Capítulo 8 - parte 2 (não revisado)
Ele seguiu pelas sombras e pulou o muro, entrando pelos fundos e usando uma gazua para abrir a porta. Notou imediatamente que Baltasar não estava em casa.
– Mancha Negra chama Diabinha.
– "Aqui fala Diabinha." – Omar ouviu uma risada alegre. – "Estou começando a gostar desse apelido."
– O pato ainda não chegou. Eu vou procurar provas. Me avisa quando ele aparecer, querida.
– "Confirmado, Mancha. Diabinha desligando." – Michaela voltou a rir, enquanto cortava o sinal. Sentia-se feliz e bem ao conhecer um homem que a via como ela realmente era por dentro. Da mesma forma que Angélica, sempre teve problemas com relacionamentos. Apesar daquele sujeito estar comprometido, ele fazia com que se sentisse bem e com vontade de voltar a procurar alguém que virasse seu par, seu companheiro. Alguém que fosse como ele, sem preconceitos tolos.
Omar escolheu ir primeiro para a garagem, encontrando uma porta que lhe dava acesso a partir da cozinha e descobriu a motocicleta verdadeira, fotografando-a de todos os ângulos e vendo a marca com o amassado no tanque. Depois, foi para os dois quartos e nada encontrou de especial. O terceiro cômodo era um escritório. Com o equipamento de visão noturna, observava tudo sem precisar de acender as luzes, o que evitava ser descoberto por fora. Abriu as gavetas da mesa e vasculhou a papelada que tinha lá, não encontrando nada de especial. Olhou para um quadro e desconfiou que pudesse haver um cofre atrás. Não encontrou naquele, mas localizou no seguinte.
Com sua experiência e habilidade, não teve a menor dificuldade em abri-lo e tirou as pastas observando-as.
– "Diabinha chamando Mancha. O pato está abrindo o portão da rua. Deixou o carro fora, então presumo que pretenda sair novamente."
– Obrigado, Diabinha. Aguarda o meu chamado que ele nunca mais vai sair daqui. É comprovadamente o assassino. – Omar pôs tudo de volta no cofre e esperou a chegada do Baltasar, que não tardou. Quando ele acendeu a luz do escritório, só teve tempo de ver uma mancha negra atingir o seu queixo, caindo inanimado com um pequeno gemido.
– Podes vir, Diabinha. – Omar sentou o policial criminoso na poltrona, depois de o desarmar e revistar. Tranquilamente, sentou-se na cadeira em frente à mesa, quando a colega chegou. Entregou-lhe a arma e levantou-se. – Michaela, fica com a pistola apontada que eu já volto. Pretendo fazer um café. Ele ainda vai levar uns quinze minutos a acordar.
– Agora que eu estava gostando de Diabinha! – disse, fingindo decepção. – Que coisa, isso é hora de tomar café?
– Nunca se deve negar uma última refeição a um condenado, e eu tô com vontade de tomar um. – Omar riu e foi para a cozinha. Descobriu que havia uma máquina de expresso e pôs três cafés para fazer. Quando retornou ao escritório jogou um balde de água na cara do assassino que abriu os olhos e fez uma grande careta. Espantado, observou o par à sua frente, não deixando de ver a pistola que a bela delegada lhe apontava, arma esta com silenciador, um objeto de uso restrito das forças armadas.
– Café? – Omar estendeu a xícara que ele pegou, calado, enquanto o delegado voltou a bebericar da sua. – Então, Baltasar, foste um grande tolo, meu velho. E eu, definitivamente, não gosto que matem os meus amigos, nem um pouco mesmo.
– Não matei ninguém, Omar – retrucou, muito nervoso. – Que besteira é essa?
– Não te faças de idiota – rosnou o federal. – Eu vi a moto na garagem, tchê. A velhinha e o mendigo me disseram muito mais do que te contei. Na verdade, como não tinha gostado do teu chefe, omiti algumas informações porque desconfiava dele. Só não sabia que eras tu o criminoso, embora também não fosse com a tua cara. Algo como um instinto meu. A moto do assassino tinha um amassado e um risco no tanque e a do atentado na minha casa não tinha; a tua, porém, tem. O teu relaxamento em não arrumar isso depois de mais de ano, acabou-te entregando, tchê. Eu acho que o atentado foi apenas para desviar as atenções e praticamente deu certo, se eu não fosse muito teimoso. Claro que, se me matassem, seria lucro para vocês. Mas, se eu matasse o criminoso, hipoteticamente para vocês iria embora, não é? Daí deste para o trouxa do motoqueiro a tua arma, claro que tendo a numeração raspada, e esperaste que o panaca aqui caísse na armadilha.
Garcia nada disse e Omar continuou:
– Depois, eu dei um passeio na favela ontem à noite e vi dois caras batendo papo e se despedindo, e um dos sujeitos estava vestido que nem eu. O outro, pensei que era o chefe de polícia, já que vocês dois são da mesma compleição e tinha esquecido que tens uma moto idêntica à do "assassino" do Moacir. Só que um bombeiro muito zeloso me contou algo sobre um papel na boate incendiada e te descreveu, meu velho, descreveu com uma precisão incrível, daí descobri tudo, inclusive meu erro. Quem é esse Cobra? E onde está a carta do gerente da boate que tu tiraste na noite do incêndio?
– Eu não sei de nada – respondeu, irritado. – Isso tudo é maluquice tua.
– Tchê, aproveita esse expresso, pois podes crer que é o último da tua vida. Isso é uma promessa muito solene feita pelo Mancha Negra em pessoa. – Pela primeira vez, apareceu uma reação na cara, uma feição de medo. – Epa! Vejo que a minha reputação me precede. Foi o Cobra que te falou de mim?
– Foi – respondeu, desistindo de mentir. – Disse que tu o mataste, mas ele voltou dos mortos para se vingar.
– Que tolice. Amanhã tratarei dele – comentou Omar na maior das calmas, como se estivesse decidindo a aquisição de um pequeno negócio e não uma vida. – Por que motivo tu mataste tanta gente?
– Grana, o que mais podia ser, Omar?
– Que pena que não vais usufruir dela. – Omar olhou o relógio e continuou. – És religioso, tchê? Pois se és, começa a fazer as pazes com Deus. Tens quarenta segundos.
O homem ficou calado e o celular tocou. O delegado pegou nele e viu quem ligou: Cobra.
– Opa, o chefe tá ligando. – Omar deu uma risada. – Tarde demais, tu já era, tchê.
– O que fizeste com ele, envenenaste-o? – perguntou a delegada ao ver o sujeito entrando em profunda agonia. – Nossa, que fedor horroroso! Ainda bem que estou de estômago vazio!
– Tal e qual eu fiz com o Cobra. Esse é o Beijo da Morte. Considero propício e muito especial para castigar gente dessa laia. Entendes agora o porquê de ser totalmente impossível esse sujeito atual ser o Cobra de antes?
– Caramba! – Michaela observou Omar voltar a abrir o cofre e colocar todo o seu conteúdo em uma sacola de supermercado que achou na cozinha, fechar e limpar as pistas. Havia uma grande quantidade de dinheiro, que o delegado também recolheu. – O cheiro está insuportável, Mancha. O que vais fazer com esse dinheiro.
– Será o seguro de vida do bombeiro. Aquela viúva passa muitas dificuldades há um ano por culpa dele – explicou. Após pensar um pouco, continuou. – Mas ele falou que o Cobra mencionou vingança. Logo tem de haver uma grande ligação com os dois.
Enquanto voltavam para o carro, Michaela começou a chamar uma equipe de limpeza e Omar interrompeu.
– Não chames a equipe, Diabinha. Quero que a civil assuma isso para ver se alguém se entrega.
– Ok, boa ideia.
Omar pegou no celular do Baltasar e ligou para o Cobra.
– "Por que tu demorou tanto a responder, tchê?" – reclamou a voz grave do outro lado da linha. – "Não estou acostumado a que me façam esperar."
Mancha Negra não segurou um arrepio forte ao ouvir a voz idêntica à do Cobra que ele matou.
– Porque ele está neste momento em reunião com São Pedro, caro Cobra – disse, finalmente. – Eu não gosto nada de ser ameaçado nem de ver os meus amigos assassinados.
– "À, o Mancha Negra em ação!" – afirmou Cobra, como se fosse um cumprimento amistoso. – "Bem, para gente como tu, eu guardo surpresas especiais. Ligarei em breve."
O telefone ficou mudo e Omar disse:
– Diabinha, liga o carro e vai para a esquina. Acho que cinquenta metros serão o suficiente.
– Qual é a ideia?
– Simples, anjo, se Cobra tiver ligações com a polícia, uma viatura vai aparecer aqui bem rapidinho. Afinal, só poderiam saber da morte deste traste quando dessem pela sua falta.
– Não tinha pensado nisso. Tu darias um grande tático e chefe de delegacia, Omar. Pensas em tudo!
– Quatro anos com a Diabinha e anos de esquadrão negro, querida.
– Imagino que tenhas sofrido com a morte dela. – Michaela olhou a silhueta do amigo. – Falas dela com um grande carinho.
– Eu amava Júlia. Por todos estes anos amava aquela mulher como jamais amei alguém. Angie me trouxe paz com o seu jeito alegre e era muito companheira. Nunca a amei, mas foi o mais perto disso, Michaela. Sim, tinha profundo carinho e até amor pelo que ela me significou.
– Sabes, tu gostas mesmo de complicar a tua vida. – Eu teria assumido a minha filha e que se fod...
– O amor de um amigo também tem seu valor, Diabinha – interrompeu Omar. – Tenho certeza que ele faria uma tremenda besteira, talvez até se matando. Além de uma grande amizade, muito estragada pela Júlia, eu devia minha vida a Moacir.
– Como assim?
– Eramos crianças, uns sete anos, e íamos sempre nadar no rio onde se formava uma pequena lagoa com uma queda de água, um lugar muito lindo aqui perto. Nós gostávamos de mergulhar de uma pedra, pois ali era fundo, mas eu quis pular do alto da cachoeira. Já tinha feito isso inúmeras vezes e os outros garotos da turma tinham muito medo. Mas eu sempre queria ser o cara, o bom e ria dos medrosos. Eles e Moacir estavam perto de mim, esperando o meu mergulho; mas, quando fui dar impulso, escorreguei e caí de costas. Bati a cabeça na pedra e desmaiei, sendo carregado pela água. Moacir nem pensou duas vezes. Ele morria de medo daquele salto de quase vinte metros, mas atirou-se dali de cima e nadou até mim, me tirando da água antes que me afogasse. Nesse dia, aprendi duas grandes lições.
– Entendo, Omar, mas não sei se me sacrificaria assim. Vejo que vocês homens têm laços de amizade muito mais fortes do que nós...
– Olha ali a viatura chegando. – Omar interrompeu a conversa, aproveitando a situação. – Eu sabia que havia mais gente!
Ambos observaram a polícia civil arrombar a porta e entrar às pressas. Logo depois, dois homens saíram vomitando e pegaram no rádio.
– Bando de frescos de estômago fraco – debochou Omar. – Não se fazem mais bons policiais como antigamente.
– Também, no estado que ele ficou! – Diabinha riu. – Jamais vi uma morte tão cruel. Ele se cagou, mijou e asfixiou! O fedor daquela sala deve estar infernal, pois já era péssimo quando saímos.
– É verdade. Bem, vamos embora.
Michaela ligou o carro e ninguém os viu partirem, pois seguiram de luzes apagadas, saindo em marcha muito lenta.
Quando estavam a meio caminho de casa, o celular do Baltasar tocou e o delegado viu que era novamente o Cobra. Atendeu e pôs no viva voz.
– "Parece que realmente o mataste, Mancha Negra" – afirmou o interlocutor com a voz grave. – "Mas o preço que isso vai te custar será monstruoso. Prepara-te."
– És o próximo da lista, Cobra.
– "Quando chegares em casa, procura pela tua filha. E diz para a tua amante da federal que o agente dela está no aterro sanitário, mortinho da Silva." – Michaela ouviu tudo e ficou nervosa.
– Como sabias que ela é minha filha. E o que sabes da delegada ser minha amante?
– "Tenho os meus informantes. Em dois dias ligarei para esse número e conversaremos a respeito da tua criança" – respondeu. Com uma risada continuou. – "Assim tu vai ter tempo de pensar antes de fazer merda."
– Ei, que história é essa de eu ser tua amante, embora a ideia não seja nada má? – brincou a delegada.
– O defunto, hoje de manhã, falou algumas gracinhas a teu respeito e eu dei corda pra ele. Como já imaginava os perigos, desviei a atenção dele da Júlia para ti. E ainda por cima o cara teve a cara de pau de me dizer que ia dar em cima dela e passou a cantada nela. Agora, vai fazer companhia ao inferno. Ele deve ter dito isso para o Cobra, mas não imagino quem tenha dito sobre Adriana ser minha filha. Vamos para minha casa. Rápido que estou preocupado. Mesmo tendo um agente especial na cola dela, algo na voz desse diabo me deixou muito apreensivo. Liga para o teu agente e vê como estão as coisas.
– Não atende – informou Michaela começando a ficar preocupada. – Se bem que muitas vezes ele deixa no silencioso para não comprometer a missão.
― ☼ ―
Omar entrou em casa e Michaela aguardou no carro. Encontrou Júlia vendo televisão, sozinha. Preocupado, perguntou:
– Onde está Adriana, Julinha?
– Oi, saiu com Zé. Foram para um bar com os colegas da faculdade, amor. – Ao ver a cara do noivo, assustou-se bastante e levantou-se. – Omar, o que está acontecendo?
– Oh, meu Deus. Eu devia ter avisado. – Omar tremia de nervoso.
– O que houve, amor?
Ele contou tudo e finalizou:
– Liga para ela e pede que volte agora para casa.
– Tá fora de área – respondeu. – Omar, estou ficando muito assustada!
– Sabes o número do namorado?
– Sim, ela me deu para o caso de uma emergência. – Júlia tentou, mas tocou até cair. – Chama e não atende.
– Sabes para onde costumam ir?
– Sim, um bar pertinho do restaurante onde jantamos a primeira noite que voltaste.
– Fica em casa e não saias em hipótese alguma. Vem aqui, vou mostrar um lugar onde podes esconder-te e jamais conseguirão te achar. – Levou-a para o quarto e mostrou o compartimento secreto atrás do armário. – Se for necessário, entra aqui. Eu vou procurar a nossa filha, amor. Á sim, me passa o número dele. Te cuida.
Omar beijou Júlia e saiu correndo para o carro da colega, falando pela janela:
– Michaela. Ela saiu com o namorado e temo o pior. Eles costumam ir para um bar relativamente perto. Tu vais lá ver se ela está no bar e eu vou fazer o percurso inverso a pé.
– Combinado. – Michaela olhou o colega. – Mas com Gilberto por perto, só mesmo um batalhão para a pegar, Mancha.
– Ou apenas um esquadrão negro, Diabinha – retrucou Omar. Pálida ela rumou de carro para o bar.
Em silêncio e escondido pelas sombras, Omar escolheu o caminho que era o presumivelmente mais fácil de ir e o mais curto. Esperto, usava o celular para ligar para o rapaz a cada trinta segundos.
― ☼ ―
Michaela chegou ao bar e viu uma mesa com vários garotos entre os dezesseis e vinte anos, todos universitários. As demais mesas da casa eram só casais. Aproximou-se da turma e perguntou, mostrando o distintivo.
– Vocês conhecem Adriana Paganinni?
– Claro. Ela foi para casa faz cerca de uma hora. Zé levou-a. Drica pediu para ir embora porque estava cansada.
– Obrigada.
– Policial – perguntou um dos colegas –, há algo errado com ela? Drica é nossa grande amiga e faz tudo sempre certinho!
– Ainda não sabemos, mas não se preocupem que ela não fez nada errado. Apenas estamos preocupados com sua segurança por causa do assassinato do pai, ano passado.
Cada vez mais preocupada, Michaela retornou para o carro e voltou para a casa do Omar. Decidiu ir pelo caminho inverso, aquele que Omar faria a pé.
― ☼ ―
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top