Uma Festa II
Os criados serviam vinho e comidas variadas, carne , pão, queijos, frutas. Um verdadeiro banquete.
Eu comia muito pouco, os olhos presos em Jack. Já perdera a conta dos convites sussurrados que ele recebera, mas sempre os negava com um leve movimento de cabeça e um olhar ausente.
De vez em quando ele voltava o rosto para mim e nossos olhares se encontravam por um tempo. Eu sentia meu peito queimar, ansioso por saber se havia algo acontecendo entre nós ou era apenas minha imaginação fértil.
Contudo, a lembrança de Thiago ainda me assombrava. Eu o imaginava ao meu lado, observando-me e a Jack com uma expressão de reprovação no rosto. Isso me fazia arder de culpa, e eu baixava os olhos, envergonhado de mim mesmo.
De súbito, vi que Robert e Elizabeth estavam diante de nossa mesa.
Ele fez um leve aceno, cumprimentando a todos com o semblante fechado. Eu acenei com um sorriso entusiasmado, divertindo-me com a confusão.
Elizabeth adiantou-se, abaixando a cabeça em uma reverência rápida para lady Bethany que estava sentada ao lado de Thomas Locksley e do conde.
— Vim apresentar-me, lady Bethany — ela disse. — Seu filho é meu par nesta noite. Gostaria de assegurar-lhe de que estará seguro em minha companhia — continuou com uma certa ironia, sabendo dos boatos que a precediam.
Elizabeth era uma burguesa, muito rica, tinha um pouco mais de vinte anos, mas ainda não se casara; morava sozinha com os criados e cuidava dos negócios do pai como se fosse um homem. A reputação dela era péssima, entretanto todos a respeitavam, já que o comércio trazia dinheiro e prosperidade à cidade.
Bethany sorriu amigavelmente.
—Tenho certeza de que Robert está bem acompanhado! — Meneou a cabeça, aprovando-a.
Elizabeth devolveu-lhe o sorriso e desviou o olhar para Francis, que a encarava com franca admiração.
— Preciso de um novo par para a próxima dança! Robert está um pouco cansado...
Francis ergueu-se com um pulo, quase derrubando sua cadeira. Imediatamente foi até ela, oferecendo-lhe o braço. Elizabeth o aceitou com um sorriso arrasador, e juntos seguiram para o centro do salão.
A dança recomeçou; os casais rodavam em pares. Elizabeth gracejava com Francis enquanto este mal respondia, parecendo hipnotizado.
Robert dirigiu-se para trás da mesa e encostou-se à parede com uma expressão aborrecida. Com um pulo, eu me levantei e recostei-me ao lado dele.
— Está gostando da festa? — indaguei.
Ele deu de ombros.
— Pode ser... — disse, evasivo.
— Deus! Eu odeio estas comemorações... — comentei com uma risada irônica. — Provavelmente metade dos que estão aqui querem matar-se uns aos outros, no entanto sorriem como se fossem melhores amigos
— Isso se chama educação... — Robert retorquiu de cenho franzido. Ainda não me perdoara por ser um Hastings...
Francis e Elizabeth rodavam em meio ao salão. Ela ria e parecia ainda mais como uma deusa. Meu irmão mal respirava.
Soltei uma risada alta e bati no ombro de Robert, fingindo compaixão.
— Parece que você sobrou... — observei, sarcástico.
Robert me encarou com olhos ardendo de fúria. Com certeza calculava se aquela seria uma boa hora para trocar alguns socos comigo. Por sorte Marion aproximou-se antes que ele tivesse tempo de se decidir.
— Deus! Como pôde ter coragem de vir acompanhado na festa com uma velha? — ela indagou em tom de desdém.
— Velha? — Eu e Robert erguemos as sobrancelhas e exclamamos juntos.
— Sim! Ela tem alguns anos a mais do que você! Não tem vergonha disto? — Marion encarava Robert com uma expressão irritada.
Ah... O ciúmes..., refleti, comprimindo os lábios para não rir.
Robert também havia notado que Marion se enciumara e sorria, alegre.
— Não, nem um pouco... — ele retrucou. — Acho até interessante na verdade. Além disso, nas histórias de amor é normal que os cavaleiros sejam mais novos do que sua Amada.
— Quem sabe Elizabeth pode ensinar-lhe algo? — acrescentei, entrando no jogo.
Robert sorriu e fez que sim. Seus olhos cruzaram-se com os de Marion.
Jack surgiu de repente e encostou-se ao meu lado.
— É a primeira festa de minha vida e já tive que dançar com três damas de meia idade — reclamou com ar contrariado. — A última também tentou me arrastar para um corredor lateral.
Soltei mais uma risada alta. Divertia-me imensamente com tudo aquilo.
Um instante depois, Robert fez um sinal discreto de cabeça para que Marion o seguisse, e os dois desapareceram por um corredor lateral.
Eu e Jack ficamos conversando. Contou-me que Elizabeth havia recebido ele e Robert após o torneio e cedido aos dois as belas túnicas que vestiam.
Assenti, deixando escapar que ele estava mesmo bonito, vestido como um herdeiro. Ele sorriu, não parecendo se importar com o comentário.
Entusiasmado, eu comecei a contar piadas, desejando impressioná-lo. Mas após um tempo, notei que os olhos dele se dirigiam para o corredor por onde Robert e Marion haviam desaparecido. Ele parecia preocupado.
— O que há? — Eu franzi a testa, curioso.
Jack me encarou e hesitou, avaliando-me.
— Marion e seu irmão estão noivos... — por fim ele decidiu que podia confiar em mim. — O que aconteceria se algo imprevisto acabasse com o acordo entre o conde Fitzbur e seu pai?
Baixei os olhos, refletindo por um momento. Nossos cavaleiros e homens de armas eram numerosos, bem armados e treinados. E nos poucos dias que estivera em Locksley, eu percebera que as defesas deles eram bem mais fracas dos que as de meu castelo.
— Meu pai poderia usar isso como desculpa para declarar guerra ao conde e invadir as terras dele... — respondi, preocupando-me com a possibilidade. — Meu pai deseja a posse das terras dos Fitzbur... Ele prefere conseguir isso através do acordo de noivado. Contudo, não desistiria tão facilmente caso o casamento não aconteça.
Jack franziu o cenho.
— Padre Ralph era meu tutor no mosteiro e como um pai para mim. Ele me ordenou que protegesse Robert a qualquer custo.
Eu notava a tensão dele. Jack continuava a olhar para o corredor sem saber como agir. A vida no mosteiro não o preparara para situações deste tipo.
— Pode deixar... Eu resolvo isso! — Coloquei a mão sobre o ombro dele em um gesto de amizade. A seguir dei meia volta e fui em busca de Robert.
O corredor seguia para dentro do castelo, mas eu imaginava que Robert e Marion não se afastariam tanto.
Logo me deparei com uma porta fechada. Parei diante dela. Minha intuição me dizia que os dois estavam ali dentro. Ergui a mão e bati. Não houve resposta.... Bati de novo. Nada ainda. De certo me enganara, mas ainda assim levei a mão a aldraba e a abri, desejando me certificar.
Deus..., lamentei-me ao ver a cena.
— Não! Não! Solte-me! — Marion ordenava, presa aos braços de Robert, que tentava beijá-la. No entanto, ela conseguiu empurrá-lo para longe. — Como sobreviveríamos sozinhos? E por quanto tempo iria me amar se aparecesse uma garota mais atraente à sua frente?
Robert deixou os braços caírem ao lado do corpo com uma expressão de derrota.
— Então, acho melhor você voltar para a festa e para seu noivo — a voz dele era gelada.
— Perdoe-me! — Marion suplicou em tom angustiado, aproximando-se para abraçá-lo de novo.
Ambos ainda não haviam percebido minha presença. Tossi alto para chamar a atenção deles, e eles se voltaram, surpresos.
— Lady Bethany está procurando por você, Marion... — eu disse.
Marion afastou-se de Robert, passou por mim como se eu não existisse e saiu rapidamente.
Eu entrei, fechei a porta e encostei no batente de braços cruzados, enquanto Robert sentava-se no sofá e afundava o rosto nas mãos, esquecido de que não estava só.
Depois de alguns instantes, tossi mais uma vez, lembrando-o de que eu o aguardava.
— O que quer? —Robert voltou-se com o rosto manchado por lágrimas e um olhar de desespero. — Parece que você tem o dom de me encontrar em todos os momentos errados!
Não me apiedei. Eu sabia que devia acabar com aquele romance de uma vez por todas para manter Locksley e a ambos em segurança.
— Não foi bonito ver você implorando pelo amor dela. O amor realmente ama as coisas difíceis... — comentei com ironia, adiantei-me e parei atrás do sofá, inclinando-me para ele com as duas mãos apoiadas no encosto. — O que acha que aconteceria se descobrissem esse romance?
Em seguida, ergui o corpo e comecei a andar de um lado para o outro com uma expressão perturbada.
— Vocês deviam ser mais cuidadosos! Se descobrirem, haverá guerra entre nossas famílias e Locksley será destruída. Você acha que o amor de vocês sobreviveria após isto? Por sorte parece que Marion raciocina muito melhor do que você! De fato, as mulheres são mais práticas. Sabem que podem viver sem amor, mas não sem dinheiro ou uma casa para morar — continuei em tom sarcástico. Não pensava aquilo de verdade, mas novamente meu lado perverso se divertia em falar absurdos.
Robert permanecia sentado com os ombros curvados, torcendo as mãos de um jeito nervoso. Era a imagem da derrota...
Aproximei-me e coloquei a mão em seu ombro, sem compreender porque de repente sentia uma vontade estranha de consolá-lo.
— Não me toque! — Robert rugiu com rispidez, encarando-me com um olhar de desprezo.
Retirei a mão e dei dois passos para trás, sentindo-me humilhado.
— Fique tranquilo... Não vou contar nada a ninguém! Acabaria com minha diversão de observar seu sofrimento quando meu irmão e Marion casarem-se — retruquei maldosamente e, virando-me, saí da sala e o deixei.
Maldito Robert! Que se danasse!
***
Retornei ao salão. Marion deixava a festa acompanhada pelo conde e pelos Locksley. Francis ainda dançava com Elizabeth. E felizmente, Jack ainda me aguardava.
— E então? — ele indagou, ansioso, quando eu me aproximei.
Dei de ombros.
— Fiz o que pude! É difícil lidar com a arrogância de Robert.. — bufei, ainda irritado.
— Ele não é tão ruim depois que você o conhece bem...
— Não consigo acreditar nisso! — Eu soltei um grunhido, nem um pouco convencido.
Jack sorriu de canto.
— Que tal irmos para uma taberna? Talvez seu humor melhore longe desta festa...
Surpreendido, eu o encarei de sobrancelhas erguidas. Aquilo era um convite? Talvez Jack não fosse tão inocente quanto eu imaginava.
— Essa é uma excelente ideia! — respondi rápido, antes que ele desistisse.
Bem... Este sou eu. Infiel até o ultimo recanto escondido de minha alma.
Nota da autora:
Como Gillian repete incansavelmente " Um novo amor põe o velho para voar..." Está lá nas Regras do Amor.
E também: "O ciúme sempre aumenta o sentimento de amor." Esta serve para Robert e Marion!
Deixem seus comentários!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top