Capítulo 8 - Parte 1 (não revisado)

"Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti."

Friedrich Nietzsche.

De manhã bem cedo, Omar saiu para os bombeiros, mas antes deixou a filha na faculdade, que era no caminho. Procurou falar com alguns dos homens da corporação, identificando-se e dizendo que investigava a morte de um policial que estava encarregado do assassinato do colega deles. Os bombeiros permaneciam muito retraídos e Omar acreditava que se tratava de uma consequência dos problemas recentes, sem falar que estava certo de que alguns deles tinham a consciência muito pesada. Por isso, não obteve qualquer informação que prestasse e retirou-se um tanto contrariado e decepcionado.

A rua do quartel era muito agradável, arborizada e perto da região central. Por isso tinha um movimento de transeuntes relativamente elevado. Omar caminhava tranquilo e, apesar da quantidade de pessoas, que era seguido.

Em vez de entrar no carro, que estava bem ao seu lado, continuou caminhando atá à esquina, dobrando-a e ocultando-se na sombra de uma entrada.

― ☼ ―

O sargento dos bombeiros seguia discretamente o dito delegado federal, prestando muita atenção a ele. Na corporação, quando Omar se identificou, ele simpatizou com o agente, mas não desejava acabar com o o seu amigo. Assim, teve o máximo de cuidado em segui-lo e verificar se poderia confiar nele.

Para sua grande frustração, mal virou a esquina, descobriu que ele tinha desaparecido como que por encanto e parou, olhando para todos os lados. Não teve muito tempo para pensar quando viu pelo canto do olho uma sombra surgir do nada e um braço que mais parecia uma tenaz de ferro apanhá-lo pelo pescoço. Ele até tentou reagir, mas nesse momento sentiu o cano de uma nove milímetros encostar na sua têmpora e achou prudente ficar bem queto. Logo após, ouviu uma voz ameaçadora:

– Tchê, melhor explicares direitinho o que fazias me seguindo ou estouro teus miolos – rosnou, ameaçador. – Tu acha que pode enganar um agente especial da federal assim na maior?

– Delegado, sou o sargento Paolo e queria falar com o senhor em particular, sem alguns colegas saberem. – Omar soltou o homem e observou-o, enquanto ele passava a mão no pescoço, onde foi enforcado. – Caramba, o senhor é rápido como poucos!

O delegado guardou a arma. Gratuitamente, simpatizou com o sujeito.

– Pode chamar-me de Omar – respondeu bem mais tranquilo e olhando o interlocutor nos olhos. – O que foi?

– Senhor, eu era muito amigo do Beto e ele era um cara superíntegro e bacana demais. Jamais estaria envolvido com drogas, como disseram sobre seu assassinato, mas tem mais: ele denunciou corrupção no alvará da Beijo da Noite.

– Já sei disso, amigo. – Eu estou investigando essa bronca faz dois dias.

– Mas o que o senhor não sabe é que eu fui da equipe que esteve no incêndio da boate e o gerente, antes de morrer, deixou um recado escrito às pressas onde denunciava muitas coisas. Eu levei um delegado lá e mostrei a prova. Ele lacrou a sala dizendo que era para não mexermos em nada de forma a não interferir com a perícia, mas eu voltei a essa sala para ver se havia mais corpos e descobri que o papel sumiu. Esse delegado retirou propositalmente uma prova da pesada e ninguém nunca tocou no assunto depois disso.

– Podes descrever o policial?

Quando o homem confirmou e iniciou a descrição, Omar identificou logo o sujeito, descobrindo que se tinha enganado feio na favela. Por outro lado, acabou de descobrir o provável assassino do amigo e isso deixou-o muito satisfeito.

– Obrigado, amigo. Nem uma palavra sobre nada, que já morreu muita gente – avisou o delegado, feliz. – Sei quem ele é e há uma forte probabilidade de ser o assassino das vítimas.

– Por isso procurei o senhor para um particular, delegado – explicou Paolo. – O que pretende fazer?

– Extraoficialmente vou proporcionar-lhe o sono eterno – disse com tanta frieza que o sargento até arrepiou. – Oficialmente, elucidar o caso primeiro.

– Vingue meu amigo, por favor. Ele deixou mulher e dois filhos pequenos, que vivem com dificuldades. Eu até ajudo ela com uma parte do meu salário, pois, por conta das provas forjadas, ela perdeu a pensão do marido e o que ganha fazendo costura e dando aulas particulares quase não dá pro seu sustento. Como sou solteiro, posso ajudar, mas ela passa necessidades e não merece a vida que tem.

– Farei com prazer, Paolo – prometeu. – Agora vou resolver isso. Quanto a ela, deixe que tenho condições de a ajudar mais. Adeus.

― ☼ ―

Omar dirigia para a civil e pensava na pobre viúva, uma senhora muito simpática e vítima da ganância de gente inescrupulosa. Ele ainda tinha horrores dinheiro, que não precisava, e decidiu que a ia ajudar enquanto fosse necessário. No cominho, fez uma ligação telefônica. Mal terminou, chegou ao seu destino e procurou Baltasar.

– Tudo bem, Omar? – cumprimentou sorrindo. – Que chefe dos infernos a federal foi arrumar, cara, mas como é bonita e gostosa. Só que é uma verdadeira diaba!

– Se é, mas eu não a queria para chefe, tchê. Ou ela me matava ou eu dava cabo dela, no mau sentido – brincou Omar. – É uma gata gostosa como um raio. Seguinte, acho que realmente matei o assassino do Moacir. A moto encaixa direitinho na descrição, mas eu gostaria de olhar o dossier do Moacir e do detetive para conferir as coisas. Pretendo conseguir a balística da arma ainda hoje e compará-las.

– Claro, Omar, está na minha mesa, vem.

O delegado pegou na pasta e retirou a folha da balística, fazendo uma cópia Xerox.

– O que vais fazer agora que pegaste o criminoso, Omar? – perguntou Baltasar.

– Continuar as minhas férias, talvez paquerar um pouco a chefe da federal. Afinal, belezuras como aquela não aparecem todo o dia.

– E Júlia? – questionou Garcia, espantado. – Pensei que vocês iam ficar juntos, casar...

– Júlia mudou muito, cara, e não sei se dará certo, sem falar na filha. Sei lá. Tenho que repensar em tudo. Bem, vou para a federal ver isto – estendeu a balística. – Amanhã, devo trazer boas notícias.

– Aguardo. Ei, já que tu não vais ficar com a Júlia, sabes... tipo... bem...

– Espera eu decidir, ok? – Omar riu, mas, no fundo, desejava meter uma bala nele. – Só não te esqueças que vai depender muito dela.

Omar saiu e entrou direto no carro. Ligou para Júlia, mas ela parecia ter deixado o telefone no silencioso ou na bolsa. Desistiu e tomou o seu rumo.

― ☼ ―

Omar entrou e foi direto para a sala da chefe.

– Oi, Diabinha – sentou-se e ela sorriu para ele. – Alguma coisa sobre o assassino de ontem?

– Oi, Omar. A balística já concluiu o relatório – entregou-lhe uma folha de papel –, é a mesma arma usada contra o engenheiro.

Omar comparou com as que trouxe e entregou as folhas para a colega.

– E também do assassino do Moacir e do detetive. – Calou-se por alguns segundos, olhando para ela, até que afirmou, falando muito sério e enfatizando cada palavra proferida. – Só que esse não é o assassino real.

– Não?!

– Não. – Respondeu com tanta certeza que ela ficou de queixo caído, olhando para o colega. – Hoje de noite eu vou pegá-lo, além de mais algumas provas. E os nomes que tiramos das gravações telefônicas, como vão?

– Estou investigando. – O celular do Omar deu um bipe curto e pegou nele para ler a mensagem, julgando ser Júlia a retornar a ligação perdida. – Tu ficaste de ajudar, lembras? E não apareceste...

Omar continuou lendo, sem prestar atenção à colega. O seu rosto ficou de tal forma pálido que a delegada calou-se por uns segundos e acabou perguntando:

– O que houve, Omar? – Ele mostrou a mensagem.

"Mancha Negra.

Volta para a tua cidade enquanto podes. Não te esqueças que tens uma filha e algo pode acontecer com ela. Cobra."

– Filha? – perguntou a delegada espantada. – Que filha?

– Adriana é minha filha, Michaela. Nós combinamos manter segredo para ela não virar alvo. Só queria saber como ele me descobriu tão facilmente. Sabe dela e que também que sou o Mancha Negra!

– Quem mais sabe sobre ela ser tua filha?

– O meu primo e a minha tia, mas por eles eu ponho a mão no fogo.

– Tens uma foto dela aí? – perguntou. – Vou destacar um agente de confiança para a proteger. Onde ela está?

Omar mostrou uma foto do celular e disse que estava na faculdade federal. Ela copiou para o computador e imprimiu, pegando no telefone e discando um ramal.

– Eu quero o Gilberto aqui o mais rápido possível. É muito urgente.

Não passaram trinta segundos e apareceu um agente. Ele era muito alto, mais de dois metros, bem como com cara de poucos amigos. Era o tipo de pessoa que, se alguém o encontrasse de noite numa esquina vazia, desmaiaria de susto.

– Gilberto. – Michaela estendeu a foto. – Vais para a UFSA e deverás ficar na cola desta menina para que nada lhe aconteça. Em que prédio está, Omar?

– Engenharia Elétrica, provavelmente.

– Gil, temos fortes razões para crer que ela corre um grave perigo. Deverás fazer vigilância vinte e quatro por sete1. Depois, destacarei um substituto. E tenta ser discreto para não apareceres e dar na vista. Desde já, estás autorizado a usar força letal.

– Sim, chefe – confirmou com a voz grave e firme. – Considere feito.

– Leva colete e armamento pesado – pediu Michaela. – Ela é alvo de gente muito graúda, ok? Toma cuidado.

– Ok, chefe. – O homem, que não era de falar muito, saiu sem mais perguntas, fazendo um cumprimento desleixado para Omar..

– Podes ficar descansado que eu sei quem escolhi para o trabalho, Omar. Vamos ver este material que é demais para mim.

Lado a lado, os dois pesquisaram nos bancos de dados, inclusive das civis do Brasil inteiro. Omar olhou uma coisa que o espantou.

– Olha, este deputado esteve envolvido em algum escândalo no Rio e justamente em relação ao complexo da Maré. Algo relacionado a drogas.

– O que tem o complexo da maré a ver com isso?

– Foi de lá que os assassinos da Angélica vieram. Eu, quatro colegas e o esquadrão negro do Rio entramos lá e matamos todos, mas fiz o chefe abrir o bico. Foi a primeira vez que ouvi falar do Cobra depois de o ter morto. Estou achando que ela não foi morta em um simples arrastão e sim por algum outro motivo.

– Vou ver se levanto mais a respeito e correlaciono favelas do Rio.

– Ok, Diabinha. – Omar sorriu da sua careta. – Eu vou preparar a minha ação desta noite para pegar o assassino.

– Irei à tua casa ao anoitecer e te darei apoio – disse a delegada, determinada. – Apesar de tudo, é bem melhor teres um suporte para as tuas costas.

– Excelente, será uma ótima ajuda – agradeceu. – Até mais.

– Não te preocupes com a tua filha, Omar, que destaquei o melhor e mais confiável agente que possuo. Da mesma forma que pões a mão no fogo pela tua tia e primo, eu ponho por ele.

– Obrigado – disse Omar, despedindo-se. Sabia que podia confiar na nova Diabinha, especialmente porque era tão severa que o homem escolhido devia realmente ser muito bom.

― ☼ ―

Chegou a casa e encontrou Júlia na sala, muito abatida e com marcas de choro. Assustado, aproximou-se dela e tentou abraçar a mulher, mas ela afastou-o.

– O que houve, meu amor? – perguntou-lhe sem entender nada.

– Será que realmente amadureceste com disseste, Omar? – perguntou em resposta, – Nem mesmo na nossa adolescência fazias isso.

– Escuta, Jú – pediu ele. – A menos que me digas o que é, não saberei te responder nada.

– Negas que disseste queias paquerar a Michaela e que eu tinha mudado e não valia mais a pena? – perguntou, fungando. – Eu encontrei Baltasar na rua e ele me disse isso, e pior, ele tento me passar uma cantada.

– À, isso – comentou, suspirando aliviado.

– À isso? – perguntou Júlia, zangada. – À isso? Que merda, Omar, e eu que pensei que nós íamos ter...

– Amor, me escuta um pouquinho, ok? – pediu ele, acalmando-a e segurando suavemente seus pulsos enquanto a puxava para si e acariciava seu rosto. – O fato de eu ter dito isso, não significa que seja verdade. Acabei de descobrir que ele é o provável assassino do Moacir e mais dois e fiz isso para que tu e Adriana não virassem alvo, entendeste?

– Sério? – perguntou ela, mais aliviada.

– Claro, amor. – Omar abraçou-a e sorriu. – Eu tentei ligar te avisando, mas não atendeste e depois fiquei ocupado e esqueci. Assim ele vai pensar que vocês não têm valor para mim e vira-se para o outro lado. Caramba, princesa, bem sabes que sou louco por ti. Se eu aguentei todos estes anos sofrendo em silêncio, achas que justo agora ia largar o osso?

– Ai, Omar. – Júlia beijou-o e apertou-o contra si. – Eu vi a chamada perdida as só depois que o estrago foi feito. Tenho tanto medo de te perder, de acordar e descobrir que meu pesadelo ainda não acabou e tu estás longe.

– Não estou longe, Jú, estou bem aqui, eu te prometo.

― ☼ ―

Esclarecidas as coisas, o assunto foi esquecido e felizmente a filha não presenciou a pequena crise. À noite, jantaram tranquilamente e ele preparou-se novamente.

– O que vais fazer, pai? – perguntou Adriana, um pouco assustada ao ver o delegado envergar as roupas que mais pareciam de um ninja dos filmes da TV.

– Vou pegar o assassino do Moacir e mais dois. Já o descobri e, em breve, tudo vai acabar, meu anjo.

– Pelo amor de Deus, pai, te cuda, tá? – A garota atirou-se aos seus braços. – Não vou suportar te perder...

– Ora, filhinha, viste como entrei e sai de uma favela fortemente armada, não viste? – O pai riu e afagou seus cabelos, falando suavemente. – Se aquilo foi fácil, imagina o que posso fazer com um só homem.

Pouco tempo depois, Michaela bateu à porta e ambos entraram no carro dela. Omar forneceu o endereço e ela estacionou do outro lado da rua, que era bastante escura devido à grande quantidade de árvores na calçada. Tão logo o delegado saiu do veículo, Michaela voltou a não o conseguir ver, por mais que se esforçasse.

― ☼ ―


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