᳝ ࣪ ❛ ͏ 𝙘𝙖𝙥𝙞𝙩𝙪𝙡𝙤 quatro : longe de problemas ៹ ✧⠀
୨ᅠᅠ﹙ ato um ﹚blame it on the kidsᅠᅠ୧
࣪៹ 𝄒 ˖ ࣪ 𓂃 ۫ . - capítulo quatro, longe de problemas ꜝꜞ ᳝ ࣪ᅠ ៹ 💣 ✶ ۫
Astra era, deliberadamente, uma força magnética para o caos. Aonde quer que fosse, aonde quer que passasse, tudo virava um vendaval de murros e piadas de humor sombrio. Silco, no entanto, não entendia de onde ela havia criado esse poder destrutivo. Ele não era assim, muito menos quem o cercava. Seus homens eram esgueiros e invisíveis, alguns traziam confusão quando o álcool subia para a cabeça, mas em sua maioria, eram fantasmas.
Astra não tinha um exemplo explosivo para seguir, embora gostasse de provocá-los até seus extremos. Começava desde a hora que acordava até quando ia dormir. Ela explodia coisas, fazia pegadinhas maldosas e até fazia com que alguns deles se machucassem.
Mas nunca regaliariam de volta, Silco decapitaria suas cabeças antes mesmo que pronunciassem o nome de Astra. E ela se aproveitava.
Mesmo com sermões, com os castigos de silêncio, com o perigo que poderia correr, ela não ligava. Dizia que era apenas uma criança brincando com fogo, ela nunca se queimaria de qualquer forma.
Sevika era uma das poucas pessoas que ousavam desafiar Astra. Em partes, ela gostava do pequeno diabo de Silco. Mas Astra, constantemente, fazia ela repensar seus gostos. Ela brigava e dava sermões, ignorava o máximo que podia e, vez ou outra, dava petelecos na garota.
Sevika não se arrependia, sabia que Astra não contaria a Silco porque gostava de ter uma 'oponente' à altura. E mesmo se contasse, ele já havia confiado muito da criação de Astra para ela, eram aliados de longa data, diriam até que amigos. Então Sevika não via porque temer Astra, elas tinham suas diferenças - enormes diferenças -, mas no fundo eram algo perto de uma família. Extremamente problemática, mas uma família.
Então não foi surpresa - ou foi muita surpresa -, quando Astra passou quase uma semana inteira sem aprontar. Sem retaliações ou pegadinhas mortais, apenas o doce e amargo som das piadas sujas e xingamentos. Aquela, definitivamente, era uma garota errada.
Sevika não reclamou, pelo contrário, agradeceu a qualquer estrela que visse no céu noturno. Era uma semana gloriosa, sem encrencas em bares ou brigas de rua, não havia prédios explodindo ou vendedores correndo atrás de Astra. Vez ou outra ouvia explosões do terraço, mas nada de anormal.
Silco notou o silêncio incomum antes de qualquer um dos outros. Era impossível não perceber quando Astra, a tempestade ambulante, de repente tornava-se um sussurro na agitada vida de Zaun. Mesmo assim, ele escolheu não comentar. Para ele, as ausências de encrencas eram como intervalos de paz entre guerras, e ele nunca desperdiçava essas pausas.
Já Sevika, inicialmente, desconfiou. Não era do feitio de Astra manter-se tão... contida. Na primeira noite, Sevika fez questão de monitorá-la discretamente, esperando que alguma confusão surgisse. Astra, no entanto, limitou-se a esgueirar-se pela taverna, bebericar alguma bebida que claramente não era apropriada para sua idade, e desaparecer no meio da noite sem deixar rastros.
Na segunda noite, Sevika concluiu que algo estava errado. Não que ela sentisse falta das pegadinhas - muito pelo contrário. Mas o comportamento da garota, tão diferente de seu padrão explosivo, a incomodava. Era como se a pequena criatura que passava o dia desafiando o caos tivesse sido trocada por uma versão falsa.
No entanto, a explicação veio na forma de rumores. Alguns dos homens de Silco comentaram, em tons baixos, que Astra havia sido vista na Última Gota. Mais especificamente, rondando a taverna, mas nunca entrando. Sempre de olhos atentos, como se estivesse à procura de algo, ou alguém.
Ninguém saberia dizer o que havia, apenas Powder e Astra sabiam da dinâmica entre as duas, ou talvez, a dinâmica que ela inventou em sua cabeça.
Powder era apenas uma criança órfã da guerra, não tinha nada de especial, para qualquer um, menos para Astra. Seu único traço marcante era a proteção de Vander, e mesmo assim, ninguém a via como algo a mais do que uma criança.
Astra, no entanto, via Powder de maneira diferente. Para ela, Powder não era apenas uma criança órfã ou protegida por Vander. Havia algo na garota que a atraía. Astra enxergava em Powder uma faísca, algo que os outros ignoravam ou simplesmente não conseguiam ver.
Talvez fosse porque ambas compartilhavam uma dor silenciosa, uma conexão que ultrapassava palavras e que ninguém mais parecia entender.
Rondar a Última Gota sem nunca entrar era a maneira de Astra de estar presente sem invadir. Ela sabia que, se entrasse, enfrentaria o olhar frio de Powder ou sua completa indiferença. E isso, mais do que qualquer outra coisa, era o que a mantinha à margem. Ela não tinha medo de enfrentar homens armados, mas o olhar magoado de Powder era algo que ela não sabia como reagir.
Os rumores se espalharam rapidamente entre os homens de Silco, mas ninguém ousava questioná-la diretamente. Astra era imprevisível e perigosa, uma combinação que a tornava tanto temida quanto intocável. Eles preferiam especular à distância, criando suas próprias versões do que poderia estar acontecendo.
Para eles, Astra era apenas um enigma a ser tolerado, desde que não se tornasse uma ameaça direta aos negócios.
Astra via Powder como um projeto, algo para moldar, proteger e, ao mesmo tempo, brincar. Mas, naquela semana, parecia que a garota havia decidido adotar um papel diferente, o de uma sombra silenciosa.
Na noite do oitavo dia, enquanto Astra tamborilava distraidamente os dedos na mesa de seu quarto, Sevika finalmente quebrou o silêncio.
━━━ Então, o que aconteceu? ━━━ ela perguntou, cruzando os braços enquanto observava a garota.
━━━ Não sei do que você tá' falando. ━━━ Astra ergueu uma sobrancelha, sem olhar diretamente para Sevika.
━━━ Não? ━━━ Sevika inclinou-se, sua presença dominadora preenchendo o espaço entre elas. ━━━ Porque eu tenho quase certeza de que você andou por aí como um cãozinho perdido, e eu quero saber o porquê.
━━━ É uma mudança tão ruim assim, Sevika? Você deveria estar me agradecendo por não ter explodido nada essa semana. ━━━ Astra soltou uma risada curta, mas não havia humor em seus olhos.
━━━ Não enrola. Você não é do tipo que muda do nada. Então, fala logo. ━━━ Sevika estreitou os olhos.
Astra hesitou, desviando o olhar. Ela podia sentir o peso do olhar de Sevika sobre si, mas se recusava a encará-la.
━━━ Eu estraguei as coisas com uma pessoa. ━━━ ela murmurou, a voz quase imperceptível.
Sevika arqueou uma sobrancelha, seu rosto permanecendo impassível.
━━━ Uma pessoa, é? ━━━ perguntou, seu tom ácido. ━━━ E quem é que teve o azar de se envolver com você? ━━━ Astra bufou, irritada, mas não respondeu. Isso apenas aumentou a determinação de Sevika. ━━━ É sobre a... Powder, não é? ━━━ Sevika afirmou, com a confiança de quem já sabia a resposta.
Astra estreitou os olhos, a mandíbula travada enquanto Sevika continuava a observá-la com aquela expressão que ela odiava tanto.
━━━ Powder quem? ━━━ Astra se fingiu de sonsa, tentando soar firme, mas sua voz entregava uma nota de irritação misturada com desconforto.
Sevika inclinou a cabeça, um sorriso frio se formando no canto de seus lábios.
━━━ Você não é tão boa em esconder segredinhos, pelo menos, não pra mim. ━━━ ela deu de ombros. ━━━ E, pra ser sincera, não sei por que você tenta.
━━━ Não é da sua conta, Sevika. ━━━ Astra cruzou os braços, um gesto defensivo que Sevika percebeu imediatamente.
━━━ Tudo que você faz, e que pode ferrar a gente, é da minha conta. ━━━ Sevika respondeu seca, sua postura rígida. ━━━ E você andando por aí, parecendo um zé-ninguém apaixonado, não passa despercebido.
Astra bufou alto dessa vez, a irritação crescendo.
━━━ Eu não estou paixonada. ━━━ retrucou, sua voz soando mais alta do que ela pretendia.
━━━ Não disse que estava. Mas, se está agindo assim por alguém, seja lá qual for o motivo, está claro que isso está mexendo com a sua cabeça. ━━━ Sevika arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços de forma espelhada.
━━━ Eu fiz o que tinha que fazer. ━━━ a garota rebateu, a irritação evidente em sua voz. ━━━ Ela ficou assustada, e agora não quer me ver.
Sevika não demonstrou nenhuma surpresa ou empatia. Em vez disso, balançou a cabeça com desdém.
━━━ Então você está se escondendo como uma covarde? Achei que você fosse mais esperta do que isso.
━━━ Eu não estou me escondendo. ━━━ Astra virou-se para encará-la, sua raiva crescendo.
━━━ Não? ━━━ Sevika retrucou, sua voz baixa, mas cortante. ━━━ Então o que é isso? Ficando na sombra da Última Gota, esperando o quê? Que ela magicamente esqueça o que aconteceu?
━━━ Eu já estraguei tudo. Ir até ela agora só vai piorar as coisas. ━━━ Astra cerrou os punhos, seus olhos brilhando com frustração.
Sevika deu um passo à frente, sua presença dominadora sufocando a sala.
━━━ Cresce, Astra... Quer saber? Faz o que quiser. Mas, se você continuar com essa palhaçada, vai acabar se metendo em algo que nem o Silco vai querer limpar pra você.
Astra desviou o olhar, focando em um canto da sala enquanto mastigava as palavras que não conseguia dizer. Sevika esperou, mas quando percebeu que a garota não ia responder, soltou um suspiro exasperado.
Sevika virou-se para sair, mas parou na porta e olhou por cima do ombro.
━━━ E, só pra constar, você é péssima em esconder o quanto se importa. Talvez seja por isso que a garota está com medo.
Com isso, Sevika saiu, deixando Astra sozinha no quarto. As palavras da mulher pairavam no ar como uma nuvem pesada, tornando impossível para Astra simplesmente ignorá-las.
Astra afundou na cadeira, encarando o teto como se as manchas de infiltração fossem capazes de oferecer alguma resposta. O silêncio que tomou conta do quarto parecia mais pesado do que nunca. As palavras de Sevika ecoando em sua mente, repetidas como um disco riscado, irritantes e impossíveis de ignorar.
Ela odiava admitir, mas Sevika estava certa, como sempre parecia estar.
Ela se importava? Isso a consumia mais do que qualquer outra coisa. Não era só sobre Powder. Era sobre o que ela havia feito, sobre como a garota olhara para ela com uma mistura de medo e decepção.
Eu só queria ajudar, pensou, mas a verdade era muito mais complicada do que isso. Não era apenas sobre ajudar, era sobre moldar, controlar, talvez até redimir a si mesma de algo que nem sabia que estava tentando consertar.
Astra balançou a cabeça, levantando-se da cadeira. Ficar ali, afundada em pensamentos, não a levaria a lugar algum. Ainda assim, seus passos hesitantes a levaram até a pequena janela do quarto, de onde conseguia avistar as luzes da cidade ao longe.
Ela apertou o parapeito da janela com força, os dedos brancos. A imagem de Powder não saía de sua cabeça. A garota com olhos grandes e brilhantes, até que Astra estragou tudo. Ela não conseguia apagar o som da voz de Powder tremendo de medo ou a forma como ela recuou.
Covarde.
A palavra ecoou como um chicote em sua mente. Astra cerrou os punhos novamente, sentindo a dor familiar nas palmas, onde suas unhas curtas perfuravam a pele.
Ela soltou um suspiro cansado, afastando-se da janela. Havia uma decisão a ser tomada, mas ela não tinha certeza se estava pronta para tomá-la. Ela nunca foi boa com essas coisas. Explodir prédios era fácil. Lidar com emoções humanas, não.
[ . . . ]
A noite foi dominada por sonhos em que Astra estava com as mãos cobertas de sangue, com flashes dos grandes e apreensivos olhos azuis de Powder, com o tremor em sua voz quando pediu para que Astra parasse.
Por que ela parecia se importar tanto? Por que aquela garota parecia estar presa em sua mente, corroendo seus sentimentos?
Ela não entendia porque estava presa naqueles sentimentos.
Aquela voz. Aquelas palavras. Por que aquilo parecia tão importante? Astra nunca foi o tipo de pessoa que se permitia fraquejar por lembranças ou arrependimentos. Sentimentos eram luxos que ela não podia se dar ao trabalho de carregar. Mas com Powder... algo era diferente.
Ela acordou sobressaltada, os olhos arregalados, o peito subindo e descendo rapidamente. As imagens ainda dançavam em sua mente, misturando-se com as emoções que Astra mal conseguia nomear. Medo? Não. Dor? Talvez. Era algo mais profundo, uma ausência sufocante que parecia apertar seu peito como uma mão invisível.
Powder era apenas uma garota. Uma variável que Astra deveria ignorar. Mas... e aquela expressão? O tremor na voz? Parecia real, mais real do que Astra estava disposta a admitir.
Astra nunca sentiu a falta de alguém. E isso a apavorava.
O cobertor fino caiu ao lado da cama com um som seco, os pés pequenos tocaram o concreto gelado, um choque que percorreu seu corpo, mas ela não se importou. Moveu-se por puro instinto, como se o sono não tivesse trazido descanso algum, mas sim mais peso para seus ombros já curvados.
Ao entrar no banheiro, o espaço apertado e mal iluminado pareceu ainda menor, sufocante. O pedaço de espelho quebrado na parede refletia uma imagem que Astra mal reconhecia. Seu rosto estava pálido, as olheiras escuras cavavam sulcos profundos sob seus olhos. Ela encarou o reflexo por um longo momento, tentando encontrar algo familiar na garota que a encarava de volta.
Mas o que encontrou foi vazio. Apenas os olhos, normalmente frios e controlados, agora pareciam mais vivos, mas não de uma forma que Astra desejasse. Eles estavam carregados de memórias que insistiam em voltar e de emoções que ela preferia não sentir.
Ela respirou fundo, tentando afastar a névoa em sua mente, mas tudo o que conseguiu foi um olhar mais prolongado no reflexo rachado.
Astra cuspiu a espuma na pia enferrujada e limpou a boca com o dorso da mão, ignorando o gosto amargo que parecia não sair. Vestiu as botas gastas com movimentos rápidos e o casaco pesado cobrindo seus ombros.
Silenciosa como sempre, deixou o quarto e atravessou o esconderijo de Silco. Passou pelos homens distraídos, cujas vozes graves ecoavam nos corredores apertados. Astra manteve o olhar baixo, os passos calculados, movendo-se como uma sombra que ninguém percebia.
Quando chegou à Última Gota, o ambiente era o mesmo de sempre, cheiro de álcool barato e fumaça, mas o som de vozes altas no beco ao lado a fez parar. Reconheceu imediatamente a risada rouca de Claggor e a firmeza nas palavras de Violet. Astra se encostou na parede, ocultando-se nas sombras da esquina, os olhos atentos enquanto o grupo se afastava lentamente.
Antes que pudesse decidir o que fazer, uma figura ágil chamou sua atenção no alto. A pequena sombra de Powder saltou do segundo andar com uma precisão surpreendente, a escotilha do telhado se fechando atrás dela. O capuz escuro cobria seus cabelos, mas o X rosa neon brilhava como um lembrete da marca da garota. Powder olhou ao redor com cuidado, certificando-se de que ninguém a notasse. Quando satisfeita, deslizou pelas sombras, seguindo Vi e os outros.
Astra franziu o cenho. Havia algo estranho na maneira como a garota se movia, algo que Astra não conseguia ignorar. Ela hesitou por um momento, mas os pés tomaram a decisão antes que sua mente pudesse intervir. Como um espectro, ela começou a seguir Powder, sua presença tão sutil que parecia parte da escuridão.
O trio de Violet tentava manter-se discreto, movendo-se como predadores à espreita. Powder, por sua vez, era um reflexo deles, mas menor, mais hesitante, seus movimentos carregados de uma mistura de coragem e medo. Astra observava tudo com cuidado, sua respiração controlada enquanto mantinha a distância.
O jogo silencioso de perseguição era quase hipnótico, Violet e o grupo nas sombras, Powder em seus passos, e Astra atrás dela, como um fantasma invisível.
O grupo de Vi se movia rápido, seus passos ecoando pelas passagens mais discretas de Zaun. Astra manteve-se nas sombras, sem perder Powder de vista. A pequena garota era ágil, mas a forma como olhava para os lados, nervosa, entregava sua falta de experiência. Ainda assim, ela seguia em frente, com os olhos fixos no grupo da irmã, determinada a não ser notada.
Quando chegaram ao ponto onde Zaun começava a se mesclar com as bordas da Cidade Alta, os becos estreitos deram lugar a ruas mais amplas e bem iluminadas. As sombras, que antes eram aliadas de Astra, tornaram-se mais escassas. Ela parou por um momento, avaliando os riscos. A travessia para Piltover era um salto entre mundos, onde um passo em falso poderia significar ser vista, ou pior, capturada.
O grupo de Violet parecia conhecer o caminho. Eles entraram em uma passagem subterrânea, uma tubulação velha que levava direto para a Cidade Alta. Powder hesitou na entrada, seus dedos finos traçando o contorno da parede de metal corroído. Astra observava de longe, quase podia sentir o conflito interno da garota. Era óbvio que ela queria segui-los, mas algo a fazia hesitar.
Com um suspiro pesado, Powder finalmente entrou, desaparecendo na escuridão do túnel. Astra esperou alguns segundos antes de seguir, os passos leves como um sussurro. O ar no túnel era úmido, com um cheiro metálico que lembrava ferrugem e produtos químicos. A luz era quase inexistente, exceto pelo brilho esverdeado de uma lâmpada antiga, que piscava de forma intermitente.
Do outro lado, a saída da tubulação levava a uma rua lateral de Piltover, distante do movimento principal. Violet e seu grupo se esgueiraram pelas bordas da cidade, evitando as patrulhas enérgicas dos guardas encravados em suas torres de vigilância. Powder manteve distância, com os olhos arregalados e os pés leves. Astra, por sua vez, era um vulto distante, tão imperceptível quanto a brisa.
A Cidade Alta parecia engolir qualquer um que não pertencesse a ela. As ruas, limpas e bem pavimentadas, contrastavam com os becos irregulares de Zaun. O ar era mais frio, carregado do aroma das indústrias refinadas, uma lembrança constante da divisão entre os dois mundos.
Violet e seu grupo pararam em frente a um armazém abandonado, murmurando entre si. Astra se encostou em um canto sombrio, observando. Powder se escondeu atrás de alguns caixotes próximos, sua respiração pesada, tentando não fazer barulho.
Astra manteve seu olhar afiado em nela, os movimentos nervosos da garota revelando que ela estava prestes a cometer algum erro. O grupo de Violet havia desaparecido para dentro do armazém, e por um breve momento Astra considerou simplesmente virar as costas e deixar que a situação se desenrolasse sozinha. Mas o som pesado das botas dos defensores ecoando na rua próxima trouxe-a de volta à realidade.
Quando notou Powder deslizando para fora do esconderijo improvisado atrás dos caixotes de munições, Astra sentiu o coração parar por um segundo, pulsando em um ritmo errático logo depois. A cena diante dela parecia se mover em câmera lenta, o brilho do cabelo azul de Powder à luz do dia, os olhos grandes e determinados que traíam sua inocência perigosa.
Sem pensar duas vezes, Astra puxou a adaga da cintura, sentindo o peso familiar do cabo em sua palma. A lâmina cortou o ar com precisão quase sobre-humana, cravando-se em um dos caixotes a meros centímetros do rosto de Powder. O som seco do impacto fez a garota se encolher de imediato, seus olhos arregalados se voltando na direção de Astra, agora meio escondida nas sombras.
Por um momento, tudo ficou silencioso. Apenas o eco distante das vozes dos defensores rompia a quietude. Powder olhou para Astra com um misto de confusão e medo, seus olhos desorientados brilhando sob a luz dourada. Astra ergueu a mão, gesticulando de forma brusca para que ela permanecesse abaixada. O gesto era mais um comando do que um pedido, e Powder, ainda tremendo, afundou mais no esconderijo, apertando os braços ao redor do corpo.
Astra deslizou pelas sombras como uma serpente, movendo-se com a precisão de alguém acostumada a ser invisível. Quando finalmente alcançou Powder, abaixou-se ao lado dela, os olhos varrendo o perímetro em busca de qualquer sinal de que haviam sido descobertas.
Antes que pudesse dizer algo, sentiu os braços finos e trêmulos da garota se enrolarem ao redor dela em um abraço que quase a tirou de equilíbrio.
Por um segundo, Astra congelou. Não era medo ou adrenalina que movia Powder, mas algo mais profundo. Saudade, talvez. Aquele gesto carregava uma intensidade que Astra quase sentiu o ar ser arrancado de seus pulmões.
━━━ Você é louca, sabia? ━━━ sussurrou Astra, a voz baixa e cheia de irritação, mas sem a dureza usual.
Powder não respondeu. Apenas apertou o abraço, como se aquele contato fosse a única coisa que a mantinha ancorada no momento. Astra sentiu o calor do pequeno corpo da garota contra o seu, e com ele veio um peso estranho em seu peito. Algo que ela não queria reconhecer.
Depois de um instante que pareceu durar uma eternidade, Astra afastou a garota pelos ombros com cuidado, seus olhos encontrando os de Powder.
━━━ Precisamos sair daqui. Agora. ━━━ sua voz era firme, mas carregava um tom que quase poderia ser interpretado como preocupação.
━━━ Mas e a Vi? E o Glaggor e o Mylo? Eu não posso deixar eles.
Astra soltou um suspiro irritado, mas seus olhos, sombreados pela tensão, traíam uma preocupação que ela não conseguia esconder completamente. Ela olhou para Powder, os braços ainda segurando os ombros frágeis da garota, tentando encontrar as palavras certas, ou talvez apenas palavras que a garota entenderia.
━━━ Você acha que eles precisam de você agora? ━━━ murmurou, inclinando-se levemente para que apenas Powder pudesse ouvir. ━━━ Eles estão dentro de um maldito armazém cercado por defensores, Powder. Eles sabem o que estão fazendo, e você só está tornando isso mais arriscado pra eles... e pra você.
Powder desviou o olhar, os olhos azuis brilhando com uma mistura de culpa e determinação. Ela apertou os lábios, o peito subindo e descendo em respirações desiguais. Astra viu a luta interna, o medo de perder aqueles que amava e a crença de que, de alguma forma, podia ajudar. Mas também viu a criança assustada por trás da máscara de bravura.
━━━ Mas e se eles precisarem de mim? ━━━ a voz de Powder quebrou no final, mal saindo em um sussurro.
Astra fechou os olhos por um momento, respirando fundo para conter o impulso de gritar. Ela não podia perder tempo discutindo. O som distante de passos e vozes se aproximando deixou claro que o tempo estava acabando.
━━━ Eles não precisam. ━━━ respondeu Astra, sua voz cortante como uma lâmina, mas com uma estranha suavidade por trás. ━━━ Eles precisam que você não seja pega. Porque se você for, ninguém vai conseguir te salvar.
Powder olhou para ela novamente, o olhar inocente e confuso agora tingido de algo mais sombrio. Compreensão. Astra afrouxou o aperto em seus ombros, permitindo que a garota processasse o que havia sido dito.
━━━ Agora, escute. ━━━ Astra continuou, seu tom urgente. ━━━ Vamos sair daqui, e você vai ficar fora disso. Se quiser ajudar sua irmã e seus amigos, comece cuidando de si mesma. Entendeu?
Powder hesitou, mas finalmente assentiu. Seus dedos pequenos seguraram a manga do casaco de Astra por um instante, como se buscassem alguma segurança.
━━━ Tudo bem. ━━━ sussurrou ela, embora sua voz estivesse cheia de relutância.
Astra assentiu uma vez, rapidamente. Ela segurou a mão de Powder, puxando-a para as sombras com um movimento ágil, o coração pesado com a responsabilidade que agora sentia, um peso que ela nunca pediu, mas que, de alguma forma, havia aceitado.
Elas se moviam rapidamente pelas sombras, uma figura fantasmagórica e sua pequena protegida.
Os passos leves ecoavam de maneira abafada nos becos estreitos da Cidade Alta enquanto Astra fazia curvas rápidas e estratégicas, guiando Powder com firmeza. A Subferia era o único lugar onde podiam se esconder, um 'abrigo' longe dos olhos atentos dos defensores e da opressão brilhante da superfície.
━━━ Continue perto de mim e fique quieta. ━━━ sussurrou Astra, sua voz mal audível, mas suficiente para alcançar Powder.
A garota de cabelos azuis mantinha-se colada a Astra, os olhos grandes piscando de vez em quando enquanto ela olhava ao redor, como se esperasse que alguém surgisse das sombras para surpreendê-las. O som dos solados das botas de Astra era abafado pela sujeira e pelo cascalho do chão, mas o som constante da respiração de Powder quebrava o silêncio.
Quando finalmente chegaram à borda de uma passagem que levava de volta a subferia, Astra se abaixou, indicando que Powder fizesse o mesmo.
━━━ Olhe. ━━━ Astra apontou para a abertura, onde uma escada levava a um corredor largo e mal iluminado, suas paredes sujas e cobertas de grafites fluorescentes. ━━━ Vamos descer rápido e ficar longe da luz.
Powder assentiu, o olhar fixo no chão enquanto tentava abafar o som de seus próprios passos. Quando Astra começou a descer, ela a seguiu, o capuz da jaqueta cobrindo parte do rosto.
A mudança na atmosfera era quase palpável quando entraram na Subferia. O som distante de vozes e maquinários dominava o ambiente, e as paredes úmidas pareciam quase pulsar com a energia de Zaun. O cheiro de óleo e fumaça misturado ao ar abafado tornou-se mais forte a cada passo.
Powder, mesmo familiarizada com os becos e passagens da Subferia, parecia hesitante. Ela olhou para Astra, que não demonstrava um pingo de incerteza. A postura rígida e o olhar analítico de Astra mostravam que ela sabia exatamente onde estava e para onde ir.
Elas cruzaram um pequeno mercado clandestino, onde vendedores gritavam em um misto de raiva e desespero. Astra ignorou completamente a cena, mantendo-se nas sombras. Powder, no entanto, olhava ao redor com olhos arregalados, absorvendo os detalhes do lugar.
Finalmente, Astra parou em frente a uma porta de metal com marcas de ferrugem, empurrando-a com força. O som alto fez Powder pular ligeiramente.
━━━ Aqui. ━━━ Astra entrou primeiro, esperando que Powder a seguisse.
O espaço era pequeno, um antigo armazém que havia sido transformado em um esconderijo improvisado. Havia ferramentas jogadas pelo chão, caixas de suprimentos empilhadas nos cantos e um colchão velho no meio do cômodo.
Astra fechou a porta atrás delas, girando a trava antes de se virar para Powder.
━━━ Você está segura aqui. ━━━ sua voz era direta, mas menos dura. Ela caminhou até uma mesa improvisada e puxou uma cadeira de metal, jogando-se nela com um suspiro cansado. ━━━ Agora, me diga... o que caralhos você estava pensando lá em cima?
Powder hesitou, mexendo nas mangas do casaco antes de olhar para Astra.
━━━ Eu só... eu só queria ajudar. Eu não queria ficar pra trás de novo.
Astra bufou, passando uma mão pelos cabelos bagunçados.
━━━ E quase conseguiu ferrar tudo no processo. ━━━ apesar da dureza nas palavras, seu tom não era cruel. ━━━ Você acha que é assim que ajuda? Jogando sua vida fora?
━━━ Eu não joguei minha vida fora. ━━━ retrucou Powder, cruzando os braços em um gesto defensivo. ━━━ Eu queria provar pro Mylo que eu posso fazer parte disso.
Astra inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos enquanto olhava diretamente nos olhos de Powder.
━━━ E o que você teria provado se tivesse sido pega? Que você é uma criança imprudente que não sabe quando parar? Que você precisa ser salva toda vez que tenta algo? ━━━ a intensidade em sua voz fez Powder se encolher um pouco, mas Astra suspirou, suavizando o tom. ━━━ Ouça, eu entendo. Você quer ser útil, quer mostrar que é capaz. Mas se você for pega ou morta, tudo o que você faz perde o sentido.
Powder olhou para o chão, as palavras dela pesando em seus ombros. Astra respirou fundo, levantando-se e andando até ela.
━━━ Da próxima vez, escute quando disserem para ficar fora disso. ━━━ ela colocou a mão no ombro de Powder, o toque leve, mas firme. ━━━ Você vale mais do que pensa, e se perder a cabeça assim de novo, não vai ter uma próxima vez.
━━━ Tudo bem. Eu vou... tentar. ━━━ Powder assentiu lentamente, a expressão cheia de uma mistura de vergonha e compreensão.
━━━ Ótimo. ━━━ Astra deu um meio sorriso, o mais próximo de um gesto reconfortante que Powder já tinha visto dela. ━━━ Agora, descanse.
Enquanto Powder se acomodava no colchão improvisado, Astra permaneceu de pé, observando a porta com olhos vigilantes. Algo dentro dela havia mudado. Talvez fosse a garota que agora dormia tranquila. Ou talvez fosse o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, ela se sentia confortável com alguém.
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