Capítulo 6 - parte 1 (não revisado)
"Ainda não vi alguém que ame a virtude tanto quanto ama a beleza do corpo."
Confúcio.
No dia seguinte, Omar retornou para a capital e o superior chamou-o em particular, muito preocupado e aborrecido.
– Mataste o chefe da federal, cara. Isso tá dando um rolo danado e quando souberem que foste tu, vais ficar bem ferrado, tchê. Nem mesmo um esquadrão negro poderia ter feito tal coisa sem ordens diretas. O que foi que te deu no porongo?
– Não, não estou ferrado. – O delegado pegou o celular do bolso e mostrou a gravação. – Foi ele que assassinou os meus pais. Mataria até o presidente, se soubesse que foi o culpado.
– Porra, Omar, isso não te livra de um processo por homicídio, tu bem sabes disso. Eu devia prender-te por isso e nem sei o que fazer.
– Não há nada que prove a minha atuação na limpeza, chefe. A única testemunha disso não vai abrir o bico e o senhor sabe que eu não dou ponto sem nó. Todos vão desconfiar, até saber, mas nada prova que fui eu. Usei o Beijo da Morte, como viu na gravação.
– És esperto, filho, mas temos que manter a coisa oculta por causa do ministério público – levantou-se e estendeu a mão para Omar, sorrindo. – Obrigado por vingar os meus amigos mais queridos.
– Os seus amigos mais queridos eram meus pais, senhor, logo eu precisava de os vingar. – Omar sorriu, enquanto o chefe voltou a sentar-se. Ele olhou para a mesa, ergueu os olhos e disse:
– Ano que vem, pretendo me afastar e desejava que tu fosses o meu sucessor...
– Não, chefe. – Omar sacudiu a cabeça com energia e abriu um sorriso leve. – Não desejo esse cargo e Paulo é muito melhor que eu em tarefas administrativas. Eu sou bom em outras coisas, como bem sabe, mas não sirvo para isso.
– Achas mesmo, filho? – questionou o chefe. – Não confio muito nele!
– Sim, chefe. Esse gabinete ia acabar comigo. Obrigado por pensar em mim mas não me faça tal coisa. Paulo é um bom amigo e sei que ele daria conta disso facilmente.
– Porém terias uma vida mais tranquila e estável, Omar.
– Neste momento, chefe, é tudo o que menos desejo.
O superior olhou nos olhos do seu melhor agente, notando a profunda tristeza que o assolava. Após uns segundos, rompeu o silêncio:
– Filho, por causa do teu pai, eu sei do teu passado e vejo que ainda estás demasiado magoado. Não queres ajuda profissional?
– Obrigado, senhor, mas já tomei a minha decisão – respondeu com firmeza. – E não será um psicanalista que irá mudar isso, infelizmente.
No fim de semana seguinte Omar foi a Santo Agostinho, mas não se encontrou com a ex, passando o tempo todo com Angélica, que estava cada vez mais apaixonada.
Um mês depois ela assumiu a chefia da inteligência em Porto Alegre e ambos passaram a viver juntos. Omar acalmou-se muito e realmente gostava dela, mas jamais sentiu o que sentia antes com Júlia, nem mesmo na intimidade mais profunda.
― ☼ ―
Um ano depois, ambos passaram uma semana de férias em Santo Agostinho e ele conheceu a filha, Adriana. Os pais convidaram-nos para serem padrinhos e Omar sentiu-se feliz em tomar a filha nos baços enquanto o padre a benzia. Ele, doido para a apertar contra si e chorar de felicidade por uma filha que lhe pertencia, segurou tudo o que podia, mas sempre deu um jeito de acompanhar a evolução da menina, que o adorava. Sabendo de tudo, Angélica apoiava essa proximidade da filha porque achava que um dia ela precisaria de saber a verdade e seria muito mais fácil se a garotinha gostasse muito do verdadeiro pai.
Júlia parecia tranquila mas emanava uma tristeza maior ainda que o ex, coisa que Omar e Angélica viam claramente. Apesar de ter uma muita raiva e ciúmes da delegada, Júlia sempre se manteve cordial com ela. Via claramente que Omar vivia cada vez mais próximo da companheira, o que a deixava doente de tristeza. Por causa disso, sempre se arrependia de tudo o que fez na sua juventude imatura e ficava cada vez mais deprimida, mas nem por isso o marido tomava uma atitude.
Moacir, embora amigável, era bastante frio com o amigo, apesar de se falarem muito, especialmente por e-mail. Quando Omar aparecia na cidade e a garotinha encontrava-o, simplesmente não saía de perto dele, o que despertava ciúmes no padrasto. Certo dia, quando ela tinha dois anos e Omar estava em Santo Agostinho, sentado e sozinho na sua casa porque Angélica ficou de serviço e só viria na semana seguinte, lembrou-se do dinheiro que apreendeu dos bandidos. Foi ao armário e pegou nele, contando o montante.
Eram nada menos de seis milhões de dólares. Dividiu o dinheiro por três e levou uma parte para uma instituição de caridade que cuidava de crianças carentes e abandonadas. Outro terço, ele dividiu ao meio, trocou e depositou em uma poupança no nome da filha, em segredo, e a outra metade guardou para si. Os dois milhões restantes, entregou ao primo.
– Que vem a ser isto, Omar?
– O dinheiro do Alemão e do Cobra. Eu tinha esquecido disso e ficou lá em casa perdido. Cara, a operação não foi oficial e todos temos direito a uma indenização pelos entes que perdemos. Doei um terço para uma instituição de caridade. O resto é uma indenização pelos meus pais e pelo teu pai. Esse dinheiro não existe para a polícia e está limpo. Faz o que quiseres dele, mas aconselho a dares para a tua mãe.
– Acho que tens razão, mano. – Mateus sorriu. – O que fizeste com a tua parte?
– Metade depositei em uma poupança para a minha filha. A outra metade vou guardar, especialmente no caso de me acontecer algo e Angélica ficar só – explicou Omar, calmamente. – Além disso, vou comprar o apartamento onde moro pois o proprietário fez uma proposta muito boa.
– És feliz com ela, Mancha Negra? – perguntou o primo, encarando o delegado nos olhos. – Ela te ama muito.
– Não sou infeliz, Gavião. Queres coisa melhor? – respondeu com outra pergunta e continuou. – Com ela, eu tenho uma vida muito agradável há dois anos, cara, sem brigas, sem me preocupar. Ela é carinhosa, afetuosa e o mais próximo de amor que posso dizer que tenho. Na verdade, se ela se fosse agora, eu sentiria muito a sua falta.
– Não, não é. Só que talvez estejas fazendo a coisa certa, mano, e essa carioquinha é uma supergata. Entretanto, no teu lugar eu teria tentado ficar com a Júlia e Adriana.
– Eu sei que é, primo, senão não teria cedido aos seus encantos. Quanto à Júlia – Mateus viu os olhos do Omar tristes, quando falou dela. – Já te expliquei um dos principais motivos disso, sem falar nas brigas e discussões que tínhamos.
– Bah cara, tu ainda amas muito a...
– Sim, mas esquece isso que se tornou passado. – Omar interrompeu o primo, falando com voz triste. – Na verdade, cara, acho que jamais sentirei algo daquele jeito. Chega a ser doentio.
– Ok, Omar, tudo bem. Vê se te cuidas.
― ☼ ―
O delegado e Angélica viviam quase sempre juntos, em harmonia e muita paz. A sua tia adorava a moça e sempre paparicava os dois com doces e bolos que fazia. Na polícia, ela foi considerada a melhor e mais eficiente chefe da inteligência que a corporação de Porto Alegre já teve e Omar ria sempre dos seus ataques de fúria com os subordinados, sabendo que a companheira fazia isso de fachada, pois adorava cada um deles do fundo do coração e defendia sua equipe com unhas e dentes, como se fossem a sua ninhada. Isso, porém, rendeu-lhe um apelido: Diabinha.
O companheiro rebentou de tanto rir quando soube, mas Angie, ao descobrir, ficou verdadeiramente possessa e os subordinados passaram mais de hora ouvindo sermões, sem falar que ela cancelou todas as folgas e deu-lhes um trabalho danado de duro, fazendo jus ao novo apelido.
Entretanto, Omar descobriu que todos eles a amavam muito, pois inconscientemente sentiam o carinho da chefe disfarçado em disparatados acessos de raiva, especialmente quando ela berrou a plenos pulmões com o Paulo e em frente a todos os subordinados defendendo um estagiário que cometeu um pequeno erro e assumindo a culpa ela mesma por não ter conferido a informação. Terminou disponibilizando o cargo, caso ele desejasse demitir o jovem. Acuado, o chefe fez uma careta e voltou para a sua sala, desistindo. Quando ela virou-se e viu os sorrisos nos rostos dos colegas, deu-lhes outra rica descompostura, exigindo que trabalhassem melhor para que ela não precisasse passar vergonha novamente e eles correram aos seus afazeres.
Na maioria absoluta das missões que o esquadrão efetuava, era ela quem coordenava as ações e o seu planejamento era tão perfeito que não tiveram uma única perda ou fracasso nos quatro anos que ela estava ali comandando a inteligência.
Nas férias, iam sempre para Santo Agostinho, uma vez que Omar desejava ficar perto da filha. Apesar de jamais se ter esquecido da Júlia, o amor e dedicação da companheira traziam-lhe estabilidade suficiente para suportar ver a outra com o marido e a filha. Quem não se aguentava mesmo e roía-se de ciúmes era Júlia. Ela, porém, controlava-se bastante, uma vez que sabia que foi a principal culpada da situação. Moacir fazia-se de desentendido, embora soubesse perfeitamente que o melhor a fazer, era dar o divórcio para a esposa. Para compensar isso era bom pai, carinhoso, afetivo, e jamais algo faltou para a mulher e filha, embora desse as suas escapulidas, já que ela evitava muito o sexo.
No quarto ano, perto das férias, Angélica disse:
– Manchinha, nestas férias vamos para o Rio por, pelo menos, uma semana? Tenho saudades dos meus pais e quero que os conheça. Não os vejo há cinco anos, amor.
– Claro, Diabinha – respondeu, usando o apelido que lhe colocaram na inteligência e que ela odiava, exceto quando saía da sua boca. Sorriu e acrescentou. – As coisas andam tão calmas que o esquadrão negro nem tem sido necessário! Quando tiras férias?
– Em duas semanas.
– Falarei com Paulo para me adiantar as minhas e irei contigo. Mateus assumirá o comando.
– Omar... – ela vacilou e o companheiro sentiu que havia algo mais que a preocupava. – Sabes, eu... eu...
– O que foi, Angie? – perguntou, preocupado com o olhar da garota que geralmente estava sempre alegre e sorridente, exceto quando berrava com os subordinados. – Aconteceu algum problema?
– Dei uma descuidada e fiquei grávida – respondeu à queima-roupa.
Omar, ao ouvir isso, demorou a digerir a informação. Ao fim de alguns segundos só conseguiu dizer:
– Puxa vida...
– Estás chateado? – perguntou a mulher, preocupada. Mas logo a seguir a moça viu o rosto dele mudar completamente, os olhos brilharam e ele abriu um sorriso enorme, berrando:
– Estou amando, Angélica – pegou-a no colo e abraçou-a com força. Ela viu a alegria estampada nos seus olhos e ficou muito feliz. – Vou ter o meu bebê, finalmente. Tchê, eu quero isso mais que qualquer coisa no mundo. Não imaginas a dor que tenho quando vejo a minha filha e nada posso fazer ou dizer. Ela me adora, mas não é a mesma coisa. Quanto tempo?
– De dois a três meses.
– Amor, não tens a menor ideia da alegria que me dás com essa notícia. – Beijou a moça, cheio de felicidade pela primeira vez em muito tempo. – Eu, pai... que loucura!
Pouco antes das férias, Omar foi chamado pelo chefe que o mandou sentar-se e fechou a porta, sinal de encrenca.
– Omar – Paulo iniciou sem rodeios. – Temos uma grande crise internacional e o esquadrão foi requisitado. Olha que isso vem a nível de presidência e as férias foram todas canceladas até se resolver.
– Sou imprescindível, Paulo? – perguntou, usando seu nome pessoal porque estavam a sós. – Cara, eu ia conhecer os sogros, lá no Rio de Janeiro.
– É uma operação relâmpago, apenas uns dois dias na fronteira da Colômbia – explicou o chefe. – Coisa rápida, mas pediram os melhores do Brasil, porque isso pode transformar-se em uma guerra. A culpa é tua, por teres morto o Cobra. Depois que terminar, tu tiras as férias.
– Ok, falarei com Angie e ela vai na frente.
– Beleza, Mancha. A coisa é delicadíssima e pode envolver uma guerra entre as duas nações. Como disse, isso veio a mando da presidência. Mas pretendo mandar a Diabinha junto para coordenar a operação. Logo, ela também terá as férias canceladas.
– Paulo, te peço, como amigo e colega, que não faças isso com ela, não agora. – Omar ficou muito preocupado.
– Por quê? – Paulo estranhou o subordinado, pois este era sempre destemido e ela participava em grande parte das missões do esquadrão.
– Porque ela está grávida do meu filho, cara, há dois ou três meses. Definitivamente aquilo não é lugar para se mandar uma mulher nesse estado, logo a selva amazônica!
– Parabéns, Omar. – O chefe sorriu e estendeu a mão. Com uma risada continuou. – Agora entendo esse surto de alegria tão repentino. Concordo, tchê, destacarei Isabela.
– Obrigado, Paulo, muito obrigado. – Omar ficou aliviado e agradecido pela compreensão do chefe.
Em casa, contou para a companheira sobre a operação e disse que a encontrava em dois ou três dias.
– Se cuide, amor – afirmou ela, preocupada. – Não te esqueças que tens de conhecer o teu bebê.
– Nossa, Diabinha, em tão poucos anos e já falas tudo misturado! Os teus pais vão-te estranhar pra caramba. – Angie riu do comentário, muito feliz com o estado do marido.
No dia das suas férias, Omar e o primo levaram a moça para o aeroporto e ela despediu-se com um beijo apertado e lânguido.
– Te amo, Manchinha – virou-se para Mateus e disse bem séria, escondendo o riso. – Se tu deixares acontecer algo com seu primo, tchê, eu atiro em todas as suas veias e artérias.
– Combinado, Cariúcha – disse o primo, rindo e aludindo à mistura dos dois sotaques da moça. – Por outro lado pensa bem... tu ficavas livre dele, prontinha só para mim. Imagina que loucura, nós dois jun...
– Experimenta brincar com isso, seu diabo – exclamou a moça, fazendo-se de brava –, e vais ver a merda que farei no teu corpo.
– Calma, lindinha, jamais roubaria a mulher do meu primo. Caramba, devias ser mais tranquila! Mereces mesmo o apelido de Diabinha, Angel.
Ela soltou uma gargalhada espontânea e beijou seu rosto. Quando foi entrar na sala de embarque, a linda delegada voltou a se apertar ao companheiro.
– Eu te amo muito, Omar.
Depois, beijou o primo.
– Você é legal, Mateus, e sabe que gosto muito de si. Não deixes nada acontecer com ele que tem um bebê para conhecer.
– Jura? – Mateus riu. – Parabéns aos papais. Prometo que cuidarei do primo, carioquinha, mas ele nem precisa disso!
O avião subiu e Mateus olhou para Omar, sorrindo abertamente.
– Então vais virar papai. – O primo deu uma risada. – Agora eu entendo essa súbita cara de alegria!
– Acho que é isso que mais preciso, Mateus. – Omar suspirou e pensou na sua bela companheira, cujo amor e dedicação lhe faziam tão bem. Sabia que não a amava, mas aproximava-se bastante disso. – Sempre quis ter um filho para chamar de meu e eu sofria muito ao ver Adriana e não poder assumir a paternidade.
– Bah, tchê, ainda acho que cometeste um erro. – O primo falou para Omar, bem sério. – Devias ter ficado com ela e que se danasse tudo o resto.
– Prefiro não discutir ou pensar no assunto, ok? – afirmou, bem mais sério. – Já conversamos inúmeras vezes sobre o isso.
– Tudo bem, Omar.
― ☼ ―
Os dois voltaram para a delegacia e a equipe reuniu-se na sala de planejamento, enquanto Isabela apresentava o planejamento da ação e explicava como deviam proceder.
Mateus resmungou algo, pouco à vontade e o primo sorriu quando ela perguntou:
– Alguma dúvida, Gavião.
– Não, Isa – respondeu, gentil –, mas não estou com vontade de morrer tão cedo.
– Como assim? – Ela arregalou os olhos.
– Isabela, Mateus tem razão. O teu planejamento seria excelente para uma ação urbana, jamais na selva – disse Omar, que também viu os riscos daquilo.
Levantou-se e foi a quadro, apresentando as possíveis lacunas do seu planejamento e, junto com a colega que não tirava os olhos dele, refizeram grande parte de tudo. No final do dia, a equipe foi para a base aérea de Canoas pegar um bombardeiro que os levou para perto do alvo.
A missão consistia em invadir o país vizinho e atacar um acampamento das FARC, de modo a libertar um grupo de três cientistas brasileiros mais dez auxiliares sequestrados e voltar sem que ninguém soubesse ou se desse conta.
Desceriam de paraquedas em uma base na fronteira e dali seguiriam de jipe por cinquenta quilômetros já em território inimigo. Depois, fariam a última etapa de cinco quilômetros a pé e já ao anoitecer, quando dariam o bote nos guerrilheiros.
― ☼ ―
A missão foi um grande sucesso e o esquadrão negro do Mancha Negra voltou vitorioso, embora com uma baixa. O acampamento foi dizimado e trezentos guerrilheiros mortos a sangue frio, a maior parte sem nem mesmo saber. Após pôr fogo em tudo e eliminar os rastros e marcas da batalha, a equipe retornou com os cientistas e o corpo do companheiro tombado.
– Quem devia ter feito isto era a droga das forças armadas e não nós. – Triste, Omar olhou para o corpo do colega morto. Eram tão unidos que se sentiam como uma família. – Mas que merda de gente. Se esses guerrilheiros começam a atacar brasileiros, que se dane a paz entre as nações. Aquele governo colombiano tem a obrigação de resolver isso ou deixar que o Brasil o faça... e abertamente.
– Mancha, se o exército fosse no nosso lugar, os cientistas teriam sido mortos no combate e tu bem sabes disso. Além do mais, uma guerra contra a Colômbia talvez colocasse a Bolívia e Venezuela contra nós. Apesar de achar que venceríamos, e facilmente, seria um risco grave, além de inútil. O presidente agiu corretamente. Infelizmente, isso custou a vida do Escorpião, mas que ele detonou uns trinta antes de ser apanhado, lá isso foi.
– Isso não o vai trazer de volta, não é? – questionou Mancha Negra, ainda irritado. – Estamos pousando. Eu levo os cientistas para o Salgado Filho e vocês vão para a 991 na frente.
O avião pousou em Canoas e a equipe rumou para a delegacia, como combinado, enquanto Omar acompanhou os cientistas ao aeroporto Salgado Filho. Precisou de aguardar quase três horas até que o avião fretado pelo governo federal chegasse para os levar de volta às suas casas.
Quando retornou e entrou na delegacia cansado e irritado, Omar estranhou que todos os colegas estavam muito sérios, mas acreditou que se tratasse do efeito da morte do parceiro porque ele era muito estimado por todos. Foi chamado ao gabinete do chefe e viu Paulo ainda com a cara mais fechada, sem falar que fechou a porta. Isso, para ele, era a prova que havia uma grande encrenca a caminho, já acreditando que não veria Angie tão cedo.
– O que aconteceu, tchê? – perguntou, ansioso. – Eu estou de férias, lembras?
– Omar. – Estendeu um copo de água. – Cara não sei como dizer isso então vou ser direto. Me perdoa ser assim tão seco porque nunca precisei fazer isso antes, mas Angélica foi morta em uma emboscada na linha vermelha, ao sair do aeroporto.
Omar sentiu-se tonto quando ouviu a notícia, deixando cair o copo no chão. Baixou a cabeça e, por mais que tentasse controlar as emoções, não conseguiu. Cobriu o rosto com as mãos enquanto grossas lágrimas caiam no chão.
– Por quê? Por quê? – perguntava, esmurrando a mesa. – Mas que merda de vida!
– Omar, nós seguramos o corpo até à tua volta. – Paulo estava triste pelo amigo e também sem jeito. – Vai agora para o Rio que te aguardam lá. Aqui está a passagem.
– Como isso foi? – perguntou, enxugando as lágrimas.
– O complexo da Maré, próximo à linha vermelha. Às vezes dá a louca na veneta deles e atacam os carros na rua, promovendo arrastões. Ela reagiu e matou quatro, mas eram mais de cem. Mataram Diabinha e o motorista.
– Chefe, peço permissão para usar o esquadrão. – Omar levantou-se empertigado e louco para se vingar. – Quanto mais pensava nela e no filho, mais quente ficava o sangue.
– Negada – foi a resposta fria e taxativa. Omar nem acreditou no que ouviu, mas o chefe continuou. – Só que tu e quatro dos nossos vão dar um pequeno passeio no Rio, algo informal, ok? Tipo... não podemos ter evidências porque não somos de lá.
– Obrigado. Quem são?
– Mateus, Zé, Sócrates e Daniela, os quatro melhores. Limpem a área, vinguem-se e saiam sem nem mesmo alguém ver. Combinado?
– Sim.
– Ótimo, eles já te aguardam para a missão. Foram em um avião da força aérea, agora de manhã e com equipamento completo, inclusive o teu. Faz um favor, tchê; mata todos eles pela nossa Diabinha.
Na saída da sala, ainda demasiado abatido e com os olhos vermelhos, os amigos e colegas aguardavam em fila para o abraçar e dar as condolências. Omar pegou seu carro e foi para o aeroporto. Estava cansado e amargurado, mas a fúria tomou conta e deu-lhe uma vontade férrea de fazer o maior estrago possível, embora no subconsciente achasse que seria uma missão suicida.
Durante o voo, tudo o que lhe vinha à mente eram os quatro anos em que viveram juntos e ela foi realmente a única pessoa que conseguiu deixar seus sentimentos do passado em segundo plano. Sem dar conta, já descia no Galeão, tendo concluído que jamais teria outra vida como aquela, a menos que fosse com a Júlia.
Chamou um táxi e foi direto para o velório da companheira. Entrou na sala. Era um recinto espaçoso, com uma das laterais formadas por duas grandes janelas e à volta das paredes um longo banco de concreto. No momento, haviam apenas duas pessoas lá, mas todas essas observações ele fez pelo seu instinto de pois ignorou tudo e foi direto para o caixão que estava aberto no centro de recinto. Abaixou-se para Angélica e acariciou seu rosto, sem conseguir segurar uma lágrima. O pai e a mãe dela aproximaram-se, dizendo:
– Tiraram-nos a nossa filha, mas...
– Tiraram muito mais que isso, senhor – Omar tinha os olhos úmidos ao pensar nela o no bebê –, tiraram o seu neto que ela carregava há pouco mais de dois meses, o filho que eu sempre quis ter.
– Você era o companheiro que ela nos pretendia apresentar?
– Sim – Omar controlou-se e limpou o rosto –, mas fui destacado para uma missão na fronteira e combinamos de nos encontrarmos aqui no Rio.
– Você tem cara de esquadrão negro, rapaz – o pai da Angélica olhou dentro dos seus olhos, simpatizando com o genro –, qual o seu codinome?
– O que sabe a respeito? – Omar ficou apreensivo. – Isso é supersecreto!
– Meu jovem, fui um deles, da mesma forma que o meu falecido filho. – Pai e genro conversavam baixinho em volta do caixão, enquanto a mãe ainda chorava.
– O meu codinome é Mancha Negra.
– Minha nossa! – exclamou impressionado, dando um passo atrás e observando Omar. – O homem que apagou o Cobra!
– Ele matou seu filho e os meus pais, senhor...
– Aldo, ou Pardal.
– Prazer, Omar.
– Quantos você trouxe, Mancha Negra? – perguntou à queima-roupa. – Eu sei que um esquadrão negro não deixa isso em branco e faço questão de saber o que vão fazer.
– Eu e mais quatro, em segredo – respondeu. – Entrar, matar e sair.
– Conte com meu esquadrão, filho. Eu sou o chefe da federal daqui.
– Diabinha nunca me disse que era da corporação, muito menos o chefe.
– Diabinha? – Apesar da situação o pai riu. – Sem dúvida que fazia jus ao nome, que Deus a tenha. Vou mandar El Diablo, líder do meu esquadrão, ao seu hotel e vocês combinam a ação em conjunto, mas cuide dele, que é meu último filho.
– Cuidarei, senhor. – Quatro pessoas, três homens e uma mulher, aproximaram-se do Omar e cercaram o caixão, olhando para o rosto sereno da colega assassinada. Omar levantou os olhos para os amigos de tantas batalhas e disse:
– Oi, gente.
– Oi, Mancha – disse Gavião. – Tivemos problemas durante o voo e só chegamos há pouco por conta de uma escala de emergência. E aí, agimos quando?
– Este é o delegado Aldo, pai da Diabinha e chefe daqui. Nós vamos agir junto com o esquadrão dele.
Um homem muito parecido com Aldo aproximou-se e juntou-se ao grupo em volta do caixão sem que se dessem conta disso. A moça, uma bela e mortal morena perguntou, sem tirar os olhos da falecida colega:
– Certo, Mancha, quem comanda a equipe toda?
– Nossa equipe, serei eu, Vespa. – Omar, ainda muito abalado, não viu o novo visitante e continuou discutindo abertamente assuntos supersecretos, coisa que não faria em qualquer outra ocasião. – A turma daqui será um tal de Diablo, irmão da Diabinha. Vocês já investigaram a área, Gavião?
– Sim, Mancha Negra – respondeu com toda a calma. – No caminho demos um city tour por lá e temos uma missão bastante complicada pela frente, quase suicida, mas se o esquadrão daqui ajudar, entramos, limpamos e saímos em um par de horas. Sozinhos, teríamos complicações grandes.
– O meu esquadrão ajudará, pode ter certeza – disse o recém-chegado. – Já estão de prontidão. Então meu cunhado é o famoso Mancha Negra, líder de Porto Alegre. Prazer, sou El Diablo.
– Oi, Diablo. – Omar apertou a mão do recém-chegado e apresentou os colegas, apontando cada um e dando os codinomes e não os nomes, como mandava o figurino naqueles casos. – Gavião, Vespa, Lobo Mau e Corvo...
Após o enterro, foram para o hotel e Omar verificou o planejamento junto com o cunhado e o chefe da inteligência. Na noite seguinte, cinco pessoas muito determinadas seguiram para o edifício de operações da polícia federal e, de lá, quarenta e cinco homens e mulheres, todos de preto, dirigiram-se a diversos veículos.
― ☼ ―
FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Organização terrorista de facção marxista-leninista.
A delegacia de polícia federal em Porto Alegre fica na Av. Paraná, 991. Daí o termo.
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