tive. Respiro ofegantemente, olhando ao meu redor. Estou na minha cama, no meu quarto. Tudo está bem.
Hansel não está aqui, já deve ter levantado. É melhor que faça o mesmo, ou vou acabar me atrasando para o trabalho...
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