O Convento



Ainda passei algumas semanas doente, fechado em meus aposentos. Thiago me acompanhava a maior parte do tempo e me ajudava a planejar.

A ideia do casamento parecia-me cada vez mais acertada. Elise era de uma família importante e certamente teria um bom dote. Então, eu e ela poderíamos recomeçar a vida em outro lugar. Era a chance que eu tinha de escapar de minha família. E também de acabar com sentimentos estranhos que me importunavam quando Thiago entrava pela porta.

Eu ficava feliz em vê-lo. Isso não era um problema, pois acredito que bons amigos apreciem a companhia um do outro. Mas eu sabia que havia algo mais... Só não queria admitir o que era. E por isso, pensava cada vez mais em Elise, transformando-a em uma dama em apuros, e eu, no cavaleiro apaixonado que iria resgatá-la.

Thiago foi paciente. Escutou minhas fantasias por semanas, até que a neve cedeu e o tempo começou a esquentar um pouco. Em breve seria primavera.

― Preciso ir ao mosteiro de Fountains, senhor ― enfim, disse a meu pai, de um jeito muito sério. ― Quero rezar por minha alma.

Ele apenas resmungou, assentindo sem pensar duas vezes, como sempre me ignorando.

Francis estava sentado diante de uma mesa e vencia Thiago em um jogo de xadrez.

― E eu, senhor ― interveio meu irmão ― aproveitarei para celebrar o bom tempo com uma caçada.

― Excelente ideia! ― Meu pai sorriu. Ele sempre tinha um sorriso guardado para Francis. ― Enquanto isso, ocupo-me com os preparativos de seu noivado. Em algumas semanas receberemos o Conde Fitzbur, sua futura noiva Marion, e os Locksleys.

Francis não conseguiu disfarçar um franzir de cenho, irritado. Foi então que percebi; a ideia do noivado o perturbava. Aquilo me deixou alegre. Aproximei-me e apertei o ombro dele com uma expressão inocente:

― Uma vida sem aventuras, casado, cuidando dos filhos e do condado... E o melhor, nada de guerras! Deve estar muto feliz com tal sorte! ― Eu não escondia a ironia na voz. Sabia que o maior sonho de Francis era participar de batalhas na corte do rei Henrique da Inglaterra ou de seus filhos. Talvez, até mesmo, juntar-se à uma Cruzada. 

― Que o Diabo o leve, Gillian... ― Ele sussurrou entredentes, olhando-me furioso.

― Dizem que Marion é muito bonita! ― Thiago intrometeu-se, tentando agradá-lo. Provavelmente ainda desejava obter o perdão da dívida de sua família.

Isso fez Francis enfurecer-se ainda mais.

― Chamarei outros escudeiros para me ajudarem na caçada. Vá com Gillian ao mosteiro! ― ele rosnou, e depois, levantando-se, saiu rapidamente.

Thiago piscou para mim e sorriu de leve, fazendo-me compreender. Ele não quisera adular Francis, mas sim, me acompanhar. Calculara que meu irmão se irritaria e o dispensaria.

Descobrir isso fez meu peito se aquecer. Há muito tempo eu não me sentia alegre daquele jeito. Na verdade, acostumado a estar sempre sozinho, perceber que alguém gostava de minha companhia me parecia quase um milagre.

***

Dois dias depois, estávamos na estrada. O frio amenizara e o sol brilhava entre nuvens esparsas. Passado o inverno, a vegetação começava a se tornar verde novamente e tudo parecia fresco e delicioso.

Eu e Thiago seguíamos lado a lado na estrada, montando belos cavalos de batalha e usando roupas de couro, próprias para viagem, mas bordadas e suntuosas como convinha a dois nobres. Ambos nos sentíamos animados, e embora não fossemos pessoas de falar muito, conversávamos, trocando piadas e histórias engraçadas.

Para ser sincero, eu quase havia me esquecido de meus planos e qual era o nosso destino. Queria que aquele dia jamais acabasse. Mas afinal, ele chegou ao fim e quase no cair da noite chegamos ao convento de Beverley.

Era uma construção antiga, retangular, com a igreja na frente, e toda cercada por muros. Estremeci ao imaginar a pobre Elise dormindo em uma cela gelada, sem adornos, sendo obrigada a rezar dia e noite. Minha imaginação criava freiras de rostos terríveis, quase monstruosos, que torturariam a jovem com espinhos e coisas deste tipo.

― Tem certeza do que quer? ― Tiago parara o cavalo ao lado do meu e pegara minha mão, apertando-a entre a dele e encarando-me com uma expressão grave.

Eu engoli em seco e assenti. O calor da mão dele sobre a minha me fazia arder. Ele era meu amigo e não imaginava o tumulto que aquela breve demonstração de apoio causava em minha alma. Devagar, eu puxei minha mão para longe e cocei a cabeça, embaraçado e confuso.

― Sou culpado pela desgraça de Elise. Não posso deixá-la em um lugar como este ― respondi, secamente. A ideia de casar-me pesava cada vez mais em meu peito. Mas jamais poderia ser tão desonrado a ponto de abandonar a jovem depois do que acontecera.

Thiago deixou escapar um suspiro. Os olhos dele se sombrearam e tornaram-se ainda mais melancólicos do que de costume. Por um momento, perguntei-me se ele se chateava com meu futuro casamento, entretanto logo tirei tal ideia absurda da cabeça. Certamente se preocupava com o que iria acontecer quando meu pai descobrisse. Mas então eu esperava estar casado e, de posse de meu dote, longe de Hastings.

― Vamos! ― Eu fiz um sinal de queixo para que continuássemos e instiguei meu cavalo adiante.

No entanto, Thiago reteve as rédeas de seu corcel e não me acompanhou.

Estranhando isso, eu parei e virei-me para trás.

― O que há? ― Franzi a testa, vendo que ele mordia os lábios e hesitava.

― Prefiro esperar entre as árvores. Não desejo atrapalhar seu reencontro e o pedido de casamento...

Eu olhei para o horizonte. O sol já baixava e logo começaria a escurecer.

― Vai passar a noite ao relento? ― Indaguei, observando-o. A expressão dele era mesmo triste. Não podia ser apenas minha imaginação.

― Vá! Ficarei bem. ― Ele deu de ombros. ― Não gosto de conventos.

― Vou entrar, encontrar-me com Elise e sair rapidamente  ― decidi-me. ― A lua estará cheia e teremos claridade para prosseguir. Podemos seguir pela estrada até uma hospedaria.

Ele assentiu.

― Entre e saía rápido... Tome cuidado!

― O que pode acontecer em um convento de freiras? ― Ergui uma sobrancelha e sorri, acalmando-o.

Um pouco depois, eu estava diante do portão. Bati e gritei meu nome. Minha família doava uma boa soma anual ao convento, e por causa disso logo alguém veio correndo abrir as portas de ferro para que eu entrasse.

Conduzi meu cavalo até o pátio, desmontei e amarrei as rédeas em uma estaca. Não havia cavalariços para me receberem e cuidarem do animal. Freiras me espiavam dos cantos, de certo assustadas por um dos Hastings estar ali ao fim do dia.

Uma senhora de meia idade aproximou-se. Tinha cabelos cinzentos, olhos estreitos e um nariz pequeno, semelhante a um rato. Faltavam apenas os bigodes.

― Gillian Hastings? ― ela quis certificar-se de quem eu era. ― Sou a abadessa.

Eu assenti, empinado o nariz.

― Eu mesmo. Vim a mando de meu pai dar um recado à Lady Elise ― menti sem pena.

Ela torceu os lábios em um sorriso e pude ver dentes afilados em sua boca. Os olhos dela se estreitaram ainda mais, analisando-me.

― Lady Elise está reclusa em seu quarto. Reza noite e dia, arrependida dos pecados carnais.

Pobre Elise..., quase deixei escapar um gemido de pena. Mas não me deixei abater pela resposta.

― Ainda assim, o que tenho a dizer à dama é urgente! ― Com um olhar orgulhoso, comecei a andar mesmo sem saber para onde ir. Atitude é tudo neste mundo.

A abadessa correu e se interpôs à minha frente.

― Por aqui, Sir Gillian... ― Ela apontou para um corredor à nossa direita.

Caminhamos por corredores sombreados, iluminados por archotes esparsos. Havia algumas janelas, mas o sol já se fora e a lua ainda não surgira. O lugar me pareceu deprimente e um pouco assustador. Por dentro, eu estremecia vendo as pesadas portas de madeira diante das quais passávamos. Pareciam como celas de uma masmorra. Eu não mais duvidava de que o certo a fazer era tirar Elise daquele local.

Finalmente, paramos diante de uma das portas. A abadessa a abriu.

― Lady Elise está aqui... ― Ela fez um sinal com a mão, convidando-me a entrar e cedendo a passagem.

Por um instante, hesitei. O aposento estava muito escuro... Mas talvez Elise estivesse dormindo.

― Elise! ― Dei dois passos adiante, piscando para enxergar algo.

Subitamente, escutei a porta se fechar com um baque.

Assustado, voltei-me rápido, tateando para encontrar a aldraba em meio à escuridão. Tarde demais... Ouvi o raspar do ferro contra a fechadura na parte externa.

Meu coração disparou. Praguejei alto, chutando a porta e berrando ameaças. Não houve resposta.

Por algum motivo, eu fora trancado ali dentro.


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