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*Narrador

23 de setembro de 1994

Samuel estava abrindo as caixas empoeiradas e escutando a mãe falar ao telefone, ela estava angustiada e parecia preocupada com o que a pessoa do outro lado da linha lhe falava.

- Claro, eu entendo! - ela fala e suspira. - Todos nós sentimos falta dela, mas sei que é mais complicado para vocês.

Sérgio que estava limpando o balcão, troca olhares com o irmão. Ambos curiosos para saber do que se tratava o assunto e preocupados com a reação da mãe.

- Não, fica em paz... Pode trazer ela. - Helena fala e passa a mão suada na calça jeans. - Fica em paz, ela aprende junto com os meninos.

Samuel franze o cenho e para de mexer na caixa, olhando para a mãe e esperando uma resposta.

- Tudo bem, Ricardo... Nos vemos hoje a noite então. - ela fala e suspira. - Até mais tarde.

- Ô mãe, se for pra ajudar a vizinha a trocar a lâmpada novamente eu não vou não. - Sérgio resmunga ao ver a mãe colocar o telefone no gancho e Samuel revira os olhos. - Ela dá em cima de mim toda vez, a Clara ficou brava comigo da última vez.

- Ela estava falando com o Ricardo, Sérgio. - Samuel fala e cruza os braços. - O que vai ter hoje a noite que vocês vão se ver?

- Ele vai vir jantar aqui em casa. - ela responde e Samuel nega.

- Vai trazer a filha chata? - ele questiona.

- Samuel! - Helena o repreende.

- O quê? Ela é chata mesmo, mãe. - ele volta a pegar a caixa e tirar algumas fitas da mesma.

- A Lua não é chata e sim, ela vai vir com o pai dela. - Helena fala e Sérgio olha para Samuel e da risada. - Ele me pediu um favor e eu disse que iriamos ajudar.

- Que favor, mãe? - Sérgio pergunta e Helena olha para Samuel e depois para o mais velho.

- Eu disse que a Lua iria trabalhar com vocês aqui na locadora. - ela responde e Sérgio suspira frustrado.

- Ah, mãe! - Samuel resmunga. - Ela não pode trabalhar com a gente, ela é insuportável.

- Samuel! - o tom de voz de Helena fez com que o garoto suspirasse. - Você tem vinte e dois anos, não tem?

- Sim, mãe. - ele responde desanimado.

- Quantos anos a Lua tem?

- Sei lá, ela é um ano mais nova. - ele cruza os braços. - Deve ter vinte e um anos.

- Você acha que eu fui essencial na sua infância? - Helena pergunta e Samuel franze o cenho.

- Claro, você é minha mãe.

- E se eu sumisse quando você completasse nove anos? - ela questiona e ele se endireita.

- Aí mãe, nem fala isso. - ele fala nervoso.

- A Lua não é insuportável, ela só é... - ela deixa a frase no ar e suspira. - A vida já foi muito cruel com ela, seja gentil.

Helena sai da locadora e entra em casa, Sérgio se levanta e encara o irmão irritado.

- Porra, Sam! Você é vacilão demais. - ele fala e Samuel o encara confuso. - A menina pode ser chata, mas você sabe que ela é especial pra mamãe, esqueceu que a tia Marisa era melhor amiga da nossa mãe?

- Foi mal, Sérgio. - Samuel suspira. - A Lua é tão diferente da tia Marisa que as vezes esqueço que ela era filha dela.

- Sei que não gosta dela, mas faz esse esforço pela mamãe. - Sérgio fala e Samuel assente. - E faz uns anos que não conversamos com ela, as vezes ela mudou. - ele tenta consolar o irmão.

- Acho mais fácil eu ganhar na loteria do que ali ter mudado. - ele resmunga e Sérgio da risada.

...

Helena coloca a lasanha sobre a mesa e sorri com o resultado, estava animada, iria rever a afilhada depois de quatro anos.

- Eles chegaram, querida. - a voz de seu marido chama a sua atenção, ela tira o avental rapidamente e passa as mãos pelos cabelos, os colocando no lugar.

Ela segue até a sala e vê Francisco, seu marido, cumprimentando Ricardo com um abraço. Ao lado dele estava a garota, ela era alta como a mãe, os cabelos ondulados batiam em seu ombro e a expressão estava fechada, mas mesmo assim Helena conseguiu se perder nos olhos castanhos e por alguns segundos enxergou a melhor amiga.

- Helena! - Ricardo sorri e segue até a mesma a abraçando. - E esses meninos? Meninos não, homens já.

- Eai, tio. - Samuel fala sem graça e se levanta do sofá para cumprimentar o homem, Sérgio se levanta em seguida e o cumprimenta também.

- Oi, tia. - é Lua que toma a iniciativa e vai cumprimentar Helena fazendo com que seu pai se surpreenda.

- Oi, meu amor. - a mais velha puxa a garota para um abraço apertado e para sua surpresa, ela retribui.

Mal sabia Helena que Lua precisava daquele abraço tanto quanto ela.

- Lá vai a mamãe chorar. - Sérgio provoca e Helena dá risada e se afasta da garota. - Eai, Lua.

- Oi. - a menina olha para ele e acena com a cabeça, Samuel olha para Sérgio com ironia como se dissesse pelo olhar "Eu te avisei".

- Agora que todo mundo se cumprimentou o que acham de irmos jantar? - Helena fala passando as mãos no rosto, para disfarçar as lágrimas que haviam escorrido. - Fiz lasanha, a sua favorita. - ela pisca para Lua e a garota assente.

- Mal educada. - Samuel resmunga baixinho e leva uma cotovelada do irmão.

Todos seguem para cozinha e se sentam na beira da mesa, Ricardo e Francisco conversavam sobre os velhos tempos, quando se juntavam para pegar ou os tempos de meninos, onde roubavam goiaba das árvores dos vizinhos.

- Tempo bom era o nosso. - Francisco fala dando uma garfada no segundo pedaço de lasanha. - Mas o que eu pude fazer pelos meus meninos eu fiz, acho que a infância deles foi boa.

- Foi ótima, pai. - Sérgio sorri para o mais velho. - Estávamos com saudades, tio, faz quanto que não te vemos? Uns dois, três anos?

- Quatro! - Samuel corrige o irmão.

- É, quatro anos. - Sérgio fala e encara o prato vazio. - Por quê voltaram para Guarulhos?

- Aconteceram alguns... - Ricardo é interrompido por Lua levantando.

- Posso ir ao banheiro? - ela pergunta e Helena assente.

- Claro, querida. - ela responde e observa a menina sair da cozinha. - Não precisa falar, Ricardo. - ela força um sorriso para o mais velho.

- Acredito que os pais de vocês irão falar com vocês depois. - ele explica e Sérgio assente. - Novamente eu não tenho como agradecer vocês dois, saber que ela vai passar o dia na locadora me deixa tranquilo.

- Sabe que sempre pode contar com a gente, sofremos muito quando vocês foram embora. - Helena confessa e Ricardo suspira.

- Eu pensei que seria melhor para ela viver no interior, mas estava enganado. - ele suspira e Francisco coloca a mão em seu ombro, afim de consolar o amigo.

- O que importa é que vocês voltaram agora. - ele fala e o amigo assente.

Lua volta para a cozinha e se senta novamente.

- Vocês me dão licença, mas preciso buscar a Clara na escola. - Sérgio fala se levantando.

- Já está namorando? - Ricardo pergunta surpreso.

- Ele tem vinte e cinco anos, pai. - Lua resmunga e revira os olhos. - Estranho seria se ele não estivesse namorando.

- E você namora, querida? - Helena pergunta e Samuel dá risada.

- Se ela tiver um namorado ele merece um prêmio por aguentar ela. - Samuel pensa alto, mas logo arregala os olhos ao perceber o que havia falado.

- Você deve ser tão insuportável quanto eu já que continua solteiro. - ela retruca e ele cerra os olhos.

- Quem te garante? - ele questiona e Lua da de ombros.

- Não vejo aliança no seu dedo. - ela responde e ele força um sorriso, mas logo fecha a cara.

- Acho melhor nós irmos. - Ricardo se levanta sem graça. - Que horas eu posso deixar ela aqui?

- O quê? - Lua pergunta confusa.

- Você não sabe? Vai trabalhar com a gente agora. - Samuel fala e a garota o encara e encara o pai.

- Não vou não.

- Lua, conversamos sobre isso em casa e... - ela interrompe o mais velho.

- Se está achando que eu vou ficar enfiada o dia inteiro com esses dois está enganado, eu não vou e você não pode me obrigar. - ela fala e Ricardo respira fundo.

- Não faça cena na frente dos seus tios.

- Lua, nós só queremos ajudar. - Francisco fala. - Ficamos preocupados com você e... - ela interrompe o tio.

- Contou pra eles? - ela pergunta e encara o pai que engole em seco. - Você disse que isso iria ficar pra trás e mal chegamos aqui e você já contou pra eles?

- Eu só fiz isso para o seu bem.

- É sempre pro meu bem, sempre para a porra do meu bem. - ela fala irritada. - Por que caralhos não me deixa ser quem eu sou? - ela pergunta e Ricardo bate na mesa, assustando a mesma.

- Chega, Lua! - ele fala e ela nega. - Já disse que em casa conversamos.

- Você é inacreditável. - ela fala para o pai e sai da cozinha, passando por todos.

- Me desculpem por isso. - ele fala meio atordoado. - Eu ainda não tinha contado para ela.

- Tudo bem. - Helena o tranquiliza. - Os meninos abrem a locadora às nove, mas pode trazer ela às oito para tomarmos café juntos.

- Novamente, não sei como agradecer vocês.

- Não é necessário, meu amigo. - Francisco fala e Ricardo assente.

- Até amanhã então, mais uma vez obrigado pelo jantar. - ele fala e se despede de Helena e Francisco. - Obrigado meninos, qualquer coisa é só me avisar e eu dou um jeito de conversar com ela.

- Que isso, tio. - Sérgio sorri. - Estamos aqui para ajudar.

Samuel observa Ricardo e seus pais saírem da cozinha e se vira para Sérgio.

- Eu não disse? Insuportável.

- Não fode, Sam. - Sérgio revira os olhos. - Ela está diferente.

- Sim, conseguiu ficar mais chata do que antes. - ele fala e Sérgio o encara. - Eu não entendo o motivo dela ser tão antipática assim, a menina parece que vive com ódio da vida.

- É o jeito dela, não podemos julgar.

- Ah, podemos sim! - Samuel pega mais um pedaço de lasanha. - Você olha pra ela e ela te encara com ódio, você abre a boca para falar e ela já tem uma resposta para retrucar com você.

- Ela está diferente. - Sérgio insiste. - Eu senti muita tristeza no olhar dela.

- Precisamos conversar. - Helena fala ao entrar na cozinha. - Eles já foram embora.

- Samuel, não é para ficar de encrenca com a menina. - Francisco repreende o filho.

- Foi mal, foi um pensamento intrusivo. - ele dá de ombros e dá mais uma garfada na lasanha. - Aliás, o que é que vocês tem para conversar com a gente?

Helena e Francisco trocam olhares e ela suspira.

- O motivo por eles terem voltado para Guarulhos. - Francisco fala e Helena engole em seco sentindo um nó se formar em sua garganta. - Lua tentou suicídio semana passada.

Samuel deixa o garfo cair no prato e o tilintar do metal contra o vidro ecoou no silêncio que se instalou na cozinha.

- Eu não sabia. - ele fala e se levanta. - Se eu soubesse eu... - Helena o interrompe.

- Nós sabemos, querido. - ela força um sorriso para o filho. - Por esse motivo Ricardo pediu para colocarmos ela para trabalhar com vocês na locadora, ele tem medo que ela fique sozinha e tente novamente.

- Nós vamos cuidar dela, não vamos, Sam? - Sérgio fala e Samuel assente ainda atordoado.

Helena apenas assente e sai da cozinha, fazendo que Francisco suspire.

- Vocês sabem que a morte da Marisa é algo doloroso para a mãe de vocês e agora com isso da Lua, por favor, tenham paciência. - ele pede para os filhos. - Não façam isso por vocês, pela Lua ou pela Marisa, mas façam pela sua mãe.

24 de setembro de 1994 - 07h45 A.M

Lua desce as escadas e encontra com o pai sentado no sofá, ele força um sorriso e se levanta ao ver a filha.

- Vamos? - ele pergunta e ela permanece em silêncio. - Sabe que eu estou fazendo isso para o seu bem, não sabe?

- Não enche. - ela responde e ele suspira.

- Eu sinto falta da minha menina, sabia? Sinto falta da minha filha. - ele fala e pega as chaves. - Eu também sinto falta dela.

- Não... - Lua se vira para ele. - Não fale sobre a minha mãe.

- Precisamos conversar sobre ela, Lua, faz tantos anos e você ainda não... - ele é interrompido.

- Vamos logo. - ela fala sem paciência e sai da casa, o homem suspira e segue a mesma.

Eles entram no carro em silêncio e em menos de cinco minutos estavam em frente a casa dos Reolis já que moravam na rua de cima.

- Lua, se esforça. - ele fala assim que a menina desce do carro. - Eles estão tentando nos ajudar então seja... Seja menos você.

A garota força uma risada e bate a porta do carro, Sérgio estava no portão quando a garota se aproximou.

- Bom dia. - ele fala e ela o encara e permanece em silêncio. - Bom dia, Sérgio. - ele fala em um tom irônico e ela revira os olhos.

- Querida, o café está na mesa e eu volto para o almoço. - Helena fala passando por ela e beijando seu rosto. - Temos muito o que conversar, mas antes vou resolver algumas coisas com o seu pai.

A garota apenas assente e Helena sorri e olha para o filho.

- Já sei, mãe... É pra cuidar da casa. - ele fala e a mais velha da risada.

- Vamos logo, Francisco! O Ricardo não tem o dia inteiro não. - Helena resmunga ao ver o marido sair de casa e seguir até o portão. - Até mais tarde, crianças.

Eles seguem até o carro e Ricardo da a partida.

- Vinte e cinco anos e ela insiste em me chamar de criança. - Sérgio fala entrando e esperando ela entrar. - Você é muda ou só fala quando quer brigar?

- Você não tem nada melhor pra fazer da sua vida, não? - Lua pergunta e Sérgio da risada.

- Isso não é jeito de falar com seu chefe, ainda mais no primeiro dia de trabalho.

- Me perdoa, se eu te mandar tomar no cu você me demite? - ela pergunta e ele gargalha.

- Nem se você implorasse nós iríamos te demitir. - Samuel que estava escorado no batente da porta da sala fala pela primeira vez chamando a atenção dos dois. - Sabemos que pra você é uma tortura estar aqui, então vamos fazer de tudo para que continue trabalhando todos os dias, pitchula.

- Não dou uma semana para você implorar para sua mãe para que me mande embora. - ela retruca e ele sorri.

- É o que vamos ver. - ele fala e ela segue até ele e quando vai passar pelo mesmo para entrar na sala, para em sua frente e olha em seus olhos.

- A próxima vez que me chamar por esse apelido ridículo, vou cortar a sua língua e fazer você engolir. - ela fala de forma séria e Samuel sorri.

- Tenta a sorte... Pitchula.

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Capítulo escrito: 05.05.2024

Capítulo postado: 05.05.2024

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