Globo de neve (Reensaio sobre a loucura)

Começando... Uma boa introdução... Mas é claro! "E nenhum poema será tão grande, tão nobre, tão verdadeiramente digno do nome de poesia quanto aquele que foi escrito tão só e apenas pelo prazer de escrever um poema". Com essa frase celebre do majestoso autor, meu favorito inclusive, Edgar Allan Poe, que começo esse conto.

Oras, mas vocês podem vir com: "Isso não é um poema! Ridículo. Idiota.", mas, meus ignorantes e medíocres leitores, as características são semelhantes as do verdadeiro poema de Poe. É um conto que existe apenas, e apenasmente, pelo fato de eu querer escreve-lo, assim como apenasmente só existe porque eu quero que apenasmente exista.

Localizando vocês, que eu sei que gostam de ser localizados, é noite e estamos em uma casa perto do fim do mundo, escura e fria. Mais detalhes são desnecessários, mas diria que o cenário lembra o de um instigante filme de suspense. Já assistiram "O homem nas trevas"? É bem aquilo. Enfim.

Com as mãos frias e escaldantes eu segurava a cabeça de uma bela dama. Ela possuía um sorriso angelical e uma alma tão pura quanto. De seus olhos, lágrimas deprimentes gritavam e de sua boca gritos perturbadores eram jorrados. Era uma majestosa ambiguidade prazerosa.

Disse que a segurava pela cabeça, mas, na verdade, eu a segurava pelo cabelo, com a mão esquerda, e, com a mão direita, segurava uma garrafa de vidro de cor verde. Aquela garrafa... Sua formação cilíndrica na parte inferior e seu encaixe tão perfeito na parte superior! Minha mão quase gritava de alegria. Foi por essa situação que eu decidi escrever esse conto.

Enquanto eu ouvia os gritos desconcertantes de minha pobre vitima e sentia aquele prazer reconfortante da garrafa em minhas mãos, eu recordei-me de como minha vida tinha chegado naquele estado. De como eu sai da mediocridade que todos vocês vivem infortunados e me tornei o homem tão realizado que sou hoje. Essa é uma história de origem, mais especificamente do ponto de virada causado pelo incidente incitante que mudou a minha vida. Foi quando as linhas do destino me entrelaçaram. Querida "Rosebud"!

Começou em mais um dia de vida medíocre, eu realmente gosto da palavra medíocre. Eu estava com muita raiva, extremamente estreçado, creio que o "ç" é mais agressivo que o "ss". Quando cheguei "em casa" daquele dia de fúria pelo qual eu tinha passado eu não fazia nem ideia do que fazer para passar aquele estreçe. Minha cabeça tilintava.

Lembro que não conseguia sequer distinguir palavras. Lembro também de estar em uma exposição pouco antes de chegar "em casa". Eu estava aterrorizado. Meus olhos passeavam pelos quadros, mas não liam suas descrições. Verdadeiramente, eles sequer chegaram a encontrar os quadros. Apenas planaram desgovernados.

E então, eu estava em casa. "Como é bom chegar 'em casa'.", pensava eu. De fato, não fosse chegar "em casa" naquele momento, nada que ocorreu "em casa" teria mudado a minha vida, pois tenho certeza que alguns já estão estreçados com a minha casa. Deveras, eu também estava, podia a destruir a qualquer momento. Logicamente me faltava força. Creio que faltava coragem também. Em meio à brasa ardente do ódio que congelava meus movimentos, decidi fazer a mais sensata das coisas, espanar a estante da sala.

"... Quem conhecerá os mistérios da vontade, com seu vigor?", já dizia Joseph Glanvill. Sinceramente, eu não fazia ideia. Na verdade, eu já tinha certeza que conhecia muito bem à vontade. Desesperadamente eu conhecia a vontade. Ela me consumia, mas, pobre de mim, nada podia fazer. "E a vontade que no interior reside, que não morre", Glanvill mais uma vez lia minha mente. Eu tentava me concentrar em limpar a estante, mas de nada adiantava. A vontade só crescia, não morria. E foi então que, do alto da estante, da fileira mais alta, ela caiu. Minha "Rosebud".

Tudo que eu queria fazer. Tudo que estava reprimido, agora havia sido libertado. Não conseguia pensar em outra palavra senão em: "Horrorshow". Foi então que ela atingiu o chão e se espatifou. Minha Rosebud. Meu globo de neve... Não posso mentir, no momento apenas senti um extremo medo. Veio-me um calafrio, afinal, como filho eu senti o que todos sentiriam ao quebrar um item precioso de casa, tão precioso que eu sequer lembrava que estava lá.

Foi preciso apenas um segundo para eu perceber que eu estava em êxtase! Meu corpo vibrava. Eu parei no tempo por um segundo e voltei alguns momentos da minha vida. Não muitos. Apenas recriei a queda de meu amado globo de neve no chão. Era estonteante. Todas as minhas vontades se personificaram em uma ação do destino. Aquela, porém, não era a primeira vez que o destino tilintava para mim. Mas, aquela foi a vez que eu escolhi escutar.

Um homem só não precisa esconder o sorriso doentio que salta de sua face, porque eu deveria então? Sorri e saboreei o flashback em minha mente. Tudo naquela ação me dava conforto. O som do vidro se espatifando. A água jorrando por todos os lados e escorrendo pelos olhos do boneco de neve que derretia agora sem seu abrigo, obvio que ele não derreteu seus ignorantes. Voltando. O vidro espatifado por toda a casa. A emoção da destruição. Meu coração não se continha. Eu estava maravilhado com aquilo. Não só isso. Eu queria mais. Queria quebrar mais, me sentir livre e realizado como me senti naquele momento... Triste fim, eu não podia...

Foi então que me veio na cabeça o pavor. O mais majestoso terror. Agora tudo que eu sentia era um medo terrível. Estava com medo de mim. Como eu podia sentir prazer naquilo? Era apenas um globo de neve quebrando. Não! Era mais, era muito mais. Era a razão metafisica da minha existência. A peça que faltava para decifrar o meu código. A resposta do enigma milenar. A vontade personificada.

Perdi-me na dúvida. Nas entrelinhas da loucura. Sim, naquele momento eu já tinha completa certeza de que minha psique jamais seria a mesma. Louco pelo prazer ou sã pela razão. Olá, alma bipartida. O que eu devia ser? Foi então que mais uma vez recorri a alguém que não era eu. Horrorshow! "A ciência ainda não nos provou se a loucura é ou não o mais sublime da inteligência". Obrigado Poe, por me mostrar que minha forte linha tênue não está errada. A loucura é sublime. Sim, eu sabia o que fazer. Devia me entregar de corpo e alma a ela. Debruçar-me depois de tanto tempo perdido acreditando que dois mais dois são cinco, seis ou o que for.

O pavor que senti de mim desistiu ao perceber que, naquele momento, por causa daquele dia, minha loucura estava muito maior. Foi então que eu comecei minha jornada no mundo invertido. O mundo que estava sempre dado de bandeja para mim e que não pude perceber. Foi então que o riso e o pavor sumiram. Eu estava frio por dentro, mas quente por fora. Meu corpo respondia muito bem ao que eu desejava. Estava entrelaçado a minha loucura. A minha "Rosebud". Fui então limpar a sujeira que havia feito na sala. Adeus alma bipartida.

E foi isso. Não venha reclamar, eu escrevi isso apenas com um motivo, eu quis escrever. Se achar que isso foi uma perda de tempo, não tenho culpa. É você que está enterrado na mediocridade lendo coisas desnecessárias enquanto eu estou cada vez mais me aperfeiçoando no meu oficio. Doi, não doi? Muito mais do que uma facada, um corte, uma mutilação, um tiro. Não existe dor pior que a de saber que você não passa de um figurante eterno do protagonismo dos outros.

Não sou um intelectual, muito menos um medíocre, como odeio essa palavra. Posso me definir como uma pessoa que percebeu seu objetivo. Acredito que como todos deviam perceber.

Porcaria, me alonguei demais. Quanto ao resto do que aconteceu naquela noite, provavelmente eu direi mais tarde, quando me sentir a vontade de escrever de novo. Agora quanto à moça angelical...

Quebrei a garrafa tão violentamente quanto minha Rosebud caiu da estante. O vidro se espatifou tanto quanto o do globo de neve, que jaz em paz. Cortei então sua garganta e seu sangue quente jorrou tanto quanto a água fria de Rosebud. Eu sorri. Debrucei-me de tanto rir. Gargalhei horrores.

Senti então o pavor crescendo em mim. Não chegou aos pés da queda do globo de neve, que jaz em paz. Sou um inútiu. Com u sim, é mais agressivo. Não consigo sequer replicar a beleza da epifania que o destino me fez sentir. Apenas uma obra suja e deprimente. Corpo inútiu. Joguei-a no tanque. Os tubarões se encarregaram. A proposito, na casa tem tubarões.

Acho que é o fim. Agora, estou escrevendo esse conto inútiu para pessoas tão inúteis quanto eu. Nossa, eu repito muito as palavras. Que interlocutor inútiu que eu sou... "... escrito tão só e apenas pelo prazer de escrever um poema.". É não posso dizer que não avisei...

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