Aslan II


Meu coração pesava no peito, enquanto eu atravessava de novo a ponte rumo ao pátio de Aslan. Nuvens escuras começavam a se formar sobre as torres do castelo, e em breve o sol iria se pôr.

A ideia de permanecer naquela fortaleza escura durante a noite não me agradava em nada. Minha intuição me avisava de que teríamos problemas, e um anjo mau soprava em meu ouvido, ordenando que eu virasse meu cavalo e fugisse dali o mais rápido possível. Mas é obvio que eu o ignorei completamente... Devia estar maluco naquele dia!

Chegando de volta ao pátio, desmontei com um pulo e deixei meu cavalo amarrado com um nó solto em uma estaca, pronto para uma fuga rápida. Tinha visto que John não estava mais preso ali, portanto nosso plano deveria estar dando certo.

O combinado era que Jack, o enviado real, convencesse Sir Lacran e Gawain a levar o arqueiro para a ala dos criados. Nela, Robert estaria esperando, disfarçado com as roupas de padre Tuck. E dali, fugiríamos por uma saída secundária que o padre nos indicara, usada pelos moradores do castelo para deixá-lo disfarçadamente. Toda fortaleza têm uma rota de fuga secreta usada em casos de um ataque em tempos de guerra, e para encontros furtivos e contrabando de amantes em tempos de paz. O segundo uso é muito mais interessante, diga-se de passagem.

Enfim, este era o plano. Mas eu deveria ter previsto que não daria certo, porque Robert Locksley estava envolvido... 

Eu não sabia disto naquela época, mas agora, no momento em que escrevo, posso dizer com muita certeza: se Robert fizer um plano, o melhor é fugir depressa! Ou então, fazer tudo ao contrário do que ele pedir. Que ninguém me acuse por eu não ter avisado se encontrá-lo algum dia.

Enfim, não demorei muito para descobrir que nosso plano tinha ido mesmo por água abaixo! Assim que entrei no salão, notei que estava vazio. Sir Lacran e Gawain haviam desaparecido, assim como Jack, que eu esperava já estar na ala dos criados com Robert e John. No entanto, subitamente vi Thiago descendo as escadas, com a espada empunhada e o rosto muito pálido.

— O que houve? — indaguei, com o coração já contraído de medo.

— Da janela de meu quarto vi Gawain levar Jack e o arqueiro para uma torre da muralha — ele contou em tom aflito. — Depois, ele voltou para cá, acompanhado por soldados.

Mordi os lábios para não soltar um palavrão e desembainhei minha espada.

— Onde é a ala dos criados? Gawain foi atrás de Robert.

— Robert? — Thiago franziu a testa. — O Locksley? O que ele está fazendo aqui?

Mais uma vez a voz dele estava carregada de ciúmes. Começava a descobrir que Thiago era bem mais ciumento do que eu esperava, e isso me alegrou por um momento. Mas foi um instante bem pequeno... Porque logo em seguida ouvimos ao longe gritos e barulhos de lâminas que se chocavam.

— Merda! — Desta vez, o palavrão escapou alto. Em seguida, saí correndo naquela direção, sem nem mesmo esperar por Thiago, que felizmente me seguiu.

Corremos por corredores escuros e descemos um lance de escada. De repente, demos de cara com três soldados com espadas nas mãos, que nos olharam, surpresos.

Eu era um Hastings e Thiago, nosso escudeiro. Portanto, na visão deles, éramos amigos.

Não dei tempo para que  descobrissem o contrário. Voei para cima deles com um ataque veloz e chutei um no rosto, enquanto batia com o cotovelo na cabeça de outro. Ambos caíram desacordados; o terceiro tentara enfrentar Thiago, mas ele  também já investira mais rápido do que um relâmpago e o derrubara em um piscar de olhos.

Olhei ao redor, procurando por Robert, e mais uma vez ouvimos o barulho de um duelo. Vinha das escadas que desciam ainda mais, rumo a um lugar sombrio e de cheiro horrível.

Suspirei. De certo o panaca do Locksley tentara fugir e seguira por ali, o que apenas um idiota faria, porque o certo era fugir escadas acima... Qualquer um sabia disso! Menos ele, é óbvio.

— Venha! — murmurei para Thiago, fazendo um sinal de queixo e colocando um dedo sobre os lábios para pedir silêncio.

Mais devagar desta vez, começamos a descer as escadas com as espadas erguidas. Logo chegamos a um corredor  escuro e de teto baixo, ladeado por portas de ferro.

Era a masmorra. Ratos faziam parte da bela decoração e archotes esparsos iluminavam fracamente as sombras.

Ao final do corredor, Robert erguia sua espada, mas seu braço tremia mais do que um galho em meio à uma tempestade de inverno. Diante dele estava Gawain.

Eu e Thiago paramos escondidos nas sombras, sem nem mesmo respirar.

— Entregue-se! É minha última oferta. Prometo ser piedoso... — disse Gawain para Robert e depois, soltou uma risada estranha.  — Pelo menos um pouco... 

Com uma expressão aterrorizada, Robert correu até o final do corredor e apoiou-se de costas na parede. Em seguida, retirou a adaga do cinto sob o manto e a ergueu diante dele, junto com a espada, mas suas mãos ainda tremiam vergonhosamente.

Novamente, o escudeiro riu e aproximou-se dele, andando devagar.

— Perdeu sua chance! Vou torturá-lo por alguns dias e ver você implorar — Gawain ameaçou com a voz carregada de prazer.

De súbito, percebi que Robert parecia ganhar coragem e apertava os punhos das armas, preparando-se para atacá-lo.

Estremeci. O idiota morreria na certa!  Robert era famoso por ser um péssimo lutador... Até os próprios soldados de Locksley riam dele e haviam me alertado do fato, quando eu estivera por lá.

Sem pensar, pulei para salvá-lo, mais rápido do que se ele fosse uma donzela presa em uma torre. Corri para Gawain com um berro furioso e chutei alto, forte o suficiente para acertá-lo direto na cabeça.

Ele caiu de joelhos. Rapidamente, bati com o punho da espada em sua nuca, e ele desabou, desmaiado.

Com um suspiro de alívio Robert deixou-se cair no chão, escorregando as costas pela parede à qual estivera apoiado. Ficou sentado, tentando recuperar o fôlego.

— Vamos! — Estendi a mão para el e o ajudei a levantar-se.

— Deus! Por que demorou tanto? — A voz dele era irada e os olhos dourados brilhavam furiosos em minha direção.

— Espera aí! — Cerrei o cenho, indignado, sem poder acreditar naquilo. — Salvo sua vida duas vezes no mesmo dia e ainda tenho que ouvir reclamações?

Pulamos sobre o corpo de Gawain, esparramado no chão do corredor.

— Se preferir, pode acordá-lo! — Apontei o perverso cavaleiro. —  Vou te deixar sozinho de novo com ele...

— O que fizeram de errado com meu plano? Era perfeito! — Robert somente rugiu em resposta, de um jeito bem mal agradecido. —  E onde está John?

Resolvi ignorá-lo, distraído pela aproximação de Thiago. Apesar da situação terrível em que estávamos, não pude deixar de admirá-lo, pois ele estava muito bonito -  alto, moreno, usando uma cota de malha e uma túnica de couro negra - um arraso total, em resumo.

 Robert, em vez de apreciar a bela visão como eu fazia, apenas o olhava com uma expressão de dúvida.

Thiago contou que vira Jack e John serem levados para a torre, o que fez Robert apressar-se.

— Tenho só algo a fazer! — ele nos avisou, e depois começou a abrir as travas das portas.

Vultos deixaram as celas. Eram homens, prisioneiros em condições horríveis, e que cambalearam para as escadas. 

— Subam até o hall, continuem pelo corredor e virem à direita ao final dele! O caminho os levará para fora do castelo! — Robert indicou-lhes a saída.

Eu e Thiago o havíamos ajudado a abrir as portas e já o aguardávamos nas escadas.

— Agora podemos ir! — Robert passou por nós, e juntos subimos os degraus correndo. — O que houve? — ele perguntou ao cruzar com os soldados desmaiados no hall intermediário.

Entretanto, não houve tempo para uma resposta. Vindos das escadas acima, mais quatro soldados chegavam atraídos pelo barulho. Eu e Thiago fomos para cima deles; um pouco depois, eles estavam no chão como os outros.

Subimos o último lance das escadas e chegamos ao corredor que desembocava no salão. Fiz um sinal para que meus companheiros diminuíssem o passo. Robert voltou a cobrir a cabeça com o capuz, enquanto todos embainhávamos as espadas.

Subitamente, Sir Lacran aproximou-se com a espada na mão, seguido por mais homens armados.

— O que aconteceu? — indagou ele. — Ouvimos barulho de luta!

Não desconfiava de que eu, Thiago e um padre pudessem estar envolvidos naquilo.

— Também escutamos e por isso descemos para verificar  — menti descaradamente.  —  Alguns soldados discutiram por causa do jogo de dados. Gawain tentou separá-los e foi atacado. Ele está bem, mas desacordado... Um dos homens já o socorreu.

Em seguida, segurei Sir Lacran pelo cotovelo, para fazer com que ele voltasse ao salão.  Continuei a mentir, antes que ele tivesse tempo de pensar:

 — Preciso levar o padre para ver o arqueiro antes que o espião real faça uma ideia errada sobre sua lealdade a Henrique. 

No entanto, com um olhar irritado, Sir Lacran desvencilhou-se de mim.

— Podem ir! Vou descer e descobrir o que houve entre meus soldados — disse, e depois seguiu com os homens pelo corredor.

De repente, um dos soldados acercou-se de Robert e pegou a mão dele. Eu congelei e mordi os lábios, assustado.

— Padre! Preciso me confessar depois... — o pobre homem disse.

Robert fez um sinal da cruz e uma prece em latim.

— Não precisa! Te absolvo, meu filho!

Com um sorriso feliz, o soldado fez uma reverência, e a seguir correu atrás dos outros.

— Idiota! Faça pelo menos o sinal da cruz do lado certo! — resmunguei entredentes, pois o panaca havia invertido o movimento. — Agora sei porque Gawain o desmascarou... — comentei, enquanto caminhávamos pelo salão em direção ao pátio. — Depois me acusa do plano não ter dado certo!

— Estou nervoso, imbecil! Quase morri duas vezes... — Robert retrucou.

— Panaca! Não sei porque te salvei.

— Não precisa ficar me lembrando disso! Eu teria me virado sozinho!

— O quê? — Parei, fuzilando-o com um olhar de raiva. Inacreditável, grunhi para mim mesmo.

Robert também parou e devolveu-me o mesmo olhar, desafiando-me. Por um instante pensei em jogar-me sobre ele e socá-lo de uma maneira delicada. Apenas o suficiente para que ele não conseguisse abrir a boca nos próximos meses!

Felizmente, Thiago interpôs-se entre nós.

— Será que vocês podem parar de brigar? Parecem duas crianças! — protestou , nos empurrando para que continuássemos andando.

Eu grunhi. Robert grunhiu. Nos lançamos mais alguns olhares em desafio e, só então, seguimos Thiago.

Chegamos ao pátio e caminhamos devagar em direção à torre. Subimos as escadas da muralha, fingindo passos tranquilos.

Dois soldados guardavam a entrada.

— Abram a porta! — ordenei em um tom que não admitia contestação.

— Mas, senhor... — Um dos homens ousou protestar.

— O arqueiro precisa confessar antes de ser enforcado! — Robert insistiu, por sorte agora fazendo sinais das cruzes de maneira correta.

Finalmente, os homens assentiram e abriram a tranca da porta.

— Parem! É um embuste! — De súbito, uma voz gritou vinda do pátio.

Assustados, olhamos para baixo.

Era  Gawain. Ele tinha uma expressão furiosa. Em uma das mãos carregava uma lança; na outra,   uma besta armada com uma flecha . Sua cota de malha prateada reluzia como se ardesse sob os raios do sol poente; a capa esvoaçava nas costas como as asas de um anjo-demônio.

Era uma visão temível!

E pior... 

Atrás dele vinham Sir Lacran e vários soldados.


Nota da autora:

Gillian e Robert brigam, brigam, mas no fundo se amam! Não acham?

E agora a coisa fica meio tensa...

Olha o Gawain chegando! Arff... Acho que ele é ainda pior na visão de Robert em Sobre amor e Lobos. Quer dizer, por enquanto pelo menos. 

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