A Torre
Notas da Anne: Desta vez preferi comentar antes. Alerta de parte triste, não recomendo a quem teme "gatilhos..."
Minha madrasta tinha os olhos cravados em mim. acusando-me.
— Lady Elise tentou me seduzir — Francis repetiu a mentira. — Gillian infelizmente nos descobriu...
O olhar de Chloe tornou-se duro. A seguir, ela foi até a cama onde Elise continuava soluçando em desespero, os cabelos despenteados cobrindo parte do rosto.
— Não bastava um dos irmãos? Tinha que lançar seus feitiços sobre os dois? — A voz dela não deixava espaço para nenhuma espécie de defesa.
Os olhos de meu irmão brilhavam com um sorriso cínico, quase divertido. Elise estava tão apavorada que só conseguia emitir protestos desconexos em meio aos soluços.
Quando achei que nada podia piorar, subitamente meu pai apareceu. Mas que praga! Agora estou danado de verdade, lamentei-me.
O rosto dele estava mais carregado do que nuvens de inverno. Cravou os olhos em mim, com certeza perguntando-se o que eu aprontara agora. Logo, Chloe lhe contou o que houvera. Quer dizer, a versão de Francis, confirmada rapidamente pelos soldados.
Sabia que nada do que eu ou Elise disséssemos seria ouvido. Então, fiquei calado, esperando o mundo desabar sobre minha cabeça.
Foi algo muito perto disso o que aconteceu.
Meu pai fez um sinal para os soldados, ordenando que me levassem. Depois, colocou-se adiante de nós, indicando o caminho.
Descemos as escadas e seguimos para o pátio. O frio da noite de inverno atingiu meu rosto, que já estava tão pálido quanto a lua cheia que brilhava no céu. Por dentro, sentia-me gelado como a neve fina que cobria o chão de pedra.
Olhei para a torre norte, onde ficava o tesouro e minha liberdade. Por um momento, lamentei-me de não ter seguido para lá. Mas então, pensei no que teria acontecido com Elise e deixei escapar um suspiro conformado.
O suspiro fez meu pai parar e virar-se brevemente. Pude ver a expressão dele. Decepção e cólera misturavam-se na testa franzida e nos lábios apertados.
― Vamos! ― Virando-se, ele fez um sinal de queixo para que os soldados continuassem.
Continuei parado. Meu coração disparara e a garganta se fechava de medo. De súbito compreendi para onde ele queria me levar.
― Não, pai... ― Consegui dizer em um sussurro rouco.
Não adiantou. Um dos soldados apertou o meu braço e me arrastou atrás dele.
Atravessamos o pátio do castelo até as escadas que subiam para a muralha que cercava o castelo. Meu passos haviam se tornado os de um sonâmbulo; era como se eu caminhasse em meio a um pesadelo.
Quando atingimos a esplanada acima dos muros, a torre sul surgiu diante de meus olhos.
Eu, que já estava gelado, gelei ainda mais. Parei de olhos arregalados. Não podia seguir em frente. A torre sul era meu passado, a carga que eu carregara desde criança; o lugar da desgraça terrível que me acompanhava e fazia os olhos de todos se virarem para mim com desprezo ou compaixão. Não sei qual dos dois sentimentos eu odiava mais.
― Não! ― Desta vez, aterrorizado, protestei mais alto, quase berrando. Meus olhos continuavam fixos na torre escura e alta, recortada contra o céu e iluminada pelo luar violeta.
Novamente, foi inútil. Os soldados me arrastaram pelos braços. Meu pai continuou e chegou à porta dela.
O ferrolho que a trancava estava enferrujado; há onze anos ninguém entrava ali. Um dos soldados adiantou-se e bateu com o punhal de uma adaga, soltando-o da tranca. Com um barulho metálico e um rangido, enfim a porta se abriu.
O rangido ressoou dentro de minha cabeça como o rugido de uma fera. A sensação de que eu estava em meio a um pesadelo aumentou.
Eu tremia e não conseguia me mover. Empurraram-me para dentro. Cambaleante, eu caí de joelhos, ouvindo a porta se fechar atrás de mim com um baque. Coloquei-me de pé com um pulo e corri para a porta, esmurrando-a loucamente.
― Não me deixem aqui! ― supliquei com gritos de desespero.
Ninguém me escutou. Os passos dos homens se afastaram, deixando-me a sós naquela lugar terrível.
Com as mãos em garra, arranhei a porta, apertando a testa contra o metal gelado e fechando os olhos. Deixei escapar um gemido de terror.
― Não me deixem... ― devo ter sussurrado de novo, mas já não me lembro muito bem.
Meu peito doía e o coração batia forte, descontrolado. Comecei a andar de um lado para o outro, tomado pelo pânico. Sentia tonturas e ofegava rápido, lutando para respirar.
Tentava não olhar para as escadas que subiam para a parte mais alta da torre, a céu aberto e de onde se podia ver tudo ao nosso redor. Parte de mim se lembrava de que a vista lá de cima era linda; as colinas e florestas que cercavam o castelo e a vila estendiam-se até o horizonte. Outra parte, tentava bloquear qualquer tipo de recordação.
Esta última fracassou; logo as imagens do passado cresceram. Levei as mãos à cabeça e enterrei os dedos nos cabelos, murmurando a letra de uma poesia para me distrair. Não podia deixar a onda de terror me arrastar para regiões desconhecidas de minha alma. Tinha medo de perder o controle e enlouquecer.
Finalmente, a poesia que eu agora repetia em voz alta fez efeito, e consegui me acalmar um pouco.
Então, meus olhos desviaram-se para a escada. Como se pertencessem a outra pessoa, os pés arrastaram-me para os degraus. Subi devagar até atingir um patamar aberto, circular, protegido por uma amurada baixa.
O vento frio do inverno embaraçou meus cabelos, fazendo-me tremer ainda mais. Embrulhei-me na capa e prossegui para perto da amurada.
A lua iluminava os campos e florestas ao redor, refletindo na neve branca que cobria o solo. A noite estava clara, e eu podia ver ao longe. A paisagem era linda, como eu me recordava, e parecia me convidar para a liberdade.
No entanto, outras imagens vieram. Relampejavam em minha alma, acompanhada de gritos, formando um caos confuso e aterrador. Um caos de recordações que eu esforçara-me para esquecer, mas jamais o havia feito de verdade.
Minhas lembranças eram como feras selvagens à espreita na floresta. Não podia vê-las, mas podia pressenti-las, escondidas nas sombras de minha alma, esperando somente o momento certo de atacar.
Virando-me, caminhei para o outro lado, o coração batendo forte. Sentia-me aterrorizado como se as feras escondidas em meu interior tivessem pulado para fora e mordessem meus calcanhares. As lembranças cresciam e tornavam-se mais nítidas.
Detive os olhos no castelo, meu lar, mas que considerava uma prisão. Examinei as paredes de pedra escura, as torres e muros que o cercavam.
Engolindo em seco, olhei para baixo. O pátio a frente da ala principal estava sob meus pés, muitos metros abaixo. Uma queda vertiginosa para a morte.
Com um pulo, subi na amurada, como havia feito onze anos atrás, quando ainda era uma criança de cinco anos.
Minha mãe gostava daquele local. Aos finais de tarde, ela vinha para admirar o pôr do sol. Talvez se não tivesse me trazido naquele dia, ela ainda estivesse viva.
Fechei os olhos, deixando as lembranças me invadirem.
Minha mãe sentava-se na amurada e conversava distraída com uma dama de companhia. Eu corria diante dela de braços abertos, agitado e feliz como só uma criança pode ser.
Lembro que ela me olhava de vez em quando e sorria, embora não me recorde mais exatamente de seu rosto.
Gargalhando, pulei para a amurada ao lado dela. Mas na pressa infantil, desequilibrei-me.
Lembro-me de balançar na beira do abismo, batendo os braços.
Lembro-me de que ela debruçou-se para me alcançar, conseguindo me puxar de volta à segurança.
E a seguir... Despencou para a morte.
Arquejei, angustiado, comtemplando o pátio abaixo. Meu olhar procurou encontrá-la ali de novo, como naquele dia; caída de lado, os cabelos longos e o sangue espalhados ao redor.
Arquejei de pavor. Uma tontura me atacou de súbito.
Balancei sobre a amurada, pensando que iria cair e me unir a minha mãe nas pedras do pátio. Com um grito, pulei para trás e voltei a pisar no chão da torre.
Meu corpo tremia violentamente e um suor frio escorria pela testa.
Não foi minha culpa, murmurei para mim mesmo, apertando os braços cruzados sobre o peito, sentindo-me gelado, infeliz, e apesar das palavras, mais culpado do que nunca.
O que acontecera não durara mais do que um instante. Um piscar de olhos que mudara toda a minha vida. Um acaso infeliz? Ou um fato que estava escrito nas estrelas em meu destino e no dela?
Respirei fundo, e depois deixei o ar escapar com força, amaldiçoando as estrelas que brilhavam no céu noturno. Sentia o meu peito doer como se alguém houvesse cravado uma adaga dentro dele, enquanto lágrimas escapavam de meus olhos por mais que tentasse segurá-las.
Correndo, desci as escadas novamente e alcancei a sala por onde entrara. Era um espaço circular, rodeado por janelas estreitas nas quais arqueiros poderiam se debruçar e atirar suas flechas em caso de ataque.
A sala estava na penumbra, iluminada muito fracamente pelos raios do luar que cruzavam as janelas, tão vazia e gelada como minha própria alma.
Deixei-me cair sentado, encostado na parede. Dobrando as pernas, cobri-me com a capa. Puxei o capuz sob a cabeça e, inclinando-me, escondi o rosto nas mãos pousadas nos joelhos.
Quando amanheceu, abriram a porta. Depois, disseram-me que haviam me encontrado assim, ainda encolhido sob a capa.
Não me recordo. Vencido pelo pânico, eu tinha apagado.
Ergo a pena de escrita e enxugo uma lágrima. Lembrem-se! Estou escrevendo e contando minha história. Espero que ninguém fique com pena de mim ao ler isso. Compaixão é um sentimento que abomino quando vejo nos olhos dos outros em minha direção. Afinal, tragédias acontecem na vida de todo mundo.
Prefiro receber apenas um suspiro e o silêncio em troca. Melhor ainda, um sorriso. Os três que fizeram isso conquistaram o meu amor. Um deles, mais do que os outros.
Mas vamos prosseguir...
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top