𝐓𝐇𝐑𝐄𝐄 - 𝐃𝐎𝐔𝐁𝐋𝐄 𝐓𝐑𝐎𝐔𝐁𝐋𝐄

CONFORME O FIM DO DIA chegava e o movimento no Hospital de Seul se dissipava, o horário da troca de acompanhantes se tornava mais próximo, enfermeiros tentando deixar todos os quartos preparados para tal evento.

Um dos pacientes, porém, estava sozinho.

Sunghoon estava sentado no canto mais escuro do seu quarto, o olhar fixo nas sombras que dançavam nas paredes. A luz do sol poente filtrava pela janela, mas ele se mantinha longe dela, aquilo era completamente desconfortável, quase irritante para sua pele e olhos sensíveis. O hospital psiquiátrico era um inferno, e estar cercado por humanos — carne fresca, como gostava de chamar — não ajudava em nada com a sua vontade gritante de atacar um por um.

Iria se desidratar se passasse mais tempo ali.

Quando menos esperou, a porta se abriu devagar, e uma figura já bem conhecida por ele entrou, com a cara amarrada e expressão tão fria quanto o outro, como se o cheiro e a presença dos humanos o deixassem nauseado. Fechou a porta atrás de si, o som seco ecoando no ambiente.

— Que porra é essa, Sunghoon? — Riki, o seu irmão mais novo começou, a voz carregada de frustração e nojo. — Como você conseguiu ser pego e parar nesse lugar? Pai tá puto com você. Ele disse que você tá deixando a desejar pra ser o próximo herdeiro.

Sunghoon bufou, os olhos se estreitando. — Como se eu quisesse estar aqui. Você acha que isso é parte do meu plano? Os policiais estavam em cima e não tinha outra saída. Era isso ou chamar mais atenção pra gente.

— E agora você tá aqui, cercado de humanos, como se fosse um maldito prisioneiro. — Riki resmungou, andando de um lado pro outro. — Isso aqui tá me matando, esse cheiro de sangue fresco, é foda.

— Pare de reclamar. — Sunghoon revirou os olhos, estendendo a mão para o mais novo, como se esperasse por algo. Riki rapidamente entendeu, pousando uma pequena bolsa de sangue ali. — Você acha que eu tô gostando? Tem sido um inferno segurar a fome aqui dentro.

Ele levou a bolsa de sangue aos lábios, sentindo o alívio imediato ao tomar o líquido. O calor percorreu seu corpo, acalmando a agitação interna que vinha crescendo desde que foi internado. Sunghoon fechou os olhos por um momento, tentando se concentrar na sensação de saciedade, ignorando o fato de que aquilo era um substituto pobre para o que realmente desejava.

— Eu não sei como você tá aguentando — Riki continuou, observando o irmão mais velho com uma mistura de preocupação e irritação. — Esse lugar é um buraco. Eles te tratam como um doente mental, e pra piorar, estamos rodeados por esses... humanos.

Sunghoon terminou de beber o sangue, limpando a boca com as costas da mão antes de responder. — Não é como se tivéssemos uma escolha agora, Riki. Tenho que manter o disfarce até conseguirmos uma saída segura. Se eles descobrem o que somos, estamos ferrados.

Riki fez uma careta, os olhos brilhando com a raiva contida. — As negociações pra te tirar daqui estão andando, mas devagar. As autoridades estão de olho em nós, e o velho tá perdendo a paciência contigo.

Sunghoon riu sem humor, o som seco ecoando pelo quarto. — Não é como se eu tivesse pedido pra ser o herdeiro. Mas se ele quer que eu prove meu valor, então que arranje uma maneira de me tirar desse inferno.

Riki parou de andar e olhou para Sunghoon com uma expressão séria. — Não vai ser fácil. O nome da família tá na mira, e você sabe que os políticos que nosso pai controla estão com as mãos atadas. Qualquer movimento em falso e podemos perder tudo.

— Então faça o que precisar ser feito. — Sunghoon disse, sua voz fria e calculista. — Use qualquer influência que temos, suborne quem for necessário. Mas me tira dessa porra, antes que eu faça algo que vá nos ferrar ainda mais.

Riki assentiu lentamente, parecendo entender a gravidade da situação. — Vou fazer o possível. Mas você... controle-se, Sunghoon. Não podemos dar nenhum motivo pra que desconfiem.

Sunghoon observou o irmão mais novo, percebendo a preocupação em seus olhos. — Não se preocupe, eu vou me controlar. Mas se as coisas não mudarem logo, eu não garanto o que pode acontecer.

Riki suspirou e deu um passo em direção à porta. — Vou resolver isso. Aguenta firme.

Com um último olhar de advertência, ele deixou o quarto, a porta se fechando com um clique suave. Sunghoon ficou sozinho novamente, a sensação de claustrofobia e frustração crescendo dentro de si. Ele sabia que o tempo estava se esgotando, e que precisava de uma saída. Mas por enquanto, tudo o que podia fazer era esperar... e resistir à tentação de atacar cada humano que cruzasse seu caminho. Incluindo a doutora saborosa que vinha o visitar todos os dias.

Ele tinha fantasias com ela.

Na sala de reuniões, a tensão pairava. Wonyoung estava sentada sobre a grande mesa de madeira, as luzes fluorescentes do hospital refletindo em sua pele pálida enquanto folheava os papéis espalhados sobre a mesma. O rosto estava sério, a concentração evidente. Sentada ao seu lado, Yujin, a amiga e psicóloga clínica, observava o prontuário de Sunghoon com uma expressão intrigada. Do outro lado da mesa, a Dra. Bae, sua superior, mantinha uma postura rígida, os olhos fixos na tela de seu laptop.

— Ele se recusa a sair durante o dia, as refeições são constantemente rejeitadas, e... esses níveis sanguíneos — A doutora Jang comentou, apontando para os gráficos no prontuário. — Isso é alarmante. Eu nunca vi algo assim.

Yujin franziu a testa, cruzando os braços. — Você acha que ele possa estar escondendo alguma coisa? Algo que não conseguimos identificar ainda?

— Pode ser. — A doutora Jang respondeu, mordendo levemente o lábio inferior. — Mas ele não facilita muito. O Sunghoon é... complexo. Ele tem esse jeito distante, mas não é só isso. Tem algo a mais. Algo que ele não está deixando transparecer.

Doutora Bae, que permanecia em silêncio, finalmente levantou o olhar. — Isso pode ser uma resposta ao trauma, ou talvez ele esteja em negação. Mas esses sintomas físicos... é quase como se ele estivesse reagindo a algo que ainda não conseguimos diagnosticar. Precisamos ser cuidadosas. Qualquer pressão pode fazê-lo recuar ainda mais.

A doutora Jang assentiu, mas então, uma dor aguda atravessou sua cabeça, como se algo tivesse perfurado seu cérebro. Ela piscou algumas vezes, tentando afastar a sensação, mas a dor apenas se intensificou, pulsando em suas têmporas. Seus dedos tremeram ligeiramente ao segurarem o prontuário, sua pele pálida se tornando mais pálida ainda.

Yujin percebeu a mudança na expressão da amiga. — Doutora Jang? Você está bem?

Ela abriu a boca para responder, mas em vez de palavras, memórias fragmentadas invadiram sua mente. Imagens dos seus pais, os rostos cansados e cheios de preocupação, as discussões sussurradas pela casa sobre dinheiro, sobre dívidas, a pequena Wonyoung sempre tendo que os ajudar na velha e pequena papelaria que tinham. E então, a morte súbita e misteriosa deles. O vazio que se seguiu, o silêncio sufocante da casa sem eles.

Ela piscou várias vezes, tentando se concentrar no presente, mas as lembranças estavam tão vívidas e constantes que pareciam reais. Sentiu o estômago revirar, o ar ficando mais denso.

— Wonyoung! — A voz de Yujin soou mais urgente agora, e a médica finalmente conseguiu focar no rosto da amiga. — Você está branca, mais do que já é, o que é que está acontecendo?!

Dra. Bae olhava preocupada, seu semblante endurecido. — Se precisar, podemos continuar depois. Não quero que você force nada se não estiver se sentindo bem, querida.

— Não... não, eu estou bem. — A doutora Jang murmurou, esfregando as têmporas na tentativa de aliviar a dor. — Só... um pouco de dor de cabeça, nada demais.

Mas as memórias continuavam a cutucar o fundo de sua mente, a morte dos seus pais era um fantasma que nunca a deixou em paz. Ela respirou fundo, tentando se recompor. Precisava se concentrar. Os seus pacientes eram a sua prioridade agora.

— Acho que estou só um pouco cansada. — Ela mentiu, tentando sorrir o seu sorriso de sempre, embora sentisse o gosto amargo das lembranças. — Vamos continuar. Precisamos entender o caso do Sunghoon, e depois dos outros pacientes transferidos.

Yujin não pareceu totalmente convencida, mas decidiu não pressionar. — Se precisar de um tempo, é só falar, ok?!

— Uhum... Não se preocupe. — Wonyoung respondeu, tentando ignorar a preocupação no olhar de Yujin.

Dra. Bae retomou o foco da conversa, tentando trazer a discussão de volta para Sunghoon. — Precisamos de uma abordagem bastante cuidadosa, mas também precisamos considerar a possibilidade de algo mais profundo estar acontecendo. Um distúrbio psicológico grave ou mesmo... algo físico que ainda não detectamos. Vamos monitorar de perto e ver se conseguimos descobrir mais.

Wonyoung assentiu, tentando se concentrar, mas as dores de cabeça e as lembranças não a deixavam em paz. Ela sabia que o que quer que estivesse acontecendo com Sunghoon era complexo, mas agora se via confrontada também com seus próprios fantasmas do passado. E, de alguma forma, ela sentia que tudo estava conectado de um jeito que ainda não conseguia entender.

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