Palavras ditas sem intenção

Capítulo 3 – Palavras ditas sem intenção


"Se a pessoa não gosta de mim, é porque tem mal gosto"

– Park Jimin


Quando o relógio bateu às nove horas ambos já estavam no quarto, de barriga cheia, banho tomado e prontos para começar algo produtivo.

Claro que havia sido estranho dividir o banheiro e Jeon nunca se acostumaria a tomar banho com aquele cheiro Frutal por todo canto e se perguntava se Jimin havia feito de propósito, se havia tomado um banho tão quente a ponto de cozinhar os miolos dele, com a intenção de expandir o cheiro para todo o lugar.

Mas Jimin estava apenas tentando se aquecer. Naquele momento ele já teria passado um tempo agarrado com Taehyung, antes de começar a estudar por conta própria, mas agora não tinha mais esse privilégio e precisava lidar com aquilo.

Não deixaria Jeon tomar banho primeiro, não sabia o quão organizado o alfa era e, por mais que ele sempre fosse caprichoso e cuidadoso com as coisas do laboratório, ainda poderia ser um grande bagunceiro no dia a dia, preferia não arriscar.

Mas depois que o alfa saiu do banheiro, trazendo consigo vapor quente e o cheiro refrescante que o lembrava mar e algo que não conseguia descrever, percebeu que talvez tivesse que o obrigar a tomar banho em outro lugar, porque aquilo era ridículo.

Se sentou na mesa central do quarto e começou a revisar alguns dados do projeto, ler alguns artigos sobre a teoria e pensar em opções de soluções que poderia discutir no dia seguinte com o tutor.

– Está lendo sobre o projeto da fundação Linix? – Jeon perguntou surpreso, se aproximando enquanto secava o cabelo com a toalha. – Eu li uma parte do arquivo, mas não achei a continuação, me empresta depois?

Jimin o analisou, ele não parecia estar brincando ou debochando de si, parecia ter abaixado as armas por alguns segundos e resolveu que não deveria ser grosseiro naquele momento.

– Se quiser, fique à vontade. Mas acho que não tem nada de novo ou interessante. Eles apenas refizeram o experimento de Laser que aquela escola nos Estados Unidos fez em 2016.

– Jura? Eles gastaram um orçamento quase bilionário para replicar um experimento? – Questionou incrédulo, se sentando na cadeira vaga ao lado do ômega, se aproximando mais sutilmente para ler o artigo que Jimin segurava, o ômega nem ao menos percebeu a movimentação de tão inerte na leitura que estava.

– Acho que não tem nada de novo nessa área a muito tempo. A pesquisa teórica sobre buracos negros parou de progredir em 2017 e depois disso é apenas mais do mesmo.

– Eu acho que tenho em algum lugar um artigo mais recente sobre. Se quiser, posso procurar pra você. – Jimin se virou para ele, se assustando ao notar a aproximação, se sentindo envergonhado.

– E... o que fala nela? – Questionou constrangido, desviando o olhar para a mesa, por não saber pra onde olhar.

– Se eu me lembro bem, ele joga uma teoria de que todos os buracos negros são apenas a ausência de energia, massa e força, gerando um vaco no universo que pode te consumir.

– Então é impossível atravessar? Não tem nada do outro lado? – Questiona interessado.

– É uma teoria, não conseguiu ser comprovada. Nem ao menos foi aprovada para ir para a parte prática, mas me pareceu consistente.

– E luz? Luz não é matéria, ela poderia atravessar? – Se empolgando, Jimin se virou para o alfa, com os olhos brilhando em empolgação.

– Acho que sim. Poderíamos tentar recriar isso em laboratório usando uma caixa de vácuo. – Jeon resmungou, sorrindo de lado, analisando o rosto do ômega, que parecia iluminado. – Você costuma estudar todas as noites? – Questionou interessado.

– Sim. Taehyung costumava revisar o conteúdo dele também e íamos até tarde com isso. – Explicou se virando para o papel novamente, desconfortável com a proximidade, querendo que o alfa se afastasse, mas com medo de que qualquer agulha pudesse desencadear uma nova briga.

– Vocês se dedicam mais do que todos. É inacreditável. – Disse pensativo, com as palavras do professor martelando em sua mente. – Tem algum motivo pra isso?

Jimin franziu o cenho. Um motivo? O que ele esperava, que Jimin lhe dissesse: Ô Deus, sim, claro, o motivo de nós dois estudarmos até o sol nascer é porque o mundo inteiro acha que somos burros e incapazes e nós temos que estar constantemente provando que não, que somos mais do que apenas uma bunda bonita em um corpo biologicamente errado.

– Não. Nenhum motivo. Só quero ter os melhores resultados no projeto. – Mentiu, se levantando com a desculpa falsa de procurar algo em sua mochila, quando na verdade apenas queria se afastar do alfa.

– Entendi. – Respirou fundo. – Viu só? A gente consegue ter minutos de paz. – Brincou e Jimin revirou os olhos.

– Suspiros em meio ao caos.

– Melhor que nada. – Jeon deu de ombros. – Eu costumo estudar durante as noites também, mas não tanto. Apenas um assunto ou outro, até eu cair no sono. – Explicou, deixando Jimin surpreso.

O ômega jurava que Jeon nunca havia estudado de verdade na vida, que tudo o que ele fazia era ser genial naturalmente, com uma memória de dar inveja e um talento nato para os cálculos. Saber que Jeon também estudava e se dedicava era uma informação nova.

– Por quê? Você tem facilidade em entender tudo, sempre pega tudo de primeira, pensei que não precisasse estudar. – Jeon riu com o pensamento bobo do ômega.

– Tá brincando? Eu passei o ensino médio inteiro surtando pra tentar entrar aqui. Eu fazia tantos resumos que chegava a dar câimbra nos dedos. Fiquei com tendinite na época do exame de aprovação e nasceu tanta espinha na minha cara de nervosismo que eu parecia uma maldita peneira. – Se zoou e notou Jimin o analisando, buscando em sua pele qualquer mínimo sinal de espinhas. – Eu fiz um tratamento muito bom pra pele.

– Tô vendo. – Resmungou baixo um tanto perdido. – Não sabia disso.

– Porque a gente nunca conversou de verdade. – Deu de ombros. – Desde o primeiro segundo você ficou ocupado demais em jogar pedras em mim.

– Você fez a mesma coisa com todo aquele seu ego inflado perguntando se ninguém tinha entrado pra física, quando claramente só tinha eu no laboratório. – Jimin se irritou se lembrando do primeiro dia na universidade.

Jimin havia chegado primeiro, estava tão empolgado, tão animado com a ideia de não ter mais que lidar com os pais, de estar tendo seu sonho realizado, que mal podia se conter. Estava louco para conhecer amigos e pessoas tão inteligentes quanto os gênios que ele ouvia falar.

Mas tudo foi por água abaixo quando o alfa chegou. Era como se fosse invisível, Jeon nem ao menos o viu ali e apenas perguntou ao professor se não existia nenhum outro calouro em física naquele ano.

Como se o ômega estivesse ali para qualquer outra coisa que não fosse ser um aluno. Jimin ficou tão irritado, se sentiu tão inferior e menosprezado. Era claro que para um alfa, que tinha tudo facilmente na vida, era natural menosprezar classes inferiores que tinham que se esforçar de corpo e alma para conseguir qualquer coisa na vida.

Ficou tão possuído de ódio, que nem ao menos conseguiu conter sua língua afiada, quando o respondeu que "Além de mim? Aparentemente, ninguém com um cérebro pensante."

E, desde então, uma relação de gato e rato começou, as provocações, brigas e implicâncias em todos os lugares e horários.

– Você é pequeno, eu não te vi na sala. – Mentiu, envergonhado com a verdade.

Quando chegou no laboratório, Jimin estava mexendo no equipamento, sozinho com o professor. Jeon acreditou que Jimin fosse um veterano e apenas o questionou sobre os outros calouros daquele ano, mas Jimin agiu com uma atitude tão superior, com o maldito nariz empinado, que Jeon não conseguiu evitar de se sentir ofendido por aquilo.

– Eu sou baixo e não invisível. – Cruzou os braços.

– Você só é muito estressado. – Jeon rebateu.

– E você é insuportável.

– Pelo menos eu não sou uma pedra de gelo. – Rebateu se levantando também, consciente de que a paz havia acabado e que Jimin iria voltar ao atacar gratuitamente.

– Pedra de gelo? Você tá me chamando de frio? Logo você que parece um robô? Uma geladeira tem mais sentimentos que você. – Brigou de volta.

– Uma geladeira é mais calorosa que você.

– Isso é ridículo, você nem ao menos me conhece.

– Passamos o dia todo, nos últimos dois anos, sozinhos em um laboratório, acha mesmo que eu não te conheço?

– Acho que não tem a menor ideia de como tratar um ômega. – Arrebitou o nariz.

– Pelo menos um dia eu vou ter um. – Se arrependeu no mesmo momento quando viu a expressão do ômega vacilar. – Eu não...

– Nos seus sonhos talvez, mas qualquer ômega estaria condenado ao seu lado. – Se virou, pegando seu livro e se jogando em sua cama, para se cobrir e ler debaixo do cobertor, com ajuda da lanterna do celular.

Jeon preferiu ficar em silêncio, havia falado o que não queria e o que não era verdade, havia magoado o ômega e não era isso que queria. Havia sido tão bom ter um segundo de paz com Jimin, ter uma conversa produtiva e leve, tinha arruinado tudo.

Não queria insinuar que o ômega iria ficar sozinho, ou que era incapaz de achar alguém, não era isso. Mas suas palavras soavam com essa interpretação e agora havia estragado tudo. 

– Me desculpa, tá? Eu não quis falar aquilo. – Murmurou triste, mas não recebeu uma resposta. Suspirando, pegou seu próprio livro e caderno e foi até a sua cama, decidido a ficar lendo em silêncio até o final dos tempos, mas seu coração apertou ao ouvir um fungado da cama vizinha.

Não viu o momento em que Jimin dormiu porque acabou pegando no sono antes, mas, quando acordou, se sentiu um tanto perdido ao abrir os olhos e sentir o cheiro gostoso de frutas, logo se lembrou de tudo o que havia acontecido e procurou com os olhos o ômega pelo quarto, o encontrando já pronto, vestido e arrumando seu material.

Se perguntou o quão cedo o ômega havia acordado e ao sentir o costumeiro incômodo no meio das suas pernas, se cobriu melhor com a coberta, constrangido com a ideia de Jimin ter visto algo impróprio.

E sem falar nada, Jimin saiu do quarto, o deixando sozinho. Jeon respirou fundo. Droga, se desculparia de novo em breve. Não queria ter falado aquilo, foi no momento da raiva. Odiava a forma como Jimin o considerava sem sentimentos, porque... ele tinha alguns, bem fortes até.

Sempre provocava Jimin com o fato dele ser frio, mas não achava que aquilo o machucava de verdade, mesmo porque o ômega sempre parecia tão durão e confiante de quem era. Talvez o professor Xin estivesse certo e aquilo fosse só uma forma dele se proteger.

Se odiou naquele momento por ser tão insensível.

Tomou um banho, se arrumou, pegou suas coisas e saiu rumo à cafeteria, onde todos os amigos deveriam estar o esperando como de costume.

Logo os encontrou fofocando alto sobre alguma hipótese que Taehyung jurava ser real. Iria caminhar até eles, se sentar ao lado do ômega e tentar se desculpar mais uma vez, mas parou ao ver um beta se aproximar com receio.

Daehyun era um dos estudantes de matemática, às vezes o ajudavam em algumas contas e regras, mas não tinham muito contato com o beta. Jeon sempre o achou alguém centrado e espontâneo, mas, naquele momento, ele não parecia tão natural assim.

– Bom dia – disse cumprimentando todos, se sentando ao lado do ômega mais baixo. – Dormiu bem?

– Não muito. – Jimin resmungou sorrindo para o beta, um sorriso que mesmo visto de longe, parecia bonito e carregado de expectativas.

Jungkook estranhou aquilo. Nunca havia visto os dois conversando ou interagindo daquele jeito. Decidiu ir até a mesa, se sentando de frente para os dois, apenas acenando com a cabeça para os amigos que estavam concentrados em um debate e não deixou de reparar que Jimin nem ao menos pareceu o notar ali.

– Fui no seu quarto ontem, mas Taehyung me avisou que mudou de dormitório. Está tudo bem?

– Nada fora do esperado. – Resmungou baixo, vacilando na tentativa de esconder a mágoa. – Mas você queria algo comigo? – Forçou um sorriso.

– Eu queria te chamar para ir à biblioteca hoje. – Explicou se aproximando mais do ômega. – Poderíamos comer algo depois, se você quisesse e você poderia me contar mais sobre como estão indo as coisas no seu projeto.

– Parece legal. – Jimin piscou algumas vezes, parecendo tímido. Jeon franziu o cenho, ele tava flertando? – Nos encontramos depois?

– Eu te busco no final do tempo. – Avisou se levantando, carregando um sorriso satisfeito no rosto, mas Jeon apenas se perguntava:

O que diabos havia acabado de acontecer?

|GENIUS|

Espero que tenham gostado. Sexta eu devo atualizar novamente.

Nota 1: Eu usei muito de THE BIG BANG THEORY para falar sobre física e tals, porque sou péssimo nisso, então pode - e com certeza tem - informações erradas, não se baseiem nisso, são apenas conversas aleatórias, para mostrar eles discutindo o projeto.

Nota 2: Jimin é um ômega homem, não pode ter filhos e é super julgado pela sociedade, cresceu com pais abusivos e acreditando que nunca seria amado de verdade, por isso quando Jeon insinua que ele ficaria sozinho, Jimin ficou tão abatido assim. 


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