II - Exagerado
Naquela mesma tarde, logo quando Jungkook pensava que seu dia não podia piorar, um cracudo o parou quando estava voltando para o hotel. O cara olhou para o rosto do Jeon e para o seu boné antes de soltar a pérola:
— Caralho, é o Michael Jackson.
Enquanto Taehyung botava as duas mãos sobre a boca, quase rindo alto diante daquilo, Jungkook perguntou a si mesmo se Michael Jackson usava um boné e o que diabos ele tinha a ver com o cantor. Resolveu que o melhor seria apenas ir na onda.
— É, eu sou.
— Puta merda, os fantasma tão doido nos dias de hoje.
Cansado demais até mesmo para expressar uma reação com aquilo, Jungkook apenas encarou enquanto o homem saia andando calmamente. Taehyung se segurava muito para não jogar-se no chão de tanto rir.
— Essa foi de cair o cu da bunda — comentou, as lágrimas escorrendo — Preciso mudar seu contato para Michael Jackson.
Já caminhando, Jungkook perguntou a si mesmo quanto tempo demoraria para ele voltar à realidade. Nem mesmo olhou para trás quando ouviu o amigo choramingar ao perceber, pela décima vez no dia, que tinha sido roubado.
Claro que já tinha ligado para o seu pai escondido e dito para comprar um celular novo para o amigo com as suas economias. No entanto, só o entregaria quando estivessem voltando pra casa, assim evitaria que acidentes como aquele acontecessem de novo e, talvez, conseguiria fazer uma surpresa ao melhor amigo.
O sol já estava se pondo quando chegaram ao quarto do hotel, que tinha vista especial para a bendita praia. A mãe de Jungkook estava sentada no sofá, mexendo no celular, e deu uma olhada na direção dos garotos quando eles chegaram, sorrindo com a boca fechada. O Sr. Jeon não se encontrava em lugar algum, mas Jungkook nem mesmo se deu ao trabalho de perguntar sobre ele.
Antes mesmo que qualquer pessoa pudesse dizer algo, Taehyung se jogou no sofá, como se fizesse parte da família.
— Mulher, tu não sabe! — Já foi logo falando. Jungkook soube na mesma hora que ia sair merda daquela boca — Tenho maior fofoca.
— Me conta agora, mulher.
Na mesma hora, a mãe de Jungkook largou o celular, se posicionando para ouvir a novidade. Jungkook já sabia, por anos de experiência, que não adiantava intervir. Então, consolado com o destino cruel que o esperava, apenas abriu o frigobar e tirou uma barra de chocolate de lá.
— Um mandrake gostosinho deu em cima do Jungkook na praia na frente de todo mundo e ficou pedindo o número dele sem parar.
— Tadinho, gente — a mulher riu.
— Não, mas aí é que tá! Ele jogou vôlei com o cara e ainda passou o número!
— Mentira! — ela olhou para Jungkook, que já estava no celular — Tu fez o quê? Não acredito nisso, não...
— Ele era irritante e estava me perseguindo. Aí fiz isso pra ele parar...
A senhora Jeon, em toda sua glória, deu um sorrisinho sacana e colocou a mão na frente da boca.
— Acho que vai dar namoro, hein? Taehyung concorda comigo, né, Taehyung?
— Com certeza, tia. A senhora tá sempre certa.
Jungkook sabia, de verdade, como era difícil para a maioria das pessoas que precisavam sair do armário sobre sua sexualidade, mas às vezes queria se jogar da janela do quinto andar quando sua mãe fazia aquele tipo de comentário. Sua família inteira sabia muito bem que Jungkook era panssexual e o respeitavam imensamente por ser quem ele era. No entanto, como tudo tinha um preço, tinha que ouvir seu melhor amigo conversar com sua mãe sobre seus flertes como se fossem duas adolescentes. Isso quando ela não o ajudava a armar algum encontro ou falava sobre sexo seguro, o que nunca falhava em fazê-lo desejar o doce sabor da morte.
Óbvio que era isso o que o irritava e não o fato de suas bochechas estarem coradas por causa de um cabinha metido a funkeiro que usa Juliet. Claro que não.
Os dois continuaram fofocando sobre a vida de Jungkook como se ele não estivesse ali, enquanto o mesmo rolava a timeline do Twitter, sem conseguir passar mais de três minutos no aplicativo sem rolar os olhos. Quando fechou a aba, pronto para largar o aparelho e ir tomar um banho, uma notificação brilhou na tela. Era um número desconhecido, mas ele soube instantaneamente de quem se tratava.
número desconhecido:
eu nunca mais vou respirar
se vc n me notar
eu posso até morrer de fome
se vc n me amar
jeon jungkook 🐰:
já morreu?
Enquanto esperava Jimin digitar, Jungkook abriu a foto de perfil dele, observando seu sorrisinho, seus olhos pequenos. Era descendência coreana, afinal. Usava camiseta preta... Pele bronzeada.
Jungkook não salvou o contato, mas passou tanto tempo admirando a foto do garoto que se assustou quando a mensagem chegou.
número desconhecido:
vc me notou, então ainda estou respirando
mas vc nunca me disse teu nome
jeon jungkook 🐰:
é Pedrinho
número desconhecido:
mentira, q seu video no tiktok passou na minha fy
Jeon Jungkook
jeon jungkook 🐰:
af
qual vídeo?
número desconhecido:
vc tocando violão na praia hj kkkkkkkk
brega vc
jeon jungkook 🐰:
olha q eu te bloqueio
qq tem demais nisso?
número desconhecido:
vou salvar seu contato como pedrinho rei delas
vc toca violao p conquistar as pessoas, eh?
jeon jungkook 🐰:
VC N OUSARIA
eu nem salvei o seu contato
otário
número desconhecido:
salva aí poxa
salva como "amor da minha vida"
jeon jungkook 🐰:
não
pernas torneadas:
oq vc tem de ignorante tem de bonito
como vc salvou meu contato?
hmmm agr posso ver sua foto
jeon jungkook 🐰:
como Park Jimin, ue
n eh esse o seu nome?
pernas torneadas:
bem, pelo menos vc lembra do meu nome
e agr posso admirar sua foto
vc eh bem riquinho ne
jeon jungkook 🐰:
n tanto
pernas torneadas:
vc tem um vídeo passeando num iate
vai me dar um fora por eu ser um pobretao?
jeon jungkook 🐰:
n dou fora nas pessoas por causa disso
larga de ser besta
e para de stalkear meu tiktok
Antes que a resposta viesse, Jungkook bloqueou o celular, decidido a ir tomar banho de uma vez por todas. Afinal, tinha prometido ir a uma boate com Taehyung à noite, depois de sair para jantar com seus pais.
— Por que você tava sorrindo pro celular? — Taehyung perguntou, a voz inocente, mas uma expressão digna do diabo estampada na cara — Tava conversando com ele?
— Não — mentiu na cara dura — Tava vendo um vídeo do Bokuto.
— Mentira! Você estava digitando feito louco aí.
Jungkook ergueu o dedo do meio pro amigo antes de pegar a toalha e sumir no banheiro do quarto de hotel. Ouviu a risada alta de sua mãe enquanto colocava sua playlist para tocar, não antes de dar uma última olhada na foto de Jimin.
Até que ele é realmente bonitinho, foi o que pensou antes de entrar debaixo do chuveiro.
___
Os saltos da Senhora Jeon faziam barulho no piso do Deck Buffet, uma pizzaria à beira-mar, na maldita Copacabana, onde servem comida tradicional brasileira variada. Jungkook evitou olhar ao redor, as mãos nos bolsos da calça preta folgada, uma regata preta deixando seus braços cobertos de tatuagem de fora. Não costumava usar regata, mas estava realmente confortável.
Claro que isso não tinha absolutamente nada a ver com uma paranoia que surgiu em sua cabeça, onde as palavras Jimin e Copacabana estavam intimamente relacionadas. Absolutamente nada a ver.
Sentou-se à mesa, lado a lado com Taehyung, que atraia a atenção das pessoas por ser bonito demais, apesar de usar apenas bermudas e uma camiseta bege folgada. Parecia ter nascido na praia, com seus cabelos encaracolados e sua pele bronzeada. No final, já estava com o celular novo, visto que a mãe de Jungkook era péssima em guardar segredos e já foi logo entregando o aparelho para o garoto assim que o marido chegou com o presente.
Àquela altura, Taehyung já era praticamente parte da família. Estava tagarelando ao lado de Jungkook, sofrendo para escolher algo no cardápio, mas o moreno claramente achava seu celular mais interessante.
Tinha conversado com Jimin sobre mais coisas do que gostaria de admitir, mesmo que se retraísse com medo de cair em algum golpe. Acabou, por fim, dizendo que seria só uma diversão de verão, deixando acontecer naturalmente. Tinham marcado de sair no dia seguinte, um sábado, mas ainda não haviam decidido para onde ir e o loiro não tinha respondido mais.
Jungkook quis meter a cabeça na parede por checar o celular à procura de respostas mesmo sabendo que tinham se conhecido naquele mesmo dia. Aquilo que era a verdadeira definição de ridículo em seu vocabulário. Não agia assim nem mesmo quando gostava verdadeiramente de alguém, ou quando conhecia a pessoa a mais tempo, então por quê? Por que falar com Jimin parecia ser mais leve? Era raro encontrar alguém com quem a conversa fluísse sem parecer forçada, por isso estava se maltratando daquele jeito. Apenas por isso.
Deixou que sua família escolhesse o que iam comer e ficou em silêncio na maior parte do tempo, mesmo que seu pai dissesse, da forma mais gentil que conseguia, para o filho parar de mexer no celular enquanto estavam à mesa. Quando o moço finalmente trouxe os pedidos, as caixas de som do lugar reproduziam um samba e Jungkook levantou o olhar para agradecer, recebendo um sorriso gengival do rapaz.
Quando o Jeon olhou para o prato de Taehyung, viu que tinha um pequeno papel com o número do atendente anotado ali. Ergueu as sobrancelhas na direção do Kim, mas recebeu uma cotovelada nas costelas, sinal nada sutil de que ele devia ficar quieto.
___
O braço de Taehyung estava enlaçado no de Jungkook enquanto eles caminhavam pela calçada, com as sandálias de dedo combinando. O casalJeon caminhava mais a frente, abraçados e conversando baixinho. Podia ouvir música alta vindo de algum lugar e sentia o cheiro de comida e bebida.
Taehyung soltou seu braço, dançando um pouco e tagarelando sobre o garoto do restaurante. Tudo que dizia, no entanto, entrava por um dos ouvidos de Jungkook e saia pelo outro. Ele encarava fixamente o mar, sem prestar atenção a mais nada que estivesse ao seu redor. Só Deus sabe o que se passava em sua cabeça naquele momento. Talvez nada, talvez tudo.
Mas com certeza devia ter passado alguma coisa, já que estava tão imerso em pensamentos que nem mesmo ouviu uma voz gritando para ele sair da frente, antes de ser atropelado por alguém. Virou no último instante, apenas para ver um garoto frear uma bicicleta com tudo, caindo de forma bagunçada por cima de Jungkook.
— Porra! Tu não olha por onde anda, não? — Jungkook gritou, todo embaraçado, sem saber nem por onde deveria começar.
— Eu gritei pra tu sair do meio um milhão de vezes, cacete! Tava em Nárnia?
Jungkook e Jimin se encararam com ódio por um segundo que pareceu durar uma eternidade, até que a ficha caiu e eles reconheceram um ao outro. Foi só então que o moreno notou a caixa do Ifood e a roupa vermelha do outro.
Ele estava... trabalhando? Era isso mesmo?
— Ah... É você — foi o que Jungkook disse, enquanto se levantava — Desculpa.
Olhou para Jimin, sentado na calçada e para sua entrega, provavelmente arruinada, antes de estender a mão na direção do loiro. Quando ele aceitou a ajuda, o puxou para cima.
— Mas que merda.
— Você está bem?
Jimin o encarou, visivelmente puto, mas respirou fundo. Também era sua culpa por pedalar rápido demais, afinal.
— Acho que sim. Você?
— Acho que sim também.
Jungkook pegou a bicicleta e a levantou, olhando para seus pais logo em seguida. Sua mãe estava assustada, mas ninguém disse nada. Enquanto Jimin ajeitava suas coisas, o moreno tirou a carteira do bolso da frente e olhou para os dois lados antes de tirar uma nota de lá.
— Acho que isso cobre o lanche que eu arruinei — estendeu o dinheiro na direção de Jimin — Desculpa.
O Park visivelmente não queria aceitar aquilo, mas era óbvio que ficaria encrencado caso se demorasse mais um minuto que fosse, então pegou o dinheiro e subiu na bicicleta de novo. Ele sorriu antes de encarar Jungkook, que ainda estava surpreso.
— Vê se me liga mais tarde — disse, como se fosse nada, e saiu — Até mais! Desculpa pela confusão.
Quando o garoto começou a sumir ao longe, a mãe de Jungkook o agarrou pelo braço e passou o resto do caminho dizendo como Jimin era bonitinho, compartilhando um ar cúmplice com Taehyung.
— Sabe o que é isso? — o Kim disse para um Jungkook mais do que irritado — Destino.
— Ah, cala a boca, pelo amor de Deus.
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