Capítulo 5 - parte 1 (não revisado)
"Diante de uma larga frente de batalha, procure o ponto mais fraco e, ali, ataque com a sua maior força."
Sun Tzu.
Passaram o dia estudando tudo, sempre prestando atenção aos menores detalhes, justamente por saberem que qualquer deslize significaria o fracasso e a morte. Quando anoiteceu, Omar foi para o carro dele e tirou uma sacola enorme de um fundo falso do porta-malas, sacola esta idêntica à do primo. Poucos minutos depois disso, bateram à porta e Angélica abriu. Moacir apareceu e entrou sem ser convidado.
– Omar, tu não vais sozinho para essa empreitada, tchê.
Irritado, o amigo disse, mais afirmando que perguntando:
– Caralho, Moacir, és casado, cara?
– Bem sabes que sou, Omar, m...
– Então volta para casa, porra, para a tua mulher. Isto é uma ação de alto risco. Queres que a Júlia fique viúva?
– Omar, eu sei que o passado estragou um pouco a nossa amizade, mas eu te amo como a um irmão e não vou ficar quieto te vendo cometer suicídio, cara, prefiro ser eu a morrer. Talvez então as coisas se endireitassem.
Omar, que vinha evitando olhar o amigo face a face, abraçou-o, comovido.
– Também te amo, irmão. Apenas me afastei e sabes o porquê...
– Eu vou ficar de apoio, cara. Sou o melhor atirador da civil, então podes contar comigo. Segundo uns informantes da polícia, eles vão dar uma grande festa no alto do morro e ordenaram um toque de recolher na favela. Será o momento perfeito porque não haverá viva alma nas ruas que não sejam criminosos.
– Ok. Ficas com Angélica no local escolhido. Vocês farão a vez de snipers. Tens uma dessas?
O amigo mostrou o armamento que trouxe e Omar sacudiu a cabeça. Foi a um canto da cozinha unde no chão estava uma sacola de couro esverdeado bastante grande e pegou um rifle de precisão, entregando-o para o amigo e pedindo ao primo para entregar o dele para Angélica. Mateus foi ao armário do hall e pegou uma sacola idêntica, abrindo-a.
– Só cuidem para não acertarem em nós, ok? – continuou Omar.
– Ei, carioquinha – disse o primo, rindo e entregando a arma nas suas mãos – cuida do meu brinquedinho, tá?
– Vou aproveitar para acertar você – respondeu a garota, fazendo-se de zangada –, já que prefiro o brinquedinho de seu primo.
Mateus fez uma careta e, abobado, Moacir viu o amigo tirar as roupas e vestir um traje que pegou na sacola de armas, um traje negro, tão preto que sumiria na noite, e um colete. Ao seu lado, o primo fez mesmo.
– Angélica, tu largas o Mateus na primeira entrada do morro e a mim na segunda. Vocês vão para o ponto de observação dois, que me parece mais propício para acertar alvos eventuais. Afinal, dele podem ver ambas as trilhas que sobem para o topo, onde acompanharão tudo e estarão protegidos. Cuidem das costas um do outro.
Moacir viu o amigo abrir uma sacola enorme e tirar mais de seis pistolas, todas com silenciadores, exceto uma. Omar espalhou as armas pelo corpo em vários coldres. No cinto, carregava um punhal e pelo menos duas ou três dezenas de pentes de balas. A tiracolo, um fuzil leve e, pendurado no pescoço, equipamento de visão noturna, o mais moderno que já viu. Além disso, Omar distribuiu comunicadores especiais que operavam em uma faixa fora de alcance dos equipamentos padrão, até mesmo do exército.
O delegado olhou para o primo, que estava da mesma forma, e perguntou:
– Pronto, Esquadrão Negro?
– Sim senhor, chefe. – Mateus riu. – Gavião retortando-se a Mancha Negra, mas faltam trinta e oito homens. Acho que desertaram ou amarelaram.
Omar deu uma pequena risada. Os quatro entraram no carro dele e foram para o destino com a moça na direção.
– Angélica, na bagageira há um fundo falso com um excelente conjunto de armas adicionais. Acredito que não serão necessárias, mas, se precisares, fica à vontade.
– Só volte vivo, meu gato. – Angélica sorriu e os seus olhos brilharam. – É o que lhe imploro.
– Adeus, querida, e obrigado pela ajuda. – Omar deu um beijo nos lábios da garota, o que desagradou Mateus, colocou uma touca negra e desapareceu na noite, tornando-se praticamente invisível. Depois, a garota largou Gavião na sua entrada.
– Não mereço um adeus caloroso que nem o do meu primo, carioquinha?
– Foi com ele que passei a noite, e não com você, gaúcho metido. Lembre-se de suas artérias.
– Não fala assim que eu gamo – brincou o agente.
– Vá logo, Mateus, e boa sorte. – A garota sorriu, demonstrando que não estava zangada, mas não o beijou. – Tenha cuidado.
A sós com Moacir, Angélica perguntou:
– Está realmente preocupado com ele, delegado?
– Dou minha vida por ele, Angélica.
Ouvindo isso, ela desistiu do que ia dizer depois, mas não resistiu a um comentário.
– Ele já deu a dele pela sua, delegado, pelo menos a felicidade. Então, valorize isso.
– Eu sei muito bem disso e vi o olhar dele para Júlia. Desistiu de tudo por mim. É por isso que estou aqui.
– Então, você é amigo de verdade, delegado.
– Me chama de Moacir. Sempre fui amigo dele, desde os quatro anos, e repito: dou a minha vida por ele, se for preciso.
– Ele não precisa de sua vida, Moacir, e um esquadrão negro só pode ser morto à traição. O que ele precisa é de uma outra vida, ou você é cego?
– Ele a largou, Angélica...
– Se não quiser virar corno, com o perdão da palavra, separe-se dela, porque os dois não pararam de se encarar ontem de noite. É apenas um conselho.
– Angélica, não sabes do passado...
– Sei muito mais do que você pensa, cara. Um homem bêbado e desamparado, nos braços de uma mulher carinhosa, fala coisas que não diria nem a um padre, Moacir.
– O que ele te disse? – perguntou, curioso.
– Jamais contarei tal coisa, meu caro – respondeu taxativa. – O que eu tinha para dizer já foi dito.
– Infelizmente, as coisas são complicadas – afirmou Moacir com um suspiro.
– São complicadas quando os homens decidem fazê-las assim. Apenas isso, Moacir. Eu vejo claramente que nenhum de vocês será feliz, especialmente você e sua esposa. Pense nisso e tome a decisão correta. Na minha visão, as coisas são até bem simples, muito mesmo, mas só vejo sofrimento pela frente.
― ☼ ―
Em silêncio, Mateus começou a subir o morro, enquanto Omar fez o mesmo pela outra entrada. Ambas as trilhas eram de terra, irregulares e cheias de pedras soltas, exigindo muita habilidade e cuidado dos incursores para não fazerem barulho e se denunciarem. Tinham aproximadamente uma largura de cinco metros e em alguns lugares mais, sempre ladeadas pelas paredes dos casebres, a maioria construções em tijolo à vista, irregulares e com vários "puxadinhos", alguns de madeira. Eventualmente, ruelas de um a dois metros de largura surgiam perpendiculares à trilha pela qual subiam. Quanto mais para dentro dessas ruelas transversais ia-se, tanto mais pobres eram os casebres, alguns até meros barracos de papelão e pedaços de madeira.
Mancha Negra viu que havia inúmeros lugares que lhe ofereciam perigo, mas o treinamento que teve, a escuridão e o silêncio da noite, imposto pelos criminosos com seu toque de recolher, facilitariam tudo. Mal andou cem metros, encontrou a primeira sentinela escondida em uma esquina malcheirosa, onde uma vala estreita e rente às paredes deixava correr um pequeno esgoto ao ar livre, praticamente seco. Pegou uma das pistolas e atirou sem nem mesmo mirar.
O criminoso escondido estava chateado e entediado. Boa parte da gangue comemorava, mas ele permanecia de sentinela no ponto mais baixo do morro, justamente o de maior perigo no caso da polícia decidir invadir. Felizmente ele achava que nada aconteceria porque o chefe garantiu que tinham bons informantes, mas, mesmo assim, o Alemão exigia que fizessem a vigilância, coso desse a louca em alguém. Observava atentamente a passagem, mas não via a mancha negra que avançava sorrateiramente pela sombra da subida de chão batido, uma via praticamente sem iluminação alguma, embora fosse suficiente para se ver uma pessoa comum subindo. Repentinamente, viu um clarão e ouviu logo a seguir um estampido curto. Uma dor intensa tomou conta do seu coração e ele morreu antes mesmo de cair ao solo, rolando para dentro da pequena vala.
O silenciador garantia o fator surpresa, pois só o alvo ouviria o disparo. Omar andou mais dez metros e repetiu a dose, matando outro. Não muito longe dali, o primo fazia o mesmo, já tendo eliminado dez.
O delegado parou no meio de uma sombra e olhou para a frente, mas estava demasiado escuro, mesmo para olhos tão treinados como os seus. Ele ficou imaginando o que deveria parecer para os criminosos, se tivessem oportunidade de o ver, e sorriu ao lembrar-se do apelido que recebeu na academia: Mancha Negra. Prendeu o equipamento de visão noturna nos olhos e observou novamente, vendo dez bandidos de tocaia no terraço de uma casa. Esperou cinco minutos para verificar se aparecia mais algum e nada. Pegou outra pistola com a mão esquerda e atirou neles, que estavam todos bem visíveis. Cinco disparos duplos e os dez caíram mortos antes de darem o alarme. As observações do satélite da federal foram precisas e os criminosos estavam todos nos pontos marcados como mais prováveis, tornando a missão bem mais fácil do que o previsto. Omar entrou na casa onde abateu os criminosos e revistou-a, não encontrando mais ninguém exceto por uma mulher que dormia profundamente. Saiu e analisou a situação, vendo que faltavam pouco mais de duzentos metros para o ponto de convergência onde as duas trilhas transformar-se-iam em uma só, muito larga, e também onde encontraria o primo. De acordo com as informações, restavam apenas mais dois locais de tocaia. Em um deles, notou que poderia haver problemas pois era bem iluminado e parecia ter bastante gente.
Entrou em uma ruela lateral e muito estreita, algo demasiado perigoso para si mesmo, e caminhou rapidamente para não ser apanhado de surpresa. Nas traseiras da casa onde estavam os bandidos, escalou a parede até ao telhado e olhou de cima. Eram quatro, dois deles fumando e bebendo em uma mesa enquanto jogavam cartas e outros dois de olho na rua. Os que jogavam tinham as armas ao lado, soltas de forma displicente. Omar pulou para a lage e primeiro atirou nos dois sentinelas, uma vez que tinham as armas na mão. Fez um giro rápido e preparou-se para os jogadores. Um deles era rápido e pegou a pistola, erguendo-a, mas já era tarde e as duas balas disparadas pelo delegado encontraram os seus alvos antes que ele apontasse. O segundo par caiu sobre as cartas, manchando-as de sangue. Foi para a porta e desceu as escadas estreitas e sem corrimão, deixando o delegado pensativo como eles não se matavam ao descerem bêbados dali de cima. Ao passar no segundo andar, encontrou um homem fazendo sexo com uma garota. Ela viu um sujeito de preto e deu um grito assustado. O homem virou-se e tentou pegar a arma que estava no chão, ao lado do sofá onde se divertiam, mas não chegou a ver ou sentir a morte chegar. A garota gritava cada vez mais alto e acabaria por chamar a atenção da favela inteira. Contra a vontade, porém sem piedade, Omar desferiu um poderoso soco no seu rosto, nocauteando-a de imediato. Pela força usada, calculou que ela ficaria inconsciente umas duas ou três horas e concluiu que não seria necessário matá-la, felizmente, pois não desejava mortes inocentes. Estava era preocupado porque acreditava que ali havia bastante gente, provavelmente um pequeno quartel deles. Apagou a luz, esperou mais cinco minutos e desceu para o piso inferior. Com a visão noturna viu logo uma dezena de homens escondidos na sala. Ergueu duas pistolas e começou a atirar, matando-os com muita facilidade. Satisfeito porque ninguém atirou, denunciando a invasão, saiu da casa, correndo da luz e parando na esquina seguinte enquanto falava para o rádio:
– Mancha Negra para Gavião: relatar posição.
– "Aqui Gavião. Faltam cinquenta metros para a convergência. trinta e sete patos abatidos. Sem mais ninhos, Mancha Negra."
– Certo, Gavião, aqui falta um ninho mas já cacei quarenta e oito patos. Acho que a minha trilha tinha mais fartura. Aguarda no ponto de convergência.
– "Confirmado. Gavião desliga."
– Cabana de caça, Mancha Negra chamando.
– "Fale, Mancha" – ele ouviu a voz doce da Angélica. – "O mercado vai ficar lotado de patos e a cotação do quilo vai cair. Já não deve haver espaço para todos no açougue."
– Nesse caso a gente promove um churrasco ao ar livre, em fogo de chão. Como vai a observação?
– "Nem um pato visível no céu, Mancha Negra, apenas no grande ninho. Terraço bem iluminado."
– Obrigado, Cabana. Cerveja na volta?
– "Claro, Manchinha. Cabana desliga."
― ☼ ―
– Que raio era esse papo de mercado cotação do quilo? – perguntou Moacir. – Não entendi nada!
– Eles já apagaram oitenta e cinco daqueles malditos criminosos demoníacos – explicou a moça, divertida –, e eu me referi à falta de espaço no necrotério. O churrasco tratava de cremar os corpos ao ar livre.
– Céus, como eles são bons! – comentou Moacir, ao ouvir quantos foram eliminados em silêncio. – São mais eficientes que um batalhão inteiro.
– No Brasil não existe nada melhor do que um esquadrão negro, meu caro. Nem BOPE, nem GOE ou GARRA, nem mesmo o exército. Eles têm as armas mais modernas do mundo e um treinamento terrível. Seu amigo poderia entrar no campo de batalha de um exército inimigo, matar todos e sair tranquilamente, isso sem ser visto ou ouvido.
– Nunca ouvi falar de esquadrões negros!
– Se quer continuar vivo, faça de conta que continua sem saber. Eles são a unidade mais secreta da federal e só respondem para os chefes e o ministro da justiça. São como o 007, têm licença para matar e, quando matam, as investigações são abafadas.
― ☼ ―
Mancha Negra – Criminoso das histórias em quadrinhos do Mickey Mouse - Disney.
007 – James Bond, personagem de uma série de filmes de grande sucesso, criado por um escritor britânico chamado Ian Fleming.
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