Desabafo

OBS 1: Eu sei que é um texto longo e, em certo grau, perturbador, mas leia até o fim, ou ao menos de onde o seu nome for citado pela primeira vez. Obrigado!

Nunca vou me esquecer daquele fatídico dia da minha vida. Ele que foi tão memorável, mas que não faria mal nenhum se antes fosse esquecível.  Eu era um jovem e sonhador pré-adolescente vivendo em um mundo de fantasias que na minha cabeça eram partes da realidade. Foi minha primeira decepção na vida. Pode ter sido boba, mas ela foi relevante, pois não foi uma decepção com outro alguém se não comigo mesmo.

Posso garantir que não existe nada pior do que perceber que a culpa de algo não dar certo na sua vida é, na maioria das vezes, inteiramente sua. Pude perceber naquele dia o quanto estamos vulneráveis ao que alguns chamam de tempo, e que, se não fizermos por onde, seremos engolidos sem piedade por ele.

Antes de dizer o que houve nesse dia tenho que fazer uma breve introdução sobre Erica, minha querida e melhor amiga Erica. Foi engraçado como nos conhecemos, eu era um típico e estereotipado CDF que toda sala tem e ela era a menina mais desejada do colégio, quer dizer, uma das. Basicamente aquela situação de popular e rejeitado.

Nosso primeiro contato foi durante uma atividade em grupo na qual, inusitadamente, nos dois chegamos igualmente atrasados e tivemos que fazer a atividade juntos. Não esqueço nunca um dos momentos em que cegamente brinquei esperando uma resposta positiva dela.  Na verdade, foi uma pergunta. “Se eu não me achar bonito, quem vai achar?”. Essa foi a pergunta ingênua que fiz esperando uma resposta minimamente positiva, como um: “Eu vou achar!” ou “Sempre tem alguém que vai achar”. Que menino bobo. O que recebi foi um: “Ninguém, ué!”, entre risos irônicos.

Eu fiquei destruído naquele momento. Meus olhos nem conseguiam olhar no rosto dela. A vergonha e a inferioridade me consumiram. Mas então veio, tão caloroso e reconfortante, não sei se por pena ou pelo que, o abraço dela. Eu havia vivido para aquele momento. Foi tão reconfortante. Tão bom. Meu coração bateu mais forte. Eu estava triste pelo que ela havia dito anteriormente, mas aquele abraço... Ele parecia ter resolvido tudo. Eu definitivamente a perdoei.

Depois desse dia, nós nos aproximamos cada vez mais. Eu sinceramente não entendia o motivo de tal aproximação, mas ela estava acontecendo e eu não tinha achado nem um pouco ruim. Minha mente viajava cada vez que eu a via. Ela era a mais perfeita definição de beleza que eu conhecia e, ficando mais próximo dela, percebi também que ela era muito mais que isso. Inteligente, divertida, centrada e sempre sorridente. Ela era uma Vênus encarnada. Minha Vênus encarnada.

Comecei a nutrir por ela uma paixão sem igual. Eu não apenas a admirava como pessoa, mas também como alguém que poderia passar a vida ao meu lado, ao menos para mim. Surpreendentemente pude perceber a reciprocidade desse sentimento, não por minhas próprias análises, mas sim pelas amigas de Erica que vieram até eu dizer que a pobre menina chorava rios de lagrimas em casa por não saber se eu sentia algo por ela.

Surpresa foi a primeira expressão que transmiti ao ouvir essa informação. Como poderá uma Vênus se apaixonar por um Hefesto? Eu não soube como reagir e a única atitude que tive foi me distanciar. Cada vez mais me distanciar. Eu não sabia lidar com um sentimento como aquele. Como eu iria poder desejar que alguém se sentisse feliz com a minha presença. Eu me conhecia. Sabia que não era suficientemente bom para ela, por mais que ela pensasse assim, e por Deus, como eu queria saber o porquê ela pensava assim.

O tempo passou e, como eu disse em minha breve introdução, me engoliu impiedosamente. Leonardo era o nome dele. O novato da minha turma que apareceu para fazer com que eu voltasse a sofrer. Porém não sofrer por não fazer nada, mas sim sofrer por perceber que não havia feito nada.

Não durou muito tempo até que ele começou a se aproximar de Erica. Como já havia dito, ela era maravilhosa da cabeça aos pés, por dentro e por fora. Não tinha como não se apaixonar. A primeira coisa que notei foi que os olhares que vez ou outra nós trocávamos, como dois estranhos que se esbarram na rua, começaram a desaparecer.

Seguido disso, nossa parceria em atividades acadêmicas, pois sim, mesmo eu me distanciando dela em relação a sentimentos, nós éramos implacáveis na sala de aula. Dois gênios que sempre conseguiam terminar as atividades em tempo recorde. Agora a nova dupla dinâmica era Erica e Leonardo. O cara ainda era bonitão, eu não tinha como concorrer. Tinha se tivesse agido antes... Enfim.

A desgraça se confinou no dia que decidi tomar coragem. Em minha mente eu ainda tinha tempo de reacender aquilo que ela um dia sentiu por mim. É engraçado como temos coragem quando estamos à beira do abismo. A queda nele, porém, é inevitável. Quando, ao fim da aula, eu estava prestes a falar com ela, durante a última respirada de coragem, eu vi aquela cena desoladora. Leonardo chegou com um buque de flores, entregou a ela e a pediu em namoro. Sem nem pestanejar ela aceitou e os dois se beijaram apaixonadamente.

A cena poderia ser o desfecho perfeito para um filme de romance para qualquer um que a viu, menos eu. Para mim era a cena mais aterrorizante e milimetricamente executada de um filme de terror. Eu caí por terra. Meu coração bateu forte, quase pulou para fora. Eu suei frio e tremi. Sai do colégio sem falar com ninguém. Cabeça baixa. Meus olhos focavam no nada. Eu não sabia o que era aquilo. Que sensação incomoda era aquela.  Aquele aperto no peito. Depressão? Não, aquilo era remorso. Era raiva. Tristeza. Mas não com Erica, ou com Leonardo. Tudo aquilo era comigo. Com a minha inferioridade.

Estava triste e abatido. Passei o resto do dia dormindo...

Antes disso tudo acontecer eu já era um ser bem solitário, depois, me afoguei ainda mais na solidão. Passei muitos dias a espera de uma boa noticia sobre o relacionamento dos dois. Digo boa, mas na verdade espero aquela má noticia que grande parte dos casais tanto teme, o termino da relação. Não me vejam com maus olhos, sou apenas um cara que percebeu o quanto não adiantava em nada atrasar a minha vida.

Após muita espera a notícia finalmente chegou em meus ouvidos, eles haviam rompido com a relação. Ou melhor, ela havia rompido com a relação. Minha alegria só não foi maior pois fiquei sabendo que ela, por um longo instante, chorou bastante. Não era dessa forma que eu imaginava o termino. Estava mais para ela percebendo que ele não era o cara certo e acabando por vontade própria sem nenhum arrependimento.

No fim das contas, ela só pôs um fim em tudo por que parece que ela o viu com outra. Tremendo babaca ele, com uma joia rara em mãos e preferir uma outra qualquer. O pior é que ele nem negou nem nada. Ele só disse que a garota que havia ficado despertava coisas que ele não conseguia despertar com Erica. Como se isso fosse possível. Erica consegue despertar qualquer coisa, em qualquer um. Isso foi uma desculpa esfarrapada para não admitir o vacilo que ele deu.

Alguns dias depois eu voltei a falar com Erica, depois que as coisas se acalmaram, ao menos eu achava que as coisas tinham se acalmado. Comecei com um bom dia bobo, que ela respondeu apenas com um sorriso forçado. Seus olhos estavam muito inchados e suas olheiras eram notáveis, assim como seu nariz estava muito vermelho. Ela certamente continuava chorando por aquele babaca. Durante a maior parte do tempo apenas eu falava, dizia sobre como estavam as coisas desde que eu comecei a fugir dela, obviamente não falei nada sobre fugir, mas nem precisava.

Eu não sei em qual grau estava a raiva da Erica pelo Leonardo, então resolvi citar o nome dele na nossa conversa. A reação dela foi algo completamente inesperado. Ela mudou sua feição de tristeza e uma Erica com ódio até o último fio de cabelo surgiu. Foi aterrorizante. Ela avançou em minha direção e me segurou pela gola da camisa. Repetiu diversas vezes para eu nunca mais falar o nome dele perto dela. Em seguida começou a chorar, se sentou do meu lado e deitou no meu colo, aos prantos.

Eu fiquei extremamente compadecido, muito mesmo, quase chorei junto. Mas eu não podia, sequer tinha razão para chorar, na verdade ver minha amada sofrendo era uma razão bastante plausível, mas preferi evitar. Ela então me pediu desculpas, disse que não sabia direito o que estava fazendo, que queria nunca ter conhecido o Lucas e que esperava que voltássemos a andar e conversar juntos. Era sem dúvidas o dia mais feliz da minha vida.

Voltando a conviver com Erica, meus sentimentos de que poderíamos dar certo voltaram a crescer. Eu estava os nutrindo mais do que antes, na verdade. Só havia um empecilho, um pequeno e irritante empecilho, e o seu nome era Leonardo. Estamos nos aproximando do fatídico dia dá introdução, e nesse ponto espero que você não desgoste de mim, Igor, pois o que tenho para falar de agora em diante pode ser um pouco assustador, mas garanto que não é nada demais, nada que uma outra pessoa não já tenha feito.

Eu notava muito bem como Erica ficava quando olhava ou sentia a presença de Leonardo. Ela entristecia de imediato, seus olhos que eram radiantes ficavam encobertos por seus cílios caídos. Ela perdia toda a sua energia. E eu via tudo aquilo. Não podia ficar apenas vendo, foi então que eu decidi agir. Eu precisava agir, só que precisava de uma oportunidade. A melhor oportunidade possível. E ela não tardou a surgir!

A festa de fim de ano escolar, onde todos os alunos estariam concentrados em um único lugar por toda a noite. Seria nesse dia que eu iria dar um fim ao meu empecilho. Durante todo esse tempo que eu vi Erica sofrendo, comecei a seguir a rotina de Leonardo. Decorei todo o percurso que ele fazia para vir até a escola e pude notar pontos específicos onde a presença de cidadãos era exatamente zero: um descampado, uma fábrica abandonada e uma rua lotada de casas abandonadas.

Das três opções, o descampado já caia por terra uma vez que eu não teria onde esconder o corpo. Em seguida a fábrica abandonada também caia por terra pois eu não teria como pular seus muros e esconder o cadáver tão rapidamente, carros poderiam passar e me notar. A rua então era a melhor das opções. A observei por uma semana inteira pela noite e nunca vi nenhum carro entrando nela nesse horário. Estava decretado o local da morte.

A arma? Uma faca caseira mesmo. Como iria o matar? Simples, precisava me aproximar dele e fazer com que ele se convence-se de que eu era um bom amigo. Para minha sorte, Leonardo sempre foi reservado, falava com todo mundo e todos gostavam dele, mas não tinha amigos próximos, nem saia muito, quando saia, era com alguma garota, mas ele não iria estar com nenhuma garota no dia da festa, afinal, lá ele poderia ficar com muitas.

Ganhar a confiança dele em algumas semanas foi fácil, sim, esse foi um plano longo e que durou na verdade um mês e meio da sua concepção até a realização. Comecei com o papo de que eu já gostei da Erica e que admirava ele por ter sido sincero com ela sobre os sentimentos, na verdade tinha vontade de vomitar ao falar sobre, mas segurei a barra, pôr Erica. Fomos trocando papo e viramos melhores amigos. Apesar de ser solitário, sempre soube como me aproximar muito bem de pessoas, só uma informação adicional.

O único ponto negativo de todo o plano foi que ao me aproximar de Leonardo, me distanciei mais uma vez de Erica, o que a fez não olhar mais nos meus olhos pôr todo o tempo que passei junto dele. Mas valeria a pena no fim de tudo, eu sabia que valeria.

O grande dia chegou. Estávamos eu e Leonardo caminhando até a festa. Combinei de encontrá-lo no meio do caminho, para não causar suspeitas pelos pais dele. Ele, a propósito, estava sorridente e alegre. Falava sobre os planos para o futuro, que queria se formar em medicina para salvar vidas, ter dois filhos, virar ativista quando estivesse bem de vida e ajudar a salvar ainda mais vidas. Foi irônico ele falar daquilo bem no dia que ele iria morrer. Acho que foi um pedido de despedida ao mundo antecipado. Mesmo sem saber, foi algo natural que ele sentiu. Eu acredito nessas coisas, sabe Igor?

Depois de muita ladainha sobre o futuro inexistente dele, nós chegamos na rua. Eu já havia decidido em qual casa deixaria o corpo e em como tiraria a atenção dele, bastava apenas chegar na frente da casa. Uma casa de cor branca que com o tempo havia ficado marrom e pútrida, com todas as janelas de vidro quebradas e, pôr alguma razão, vivia cercada de urubus durante o dia. Seria o destino me ajudando a dar cabo do corpo.

Para o matar foi bem simples, deixei meu celular cair nos seus pés e pedi para que ele pegasse. O que estava fazendo com o celular em mãos? Iluminando as casas e chamando fantasmas com Leonardo, ele tinha um senso de humor ótimo e gostava de brincar com os lugares desérticos. No momento que ele se abaixou para pegar o celular, retirei a faca que estava muito bem guardada no meu smoking e a atravessei pelo pescoço. Ele não voltou a ficar de pé, apenas caiu deitado no chão e me olhou sem entender. Não conseguiu falar.

Eu sabia da possibilidade de errar o local exato e ele não morrer, por isso trouxe outra faca. Quando eu a retirei ele se desesperou e tentou se proteger na região do rosto, já que era onde a faca estava alojada e a região mais frágil do corpo, potencialmente. Aproveitei então para esfaquear suas pernas diversas vezes. Foram várias feridas e muito sangue rojava. Quando ele foi enfraquecendo e seus braços já não se mantinham mais em pé, aproveitei para esfaquear o seu rosto até não poder mais. Nos olhos, bochecha, nariz. Sabia que seria difícil penetrar os ossos, para garantir então, pisei na sua cabeça até ouvir os ossos quebrando. A tarefa estava finalizada e Leonardo morto.

Meu trabalho foi levar o corpo para a casa. Usei luvas, obviamente, e trouxe um isqueiro para queimar minhas roupas, caso as sujasse de sangue. Para minha surpresa, apenas o sapato ficou sujo, não para menos, eu dilacerei toda a cabeça do rapaz. De todo modo iria queimar toda a minha roupa no dia seguinte. Foi então que eu entrei para a casa com o corpo e quando estava para sair, algo curioso aconteceu. Um carro passou pela rua. Um carro de cor vermelho sangue. Um esportivo dos mais caros.

Eu estava meio em estase pelo momento, então meus sentidos não estavam funcionando bem, porém, ao ver o carro, eles retornaram como que magicamente. E então... Eu pude sentir o cheiro de podre... Pensei se seria o corpo de Leonardo, mas ele tinha acabado de morrer, não podia estar fedendo tanto. Mesmo assim, fiquei de olho no carro, por um buraco na parede, que parou na frente da casa que eu estava. Um rapaz saiu do carro. Não pude ver muito do seu rosto, notei apenas suas vestes, uma calça de couro, sapato social preto e uma camisa social branca, carregando uma rosa em um dos bolsos e usando gravata vermelha. Ele tirou duas sacolas do carro e jogou por cima do muro da casa, elas caíram a uns 2 metros de mim. Ouvi ele dizer uma única frase: “vadia desgraçada...”. Em seguida, ligou o carro e saiu disparado.

Meu coração quase parou. Morri de medo dele ver a poça de sangue no chão da rua, mas ele estava apressado demais para notar qualquer coisa. Minha mente voltou a funcionar, eu tinha que limpar a calçada, mas não sem antes ver o que tinha dentro da sacola... E, meu Deus... Que terrível surpresa. Partes mutiladas de um corpo nas duas sacolas. Caí para trás na hora que vi e, inevitavelmente, vomitei. Estava horrorizado com a cena e quase entrei em colapso.

Foi então que decidi ligar os pontos: o cheiro de podre, a sacola com corpos mutilados, a rua deserta e os urubus sobre a casa. Fui vasculhar o quintal da casa com a lanterna do meu celular como fonte de luz e o que encontrei foi algo terrível: ossos humanos e partes do corpo meio comidas, provavelmente pelos urubus. Alguém havia percebido que aquele lugar era ótimo para matar antes de mim e eu precisava descobrir quem era essa pessoa, assim me livraria da culpa do crime e ainda tiraria um malfeitor da sociedade, afinal, se ele matou tantas pessoas, o que seria um jovem com vários sonhos a mais na sua lista.

Mutilei então o corpo de Leonardo e o joguei no fundo do terreno, vai que o assassino encontra um corpo que ele nunca pois lá e decide ir investigar, eu que não queria alguém tão psicopata na minha cola. Por fim, limpei o sangue da rua o máximo que pude com minha camisa, afinal, o assassino devia rondar ali de dia para pôr os corpos, já que uma semana inteira vigiei a rua e nada aconteceu pela noite, o que quer dizer que certamente o ocorrido de hoje foi algo extraordinário. Com uma sacola que achei na rua, guardei minha camisa e voltei para casa. Meus pais raramente ficam em casa, então não me preocupei em topar com eles.

Não fui até a festa, mas meu empecilho também não, e no dia seguinte estava pronto para voltar a conviver com Erica. E então o dia seguinte chegou, Igor, a porcaria do dia fatídico chegou. Quando eu chego no colégio vejo Erica abraçada e se pegando com um cara novo. Meu mundo veio ao chão e eu senti a minha primeira decepção. Pois é, nada anteriormente havia me decepcionado, mesmo tudo também tendo sido culpa minha, eu não havia tido a sensação de decepção com algo ou alguém. Tinha ficado triste e me sentido horrível, mas não decepcionado com algo que eu fiz ou deixei de fazer. Mas ver Erica nos braços de outro após eu ter matado o cara que a tanto decepcionou e jurado que agora ela seria minha, isso fez eu perceber que eu era um bosta, que ela era uma bosta e que enquanto eu perdia tempo tentando apagar o passado dela, ela usava o tempo para construir um novo. E pensar que eu tive que matar o Leonardo para perceber que não era ele que impedia alguma chance minha com a Erica, mas sim eu.

Se eu não tivesse planejado tudo aquilo e tivesse ficado perto dela, talvez algo tivesse rolado na festa. Se eu não tivesse tido medo de falar com ela, eu teria ficado com ela, não o Leonardo. Se eu não tivesse perguntado: “Se eu não me achar bonito, quem vai me achar?”, nada disso teria acontecido. Era tudo eu e minhas ações. Eu me decepcionei e me odiei naquele dia, Igor. Mas esse ainda não é o fim. Eu ainda tinha um objetivo que precisava concluir, independente de com quem a Erica estivesse, descobrir quem era o assassino. E a vida é uma caixa de bombons, como dizia a mãe do Forrest Gump: “você nunca sabe o que vai encontrar”. E naquele mesmo dia, eu não encontrei o assassino! Pois é Igor, a vida me concedeu as trevas e a luz ao mesmo tempo. Considero isso um tanto quanto poético, meu amigo Igor. Na verdade, muito poético.

Acontece que bastou eu perguntar quem era o garanhão que estava ficando com a Erica para uma de suas amigas para descobrir quem era o assassino. A amiga da vez foi a Alice, fofoqueira de primeira e que não perdia um detalhe. A primeira coisa que ela me disse foi como o sujeito estava vestido, e pasme, Igor, era a mesma camisa branca com rosa do assassino, a mesma gravata vermelha e a mesma calça de couro e sapato social. Tive que me manter forte para não perder a concentração. Ela disse ainda que o cara era um aluno de faculdade que veio para a festa especialmente a convite de uma garota da escola, garota essa que não compareceu, talvez porque ele tenha a matado, não acha que faz sentido, Igor? Bem, eu acho.

A única coisa que ela não me disse foi o nome do sujeito. Mas isso era o de menos, eu precisava comprovar uma coisa para ter certeza absoluta. O carro do indivíduo. Se ele era aluno de faculdade e estava aos amassos com a Erica, ele não ficaria muito tempo após as aulas começarem. Fiquei então observando os dois até o momento que ele sairia de perto dela e tomaria seu rumo. A aula pouco importava para mim e Erica sequer notava minha presença, já que eu era o grande amigo de Leonardo, seu ex terrível que ela mal sabia que jamais veria novamente.

Então o gongo da aula bateu, Erica deu um beijo de despedida e se desgrudou de seu novo amado. Ao subir para a aula ela cruzou olhares comigo, notei um pequeno sorriso, talvez pôr ter percebido que eu estava ali a um tempo e possivelmente havia a visto com o Dom Juan assassino, que se desfez em uma cara feia, possivelmente por eu ser o melhor amigo de seu ex defunto. Isso era o de menos, eu teria tempo com ela se seu atual fosse de fato o que eu imaginava. Como eu havia pensado, ele ficou alguns segundos no celular e saiu da escola, entrando no seu carro de cor vermelho sangue e esportivo, Igor. O mesmo carro! Eu sei que seria fácil sair e ver se havia algum carro com as mesmas descrições na frente da escola, ou até mesmo ter visto ele quando estava chegando, mas confesse que a primeira opção não me veio na cabeça e a segunda, bem, eu estava pensando na Erica e em nada mais.

Eu precisava de uma única coisa agora, saber o nome e o endereço do sujeito. Precisava, então, ir até Erica. Se nem a maior fofoqueira da escola sabia o nome dele, só Erica poderia saber. E foi o que eu fiz. Fui até ela e perguntei na cara dura quem era o cara novo. Ela me deu o maior fora. Disse que eu não tinha que me preocupar com a vida dele e que eu fosse falar com meu amiguinho novo, provavelmente o Leonardo, afinal, ela não sabia que se tratava de um defunto. Soltou mais uma torrente de palavrões e argumentos sobre minha aproximação com o Leonardo que me deixaram no chão.

Tive que recorrer a minha última cartada, pois precisava da informação rápido. Falei que só comecei a andar com ele porque se ela gostou do Leonardo, se eu soubesse um pouco mais sobre como é ser ele, ela talvez gostasse de mim. E veio aquele olhar de pena que eu bem conheço. Ela disse que eu não precisava ser tonto a esse nível. Pediu desculpas mais uma vez pela forma como me tratou e me deu um abraço. Em seguida veio um longo discurso sobre gostar de mim como amigo e etc, mas o importante foi que no fim ela disse o nome do cara. E olha só que engraçado. O cara era você, Igor. Igor foi o nome que ela falou. Seu nome.

Precisei de uma rápida pesquisa nas redes sociais para descobrir onde você morava e fui até a sua casa no mesmo dia. Toquei na sua campainha e você me recebeu muito bem. Disse que eu era amigo da Erica e que vim conferir o novo namorado dela, era algo que eu sempre fazia. Como você sequer tinha me notado na escola, não percebeu que eu com certeza não era esse tipo de amigo. Jogamos conversa fora, você gostou de mim e me convidou para entrar. Fiquei surpreso que um assassino desconfiasse tão pouco assim de alguém, mas nenhum pouco quando descobri que você morava só. Ao sair da sua casa, você certamente não tinha pretensão de me matar e me deixaria sair, comecei a planejar o que fazer com você.

Eu queria inicialmente te prender, mas você continuaria ligado a Erica e quando saísse poderia ir atrás dela; pensei em te matar, mas perderia o meu passe livre da cadeia; poderia até começar a te ameaçar, mas você e habilidoso e daria cabo de mim rapidamente. Decidi fazer o mais acertado, te entregar e te matar segundos antes.

Nesse momento você já morreu, talvez tenha morrido até antes, já que eu me precavi para cronometrar o tempo considerando que você leria a partir do momento que você visse seu nome e que pularia para todas as partes que seu nome aparece, o que dá bem menos tempo do que se você tivesse lido tudo. O mais importante é que eu te matei, ou vou matar, com um tiro na cabeça de um lugar que você não faz ideia de onde é. Depois disso, vou por a arma na sua mão para fazer parecer que foi suicídio, talvez remorso pelos crimes. A ligação anônima de denuncia eu vou fazer pouco após armar o crime, vou dizer que vi um homem com uma arma tirando um corpo do carro e jogando em uma casa abandonada e pulando para dentro depois, vou dizer ainda que ele estava chorando, tô te humanizando um bocado. Por fim, como você está lendo essa carta na mesma casa que deixa os corpos, vou tentar colocar alguns pedaços do Leonardo nas sacolas que você trouxe. Já deve bastar.

Existe também a possibilidade de você ver esse texto e não querer ler, já que eu apenas vou deixá-lo jogado na entrada da casa. De todo modo. Agradeço por ter lido. Talvez você tenha conseguido escapar e eu que tenha me dado mal, talvez você sequer tenha lido, no fim de tudo, foi um belo desabafo. Adeus, Igor, se ainda estiver ai. Espero que agora as coisas dêem certo com a Erica!

OBS 2: Eu peguei a carta de novo e... ele nem leu no fim das contas... olhou ela no chão e estava para entrar no carro quando eu atirei nele... bem, foi um desperdício de tempo, mas serviu para descarregar minhas emoções. É muito bom ter um pai policial e uma mãe detetive, faz você aprender a viver no mundo. No fim das contas, até agora: bastante progresso com a Erica, somos amigos mais uma vez; muita comoção por descobrirem que o Igor era um assassino e tinha matado mais de 12 adolescentes, o Leonardo estava entre eles; meus pais estão muito orgulhosos por eu ter passado de ano e estar indo para o último ano do ensino médio, e passei com nota máxima; e... parece que a Erica conheceu mais um cara...

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