Copacabana
Ao contrário de Taehyung, não era um grande fã de lugares movimentados. Jungkook, então, escondia-se no bar da boate enquanto seu amigo dançava sem parar na pista, já muito perdido no meio da confusão, talvez perdido em seus sentidos também. A bebida azulada no balcão estava cheia de cor e prazer, mas ele só conseguia pensar no loiro praieiro que encontrou não muito tempo antes de entrar na festa. A ideia de Jimin também era colorida e prazerosa, ridiculamente emocionante.
Jungkook virou a bebida e pediu mais uma dose ao moço do bar, todo sorridente e brilhante. Ou talvez fosse apenas o álcool começando a fazer efeito em seu organismo, deixando tudo mais bonito aos seus olhos.
Uma moça de cabelo com tranças azuis se aproximou do Jeon no balcão, um sorriso que quase não cabia em seu rosto e palavras que não cabiam em lugar nenhum. Jungkook subitamente não queria ouvir o que ninguém queria dizer.
Sentia que todo o clima da festa já havia sido estragado, estava apenas fazendo mais um favor a seu melhor amigo, sendo abandonado de novo. Não era tarefa fácil ser amigo de alguém tão extrovertido, mas o que poderia fazer?
Enquanto a moça falava, ele desbloqueou o celular e viu uma mensagem chegar. Com a bebida fazendo efeito, sentia-se livre para dar um sorrisinho bobo ao ver a foto de Jimin brilhar na barra de notificações. Obrigou-se a desmanchar sua expressão de felicidade dois segundos após colocá-la no rosto, mas já estava ali de qualquer forma. As clássicas borboletas no estômago e a emoção do verão. Uma sensação de estar fora de casa, conhecendo alguém diferente, de não saber o que vem a seguir, de saber qual a cor favorita dele.
pernas torneadas:
acabei de chegar em casa
ainda n acredito que esbarrei em vc com uma bicicleta do ifood
jeon jungkook 🐰:
vc n se machucou, ne?
tbm ngm mandou andar de bicicleta na velocidade da luz >na calçada<
pernas torneadas:
poxa
jeon jungkook 🐰:
oq foi?
pernas torneadas:
eu ia me iludir com vc se preocupando cmg
mas n durou mt
jeon jungkook 🐰:
eu realmente me preocupei
n pode?
pernas torneadas:
vc bebeu?
qq isso?
ilusão de graça?
Jungkook deu uma risadinha na direção do celular, algo que ele mesmo julgava bastante, mas logo uma mão pousou em seu ombro e ele deu um salto de susto, pronto para atacar quem quer que tivesse o tocado.
— Então você anda rindo pro celular agora? — Taehyung falou mais alto que a música — Isso que eu chamo de reviravolta.
— Péssima hora pra lembrar que eu existo.
Taehyung sentou no banco ao lado do amigo, onde a moça estava antes. Ele nem mesmo percebeu quando ela saiu.
— Ah, para com isso... — ele sorriu na direção do bartender — Uma tequila mexicana, por favor.
As sobrancelhas de Jungkook levantaram tanto que seu amigo deu uma risada.
— O que foi?
— Olha, eu não vou te arrastar até o hotel.
— Claro que não. Nós dois vamos ser arrastados.
Quando a bebida rolou no balcão, Taehyung logo pediu outra dose. Jungkook sabia o que ele estava fazendo, o que estava acontecendo, mas não tinha energia para revidar e não estava com vontade de dar pt em pleno Rio de Janeiro.
No final, ele mordeu a fatia de limão com sal e virou a dose assim mesmo.
Precisava de mais do que se afogar na imagem e ilusão de alguém que acabara de acontecer. Não podia deixar uma diversão de verão tomar mais espaço em seu cérebro do que o necessário. Não podia ficar a festa toda imerso no celular pensando em um loirinho bonito.
Em algum momento, sem perceber muito bem como, já havia se encaminhado até a pista de dança, combinando coreografia para um funk junto de Taehyung, dançando completamente sincronizados. Enquanto Jungkook se movia, o copo de whisky em sua mão permanecia intacto.
Novamente, perdendo noção do tempo, Jungkook encostou no balcão, vendo que não era mais o moço sorridente quem distribuía as bebidas e sim um senhor baixo.
— Desce uma gelada aí, tio — Taehyung gritou no ouvido do amigo e o senhor sorriu.
— É pra já.
De uma hora pra outra, já não estavam mais na boate e sim num karaokê mal iluminado, repleto de gente cantando MPB bem antigo. Taehyung cantava Caetano Veloso com sua voz grave e algumas pessoas não conseguiam parar de encará-lo, nem mesmo Jungkook. Na sua vez, cantou uma música de Ana Vitória, contrariando toda a sua reputação no tik tok.
Tinha certeza de que algumas pessoas o gravaram, mas estava bêbado demais para se importar com isso. Nem o tempo, nem o espaço importavam mais. De certa forma, podia ser ele mesmo, por mais problemático que isso fosse. Podia dar sorrisos vazios e valsas fora de compasso. Podia até mesmo pegar seu celular e ligar para quem não devia. Podia também sorrir enquanto a foto de Jimin brilhava na tela.
No entanto, também podia sentir desespero enquanto sua voz embargada de sono soava do outro lado da linha.
— Jungkook?? Você sabe que horas são?
Era uma boa pergunta. Jungkook não sabia. Talvez tivesse esquecido até de seu próprio nome.
— Desculpe... — falou o mais alto que conseguia, por cima do barulho do karaokê — Eu te acordei?
Ouviu um suspiro vir do outro lado da ligação e sua animação se converteu em ansiedade tão rápido que a bile subiu por sua garganta. Precisou de muito esforço para não vomitar, mas se afastou da bagunça até encontrar o lugar menos barulhento, finalmente respirando fundo.
Era realmente maluquice ligar para alguém que conhecia a um dia. Ainda mais de madrugada. No final, a bebida teve o efeito contrário ao que ele esperava.
— Não, não me acordou, mas... Aconteceu algo?
— Não exatamente. Só queria ouvir sua voz.
— Você realmente bebeu, não é? Não é legal ligar só quando tá bêbado...
— Não é por isso que estou ligando! — Jungkook reclamou, já com um bico em seus lábios.
— Claro que é!
— Não é, não!
Jungkook se esforçou para ouvir o que Jimin dizia do outro lado da linha, mas um grupo de garotos esbarrou em seu corpo, quase o levando junto para a rua e, por pouco, não começaram uma briga. Ele se aprumou todo e esqueceu que estava em ligação por alguns segundos, apenas voltando a si quando a voz de Jimin o chamou do outro lado.
— O que foi isso? Jungkook?
— Ah, olá. Não foi nada, desculpa.
Mais um suspiro.
— Onde você tá?
Jungkook olhou ao redor, mas não conseguia ler o letreiro, ou sequer encontrá-lo para começo de conversa.
— Eu não sei... Num karaokê perto da orla.
— Se for o que eu tô pensando, tu é riquinho pra caralho mesmo hein. Tudo bem, fica aí. Não sai daí, entendeu?
— Oxe, por quê?
— Porque eu vou te buscar, né? Pra que mais seria?
Jungkook imediatamente arrependeu-se de todas as decisões que tomou na noite.
— Não precisa. E se você me sequestrar?
— É mais fácil você ser roubado aí ou outra coisa. Eu já tô saindo, não se mexe.
O bip eletrônico indicando que a chamada foi encerrada tocou antes que Jungkook pudesse responder e ele imediatamente vomitou na lata de lixo que, por sorte ou destino, estava do seu lado. A tontura que sentia foi aliviada consideravelmente, mas outro tipo de sentimento desconcertante começou a tomar conta de seu estômago.
Como sempre, Taehyung não estava em nenhum lugar que pudesse ser encontrado facilmente e Jungkook não tinha total controle de seus sentidos, quanto mais de suas ações. Era uma tremenda bola fora o que havia acabado de fazer e possivelmente ainda faria mais, mas não conseguia se mover. O relógio no celular, que ele já havia escondido, indicava que passava das duas da manhã, e ele não podia deixar Jimin se arriscar assim, a esse horário, por nada. Assim sendo, permaneceu escondido na calçada, procurando por vestígios de um garoto loiro.
Nem mesmo dez minutos haviam se passado quando ele avistou uma bicicleta rápida demais para sua própria segurança vindo em sua direção. Era ele, óbvio, vindo com suas havaianas e calça de dormir, o cabelo loiro uma bagunça. Jungkook estava sóbrio o suficiente pra saber que era uma ideia terrível. Se Jimin já caia fácil sozinho, imagina os dois juntos num transporte que exigia uma coisa que Jungkook carecia bastante no momento: equilíbrio.
Quando a bicicleta parou na sua frente, ele só pôde aceitar seu destino.
— Você está horrível — Jimin comentou — Ainda não acredito que me ligou.
Jungkook resolveu não comentar que ele também parecia ter caído da cama.
— Cala a boca. Isso não vai dar certo.
— Claro que vai. É só se segurar em mim. Vamos rápido, okay? Não quero ser assaltado de novo essa semana. Duas vezes já é humilhação.
— É justamente por isso que eu acho que não vai dar certo... — Jungkook murmurou enquanto se posicionava na garupa com muito sofrimento — Okay, vamos.
Tinha a sensação de estar esquecendo de algo, mas a adrenalina de ver Jimin pedalando feito louco com aquelas suas pernas o deixou completamente aturdido, então o pensamento logo foi embora, tão rápido quanto chegou.
— Onde fica o hotel que você tá?
— Eu não lembro!
— Ah, puta que pariu...
Jungkook, mais uma vez, tão preocupado em não cair, não pensou nas consequências do que fazia. Não pensou em nada até estar em uma rua completamente diferente do esperado, parando em frente a um sobradinho azul um tanto decadente. Seu cérebro demorou alguns segundos a mais do que o normal para assimilar a situação.
— O quê...?
— Anda, desce logo — Jimin falou.
Sem muitas opções, ele desceu da bicicleta e esperou enquanto Jimin abria o cadeado do portão, logo passando para dentro e prendendo a bicicleta em um canto escondido de frente a uma janela com grade.
— Você pode passar a noite aqui — ele disse, enquanto destrancava a porta e puxava Jungkook pra dentro na velocidade da luz — Pronto, estamos são e salvos agora.
Jungkook esperou, acanhado no canto da sala, enquanto Jimin ascendia a luz e sinalizava com a mão.
— Bem vindo a minha humilde residência.
— Obrigado...
Jimin apenas fez que sim com a cabeça, enquanto caminhava até a cozinha americana, pronto para pegar uma água. A sala era o mais aconchegante que podia ser, com discos de cantores da velha guarda dispostos num canto, tão velhos quanto as músicas, um sofá azul gasto com uma manta igual a que sua avó tinha no interior e uma mesinha de canto com porta retratos e bugigangas. Os detalhes passaram pelos olhos de Jungkook e se perderam logo depois, ao que ele decidia se devia dar um passo ou ficar ali o resto da noite.
Sem saber bem o que fazer, ele tirou os sapatos e os deixou no tapete na porta, ficando apenas de meia.
— Vai dormir em pé? — Jimin perguntou, com um copo de água na mão — Eu não mordo, sabe. Só se você pedir.
Jungkook sentiu um leve rubor nas bochechas, mas era impossível de notar com todo o álcool rondando seu organismo.
Apesar de envergonhado com tudo o que tinha feito, ele aceitou o copo de água e sentou no sofá, ao lado de Jimin.
— Sua sorte é que não tenho aula amanhã — Jimin falou, sentado de um jeito que não ajudava em nada a concentração de Jungkook — Eu quase morri do coração quando vi.
Jungkook engoliu toda a água e encostou a cabeça no sofá.
— Faculdade? — foi o que perguntou.
— Isso.
— De quê?
— Psicologia.
— Não combina com você.
Em instantes, o copo foi arrancado da mão de Jungkook, que mal teve tempo de raciocinar.
— É assim que tu me agradece? — Jimin perguntou enquanto colocava o copo na pia limpa e organizada — Vou pegar um lençol. A primeira porta do corredor é o banheiro, aliás.
As últimas palavras ditas foram perdidas numa névoa confusa ao que Jungkook se acomodava no sofá, sentindo-se em um hotel cinco estrelas, sentindo o cheiro de Jimin impregnado nas almofadas, seus olhos fechando involuntariamente.
Quando o dono da casa voltou com uma manta, o garoto no sofá já roncava baixinho, encolhido no sofá. Ele não viu quando Jimin o cobriu delicadamente e apagou a luz.
Nesse mesmo instante, em algum lugar da orla de Copacabana, Taehyung também tinha a sensação de estar desprezando algo em sua memória enquanto beijava um garoto de sorriso gengival que nem toda a cachaça do mundo o faria esquecer.
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