1.8 | Entendimento
Desde o que Hansel fez ontem, não tive um só ânimo para levantar da cama. Não só fiquei assustado com o que aconteceu, mas também meu corpo está inteiramente dolorido, parece que um trator me atropelou. Eu não queria vê-lo hoje, mas parece que Caio, Helena e Sarah não ligam para isso, já que trancaram nós dois dentro do nosso quarto.
Olho para ele, encostado em sua cama, olhando para o chão. Por mais que ainda sinta raiva dele, não estou bravo agora, não consigo. Acredito que ontem foi um choque para nós dois, pois ele não parecia saber o que estava fazendo. Eu fico me perguntando se não o tivesse provocado, tudo acabaria como acabou.
– Então, nós vamos ficar em silêncio ou vamos achar um jeito de sair daqui? – Decido quebrar o silêncio. Hansel olha para mim, visivelmente desconfortável, e então desvia seu olhar novamente.
– Eu não posso fazer nada, não tenho água comigo... – responde ele, encostando seu queixo em seus joelhos e abraçando suas pernas. – Mas você poderia explodir a porta com fogo.
– E levar uma suspensão de uma semana?! Não, obrigado! – digo um pouco agressivo. O silêncio volta a ficar entre nós. Crio um pequeno anel de fogo em minha mão, tentando me distrair de toda esta situação. Hansel observa de longe.
– Belo truque – diz ele, me fazendo deixar o anel de fogo se esvair.
– O quê? – pergunto distraído.
– Belo truque, o do anel de fogo – ele repete. – Eu sei que precisa ter bastante controle sobre o fogo para fazer isso. E você tem, eu percebi na aula prática.
Não respondo, por um momento. Acho que essa foi a maior frase que ele já falou diretamente para mim. Eu não sei como deveria reagir ao que está acontecendo, estou acostumado a ser ignorado por ele, não sei o que fazer agora que está conversando com uma pessoa normal.
– Obrigado – respondo em baixo tom. – Eu talvez teria dito o mesmo se tivesse visto algum truque seu na aula prática...
O silêncio se instaura novamente. Acho que não deveria ter mencionado a aula prática, já que foi o que começou parte disso. Nós passamos mais alguns minutos sem falar um com o outros, observando a sala. Tento imaginar o que poderia fazer para sair daqui, mas talvez o caminho mais fácil seja o que os outros três propuseram a nós. Temos que nos entender, mesmo que eu não queira.
– Eu não queria mentir naquele dia... – Hansel fala baixo. Sua voz grave me dá dificuldade de ouvir, mas posso entender o que ele quis dizer.
– Então, por que mentiu? – pergunto. Hansel olha para mim, com hesitação. É a primeira vez que o vejo olhar assim, como se estivesse guardando tanto para si.
– Eu não tive outra escolha... – responde ele, desviando seu olhar de novo. Parece até que Hansel não consegue me encarar enquanto fala. Não posso dizer que não entendo o motivo, mas é tão diferente do que já conheço dele.
– Sempre tem outra escolha – digo. Ele olha para mim com expressão de irritação, como se tivesse acabado de ouvir uma baboseira.
– É fácil para você falar quando não tem o penso da S.E. inteiro nas suas costas!... – diz ele aborrecido. Sua expressão muda novamente, desta vez, para conflito. – Ontem, você disse que eu obviamente gostava da atenção que era atraída a mim por causa da reputação do meu pai. Aquilo me deixou furioso, porque foi como se você estivesse pegando a minha dor e a transformando em algum tipo de diversão...
– O que quer dizer...? – pergunto genuinamente interessado em entender.
– Ser o filho do diretor não é um privilégio, é um fardo, um grande e pesado fardo. É desistir de ter uma vida, de ser alguém, para agir como o exemplo perfeito que o diretor precisa ser, proteger a reputação da universidade acima de tudo – responde ele. Por um momento, meus olhos se abrem para a realidade dele. Eu não havia parado para pensar nas coisas a partir desse ponto de vista. – Eu não poderia deixar que a reputação da universidade fosse manchada após descobrirem que o filho do diretor da Universidade Seres-Éter, o futuro diretor, não tinha nenhuma individualidade, por isso tive que mentir e dizer que era um oráculo, era minha única desculpa.
– Sem individualidade...? Mas e quanto ao seu poder da água? – pergunto, sentindo falta de alguma parte desta história.
– Vieram depois que toda a bagunça já estava feita – responde ele. – Acho que o evento da montanha despertou alguma coisa em mim, ativou meu poder. Mas só fui capaz de dobrar a água depois daquilo.
– Isso é impossível, Hansel! Eu vi o que você fez no ferro-velho, aquele tipo de movimento só pode ser executado por seres da água extremamente habilidosos! – digo aumentando meu tom de voz, mas tentando não soar como um ataque. – Sem mencionar ontem...
– Tem razão... É estranho, não é? – diz ele, olhando para o chão. Eu não sei como posso acreditar em sua explicação, mas o seu olhar perdido me revela que ele não está mentindo. Na verdade, parece tão confuso quanto eu em relação a tudo. – A propósito... Me desculpa pelo que fiz ontem, foi errado da minha parte, para não dizer o mínimo...
Sinto meu corpo gelar completamente, não esperava um pedido de desculpas. Sinto que estou conhecendo um lado totalmente novo de Hansel, um lado que ninguém chegou a ver ainda. Em parte, me sinto privilegiado por ser o primeiro dos alunos a vê-lo tão vulnerável, mas lá dentro, me sinto o próprio esgoto. Eu o julguei tanto desde que cheguei na S.E., que fechei completamente meus olhos para ver qualquer qualidade sua. Estava tão bravo por ter sido rejeitado na nossa primeira interação, que não percebi que estava sendo extremamente tóxico. Estou envergonhado de mim mesmo...
– Está tudo bem... Não foi totalmente sua culpa – digo. – Eu comecei toda a briga. Se não o tivesse provocado, nada disso teria acontecido.
– É verdade – diz Hansel, deixando escapar uma singela risada, risada que faz meu estômago esfriar. É a primeira vez que ouço-o rir. – No final, acho que nós dois temos culpa.
– É... Vamos deixar decidido assim, então! – digo, finalizando de vez o assunto. Acho que agora que sei mais sobre ele, posso começar a enxergá-lo diferente. Talvez não seja tarde para nós dois, podemos ser amigos.
– Bom, eu falei sobre mim e toda a minha questão com a S.E., mas você não me falou nada sobre a sua vida – diz ele, deitando sua cabeça de lado em seus joelhos, encontrando seus olhos com os meus. Me sinto hipnotizado por seu olhar, desta vez. Em vez do frio e desconfortável olhar, vejo um cheio de vida, mais cheio do que jamais esteve, é quase que como seus olhos refletisse a luz do sol vinda da janela. Sinto meu rosto esquentar com sua pergunta.
– Eu não tenho muito o que falar sobre mim... – digo, esfregando a ponta de meu dedo no chão, tentando desviar minha atenção de Hansel. Em vez de ficar em silêncio, ele ri outra vez. Mais uma risada genuína, que soa como a voz de um anjo me chamando em um sonho. É assustador, mas lindo ao mesmo tempo. Mas que droga estou pensando?!
– Besteira! Todo mundo tem um pouco para falar de si, você só precisa cavar um pouco para encontrar – diz ele.
– Bom, eu nasci em 2001, dia 23 de julho, para ser mais exato. Morei minha vida inteira em Blulaquê, junto com minha tia Anastasia – digo, tentando juntar informações sobre mim. Sempre acho um pouco difícil achar sobre o que falar quando me perguntam, não penso muito nisso.
– Então, você não tem pais? – pergunta ele me deixando surpreso, não esperava que perguntasse algo do tipo. – Desculpa... Não quis ser intrometido.
– Não, está tranquilo... Respondendo, eu tenho uma mãe, irmã da minha tia, mas nunca cheguei a conhecê-la. – Viro minha cabeça para a janela, olhando para a luz que vem do sol, encoberto por finas nuvens, deixando minha mente se encher de pensamentos que me assombram quando me lembro de tal assunto. – Ela me entregou para tia Ana quando era recém-nascido e sumiu. Nem mesmo sei se ainda está viva.
– Acho que ter pais ruins é uma coisa que temos em comum... – diz Hansel.
– Eu achei que se desse bem com seu pai – digo, olhando para ele.
– Por um tempo, sim, quando era bem pequeno – responde ele. Hansel fecha os olhos, como se estivesse tentando se lembrar de algo. – Costumava ser ele, minha mãe e eu. Mas então, algo aconteceu, ela faleceu. E as coisas ficaram frias entre nós. Tudo passou a se resumir à escola e meu futuro como diretor.
– Sinto muito... – digo, sem saber como responder. Nenhum de nós diz mais nada. Parece que a história dele é tão complicada quanto a minha. Somos mais parecidos do que eu imaginava.
Eu volto a brincar com o anel de fogo que costumo fazer em situações como esta. Hansel apenas me observa, sem dizer nada. Eu me lembro que aprendi a fazer este truque com quinze anos. Estava em casa, sozinho, tia Ana estava no trabalho. Eu quase queimei as flores do quintal dela. Se por acaso tivesse acontecido, acho que ela teria me deixado de castigo por um mês no mínimo. Sem perceber, acabo rindo sozinho de minha lembrança. Hansel me observa com olhar questionador.
– Você gosta mesmo desse truque, não é? – diz ele.
– Oh, eu só estava me lembrando de algo da infância – respondo, balançando a cabeça e desfazendo o fogo. – O dia que descobri meu poder foi o mais louco da minha vida. Quase coloquei fogo na sala inteira, minha tia quase enfartou.
Nós dois rimos da situação. Estou me sentindo extremamente confortável em passar este tempo com ele. No fim, Caio, Helena e Sarah não foram tão inconvenientes assim, fizeram algo bom.
– Agora, estou imaginando a cena – diz Hansel, balançando a cabeça.
– E o que a sua grande imaginação tem a dizer sobre meu nobre feito? – pergunto em tom brincalhão.
– Bom, eu vejo uma criança, obviamente. Ele é loiro, olhos castanhos, pele um pouco mais clara que a sua. Está usando uma camiseta listrada de verde-escuro e branco e uma bermuda azul-escuro – responde ele. Isso é um tanto específico, eu diria, até parece que ele estava lá... – Está brincando de super-herói na sala de estar e então, acaba soltando uma bola de fogo com as mãos, que queima a cortina da janela...
Por um momento, sinto meu corpo se arrepiar inteiramente, percebendo que é exatamente a mesma coisa que aconteceu de verdade no passado. Olho para ele com expressão de espanto.
– Como você sabe...?! – pergunto sem entender.
– Sei o quê? – pergunta ele confuso. – Foi só a cena que veia à minha mente.
– Não foi só uma cena imaginada, aconteceu de verdade, Hansel! – digo. Ele fica sem entender, como se não estivesse conseguindo acompanhar minha declaração. – A cena que você descreveu aconteceu exatamente igual, quando era criança! Meu cabelo e minha pele eram mais claros na infância, escureceram depois que meu poder despertou. Até as roupas são iguais às que eu estava usando no dia! Como você sabe o que aconteceu?
– Eu não sei... Só foi imaginação, eu não estava lá para saber – responde ele, tão confuso quanto eu.
Por um momento, um pensamento passa por minha cabeça. Hansel não tinha como estar lá para saber, era uma criança igual a mim, mas ainda há outras formas de uma pessoa saber algo que aconteceu no passado mesmo não estando lá. E essas formas são: sendo um ser psíquico ou um... oráculo!
– Hansel, você sabe alguma coisa sobre híbridos de seres psíquicos ou oráculos? – pergunto olhando para baixo, tentando organizar minhas ideias.
– Apenas seres elementais possuem híbridos e eles não conseguem dobrar mais de um elemento, só aspectos de um outro – responde ele. – Acho que sei onde está querendo chegar, mas não acho que seja o caso, não tem como ser... Eu menti quando disse que era um oráculo!
– Mas e se não tiver mentido...? – pergunto, olhando para ele. Hansel me encara de volta, com suas próprias dúvidas. O que aconteceu não foi só uma coincidência de fatos, não tem como, foi específico demais. Tem mais coisa envolta nesta história. – Não há nada que comprove que um ser elemental não pode ser híbrido com um psíquico ou oráculo, há?
– Não. Apenas nunca houve comprovação de que pode – responde ele. – Nunca houve registros de um híbrido psíquico ou oráculo.
– Bom, só há um jeito de descobrir... – Estendo a minha mão em direção à de Hansel. Não tenho certeza de como funciona, mas registros de livros dizem que oráculos precisam estar em contato com alguém, ou algum objeto relacionado, para terem visões claras sobre tal pessoa.
Hesitante, Hansel se aproxima de mim e segura minha mão, fazendo meu corpo estremecer por um segundo; sua mão é extremamente macia. Ele, então fecha seus olhos, se concentrando. Eu faço o mesmo. Assim como estamos, sinto minha cabeça girar, como se estivesse me movendo, de alguma forma, me forçando a abrir os olhos novamente. Mas não estou mais no quarto da S.E., estou na sala de minha casa em Blulaquê. E não estou sozinho, vejo a versão criança de mim brincando de faz-de-conta.
– Nunca vou me render a você, Aquele da Destruição! – A criança em minha frente faz movimentos com suas mãos, como se estivesse dobrando algum elemento. Eu me lembro que não fazia ideia de qual seria meu poder naquela época, por isso fingia possuir todos eles.
– Enji, meu querido, a tia Ana precisa de ajuda com quintal! Pode vir até aqui? – Ouço a voz dela vinda de fora de casa. Me aproximo da janela na cozinha, vendo-a agachada em seu jardim. O sentimento de nostalgia me invade. Tudo isto não é como lembrar do passado, é como se estivesse acontecendo novamente. Posso sentir o calor do ambiente, o vento, é como se estivesse mesmo aqui.
– Já estou indo! – grita minha versão mais nova. – Toma essa, monstro! – Ele joga seu punho para frente, como se estivesse socando algo, e então um jato de fogo é disparado. As chamas se espalham pela cortina da sala, queimando-as rapidamente. A criança em frente a mim grita em desespero.
– Enji?! – Tia Ana vem correndo para dentro e assim que percebe o fogo, se apressa para pegar um extintor de incêndio que mantinha em um dos cantos da cozinha. Ela o ativa contra o fogo e o apaga. – O que foi isso?!
– Eu não sei! Eu não sei! – responde a criança, com lágrimas escorrendo dos olhos. Me lembro de estar completamente assustado nessa hora, foi um choque enorme. Passei quase uma semana com trauma de usar meu poder, mas logo o superei ao perceber o quão divertido era.
Enquanto fico em pé, observando toda a cena, sinto uma mão tocar meu ombro. Olho para trás e vejo Hansel, próximo a mim; ele parece estar incrédulo com tudo o que está acontecendo. Por um momento, ao relembrar todo esse evento, havia me esquecido da real questão de estar aqui, o fato de Hansel ser um oráculo.
Nós dois abrimos os olhos, saindo do transe em que estávamos e voltando ao quarto. Percebo sangue escorrendo pelas narinas de Hansel, enquanto ele coloca suas mãos em sua cabeça, como se estivesse com dor.
– Aquilo foi...
– Sim. – Hansel me interrompe, limpando seu rosto com as mãos. – Uma visão do passado...
– Então, você é mesmo um oráculo... – digo, sem saber como reagir a descoberta. – Mas, como?
– Eu não sei – responde ele, um tanto ofegante. – Mas isso muda tudo o que sabemos sobre seres-éter...
28/02/2022
– Certo. Uma vez que estamos todos assim, que seja iniciada a reunião – diz meu pai, sentado em uma cadeira, na monta de uma grande mesa, rodeada de todos os professores conselheiros da S.E. Esta é a reunião que eu deveria atender no quarta-feira passada, mas depois de quase ter sido sequestrado, ela foi adiada para hoje. São 19h15min agora, decidiram deixar para o horário da noite para não atrapalhar as aulas. – Como todos sabem, estamos aqui para discutir as Olimpíadas de Quintessências, agendadas para ocorrer no mês de julho. E o tópico que vem sendo passado de professor a professor é se os alunos dos primeiros anos devem ou não participar dos jogos, uma vez que primeiros anos de universidades exteriores participarão. Antes de dar meu ponto de vista sobre o assunto, quero ouvir o de vocês.
Os professores começam a dar suas opiniões sobre o tópico. É verdade, as Olimpíadas de Quintessência que acontecem internamente entre as outras unidades da ilha são exclusivas para alunos dos segundos e terceiros anos, já que os dos primeiros recebem mais aulas teóricas do que práticas. Eu estava tão assustado de ser descoberto por não ter individualidade que me esqueci completamente de que não participaria das olimpíadas deste ano de nenhuma forma.
Os professores estão bem divididos em suas opiniões em relação às olimpíadas. Alguns alegam que atrapalharia o calendário do primeiro ano inteiro, que teria que ser refeito. Outros alegam que ensinar teoria sem prática geraria desinteresse nos alunos, dizendo que as práticas seria um incentivo, principalmente porque estariam praticando para algo que seria exibido nacionalmente. E alguns alegam que esse é justamente o problema, alunos do primeiro ano não têm habilidade para aparecer em um evento tão grande. No fim, acabam entrando em uma discussão questionando se a S.E. é tão boa em educação quanto todos falam, tendo em vista que outras universidades de fora treinam prática com seres-éter desde os primeiros dias de aula.
Olho para meu pai, percebendo o desapontamento dele em seu olhar, enquanto apenas ouve a discussão dos professores; eles não parecem notar sua desaprovação, é quase como se tivessem esquecido de que ele está aqui. Eu admito que não saberia como agir em seu lugar, este debate é um tanto quanto complicado. Todos têm pontos válidos, não sei como isso vai acabar.
– Bom, a meu ver, se passarmos todo o tempo da reunião questionando o sistema educacional da S.E., não iremos chegar a lugar algum – diz professor Ivor, do nada. Os outras professores olham para ele com curiosidade, incluindo meu pai. Um silêncio se instaura na sala de reuniões, deixando as coisas um pouco tensas. – Mas há uma certa observação que gostaria de fazer, relacionada a tudo que foi pontuado aqui agora há pouco.
– Prossiga – diz meu pai, parecendo interessado em saber o que ele tem a dizer.
– Muito bem... Como sabemos, nos últimos dias, um aglomerado de pessoas tem se juntado a protestar contra seres-éter nos arredores do centro da cidade – professor Ivor começa –, e um dos nossos estudantes quase mesmo foi machucado por algumas pessoas, ainda não identificadas, mas que a polícia suspeita de que façam parte de tal grupo. – Ele direciona sua mão a mim, me deixando confuso a que ponto ele quer chegar. – Para alguns de vocês, ensinar os alunos dos primeiros anos a usarem seus poderes é ir contra nosso sistema didático, pois a teoria também é importante. E eu concordo com isso, estaria mentindo se dissesse que não. Mas, por outro lado, ensiná-los a usar seus poderes é uma forma de protegê-los contra a crescente ameaça que vem os rodeando. Os alunos estão sempre andando pelas ruas da cidade, expostos à qualquer perigo, seria de nosso interesse mantê-lo a salvo, ensinando-os como se proteger. E é aí que entram as aulas práticas.
– Senhor Ivor, está sugerindo que deveríamos ensinar nossos alunos a usarem seus poderes contra outros civis? Isso vai contra nosso código de ensino! E mais, vai contra a lei! – Uma das professoras diz.
– Não contra civis, contra possíveis ameaças – professor Ivor corrige a fala da outra professora. – As olimpíadas atrairão todo tipo de atenção para Dunamous, especialmente a do grupo de pessoas que são contra seres-éter. Os que são capazes de se proteger, estão seguros. Mas e quanto aos que não são? Um evento como o que está para ocorrer é o momento ideal para um grupo como o dos manifestantes atrair atenção para sua própria causa. Há pessoas boas no meio deles, mas há ruins também, pessoas que se aproveitam das situações para causar terror. Como saber quem é quem, a menos que todos estejam preparados para qualquer um dos dois?
– É para isso que temos a polícia e os vigilantes! – diz a outra professora, claramente exaltada com o a pontuação de professor Ivor. Mas, por outro lado, eu concordo com ele. Toda vez que estou sozinho em um lugar à céu aberto, relembro daquele momento, me sentindo como um alvo.
– Eu sei que não tenho voz aqui nesta reunião, mas gostaria de dar minha opinião sobre o assunto – digo, atraindo a atenção de todos os professores para mim. Meu pai olha para mim com curiosidade, não parece que esperava que eu me intrometesse. Mas estou aqui, afinal; já que sou obrigado a participar, eles deveriam ao menos me ouvir.
– Vá em frete – diz meu pai, dando a mim permissão para falar.
– Uma vez que o que aconteceu comigo foi resultado de uma crescente ameaça púbica, é seguir presumir que a defensoria civil esteja cogitando a possibilidade de ataques como os meus acontecerem em maio às olimpíadas. Portanto, é questão de lógica que áreas com multidão de seres-éter, e humanos comuns, estejam mais protegidas que o normal. Especialmente as áreas ao redor da arena esportiva – começo minha pontuação. Todos me observam com cautela. – Isso significa que os locais mais seguros para se estar será na arena, durante as olimpíadas. O que me leva à questão dos alunos do primeiro ano. Enquanto alguns poderão assistir os jogos da arena, muitos estarão na S.E., o que a torna um alvo muito mais fácil e ambicioso para os terroristas do que a arena em si.
– Então, está sugerindo que se o grupo anti-éter preferiria atacar a universidade aos jogos? – pergunta meu pai.
– É exatamente o que estou sugerindo. E levando em consideração que nem mesmo as muralhas de Áskia são impenetráveis, as da S.E. com certeza também não são – respondo seguro do que estou falando. – Agora, se todos os alunos do primeiro ano estiverem reunidos no local mais seguro no momento dos jogos, seriam uma preocupação a menos. Deixar o primeiro ano participar dos jogos não é apenas ensiná-los a se defender de ameaças, mas é também mantê-los onde todos vocês podem ver. Então, como aluno do primeiro ano, eu concordo com professor Ivor quando diz que devemos participar das olimpíadas e ter aulas práticas mais cedo.
Nenhum dos outros professores diz qualquer coisa contra meus argumentos, mas posso sentir o peso do olhar de alguns deles sobre mim, como se desaprovassem meu posicionamento. Exceto por professor Ivor, ele parece bem contente.
– Bom, eu acredito na validez de todos os pontos de vistas expressos aqui. Mas a possibilidade de participação dos alunos do primeiro ano das olimpíadas ainda é um assunto a ser discutido e analisado com mais cuidado. Especialmente pelo fato de os argumentos apresentados por professor Ivor e Hansel serem teorias baseadas em um evento isolado – diz meu pai, fechando o tópico. – Nós devemos continuar nossa reunião com o próximo tópico.
A conversa segue em frente, com assuntos relacionados aos esportes que serão apresentados nas olimpíadas e afins. Eu não quero que os novatos participem do evento porque minha causa, por que querer participar, mas porque concordo com a filosofia de professor Ivor de que todo ser-éter deve saber se defender usando seus poderes; quanto mais cedo, melhor. E sabendo que há um grupo de terroristas por aí que tentam sequestrar pessoas como eu para fazer sabe-se lá o quê, não posso deixar de me preocupar. Já não é mais apenas sobre mim e meu trauma da montanha, é sobre todos os alunos. Foi um aluno que sabia o básico de autodefesa que me salvou. Se ele não estivesse lá, é impossível saber o que teria acontecido, eu poderia até mesmo estar morto agora...
Eu não sei como esse assunto vai terminar, mas desejo muito que meu ponto de vista seja considerado e que não tratem meu quase sequestro como um único evento isolado, incapaz de ser repetido.
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