Fogo
Robert contorcia o corpo para se livrar do cavaleiro. Este soltou uma risada alta que ecoou até nós e o largou. Afastou-se um pouco, dando-lhe às costa. Porém, de repente virou-se e voltou a derrubá-lo com um chute na barriga.
Entre risadas, colocou a bota pesada sobre o corpo dele e o prendeu ao chão.
—John! É sua última chance! — o ruivo berrou.
Robert ainda lutava e protestava como um demônio. O outro o torturava, pisando em seu braço ferido.
— Deixe-o! O problema de vocês é comigo! — John finalmente saiu da cabana.
Ele e o cavaleiro trocaram palavras ríspidas, as quais não pudemos ouvir direito, ate que o ruivo ergueu a adaga e novamente ameaçou Robert.
John caiu de joelhos e os homens o amarraram.
O cavaleiro ria alto e, aproximando-se de John, socou-o algumas vezes.
Mais uma vez eles trocaram frases entre eles. Em seguida, o ruivo aproximou-se de Robert e lhe desferiu um pontapé entre as costelas.
— Estava te devendo isso, rapaz insolente! — gritou, enquanto ele se dobrava aos pés dele. A seguir, abaixou-se e pousou a mão sobre a flecha que ainda estava enterrada na coxa de Robert, torceu-a para o lado e a arrancou com um gesto rápido.
Robert gritou alto.
Vi que Jack ameaçava se levantar, com a mão no punho da espada, e pulei sobre ele, retendo-o no chão com o braço atravessado sobre suas costas. Eu podia sentir o coração dele batendo forte, e o meu batia da mesma maneira.
Outro homem, um dos atacantes, chegou perto e também chutou a perna de Robert. Ele se contorceu e Jack deixou escapar um gemido aflito. Depois, fechou os olhos e começou a orar baixinho.
Cavalos aproximaram-se da cabana. Quatro homens chegavam, puxando um corcel pelas rédeas. Uma jovem loira vinha montada com as mãos amarradas.
— Elizabeth — eu sussurrei para Jack, interrompendo a reza dele.
—Maldito vilão! Traidor! Merece morrer! — Elizabeth gritou, furiosa.
O cavaleiro retrucou algo e de súbito, aproximou-se de um soldado que acompanhava Elizabeth e cortou o pescoço do homem em um golpe brusco.
Eu congelei, assustado. Jack fez o mesmo.
O cavaleiro limpou o sangue da lâmina na roupa do soldado que havia caído e voltou-se para Elizabeth com uma reverência. Ambos trocaram palavras, e um pouco depois, alguns soldados afastaram-se levando a jovem com eles.
Depois ele virou-se para John e passaram a trocar ameaças pelo tom de voz que se elevava ate nós. Enquanto isso, Robert se erguera atrás deles e subitamente, investiu de encontro ao cavaleiro, derrubando-o batendo a testa com força no nariz dele.
O ruivo berrou e cobriu o rosto com a mão. O sangue jorrou de suas narinas.
Deus.., lamentei-me. Já imaginava Robert morto. O idiota rebelde não sabia ficar quieto nem quando necessário.
O cavaleiro limpou o nariz com o dorso da mão e, depois, ficou olhando para ela, parecendo se divertir com o próprio ferimento. Em seguida, aproximou-se de Robert e passou a chutá-lo na barriga e nas costelas, rindo de maneira estranha ao vê-lo contorcer-se e gemer sob seus pés.
— Vai pagar caro por isso, seu idiota! — ele vociferou alto, enquanto o sangue continuava a escorrer do nariz .
Robert o encarou e gritou um palavrão.
Ao menos o idiota é corajoso, pensei.
Ao contrário do que eu esperava, o cavaleiro soltou uma risada. Então, abaixou-se e colocou a mão sobre os cabelos de Robert, acariciando-o, enquanto este tentava se afastar.
Os outros atacantes olhavam a cena, imóveis. Acho que deviam estar tão apavorados quanto Jack e eu estávamos.
John disse algo.
Em resposta, o ruivo gargalhou e esfregou as mãos como se acabasse de ter uma ideia divertida. Em seguida, agarrou o braço de Robert e o arrastou para dentro da cabana.
Um pouco depois, vimos a fumaça que saía pela chaminé aumentar. E mais fumaça se elevar do telhado de palha.
John começou a berrar por Robert. As chamas subiam e uma fumaça negra começava a se espalhar pelo teto.
O cavaleiro saiu da cabana. Depois, fez um sinal para que seus soldados colocassem John sobre um cavalo e, dirigindo-se para o dele, montou na sela.
Eles preparavam-se para partir. E na cabana, o fogo aumentava, com Robert dentro dela.
— Vamos! — Eu puxei Jack pela manga e nos arrastamos da beirada. Depois, nos erguemos e começamos a correr pela trilha morro abaixo.
Acho que nunca corri tão rápido em minha vida. Montamos nossos cavalos com pulos e os instigamos em uma louca cavalgada rumo à cabana.
Um pouco depois, ofegantes, estávamos parados diante dela. Por sorte, os atacantes haviam partido.
O fogo crescera e tomara conta das paredes. Uma fumaça negra subia, cobrindo tudo. O barulho que as labaredas faziam era aterrorizante.
Jack caiu de joelhos.
— Tarde demais! —soluçou com uma expressão de desespero.
Não sei o que se passou por minha cabeça naquele momento. Quando dei por mim, estava correndo para a porta e a abrindo com um chute.
A fumaça me envolveu, junto com um calor insuportável. Ainda assim, não hesitei. Envolvi-me em minha capa e corri para dentro.
Pulei entre as chamas, gritando por Robert. Em meio a fumaça, afinal o encontrei. Estava sentado, preso à uma viga de madeira que sustentava o teto. Ao redor dele, labaredas de fogo ardiam, enquanto ele arquejava e tossia, sufocado.
Vi um machado colocado a um canto e corri para ele. Empunhei-o e pulei as chamas até Robert. Ergui o machado. Ele me olhou, muito assustado, de olhos arregalados e aturdidos, e começou a se contorcer.
— Pare de se mexer! — gritei, e, com um golpe rápido, cortei o cinto de couro que amarrava os braços dele ao pilar.
O corpo dele tombou para frente; ele caiu no chão, desacordado.
Puxei-o pelos braços, tentando arrastá-lo para fora. Mas somente andei dois passos antes que o teto desabasse quase em cima de nós dois, espalhando brasas fumegantes para todos os lados.
— Acorde, idiota! — berrei, agachando-se e batendo no rosto dele.
Robert pestanejou.
— Levante-se! Levante-se! — Meu coração batia descompassado, em pânico, enquanto tentava levantá-lo.
Ele se pôs de joelhos.
Passei o braço pelo tronco dele, o ergui, e finalmente o arrastei para fora da casa em chamas.
Diante da cabana, Jack rezava ajoelhado, gritando nosso nome. Ao nos ver, correu para nós e ajudou-me a carregar Robert para longe do fogo e da fumaça.
O levamos até a sombra de uma árvore próxima ao riacho, que ficava a alguns passos de distância.
A borda de minha capa queimava com uma pequena chama. Retirei-a rapidamente e joguei-a na água em um gesto irritado. Tossindo, agachei-me na beira do riacho e joguei água no rosto para limpar a fuligem dos olhos. Percebi que meu cabelo também estava chamuscado e puxei um punhado com a mão, torcendo o nariz ao sentir o cheiro de queimado vindo do tufo tostado.
Depois, fiquei em pé e voltei-me para Jack, furioso. Agora que o perigo passara, eu tremia incontrolavelmente.
— Pensei que você estava logo atrás de mim! O que houve? — esbravejei. — Quase morremos, eu e o maldito Locksley, aguardando por sua ajuda!
Jack havia retirado a capa, molhara a ponta dela, e agora a esfregava no rosto de Robert. Este deitara-se no chão de pequenos seixos e galhos secos da margem do riacho e tossia, revirando o corpo em uma agitação perturbada e meio delirante.
Lágrimas escorriam dos olhos claros de Jack.
— Não sei o que deu em mim... Não consegui entrar atrás de você — ele balbuciou, parecendo estar com vergonha de si próprio. — Fiquei apavorado! — Soluçou, baixando o rosto.
Com um suspiro, agachei-me ao lado dele.
— Hei! Tudo bem... Só entrei porque não parei para pensar! Afinal, quem arriscaria a vida por um Locksley arrogante, não é? — disse com ironia, e passei a mão no rosto dele para limpar suas lágrimas.
Jack afastou o rosto com uma expressão culpada, ergueu-se e molhou sua capa mais uma vez. Em seguida, voltou-se para Robert, que parecia querer acordar e resmungava entre gemidos de dor.
— Eu mais do que ninguém deveria ter ido... Você sabe disto! — retrucou, passando a ponta da capa molhada no pescoço e na testa do amigo.
Por fim, Robert resmungou e abriu os olhos. Olhou para os lados com uma expressão assustada. Depois, sentou-se e começou a tossir com o corpo curvado e reclamando de dor. Por um momento, senti pena dele. O panaca arrogante estava coberto de fuligem e sangrava por todos os lados.
Jack adiantou-se e o abraçou.
— Hei! Seu anjo trabalhou bem hoje! Se tivéssemos chegado um pouco depois... Viemos de Locksley para encontrá-lo quando vimos os homens cercando a casa e atacando vocês. Nos escondemos, esperando o melhor momento para ajudá-los e...
Robert não disse nada. De repente, ergueu-se com um pulo, cambaleou um pouco e olhou para nós com olhos ainda confusos. Em seguida, virou-se e saiu mancando rápido em direção ao galpão.
A cabana tornara-se uma pira de fogo e fumaça escura. Ele passou por ela e abriu a porta do galpão com um chute.
Eu e Jack o seguimos, sem entender muito bem o que o maluco iria fazer.
Robert tirou a calça, a túnica e gemeu ao ver que suas roupas de baixo estavam encharcadas de sangue. Despindo-as, ficou apenas com o calção curto que usava sob todo o resto.
Depois, foi até uma prateleira, começou a revirá-la em gestos nervosos, e de lá tirou uma agulha e linha de cerzir roupas.
— O que está fazendo? — Jack adiantou-se com o cenho franzido.
— Traga água, Jack!
— O que vai fazer? Você está ferido! Temos que te levar para um cirurgião!
— Água! — Ele berrou com olhos reluzentes de fúria.
Jack assentiu com um ar humilhado e saiu rápido. A seguir, Robert sentou-se no chão e olhou para a agulha concentrado. Tentava passar a linha pela fresta da alça, mas suas mãos tremiam sem parar.
Eu tinha parado perto da porta e o observava, aborrecido. Jack provavelmente iria se culpar pelo dia de hoje durante o resto da vida... E Robert piorava tudo, tratando-o como se ele fosse um servo. Contudo, notei que o arrogante Locksley tremia, arquejava de dor e parecia bastante abalado.
— Dê-me a agulha — acabei me oferecendo.
Robert entregou-me a agulha e a linha. Com perícia, passei a linha pela alça da agulha e as devolvi.
— Quando criança, ajudava minha mãe a fazer isso — expliquei com um meio sorriso.
Jack voltava, trazendo nas mãos um balde de água fresca.
— Jogue em minha perna e no braço — Robert ordenou.
Ele obedeceu. O sangue escorreu em profusão das fundas feridas de Robert, e Jack empalideceu. Parecia que logo iria desmaiar.
— Pode deixar que eu ajudo... — Tomei o balde da mão dele.
Concordando com um murmúrio, Jack afastou-se e deixou-se cair perto da porta.
Robert começou a costurar suas feridas sozinhos. Me senti empalidecer também e fiquei meio tonto, mas mordi os lábios e aguentei firme, em pé ao lado dele.
As mãos dele tremiam e o suor escorria da testa. Vi que ele se atrapalhava cada vez mais.
— Eu faço isso. Já entendi como é... — Agachei-me e estendi a mão para a agulha.
Robert voltou-se para mim, parecendo desconfiado. Mas afinal entregou-me a agulha e a linha, fechou os olhos e apertou os lábios com força.
Fiz a sutura de uma maneira rápida e suave. Confesso que, para me acalmar, eu gostava de bordar diante da lareira, sozinho em meu quarto.
— Aprendi a bordar com minha mãe! É quase igual — expliquei ao ver que Robert me olhava com surpresa e terminei rapidamente, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida.
Em seguida, levantei-me, fui até uma das prateleiras e achei alguns panos limpos. Depois, voltei-me para Robert e enfaixei suas feridas em um curativo apertado.
Quando terminei, o ajudei a se erguer. Robert correu até um baú; de dentro dele tirou roupas novas e se vestiu. Eram roupas de caçada, de couro escuro.
A seguir, ele foi até seu arco e a aljava de flechas, e os cruzou sobre os ombros. Pegou também uma velha espada e uma adaga e prendeu-as ao cinto. Depois, escolheu alguns frascos velhos nas prateleiras e guardou-os em uma sacola de viagem, passando a alça pelo ombro e deixando-a sob a capa.
Enquanto isso, eu o observava, meio hipnotizado por ele, fascinado e com o coração batendo forte.
Robert tinha uma expressão determinada e seus olhos ardiam com um brilho feroz. Aqueles meses na floresta o tinham deixado com uma beleza selvagem, com o corpo forte e uma aparência de guerreiro pronto para a luta. Em nada lembrava o garoto mimado e bem vestido que um dia eu havia conhecido.
Ele parecia vibrar com uma fúria gelada, impiedosa e mortal. Os olhos dourados faiscaram como os de um dragão encolerizado.
— Vamos! — afinal ele nos chamou. — Temos que caçar alguns cães selvagens!
É duro admitir isso... Naquele momento, se ele pedisse, eu o teria seguido até o fim do mundo.
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