2. Donburi
Hada se ocupou de entreter o cavalo antes de começar as preparações para a viagem. Enquanto Yoru comia, ela escovou o pelo do animal, colocou a sela e atou a alça da carroça ao suporte. Já tinha carregado quase todo o arroz necessário para a viagem, quando seu pai bateu à porta do estábulo.
— Hadako. – Ele estava cansado. Depois de dois dias tentando dissuadir a filha de suas próprias ideias, ainda sobravam esforços para um último lamento – Deixe-me ir. Você sabe como a viagem é perigosa. Há ladrões e assassinos pelos campos. O que acha que vão pensar de uma mulher viajando sozinha?
Ela largou o último saco no lugar.
— O mesmo que vão pensar de um senhor doente.
— Não é o mesmo, Hada. Você sabe.
— Por quê? Porque eu sou mulher? Fraca e indefesa?
O pai ficou quieto, contemplando as ranhuras no chão.
— Eu temo pela sua segurança. Essa não deveria ser a realidade. Mas é.
Ela ajoelhou e pegou suas mãos.
— Eu sei, pai. Mas você tem que confiar que eu saberei me defender.
Com um beijo em sua testa, ela montou no cavalo e logo Yoru estava trotando numa faixa de terra em meio a campos inundados. Com o início da industrialização, a maioria dos homens migrou para as incipientes cidades, à procura de trabalho. Buscando ajudar os pais ou maridos que ainda mantinham suas vidas no campo, eram as mulheres que plantavam e colhiam o arroz. Trabalhavam com os pés na água, curvadas sob o sol quente. Hada via seus chapéus crônicos se movendo, conforme percorria a estrada que a levaria até o imperador. O caminho demorava um dia e uma tarde, incluídas as pausas para o descanso de Yoru.
Com o sol se pondo no horizonte, ela parou debaixo de uma árvore, dando de beber ao cavalo.
Não sentiu a ponta da faca até estar pressionada contra sua garganta.
— O cavalo e toda mercadoria, ou a sua vida menininha.
Era uma voz grossa, como a de um fumante, mas o corpo grande que a abrigava estava magro pela fome. Em um movimento brusco, Hada acertou o cotovelo entre as costelas do sujeito, deixando-o sem ar. Ela estalou a mão no cavalo, que pôs-se a correr, e fez o mesmo. Não precisou ir muito longe. Logo uma das campesinas estava com o facão que usava para colheita apontado para o sujeito. Hada não sabia como ela havia chegado ali tão rápido, e no momento em que Hada encarou o rosto manchado da mulher, o sujeito sumiu.
As pernas de Hada fraquejaram, mas o braço forte da mulher a impediu de cair. Sustentando em parte seu peso, ela a guiou até uma pequena casinha enfiada na beirada da floresta. A porta se abriu quando uma pessoa saiu, depois outra e mais outra. Conforme chegavam mais perto, ela encarou os rostos das mulheres à sua frente. Jovens, velhos, altos, baixos, todos emanavam o mesmo ar de confiança, como se estivessem preparados para lutar contra cem outros invasores como aquele.
— Yoru! – Ela sorriu, vendo seu cavalo são e salvo. Passou a mão pelo focinho do animal. – Mas, quem…
A mulher que a havia defendido levantou a mão, pedindo silêncio.
— Primeiro, a refeição.
Elas entraram na pequena cozinha da casa, mas Hada ainda não estava satisfeita.
— Por favor, deixe-me ajudar. Trago arroz suficiente para alguns, será uma honra compartilhá-lo com vocês.
E assim foi feito. A refeição consistia em uma base de arroz, coberto por um ensopado de peixe e vegetais com um molho delicioso. O calor do prato aqueceu seu corpo, e ela relaxou o suficiente para deixar as lágrimas caírem. As demais mulheres, sentadas na mesa quadradas, respeitosamente deixaram que ela terminasse.
— Donburi. – Disse a mulher – Especialidade da família do meu marido, que vem de uma das ilhas ao sul.
Hada limpou os olhos com a palma das mãos.
— Ele é o dono desta plantação?
Ela assentiu.
— Quando ele faleceu, em um incidente não muito diferente do seu, ela passou para mim. Isso já fazem… uns vinte anos.
— Mas como… – Hada estava atônita – como você conseguiu proteger suas terras por tanto tempo? Ninguém tentou tomá-la de você?
— É claro. Mas além de arroz e vegetais eu decidi que esse seria um lugar de refúgio para qualquer pessoa que dele necessitasse. – Ela sorriu – E algumas pessoas simplesmente não querem sair. – Apontou para as dez outras mulheres ao redor da mesa. – Agora me conte, pequena. Porque você veio até aqui?
— Pela chance de vender ao Palácio o arroz de minha fazenda. Mas não sei se consigo chegar até lá sozinha.
Essa era a verdade. Hada acreditava que sempre havia sido corajosa, mas quando pensava em voltar àquela estrada sozinha, entrava em pânico.
A mulher assentiu.
— Nossa agenda está livre. Podemos te ajudar.
(798 palavras)
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