Mais um Duelo
Eu estava em meu quarto, sentado diante da lareira, e olhava para o fogo com olhos vazios. Thiago se fora. Despedira-se rapidamente dos Locksley e do conde William e partira, acompanhado por três cavaleiros de Hastings, sem dirigir uma palavra a mim.
Atordoado, eu relembrar se havia feito algo muito errado. Ele devia me considerar um covarde, mas isso não era motivo suficiente para me ignorar e partir.
De súbito, a porta se abriu e Jack entrou. Finalmente... Ele me evitara a maior parte do tempo e pouco tínhamos nos visto desde minha chegada.
— Thiago foi embora? — Ele agachou-se ao meu lado e pousou a mão em meu ombro, olhando-me com uma expressão preocupada. — O que houve?
Eu baixei os olhos, sem coragem de enfrentar o olhar dele.
— Francis culpou Elizabeth por tudo. Eu não protestei e nem mesmo a defendi, porque queria evitar uma guerra — hesitei, sentindo meu rosto enrubescer de vergonha.
Jack levou a mão para meu queixo e o ergueu, fazendo-me olhar para ele.
— Escute-me! Você fez o necessário para manter a paz. Não há vergonha nenhuma nisso!
— Se visse a decepção no olhar de Thiago, quando concordei em pedir perdão a Gawain... Talvez ele tenha se afastado por causa disso.
— Ele não faria isso! — Os olhos de Jack se sombrearam. — Talvez haja outro motivo.
Eu meneei a cabeça em negativa.
— Fui deserdado. Porque ele continuaria aqui comigo? Meu pai o perdoou e ordenou que ele voltasse a Hastings. Ele só se importa com sua honra e sua família... Obedeceu no mesmo instante! — Dei de ombros, esforçando-me para manter um tom indiferente.
Depois, me levantei e passei as mãos na túnica, forçando um sorriso irônico. Eu sabia disfarçar meus sentimentos muito bem. Passara a vida fazendo isso e não seria agora que agiria diferente. Em seguida, estendi a mão para Jack que ainda estava agachada e o ajudei a se erguer.
— Há uma taverna na vila e me diverti muito quando estive aqui meses atrás. Podemos ir até lá, cantar, dançar e esquecer toda essa tragédia. — Ergui uma sobrancelha, tentando parecer divertido.
Jack franziu a testa.
— Você não está preocupado com Thiago?
— Preocupado? É claro que não! — Abanei a mão como se não me importasse. — Ele ficará muito bem... em Hastings... — meu tom de voz foi diminuindo. Meu peito se tornava ainda mais gelado, enquanto uma suspeita crescia em minha mente. — Você acha que há algo errado?
— Eu não deixaria um amigo sozinho em meio à uma tempestade... — Jack foi até a janela e examinou o céu de nuvens cinzentas que ameaçavam uma nevasca. — Ainda por cima com três cavaleiros que podem se virar contra ele.
Parei de respirar. Estivera tão deprimido que deixara o óbvio escapar. Meu irmão jamais deixaria Thiago se livrar sem um castigo horrível! Subitamente, lembrei-me do ódio nos olhos de Francis e a suspeita foi substituída por uma certeza:
— Francis pode ter ordenado que o matem! — exclamei, aterrorizado.
A seguir, voei para minha espada encostada a um canto e disparei pelo corredor como um raio.
Somente quando cheguei ao pátio percebi que Jack me seguira. Com tantos cavaleiros e soldados no local, numerosos cavalos estavam selados, presos às estacas. Soltamos dois deles e montamos mais rápidos do que o vento.
Cruzamos os portões do castelo e a vila abaixo dele, e como loucos seguimos pela estrada. Thiago deixara Locksley a pouco tempo, e eu rezava para que o alcançássemos logo.
Na pressa eu não pegara um capa; meu corpo tremia com o vento gelado e meu ferimentos latejavam de dor, mas eu não me importava com nada. Queria apenas encontrar Thiago e obrigá-lo a voltar.
Cavalgamos velozmente por muito tempo, enquanto as nuvens carregadas aumentavam sobre nós e uma neve fina começava a cair. Os cavalos, já cansados, resfolegavam e diminuíam o passo; Jack ficara para trás e e eu gritava e xingava, batendo o calcanhar nos flancos da minha montaria para que ela avançasse.
— Gillian! Pare! — De repente, ouvi o grito de Jack. Puxei as rédeas em um gesto brusco e voltei-me para ele.
Estávamos no alto de uma colina. Jack apontava para um campo abaixo de nós. A estrada descia, virava a direita e cruzava por ele. Ao longe, em meio ao campo esbranquiçado pela neve, Thiago cavalgava, perseguido pelos três cavaleiros que o ameaçavam com as espadas erguidas.
Paralisado morro acima como se estivesse em um pesadelo, eu vi os homens o alcançarem e o cercarem. Thiago tirou a espada e defendeu-se de um golpe, depois virou-se e fez o mesmo com outro, puxando as rédeas de seu cavalo para que recuasse.
Subitamente, um grito me despertou.
— Vamos! — Era Jack novamente, que já disparara estrada abaixo.
Com outro grito, instiguei meu cavalo e fui atrás dele.
Um pouco depois, chegamos ao campo. Thiago fora derrubado da sela e girava o corpo de um lado para o outro com a espada erguida, enquanto os três cavaleiros o cercavam, provocando-o.
Subitamente, um deles fez seu cavalo empinar e acertar o ombro dele com a pata dianteira.
Thiago caiu de joelhos. Outro atacante levantou sua lâmina e a desceu em direção à cabeça dele.
— Parem! — Irado, eu me aproximava com a espada já em punho.
Os homens se viraram para me olhar. Bati a lateral da lâmina em um deles antes que ele tivesse tempo de se defender e o derrubei da sela. Depois, com um pulo, voei para cima do outro e juntos despencamos para o chão.
Com o canto do olho, vi que Jack fizera o mesmo, e agora lutava no chão, tentando tirar a espada da mão do cavaleiro. Só então percebi que ele não estava armado e praguejei, dando um soco na cabeça de meu oponente e me afastando.
Me ergui rápido para ajudar Jack, mas não foi preciso. Ele apertara seu braço em torno do pescoço do cavaleiro, segurando-o firmemente. O homem engasgou e perdeu os sentidos.
De súbito, ouvi um rugido e pulei para o lado. Uma lâmina resvalou sobre meu braço, cortando de leve a manga da túnica. Era o cavaleiro que eu derrubara; ele voltava a me atacar, e rapidamente ergui minha espada para confrontá-lo.
No entanto, sentia-me exausto e meus ferimentos latejavam, enquanto eu aparava um golpe atrás do outro da montanha de músculos que investia sobre mim. Recuei alguns passos, quase sem forças para continuar.
Um pouco mais adiante, pude ver Thiago lutar contra outro cavaleiro. Ele também parecia exausto. Recuava, defendendo-se com uma lentidão cada vez maior, até que tropeçou e caiu com um joelho no chão. O cavaleiro que o atacava levantou a lâmina de lado, preparando um golpe que acertaria o pescoço dele.
Rugi, desesperado, e investi contra meu oponente, desejando alcançar Thiago mesmo sabendo que jamais chegaria a tempo.
Ele teria sido morto. Mas subitamente Jack surgiu atrás do cavaleiro com uma espada, e golpeou a nuca dele com o punho da arma. O cavaleiro caiu; imediatamente Jack voltou-se para mim, enquanto Thiago se erguia com um pulo.
Ambos correram em minha direção.
Tudo aconteceu em um instante. Eu me distraí ao observar a outra luta e abri minha guarda; o cavaleiro que me atacava aproveitou-se e, erguendo a espada, fincou a ponta em meu ombro.
Com um grito de dor, eu me desequilibrei e caí de costas; meu rival levantou a lâmina para um golpe final.
De repente, uma flecha atravessou o braço dele e outra bateu na arma. O homem urrou, deixou a espada cair e voltou-se para ver quem disparara.
Eu também virei o rosto, aliviado e surpreso. Pisquei para desembaçar meus olhos, atordoado pela dor. Cinco cavaleiros aproximavam-se; um deles tinha um arco na mão, já armado com outra flecha,
O arqueiro chegou mais perto. Era John, que pulou do cavalo e distendeu a corda do arco, apontando a flecha para a montanha de músculos que me atacara.
— Volte para Hastings — disse ele. — Se algum dia alguém lhe perguntar sobre Thiago, diga que ele resolveu voltar a Locksley logo que deixaram a vila.
O homem olhou para a flecha apontada para o seu peito, e depois para a que estava fincada em seu braço. Não precisava ser muito esperto para perceber que não havia outra opção além de obedecer a ordem.
Os outros cavaleiros derrotados acordavam entre gemidos, e os soldados de Locksley que acompanhavam John os colocaram sobre os cavalos. Um pouco depois, eles nos deixavam cambaleando na sela.
Enquanto isso, Thiago e Jack tinham corrido para o meu lado e me ajudavam a sentar. Segurando o ombro ferido, eu arquejava de cansaço e dor, sentindo o sangue escorrer do mais novo ferimento de minha coleção. Estaria muito infeliz, se não estivesse cercado por eles. Thiago tinha o rosto pálido e olheiras escuras de cansaço e não parecia muito melhor do que eu, mas ao menos estava vivo.
— Thiago, agradeça a Jack por sua vida. Ele foi ao meu quarto e conseguiu me convencer de que havia algo errado — consegui dizer, segurando um gemido, enquanto Jack enrolava o ferimento em um pedaço de tecido que arrumara em algum lugar, fazendo um curativo apertado.
Com o cenho cerrado, Thiago cravou os olhos em Jack.
— Você foi ao quarto dele?
Sua voz parecia carregada de ciúmes. No entanto, devia ser minha imaginação, porque ele me abandonara novamente.
— Minha intuição me alertava de que você corria perigo... — Jack empinou o nariz e enfrentou o olhar dele. — Somente quis ajudá-lo.
— Ajudar-me... — Thiago mordeu os lábios com um olhar desconfiado. — Indo ao quarto dele?
Em outra ocasião, eu teria rido. No entanto, minhas forças haviam se esgotado; eu apenas me deixei escorregar lentamente para a escuridão e apaguei.
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