Aslan
O castelo de Aslan era uma enorme e antiga fortaleza, de pedras escuras e torres altas. Um rio passava ao lado e o curso da água fora desviado para rodear as muralhas. Uma ponte cruzava acima, e por ela se chegava ao portão principal que naquele dia estava aberto.
Homens seguiam pela ponte, entrando e saindo livremente. Os soldados que o defendiam pareciam distraídos e conversavam tranquilamente entre si.
Eu e Jack cruzamos por eles, montados em nossos cavalos.
— É dia de festa hoje? Porque tantas pessoas indo e vindo? — perguntei a um dos soldados em tom arrogante.
O homem nos analisou, notando nossos cavalos de raça e as vestes da nobreza que ambos usávamos.
— Milorde... — respondeu em tom humilde, — um ofensor de Aslan foi capturado e as pessoas querem vê-lo. Estamos dando uma lição nele! Foram cinquenta chibatadas até agora... É um vil arqueiro que matou uma bruxa antes do tempo e não permitiu que fosse queimada. Os demônios continuam a nos trazer desgraças!
— Chega! — Ergui o queixo com uma expressão altiva. — Acha que tenho tempo para conversar com soldados? Corra para dentro e anuncie que Sir Gillian de Hastings e Sir James de Lioncourt estão aqui.
—Sim! É claro, Sir! — O soldado fez um cumprimento respeitoso e correu para cumprir a ordem.
— James de Lioncourt? — Jack me encarou, parecendo surpreso.
— Gostou? Acabei de inventar! — Devolvi-lhe um sorriso irônico. — Tente ficar o mais calado possível. Deixe que eu falo, está bem? Infelizmente você não aprendeu ainda a mentir...
— Infelizmente? Achei que fosse uma coisa boa!
— Pode ter sido dentro do mosteiro...
— Nossa Gillian! Às vezes acho você tão parecido com Robert! Imagino que são almas gêmeas, separadas um pouco antes de nascerem...
— Sei que deve estar nervoso, mas não precisa me ofender! — Franzi o cenho e olhei para ele em protesto.
Entramos no pátio de pedra e fomos recebidos por cavalariços que se adiantaram para cuidar dos cavalos. Desmontamos e lhes entregamos as rédeas.
— Ofereçam água e comida aos animais, mas os deixem prontos aqui no pátio. Não nos demoraremos — pedi a eles.
Um pouco depois, avisado por um dos soldados do portão, Sir Lacran e Gawain desceram as escadarias, saindo do salão principal.
O escudeiro ainda tinha o nariz inchado devido à cabeçada de Robert, mas havia se limpado e trocado a armadura por uma cota de malha prateada e uma túnica escura coberta por uma capa negra e vermelha. Sir Lacran, caminhando ao lado dele, era um cavaleiro bastante idoso, de cabelos brancos e rugas profundas no rosto.
Os dois vinham cercados por mais soldados e um deles apresentou-os com voz cerimoniosa.
— Sir Lacran de Aslan, senhor do castelo e seu escudeiro, o futuro cavaleiro Gawain de Avalon.
Gawain era bonito, mas havia algo errado com o aspecto dele. Talvez fossem os olhos, que se pareciam com os de uma cobra pronta para dar o bote, ou a boca, que se torcia em um sorriso estranho. O idoso Sir Lacran também tinha o mesmo brilho cruel no olhar. Era uma dupla vinda diretamente do inferno! Praguejei em silencio, xingando Robert por nos ter envolvido naquilo. Começava a pensar que talvez não saíssemos vivos daquela enrascada.
Por sorte eu era hábil em esconder meus sentimentos. Fiz uma reverência educada e Jack imitou-me. Apresentei-me e, a seguir, voltei-me para Jack com uma expressão de respeito.
— Meu companheiro é James de Lioncourt, primo em terceiro grau de sua alteza, nosso amado rei Henrique! Acompanha-me durante algumas semanas para melhor conhecer a Inglaterra e seus nobres cavaleiros.
Jack, felizmente, preferiu continuar calado. Sabia que jamais conseguiria mentir tão bem como eu.
A seguir, continuei em tom educado e em francês, a língua da alta nobreza:
— Sir Guy, nosso prezado xerife de Nottingham, indicou-me que meu irmão, Sir Francis Hastings, está hospedado nesta casa. Tal cortesia é uma honra para nossa família. Agradeço em nome de meu pai, o conde, mas vim a pedido dele para transmitir algumas ordens ao meu irmão. — Esforcei-me para esconder um sorriso quando vi que os dois cavaleiros entreolhavam-se, preocupados.
Gawain adiantou-se prontamente.
— Seu nobre irmão está entretido com uma dama... uma amiga... Sejamos discretos! — sussurrou ao meu ouvido com um olhar cúmplice.
Em seguida, disse em voz alta para todos ouvirem:
— Entrem, nobres amigos! Aceitem a hospitalidade de Aslan e repousem sob nossos cuidados! Avisaremos Sir Francis.
— Obrigado! Entretanto, preciso vê-lo imediatamente. As notícias que trago são urgentes! — Passei por ele com um andar decidido e subi as escadas até Sir Lacran. — É um prazer conhecê-lo. Suas aventuras nas Cruzadas são cantadas pelos menestréis nos salões de nosso castelo!
A seguir, olhei para o canto do pátio onde ao entrar havíamos visto John, o arqueiro. Ele estava caído de joelhos, amarrado a um poste e com as costas marcadas por golpes de açoite. E continuei:
— Soube que está castigando um arqueiro rebelde hoje. Esses costumes antiquados ainda são usados por aqui? O xerife não devia ter sido avisado e julgado o caso? Ou o senhor pensa como meu nobre pai e deseja fazer as leis no lugar do Rei?
Sir Lacran deu de ombros e balbuciou algumas desculpas nervosas.
Rapidamente, eu o peguei pelo braço como se fossemos antigos amigos. Conduzi-o ao salão principal e levei-o para um dos cantos.
— Talvez o senhor deva deixá-lo na ala dos servos, dar-lhe um pouco de água e chamar um padre para ouvir as confissões dele... — sugeri com um sorriso. — Sei como é! Devemos sempre castigar camponeses e rebeldes ou não haveria ordem! Mas é preciso manter as aparências e seguir as novas regras. Richard, Duque da Aquitânia, filho rebelde de nosso rei, declarou guerra ao próprio pai. Por causa disso, o nosso amado Henrique está endurecendo as leis e punindo os que não as cumprem. Quer manter os nobres com rédea curta... Meu pai também está sofrendo com as intervenções dele. James de Lioncourt é, na verdade, um espião da família real.
Sir Lacran resvalou o olhar para Jack, que entrava no salão acompanhado por Gawain. Este o levava para frente da lareira e chamava servos para trazerem vinho e comida.
— Sim! Vamos providenciar o que sugere quanto ao arqueiro. E meus criados avisarão seu irmão de sua chegada.
Eu ergui as sobrancelhas e pisquei um olho para ele.
— Ele está com uma dama... Prefiro subir e encontrar-me com eles. Gostaria de conhecer a beldade que cativa o interesse dele!
— Pedirei que o acompanhem. — Por fim, o velho cavaleiro concordou.
***
Após subir as escadas e cruzar corredores escuros, o criado que me indicava o caminho parou diante de uma porta. Colocando-me diante dele, eu a abri sem bater.
A cena que vi me encheu de raiva. Francis tentava agarrar Elizabeth, que o empurrava com uma expressão enojada. Lembrei-me do ataque à Elise na floresta e tive que fazer força para sorrir. Felizmente, ambos não estavam sozinho, pois duas aias também estavam no quarto.
— Gillian? — ambos indagaram, surpresos, e Elizabeth aproveitou para se afastar de meu irmão.
— Não sabia que se conheciam... — Francis voltou-se para ela.
Ela deu de ombros e o observou como se ele fosse um inseto desprezível.
— Pelo menos alguém de sua família é educado!
Aproximando-me dela, fiz uma reverência e beijei-lhe o dorso as mão.
— Como não conhecer Elizabeth de Flandres, uma deusa... Todos a amam! E ela também deseja um amor que desafie as ondas do mar, um amor que atire centenas de mares às chamas — declamei a poesia que Robert me obrigara a decorar, e notei que os olhos dela relampejaram em reconhecimento.
Francis nos interrompeu com um olhar irritado:
— O que faz aqui? Como soube que estou hospedado neste castelo?
Não respondi. Segurando Elizabeth pela mão, a conduzi até uma das cadeiras diante da mesa, puxei-a educadamente para que ela se sentasse e, só então, voltei-me para meu irmão.
— Sente-se, meu caro. Trago notícias de nosso querido pai.
Em seguida, tirei uma garrafa de vinho de dentro de uma bolsa sob minha capa.
— Trouxe uma garrafa de um precioso vinho de Bordeaux para comemorarmos nosso reencontro, e me deparo com a dama mais bonita da Inglaterra! Uma perfeita ocasião para bebermos esta iguaria.
Era uma das garrafas da adega de padre Tuck. Nela, Robert misturara uma das poções de Mildred, a curandeira, que agora estavam com ele.
Enchi os dois copos sobre a mesa e olhei para as duas aias que estavam ao lado.
— Mais taças, garotas. Vamos todos brindar!
Uma delas correu para um antigo armário e arrumou mais duas taças de estanho, escuras como o restante do castelo.
Servi as duas e pisquei para Elizabeth.
— Primeiro as damas! — brindei, esperando que ela tivesse entendido e não o tomasse.
As duas garotas viraram o vinho rapidamente. Elizabeth apenas correspondeu ao brinde e encostou os lábios na beirada do copo.
Repeti o movimento com Francis e fingi tomar um pouco. Meu irmão, irritado e impaciente, emborcou toda a bebida em um só gole.
Depois, nos sentamos nas cadeiras diante da mesa. Pedi para que as aias sentassem nas almofadas em frente à lareira e nos deixassem conversar em paz.
— Traz notícias de nosso pai? Então fale logo e nos deixe a sós! — Francis apressou-me.
— Sim... Antes prefiro relatar a competição de galgos que assisti. Foi tão interessante!
Comecei a contar uma história comprida e monótona sobre um de nossos tios e suas preferências pelos galgos esportivos, descrevendo cada um dos cães e a corrida entre eles. Percebi que Francis piscava.
— Está cansado, meu irmão? Talvez seja melhor descansar um pouco diante da lareira.
Francis pestanejou. Eu o segurei pelo braço e o conduzi às mesmas almofadas sobre as quais as aias já dormiam com sorrisos contentes nos rostos. Devagar, fiz com que ele se deitasse e o cobri com uma manta deixada ao lado das almofadas. Francis podia ser uma canalha arrogante, mas era meu irmão.
Em seguida, virei-me para Elizabeth que já me aguardava em pé e com olhos ansiosos.
— Onde Robert está? — ela indagou, aflita. — Temos que resgatar John!
— Minha missão é resgatar você! Robert cuidará de John — expliquei. Tinha de admitir que o Locksley era um idiota presunçoso, mas ao menos era inteligente. Arquitetara um plano nos mínimos detalhes.
— Espere! — Elizabeth correu para um dos baús e de lá retirou algumas roupas. — Vire-se de costas! — ordenou-me, trocando rapidamente as vestimentas.
Ela pusera roupas masculinas, de escudeiro, mas ainda se parecia com uma bela mulher. Depois, encaminhou-se para uma das espadas que decoravam a parede e armou-se com ela.
— E agora? Como sairemos daqui?
— Deixe a espada. Não conseguiremos sair daqui lutando... Teremos que usar uma arma diferente! — Apontei para minha própria cabeça.
Eu calculava as possibilidades. Gawain e Sir Lacran estavam no salão, e deveríamos atravessá-lo para atingir o pátio. Elizabeth precisaria de mais um disfarce para conseguir passar por eles.
— Você sabe quais são os aposentos de meu irmão?
— Os da porta em frente à nossa. Ele me deixou claro logo ao entrar. Provavelmente pensava que eu cairia em seus braços! — ela respondeu, irritada.
— Não o odeie. Ele está apaixonado! E homens apaixonados às vezes fazem bobagens... — Sorri, fazendo um sinal para que ela me seguisse.
Cruzamos o corredor em direção ao outro quarto. Mais uma vez, abri a porta sem bater. Elizabeth também entrou e fechou a porta atrás dela.
— Thiago! — exclamei, surpreso ao vê-lo sentado em uma cadeira, com uma expressão aborrecida. Mas estava belo como sempre, talvez ainda mais do que eu me lembrava, e meu coração apertou-se, dolorido de saudades.
Por um instante, pensei em correr para ele e abraçá-lo, mas percebi que Thiago franzia o cenho e não parecia nada contente em me ver. Eu não esperava um abraço, mas um sorriso teria sido bem vindo. Uau, Gillian! Estou feliz em ver você. Está bem? Onde esteve? Ele podia ter perguntado, mas não o fez.
— O que está fazendo aqui com ela? — somente indagou em tom seco. — E onde está Francis?
Eu teria discutido com ele severamente, se não estivesse ocupado em salvar uma dama em apuros de um castelo.
— Ele está bem, não se preocupe. O deixei dormindo, sedado por uma poção que lhe dará lindos sonhos! Precisamos tirar Elizabeth do castelo em segurança.
Thiago parecia hesitar. Ele nem ao menos se levantara da cadeira e não era difícil perceber sua relutância em nos ajudar.
Meu coração batia como um louco. Confesso que, mesmo enquanto estava com Jack, imaginara meu reencontro com Thiago. Eram sempre encontros felizes e ardentes, com mil abraços e beijos, pois na imaginação tudo é permitido. Mas agora, ali estava ele, desprezando-me!
Segurei a raiva para não protestar e começar um escândalo ali mesmo. Aproximando-me, debrucei-me no encosto da cadeira onde ele se sentava.
— Thiago... Meu irmão enlouqueceu! Associou-se a homens sem honra. Raptaram a garota e o arqueiro, mataram soldados e queimaram a casa dele. Como acha que meu pai reagirá ao saber disso? Você sabe o quanto ele deseja a união com os Fitzbur! Se quer ajudá-lo, vamos corrigir tudo isto e tentar apagar o incêndio que tais atos causarão.
— E quem é o rapaz que está com você? — Os olhos dele me fitaram, carregados de ciúmes. — Soube que foi a Londres. Estava com ele?
— Será que não podemos conversar sobre isto mais tarde? — indaguei e olhei para Elizabeth, constrangido.
Ela sorriu e deu de ombros.
— Finjam que não estou aqui...
— Vamos, Thiago! Precisamos de sua ajuda! — Por fim, esqueci a raiva e ajoelhei-me aos pés dele em um apelo dramático. Então, o pouco caso com que me recebera era devido ao ciúmes... Descobrir isso me deixou mais animado. Ele estava apenas me punindo pela traição e jamais se negaria a ajudar-me. Thiago ainda me amava.
E eu... Bem, aquele não era o momento certo para decidir minha complicada vida amorosa.
Finalmente, ele concordou:
— Com certeza, conversaremos mais tarde! — ameaçou-me com um olhar emburrado, enquanto se levantava.
Desafivelou o cinto rapidamente, puxou a túnica pela cabeça e atirou-a para Elizabeth. A seguir, pegou sua capa, deixada sobre um dos baús do quarto, e também a entregou-lhe.
— Vista-se com minhas roupas. Desça com Gillian, peçam por meu cavalo. Não desconfiaram de nada ao te verem partir. Imaginarão que sou eu a cumprir uma ordem dos Hastings.
Em um instante, Elizabeth vestia as roupas dele e cobria a cabeça com o capuz da capa.
— Quando meu irmão acordar estará ainda meio atordoado. Aproveite para tirá-lo daqui. As sombras escuras deste castelo provavelmente penetraram na alma dele — pedi a Thiago.
— Não foi o castelo... E sim, o amor. Você sabe o que a dor do amor pode fazer a nós, não sabe? As sombras que podem levantar; o ódio e as mentiras.
— Sim... Sei... Me desculpe! — Meus lábios se torceram em um sorriso triste.
Sem pensar, ergui a mão e acariciei os cabelos dele. Queria beijá-lo, dizer que tinha saudades. No entanto, somente virei-me e sai, levando Elizabeth comigo.
***
Chegamos ao salão. Jack continuava a entreter Gawain. Sir Lacran dava ordens aos criados, organizando a recepção noturna dos convidados.
Elizabeth cumprimentou-os com um acenar respeitoso da cabeça escondida pelo capuz, as cores dos Hastings da túnica de Thiago aparecendo sob a capa.
Os homens devolveram o cumprimento e continuaram a conversar sem desconfiar de nada. Ela seguiu em passos lentos para a porta, procurando não chamar atenção.
Fui atrás dela. Meu cavalo e o de Jack estavam prontos e selados como eu ordenara. Vi que John ainda estava amarrado ao poste e suas costas sangravam, marcadas por cortes profundos.
Elizabeth também o vira.
— Precisamos tirá-lo de lá! — sussurrou angustiada.
— Logo o levarão à ala dos servos — tranquilizei-a e peguei as rédeas dos cavalos. — Robert o resgatará.
— Não posso ir até saber que todos estão bem!
— Ficaremos bem, milady. Não se preocupe, temos um plano! Coloque-se em segurança, pois se ficar precisaríamos nos preocupar com você. Num piscar de olhos o tiramos daqui! Padre Tuck e alguns dos aldeões de Aslan estão do nosso lado. Eles nos esperam entre as árvores e trazem mais cavalos. Vamos até eles e você nos aguarda ali, enquanto volto para ajudá-los.
Elizabeth recusava-se a partir.
— Não... — murmurou, aflita, começando a caminhar na direção de John.
Com um aperto firme, segurei-a pelo braço e a impedi.
— Se ficar, nosso plano estará perdido! — exclamei, puxando-a para o cavalo.
Por fim, ela cedeu e montou rapidamente. Bati no flanco do animal, instigando-o, depois pulei para a sela de meu cavalo e a segui.
Os guardas nos cumprimentaram sem desconfiar de nada, enquanto passávamos em um trote rápido pela arcada da muralha.
Eu deixei escapar um suspiro de alívio. Até agora, tudo saíra como esperado! Deixaria Elizabeth em segurança com Tuck e seus ajudantes; voltaria ao castelo para auxiliar Robert a resgatar o arqueiro disfarçadamente e, ao final do dia, estariam todos bem longe dali.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top