Parte II
— E então? A Zenin de novo?
Parado na porta do meu quarto, Itadori me olhava como se eu fosse uma alienígena. Talvez o motivo seja a posição que me encontro agora, com ambas as pernas esticadas ao máximo em um perfeito espacate. Além do tique de organização, eu costumava treinar loucamente quando ficava nervosa.
— Não, nada a ver. — Resmunguei, voltando à posição original. Ao passar por ele, bati levemente em sua testa, considerando a ideia absurda. Naquele momento, minha barriga roncou de um jeito nada agradável, parecendo calculado com o toque da campainha segundos depois.
Assim que Megumi apareceu na porta, quis agradecer de joelhos pelo aroma agradável que o acompanhava. Parado a algum tempo no mesmo lugar, o garoto de cabelos espetados nos olhava com uma cara que traduzia a sua indignação por ninguém tê-lo ajudado a levar as caixas de pizza para dentro.
— Entra, amor. — Cedendo o espaço necessário, Yuuji em seguida voltava para perto de mim, me chacoalhando. — A Nobara tá meio área hoje, não liga.
— É aquela garota de novo?
— A própria.
— Ei ei, dá pra vocês pararem de falar de mim como se eu não estivesse aqui? — Estalei os lábios, seguindo até a bancada com os dois. Só o cheiro daquela pizza já era o suficiente para atiçar todos os meus sentidos alimentícios. — Deixa eu adivinhar.. Marguerita?
— E metade Napolitana. — Apontando para outra caixa enquanto abria a primeira, Megumi prosseguiu. — E essa é de quatro queijos.
— Ai meu Deus, Megumi, eu te amo! — Saltitei de felicidade enquanto inalava o maravilhoso cheiro que preenchia o ambiente. Yuuji aparecia atrás de nós com os pratos e refrigerante, e depois nós simplesmente atacamos a pizza.
— Você não tava de dieta? — Arqueando a sobrancelha, o garoto de cabelo rosa encarava a fatia sumir rapidamente para dentro da minha barriga.
— Preciso de gordura quando estou nervosa. — Expliquei, lambendo os dedos. Tá, eu poderia me arrepender mais pra frente. Mas naquele momento, eu precisava daquelas calorias.
— Ah é, quando eu cheguei vocês estavam comentando alguma coisa sobre o dia da Nobara. — Pausando para tomar um gole do refrigerante, Megumi apontava pra mim, mantendo uma expressão curiosa no olhar.
— Não é nada demais, é só que.. — Suspirando, encontrei uma distração em um fio desalinhado do meu moletom. — Aquela garota sabe mesmo como me irritar.
— O que ela fez? — De boca cheia, as palavras do Yuuji chegavam abafadas aos meus ouvidos. Pensando em como responder, mordia insistentemente os meus lábios enquanto repassava as lembranças de horas mais cedo em minha mente.
— Ela me ajudou com um curativo hoje, e o clima ficou.. estranho. Mas não foi uma ajuda do tipo “oi, olha como eu sou legal.” Foi mais como “olha só, uma pobre mortal que precisa da minha ajuda.” — Trinquei os dentes, me recusando a lembrar daqueles milésimos de segundos em que fiquei observando a garota que eu mais odiava. Minha mente não estava me ajudando muito.
— Hmm, tem coisa aí.. — Megumi estreitou os olhos, sendo acompanhado pelo Yuuji. — Acho que no off vocês querem muito se pegar e só não tão sabendo pedir.
— Quê? Não, tá louco? — Considerando a ideia absurda, soltei uma risada nervosa. — E além do mais, ela deve ser hetero. — Balançando freneticamente as pernas, pensei na Zenin e nos lábios avermelhados dela. Por um segundo, me perguntei como seria beijá-la. Claro que aquilo não passou de um lapso louco da minha mente. — Definitivamente, ela não beija garotas.
Trocando olhares um com o outro, sabia que os meus melhores amigos deviam estar me julgando com um daqueles poderes telepáticos de casal. Revirei os olhos, erguendo o dedo do meio na direção deles.
— É, ela pode até não beijar. — Se recostando na bancada, Yuuji levava uma das mãos até o bolso da calça, puxando um papel dobrado de dentro. — Mas você vai e muito.
— O quê é isso? — Me aproximei, olhando por cima do ombro de Yuuji. Assim que ele ergueu o papel até o alcance dos meus olhos, peguei para ver melhor. — Uma festa.. de Halloween?
— A melhor festa de Halloween, você quis dizer. — Me corrigindo, Megumi passava por mim para pegar mais um pedaço de pizza. — Você vai, né?
Me concentrando no papel, li as informações em silêncio. A festa seria na faculdade de Yuuji e Megumi, no próximo final de semana. Apesar de curtir festas como aquela, não podia negar que o meu corpo estava pedindo um pouco de descanso.
— Hmm, vou pensar. — Recebendo um estalar de lábios em resposta, voltei à atenção para o meu celular, que tocava repetidamente anunciando o horário do meu jogo. — Agora, se me dão licença.. Preciso ir farmar itens.
— Você pode ir com aquela garota. — Sugerindo, Megumi se encaminhava para a pia, pegando os pratos. — A garota do jogo. Vocês não se conhecem pessoalmente ainda, né? Não tem oportunidade melhor.
— Tá louco? — Arqueando uma sobrancelha, Yuuji se ocupava em comer os farelos da caixa. — E se na verdade essa garota for um cara estranho?
Enquanto eu ainda processava a ideia de convidar makzz, Megumi e Yuuji discutiam sobre a possibilidade da minha amiga virtual ser algum tipo de assediador. Eu a adorava, e tudo bem que a gente nunca trocou nenhuma prova física para provar que éramos quem a gente dizia ser, mas parte de mim desejava sim conhecê-la pessoalmente. Quer dizer, encontros de guilda existiam, e seria natural acabarmos nos esbarrando em algum desses eventos. Grandes amizades nascem através de jogos onlines, e eu queria acreditar que aquela sorte também chegaria até a mim.
— Sabe que é uma boa..? — Concluí, esperançosa. Yuuji e Megumi olhavam para mim com expressões diferentes enquanto eu andava aos pulinhos até o meu quarto, acenando para eles. O primeiro, exibia no olhar a opinião da ideia ser louca, enquanto o segundo tinha os olhos animados em uma expressão de “se joga garota!”
@n0bsx: E então, pronta para matar mais uns chefões hoje?
@makzz: Sempre pronta. Como foi o seu dia hoje?
@n0bsx: Cansativo. Treinei bastante e acabei me machucando no processo.
@makzz: Ai meu Deus, você tá bem???
@n0bsx: Tô sim, foi só uma feridinha de nada. E o seu dia?
@makzz: Compartilho o cansaço. Também peguei bem pesado hoje.
@n0bsx: Ah, esqueci de perguntar. Como foi a conversa com a sua mãe?
@makzz: Então.. Não tive coragem de abordar esse assunto. Ela parecia tão feliz com os assuntos do trabalho, achei melhor não arriscar isso.
@n0bsx: Poxa, sinto muito, makzz.. Espero que você encontre um tempinho pra conversar com ela.
@makzz: Eu também espero..
Mas me conta, e as novidades?
Tamborilei os dedos freneticamente na mesinha enquanto formulava a resposta. Era o momento perfeito para convidá-la para a festa, mas e se ela me achasse “atirada” demais? A gente conversava todo dia e combinava praticamente em tudo, mas não sabia se isso era suficiente para que ela também compartilhasse o desejo de me conhecer. Vai que para ela eu só fosse uma colega de um jogo online!?
@makzz: Nobs, ainda tá aí?
Pisquei os olhos, vendo a plaquinha de “missão não concluída” na tela. Enquanto eu divagava, deixei de mover a minha personagem, e sem o suporte necessário, makzz e eu acabamos sendo derrotadas pelo chefão. Suspirei, voltando a escrever.
@n0bsx: Desculpa, estava distraída.
Você gosta de ir à festas?
@makzz: Se eu gosto??? Eu adoro! Inclusive, saudades.
@n0bsx: Eu também! Tem tanto tempo que não me divirto em uma..
Então, a faculdade de um amigo meu vai promover uma festa de Halloween no próximo final de semana. Se você estiver livre..
Mas se não estiver também não precisa, é só que eu ouvi dizer que vai ser bem legal.
@makzz: Eu posso mesmo ir? Quero tanto! Sempre quis conhecer a minha parceira favorita de aventuras, mas nunca tomei a iniciativa porque achei que você só quisesse manter contato por aqui.
@n0bsx: Sabia que eu também tinha esse mesmo pensamento? Morria de vontade de te chamar pra fazer alguma coisa, mas nunca tive coragem por que sempre achei que eu seria invasiva hsusjsh.
@makzz: Então, fechado. Vamos nos conhecer nessa festa de Halloween.
Ah, com qual fantasia você vai? Pra gente poder se identificar kkkkk.
Novamente, tamborilei freneticamente ao pensar que não havia pensado em nenhuma fantasia. Sem costume de ir à festas temáticas, eu não tinha propriamente uma fantasia para vestir. Mordi a ponta da unha, tendo um lampejo que rapidamente se transformou em palavras.
@n0bsx: A gente podia se vestir como as nossas personagens aqui no jogo, né? Eu sei que não tem muito tempo pra fazer uma coisa mais elaborada, mas acho que consigo fazer um cospobre da Lili.
@makzz: Achei a ideia maravilhosa! Vou de Bex, então.
Sorri boba para a tela do computador, e o sorriso se manteve até a hora em que fui deitar. Não só estava prestes a conhecer a minha amiga virtual, como tinha grandes chances de trocar uns beijos - isso era ideia minha -, coisa que eu não fazia a muito tempo. As coisas não poderiam estar mais encaixadas, e eu sentia que depois de tanta luta, os dias de glória como uma garota da cidade grande estavam chegando.
— Eu não entendo, senhora Laviolette. — Pedi, seguindo a senhora enquanto ela se encaminhava para o lado de fora da sala. — Eu não posso mesmo fazer dupla com outra pessoa?
— Não, querida. — Suspirando, a senhora de cabelos grisalhos parava abruptamente na minha frente, fazendo o meu corpo colidir levemente com o dela. — Zenin Maki é a melhor aluna dessa Companhia. Você deveria estar muito satisfeita com a oportunidade de trabalhar ao lado dela.
— Mas..
— E além do mais, as duplas estão formadas pelo nível de desempenho.
— Então a senhora está dizendo que eu sou ruim?
— Não foi o que eu disse. — Passando a mão pela testa, a senhora Laviolette demonstrava uma imensa vontade de encerrar aquela conversa. — Estou dizendo que estou ansiosa para ver a sua evolução ao lado de uma aluna com mais tempo de experiência.
Derrotada, voltei para a sala com os ombros caídos ao lado do corpo. Acenei desgostosa para as meninas que saíam, enquanto me dirigia para arrumar a minha bolsa. Parei assim que ouvi a música recomeçar.
— O que você está fazendo? — Indaguei para a silhueta na minha frente, vendo-a se alongar.
— Treinando.
— Mas a gente deveria conversar sobre a nossa apresentação.
— Depois do treino, se você quiser, estarei totalmente disposta a te ouvir.
Trinquei os dentes, evitando soltar um palavrão. Meu mundo parecia ter desmoronado ao redor dos meus pés assim que ouvi quem seria a minha dupla na Avaliação Mensal, apresentações que tem como objetivo analisar o desenvolvimento das alunas. Tínhamos um mês e meio até a Avaliação, e enquanto a garota de cabelos verdes parecia tão tranquila, eu estava prestes a ter um colapso mental.
Sentei com o corpo encostado a uma parede, me recusando a esperar do lado de fora. Não negaria que era um soco no estômago ver o alto nível de perícia em cada movimento executado por ela. A garota parecia uma fada enquanto girava e saltava no ar, e como esperado, seus pés deslizavam pelo piso branco com destreza e graciosidade. Os movimentos eram leves e precisos, mas ainda assim parecia tangível a intensidade deles. Maki abria os braços, curvava o corpo, tudo com a perfeição de uma boneca. Seus olhos concentrados eram um espetáculo à parte, parecendo pepitas com vida própria. As estrelas em sua tatuagem saltavam, girando ao seu eixo, transformando a garota de cabelos verdes em uma galáxia que me envolvia e me puxava para dentro de todo o universo das suas constelações.
Pisquei os olhos, sentindo-me quente. Minha boca seca e trêmula, acompanhando o ritmo descompassado da minha respiração. Maki era linda, muito linda. Era impossível tirar os olhos dela.
— Ei, tá tudo bem? — Estalando os dedos na minha frente, Zenin aparecia no meu campo de visão, me sobressaltando. A quantos minutos eu estava fora do ar? — Você não disse que queria conversar sobre a apresentação?
— É, é. — Pigarreei, afastando-me dela. Naquele momento, estar no mesmo espaço que Zenin Maki era nocivo ao estado turbulento da minha mente. — Você tem alguma ideia?
— Eu já estava pensando em algumas coisas antes. — Se dirigindo a bolsa dela, Maki enxugava as gotículas de suor com uma toalha. Aquele movimento era extremamente natural, mas não nego ter me sentido fraca quando pousei os olhos em seus braços torneados. — A gente podia criar uma apresentação baseada nos tipos de amor.
Assenti, indicando que ela deveria completar a ideia. No entanto, as palavras chegavam embaralhadas aos meus ouvidos, apesar de serem muito bem articuladas pela garota de cabelos verdes. Meus olhos estavam fixos nos lábios dela, nas pontas coloridas de seu cabelo, no uniforme de cor preta que usava. Pareciam peças de um quebra cabeça que eu estava montando, em câmera lenta, a garota parecia brilhar.
— Kugisaki? Você está prestando atenção? — Cruzando os braços, Maki me olhava com uma expressão irritada. Assim que balancei a cabeça em afirmação, ela prosseguiu. — Ótimo. A gente começa a treinar amanhã.
— Mas amanhã é domingo.. — Apelei.
— Bom, não é como se você estivesse em condições para desperdiçar um treino, né? — Com uma risadinha sarcástica, Maki se encaminhou para a porta, deixando-me com os dentes trincados para trás. — Tenho uma conhecida que pode emprestar um espaço para a gente. Te mando o endereço quando chegar em casa.
Horas mais tarde, vi pregado na porta da cozinha um post it com os dizeres “a casa é sua hoje. Aproveite com moderação.” Seguido de beijinhos e corações fofos. Ri pensando que aquilo era a cara do Yuuji, até mesmo na zoação - ele não acreditava que eu fosse realmente levar alguém para casa, né? - Meu melhor amigo era confidente das tentativas de dates frustrados que tive no último ano. Com a casa vazia, o máximo que eu podia fazer era passar horas e horas sem me preocupar com uma possível troca de canal - Yuuji adorava realitys shows e eu não abria mão das minhas séries. - Fora isso, era um dia como qualquer outro.
Preparei um sanduíche de patê e segui para o meu quarto, disposta a passar o dia em que ficaria sozinha no apartamento com a única companhia disponível além de Yuuji. Liguei o computador, mordendo os lábios em ansiedade com cada etapa de inicialização. Enquanto os gráficos carregavam, pensei em diversos cenários onde makzz cancelava o nosso encontro, tendo deixado para o dia seguinte para não parecer mal educada. Prendi o ar nos pulmões assim que a tela do jogo carregava, indo rapidamente para a sessão que me interessava.
0 mensagens.
Por um lado, eu estava feliz, porque, se não haviam mensagens, era sinal que nosso encontro ainda estava de pé. Por outro, estava triste por makzz não estar logada, e permaneci com aquele sentimento pelos próximos trinta minutos em que fiquei esperando a sua entrada. Tive vontade de mandar uma mensagem, na esperança de pelo menos a conta estar logada, mas não estar visível para os contatos. No meio da segunda linha, desisti. Sem Yuuji e sem makzz, restava pra mim uma noite sem graça com os outros membros da guilda, nem de longe tão divertidos quanto a minha amiga virtual.
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Sonolenta, agradeci ao motorista por ter me deixado na porta do Studio. Zenin não estava brincando quando disse que gostava de ser útil logo cedo, infelizmente, aquele pensamento não passou pela minha cabeça nas horas em que fiquei procurando algo para fazer e ficando entediada em todas elas, na noite anterior. Subindo as escadas, abri metade da porta, colocando o rosto para dentro. Do outro lado, Maki se encostava em uma barra, parecendo pensativa.
— Até que enfim você chegou. — Sem ao menos se dar o trabalho de dizer um “bom dia, como você está?”, Zenin caminhava em passos lentos na minha direção, mas sem me olhar de fato. Eu estava prestes a respondê-la de um jeito azedo, ainda chateada por estar fazendo dupla com ela, quando notei duas manchas vermelhas abaixo de seus olhos. As pálpebras acompanhavam a vermelhidão, dando-lhe um aspecto choroso. Ao notar o meu olhar para aquela parte específica do seu rosto, a garota de cabelos verdes estalou os lábios, ríspida. — Vamos? Não temos muito tempo.
Assenti, trocando as sandálias pelas sapatilhas. Em seguida, retirei a sobreposição que usava, revelando o meu uniforme cotidiano, na cor roxa. Depois de alguns minutos de aquecimento, Maki virou-se na minha direção, fixando a atenção na altura dos meus ombros.
— Você fica com o Amor Ágape. O tipo de amor puro, incondicional. Já eu, fico o Amor Eros, tudo bem?
Balancei a cabeça em concordância, pensando na escolha do tema. O amor em si era algo bem filosófico, e parecia ironia do destino representar tal sentimento ao lado de uma pessoa que despertava justamente o contrário. Momentaneamente, minha mente vagou sobre a simbologia do Amor Eros, a sensualidade e a paixão, e parte de mim desejava ver como Maki levaria aquelas sensações para o palco.
Ficamos em silêncio com o início da música e nossos pés se moviam em sincronia. A proximidade com Maki deixava a sala mais quente do que realmente estava, e aquele turbilhão de sentimentos apenas aumentou quando a maior interrompeu a música, parando atrás de mim.
— Você está muito adiantada. E a sua perna nesse movimento está em um ângulo muito baixo. — Estremeci assim que senti o toque suave das mãos de Maki em meu tornozelo, e deixei que a ponta dos seus dedos fossem o guia para a posição exata da minha perna. — Deixe os seus braços assim. O Ágape tem que ser suave, você está colocando muita força neles. — Subindo as mãos pelo meu corpo, apertei os olhos com o toque das mãos da garota em meu braço, abrindo-os. Maki estava muito, muito perto. Eu podia ouvir o barulho da sua respiração e sentir a pele quente na minha, e mesmo sem olhar, sabia que era o foco de sua atenção. Seu cheiro adocicado ultrapassava as minhas narinas sensíveis, e sem ter o controle do meu corpo, virei lentamente para encará-la. Maki não se moveu diante da minha ação, suas mãos ainda tocavam o meu braço, seus olhos ainda fitavam os meus. Aquela onda de calor transcorria entre nós duas, e nenhuma de nós ousava cessar o que quer que estivesse acontecendo naquele momento. Nossos rostos se conheciam, nossas bocas se procuravam, ansiosas para dar fim a distância que as impediam de estarem juntas. Delicadamente, a garota de cabelos verdes rodeava o dedo indicador em meu cotovelo, tracejando linhas imagináveis e incertas.
Não sei dizer quanto tempo aquilo durou. Nem quem teve o choque de realidade. No minuto depois que o tempo começou a fazer sentido, estávamos afastadas e ofegantes, sentindo uma onda de tempestade em nossos corações.
— Eu acho.. Acho que.. — Nervosa, comecei a andar na direção da minha bolsa, determinada a não olhar para trás. Eu não podia, em hipótese nenhuma, continuar naquele mesmo espaço com Zenin Maki. — A gente devia montar cada parte sozinha. Vamos nos falando pelo celular e complementando uma coisa ou outra. Vai dar certo mesmo se a gente não treinar juntas.
— Nobara..
Nobara. Não “Kugisaki”, como ela costumava me chamar. A forma sonora como ela chamou o meu nome, diferente de todas as vezes em que ela me mencionava com desdém, era um teste árduo para o meu coração. Por isso, eu não devia deixar que aquele órgão idiota tomasse a frente das minhas decisões.
— Eu preciso mesmo ir. A gente se fala. — Bati a porta e desci as escadas correndo, como uma fugitiva. Tudo em Zenin Maki estava diferente hoje. A sua voz, a fragilidade que eu não conhecia, sua expressão área, seu contato com o meu corpo. Mas aquela mesma garota podia ser maléfica, soberba, egocêntrica. E era essa a parte que eu odiava nela, e como eu a via desde que a conheci. Então, por quê o meu corpo reagia de forma tão diferente quando estava no mesmo espaço que ela?
Girei as chaves e entrei no apartamento como se aquele fosse o meu refúgio particular. Itadori ainda não havia chegado, o que em parte me deixava triste por não ter ninguém para desabafar sobre a confusão sentimental que habitava a minha mente, mas feliz por não ter que repassar todo o acontecido com a Zenin. Mesmo que no início da tarde a atividade fosse pequena, entrei no jogo procurando pelo colo da minha amiga virtual. Curvei os lábios para baixo assim que a tela carregou e eu pude clicar no perfil dela, vendo que a última vez online tinha sido a última em que tínhamos conversado.
Suspirei, recorrendo a geladeira para um pote de sorvete e, quando Yuuji chegou parecendo renovado, eu já não tinha mais gás para contar tudo o que havia acontecido pela manhã. Era claro que o meu melhor amigo farejaria algo errado na minha expressão, mas em turbulência o bastante para dialogar, sorri e o tranquilizei, afirmando que eu tiraria o dia para treinar. E pelo restante do dia, foi o que eu fiz.
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— Nobara, você já está pronta? O carro já tá esperando a gente lá embaixo.
— Quase! — Gritei do outro lado da porta, me olhando no espelho. Com a proximidade entre a festa e a escolha da fantasia, não deu para fazer muita coisa. Para a concepção da fantasia, escolhi uma camisa vermelha com botões, um espartilho preto acompanhados de short e meia calça da mesma cor. Nas mãos, estava usando luvas que chegavam até os meus pulsos, e uma bandagem no braço direito. Encaracolei os meus cabelos da mesma forma que a personagem, prendendo os fios com um tic-tac de joaninha.
Olhei mais uma vez para o espelho, olhando a indumentária. Comecei a pensar na possibilidade da makzz reconhecer a tentativa de fantasia, mesmo que a sua ida fosse incerta. Na última semana, não tive contato com ela, nem uma resposta às mensagens que mandei, perguntando se o nosso encontro ainda estava de pé. Suspirei ao imaginar que ela queria mesmo recusar e só estava sendo educada; naquela altura, a minha ex-amiga virtual já deveria estar em outra conta.
— Vamos. — Abri a porta recebendo assobios calorosos de Yuuji e Megumi, que estavam fantasiados de vampiros. Eles eram a verdadeira estética de casal perfeito, bem combinadinhos.
— A senhora está um verdadeiro arraso! — Batendo palmas, Itadori me acompanhava pelo lance de escadas, arrancando-me uma risada. Em uma das mãos, segurava um cajado que felizmente havia encontrado em uma loja de produtos geek. A peça era adornada com símbolos estelares, característica do arsenal da personagem.
— Vou aceitar esse biscoito por que eu tô precisando. — Brincalhona, entrei no carro junto com o casal de namorados, e para não ficar de vela, desviei a atenção para os joguinhos de caça palavras que eu tinha baixado no celular. Enquanto procurava uma sequência de palavras, não pude deixar de pensar em makzz, e nos motivos para o seu sumiço. Temia ser algo sobre a conversa com a sua família, e queria mesmo estar ao lado dela para a confortar.
A festa de Halloween da Universidade de Tóquio era realmente tudo o que prometia. O campus estava completamente lotado, as caixas de som estrondavam os quatros cantos do lugar e a animação presente era contagiante. As paredes e árvores estavam decoradas com abóboras e lanternas laranjas, e em menos de cinco minutos no local, eu já estava completamente à vontade, rindo e movimentando o meu corpo como a muito tempo não fazia.
— Aproveita que é o teu momento, garota! — Fazendo sinal de positivo, Itadori puxava Megumi para o centro da festa, sendo aquela a sua deixa para que eu começasse a me divertir. Assenti, trocando olhares com algumas garotas que pareciam muito receptivas a flertes. Uma delas passava por mim, elogiando a minha fantasia. Animada, eu retribuí dizendo que ela estava literalmente uma gata, fazendo a garota com orelhas de gatinho rir.
Depois de tanto tempo em desuso, a parte pegadora do meu cérebro não sabia como agir. Decidi que eu precisava de álcool para que aquela festa realmente começasse a fazer sentido para mim, e entre um licença e outro, passava pelo monte de silhuetas fantasiadas, procurando a fonte da minha transformação. Minutos depois de andar em círculos, achei alguns copos descartáveis e tonéis de teor alcoólico, que rapidamente fiz questão de mandar para dentro do meu corpo.
Alguns copos depois, parei na pista de dança, remexendo o corpo. Eu estava risonha, cem por cento graças à bebida. No entanto, da mesma forma que a animação, a tristeza me acertava de forma desavisada, me retirando da pista antes mesmo que a próxima música começasse.
Chutei alguns tufos de grama enquanto me distanciava de toda a diversão, deixando para trás a euforia, as risadas e todo o clima festivo. Distante, levei o olhar para o céu e suspirei ao pensar na minha mãe e no quanto me sentia sozinha sem ela. Eu tentava sufocar a minha solidão com o foco da minha obsessão, o ballet. Tirando ele, minha existência era uma carga vazia.
Abri e fechei a mão, soltando uma risada amarga ao perceber o quanto eu era patética. Uma garota sozinha que achava que a sua felicidade começaria com o reconhecimento de seu talento como bailarina, mesmo que na verdade eu não fosse tão boa assim. Era ridículo a forma como eu projetava os meus sonhos no ballet, mais ridículo ainda o pensamento de que eu poderia me manter com isso.
— Lili? — Sobressaltada, fui retirada abruptamente dos meus pensamentos por uma voz que surgia atrás de mim. Julguei ser a bebida, ou a mistura dos meus sentimentos confusos, mas eu podia jurar que reconhecia aquela voz.
— B-Bex? — Virando-me, pisquei os olhos para ter certeza de que o álcool não estava me fazendo ver coisas. Na minha frente, a centímetros de distância de mim, Zenin Maki estava vestida como a personagem que a minha amiga virtual usava no jogo. Diferente de mim, ela estava idêntica a personagem, até mesmo com a peruca roxa e as orelhas de elfa. — Eu não acredito que.. A Makzz do jogo é você?
— Eu é que não posso acreditar que a Nobs do jogo é você. — Soltando uma risada arrastada, Maki encurtava a nossa distância com mais um passo. — Tipo, qual a possibilidade?
— Eu não acredito mesmo que você.. logo você.. É aquela garota legal com quem eu conversava todas as noites. — Confusa, sentia o meu estômago se revirar e ameaçar jogar o conteúdo alcoólico para fora do meu corpo.
— Ei, eu sou uma garota legal. — Com ênfase no “sou”, a garota cruzou os braços. — Então, quando você comentava sobre a garota chata da faculdade, era a mim que você estava se referindo?
Merda.. Baixei o olhar, lembrando que em uma de nossas conversas eu havia mencionado algo do tipo. Mordendo os lábios, assenti.
— Uau. — Ela sibilou. — Não sabia que você me achava esnobe.
— Acho que você deveria se perguntar quem não acha você esnobe. As pessoas só sabem esconder muito bem.
— Discordo. — Zenin me cortava, enrolando na ponta dos dedos, uma mecha dos fios arroxeados. — Por que você acha que eu sou esnobe?
— Talvez por que você sempre tem um arzinho de superioridade? Sempre com um olhar de "olha como eu sou incrível e não existe uma pessoa com o mesmo nível que eu?" Ou por quê você não tem decência nenhuma ao ser extremamente crítica?
— Hmmm.. — Pensativa, a garota de cabelos verdes parecia se retrair. — Olha, eu não queria passar essa impressão, de verdade. Quando eu aponto os erros de uma pessoa, na verdade eu estou tentando fazer com que ela melhore, sabe? Não é nada pessoal.
— Ah, sei. — Ri, irônica, cansada demais para escutar aquele joguinho idiota de palavras. — E a melhor forma de fazer isso é tratando a pessoa como um lixo?
— Mas eu nunca te tratei assim!
— Certeza que não? — Insisti, enraivecida. — Cada palavra que você dirige, cada “tentativa” sua de me fazer melhorar na verdade faz com que eu me ache um lixo, uma ninguém.
— Kugisaki, de verdade.. — Relaxando os ombros, Maki me encarava seriamente nos olhos, com os lábios apertados. Tirando aquele dia no estúdio, aquela era uma das poucas vezes em que eu a via daquela forma. — Eu jamais usaria as palavras com essa intenção. Eu te acho ótima, sério. Se eu sou um pouco ríspida com você, é porque eu sei que debaixo de toda essa insegurança tem uma bailarina incrível, pronta para brilhar.
Com as palavras me atingindo na velocidade de um raio, me calei. Procurei no rosto de Maki indícios de que ela estava sendo maliciosa ou falsa como era esperado dela. Mas as suas pálpebras baixas e o seu rosto transparente deixava todas as palavras que saíam de sua boca, condizentes com a expressão que eu via.
— Você acha.. Que eu sou boa.. Mesmo? — Arrisquei, ousando encará-la. Ver a genuinidade daqueles olhos esmeraldinos me deixava tonta.
— É claro que sim. — Maki sorria com a pergunta, de um modo que parecia bobo perguntar. — Eu só te acho muito travada nos treinos porque você tem medo de arriscar. De se permitir mais, sabe? Então, como eu tive uma criação muito rígida, acabo passando esse jeito severo para as pessoas à minha volta. Me desculpa.
Rolando os olhos, aparentemente sem jeito, Maki ao mencionar sua criação fazia as minhas lembranças se voltarem para a sua família. Se a Zenin era makzz, então quer dizer que era ela quem estava passando pelos problemas familiares. Relaxando os músculos do corpo, me aproximei.
— E as coisas com a sua mãe..? Como ficaram? Você sumiu do jogo e.. Fiquei preocupada, pensando que poderia ser algo relacionado a isso.
Suspirando, a garota de cabelos verdes encontrava uma distração em um fio solto da sua luva. Pela expressão, aquele assunto parecia delicado, mas antes que eu a tranquilizasse e dissesse que não precisava tocar no assunto, se aquilo não era confortável, respondeu.
— Depois daquele dia eu.. Conversei com ela. — Pausando, Maki se concentrou em outro fio solto, e naquele momento, pude perceber que seus dedos estavam trêmulos. Instantaneamente, levei a minha mão até a dela, e o ato pareceu surpreendê-la. Em agradecimento, Maki sorriu, continuando. — Não foi uma conversa fácil. Minha mãe é obcecada em fazer planos para a minha vida, e o fato de eu gostar de garotas não estava neles. A gente discutiu e desde então estamos brigadas. Desculpa não ter aparecido mais, eu só.. Não estava com cabeça.
— Não precisa se desculpar. — Apertando a mão dela, senti o contato gélido da ponta dos seus dedos. Com a mão livre, alisei os seus ombros. — Eu torço de verdade para que vocês voltem a se entender.
Assentindo, Maki correspondeu ao aperto da minha mão, entrelaçando os nossos dedos. Depois de alguns minutos em silêncio, a garota de cabelos verdes voltou a preencher o espaço ocupado pela ausência de som.
— E a sua mãe.. Como foi tudo.. Quando ela descobriu?
Lembrando que eu também havia contado sobre a minha sexualidade para ela, minhas memórias navegaram pelos dias em que estive com a minha mãe, no quarto de hospital. Eu estava muito confusa naquela época, tanto com a doença, tanto com os meus próprios sentimentos.
— Eu estava tão nervosa. — Comecei, abrindo um sorriso saudoso. — Comecei a prepará-la como se ela estivesse prestes a escutar algo que a decepcionaria, mas antes que eu terminasse, ela simplesmente disse “você não precisa agir como se estivesse indo para a forca, se é apenas para me falar que gosta de garotas.” E finalizou dizendo que o importante era que eu fosse muito feliz. Ela estava tão debilitada naquela época, mas ainda tinha forças para ser a mãezona que sempre foi.
Balançando a cabeça, Maki compartilhava lágrimas silenciosas comigo. Em seguida, limpando as minhas, ela exibia uma expressão culposa, abaixando o olhar.
— Sinto muito por ter falado da sua mãe daquele jeito. Tenho certeza que ela era uma mulher incrível. E sabia perfeitamente o quanto a filha dela era talentosa.
— Ela era sim. — Olhei para o céu salpicado de estrelas, desejando que ela estivesse escutando aquelas palavras naquele momento. Em seguida, ao lembrar do momento mencionado, balancei a cabeça em negação. — Odeio dizer, mas você tinha razão naquela época. Nossos pais sempre vão achar que somos ótimos em fazer qualquer coisa.
— Mas nesse caso, sua mãe tinha mesmo razão.
Estalei os lábios, deixando que Maki vencesse aquela partida. Ainda olhando para o céu, sentia naquele momento um vazio doloroso, que parecia ter ganhado vida própria depois das menções a minha mãe.
— Sinto muita saudade dela. Tento me dedicar ao máximo ao ballet para esconder essa saudade, mas não importa o quanto eu me ocupe.. Sempre vou ter essa sensação de solidão.
Suspirando, Maki aproximou o ombro do meu, mantendo os nossos corpos lado a lado. Daquele jeito, compartilhando a imagem das estrelas, pareciamos sozinhas em um mundo tão vasto.
— Eu entendo. — Mantendo o olhar nas estrelas, Maki prosseguiu. — Não do mesmo jeito que você, em relação a perda e tal. Mas eu também me sinto sozinha, mesmo rodeada de pessoas, elogios, expectativas. Quando eu entro no meu quarto e paro de fazer pose de confiante, meus medos me tomam por inteira. E é só no jogo, com você, que eu fujo um pouco disso tudo.
Abri os lábios, mal podendo imaginar que a toda poderosa Zenin Maki tinha momentos como aquele. No Conservatório, ela parecia tão segura, tão dedicada, mas aqui, no agora, parecia uma garota assustada como eu, repleta de cicatrizes que precisavam ser curadas.
— Eu também.. Gosto muito das conversas que temos. E gosto de caçar monstros com você.
— É claro que gosta! Quem te ajudou a subir de nível mesmo?
Risonha, bati levemente no braço da garota, empurrando-a para o lado.
— Tá vendo? É a volta da garota super convencida.
— Mas isso não é convencimento, é fato.
Rindo com o seu floreio, deixei que o meu olhar se demorasse nos traços da Zenin. Os seus olhos apertados enquanto ria, a expressão leve enquanto seus lábios estavam esticados de ponta a ponta. Como eu nunca tinha visto a garota que estava na minha frente, tão leve e divertida? Como eu nunca havia parado para pensar que.. ser próxima de Zenin Maki não era tão ruim assim?
Nas caixas de som da festa, tocava New Romantics, da Taylor Swift. Mesmo longe, a música chegava de maneira parcialmente audível, deixando que o clima leve esperasse por algo mais. À medida que Maki parava de rir e notava o meu olhar em seu rosto, automaticamente os seus olhos percorriam os meus traços.
Próximas o bastante para sentir a respiração ruidosa uma da outra, Maki levava uma das mãos cautelosamente até a minha cintura, alisando preguiçosamente. Com a mão livre, a garota jogava para trás uma mecha encaracolada do meu cabelo, deixando a bochecha livre.
— Posso..?
Aproximando os lábios dos meus, Maki não avançou até que aquele pedido tivesse uma resposta afirmativa. Sorrindo, avancei em seus lábios cessando a distância entre as bocas, ato que parte de mim sabia que esperava a muito tempo. Sem amarras, fiquei na pontinha dos pés, entregando-me ao ritmo calmo de Maki enquanto a garota saboreava a boca na minha, e nossas línguas trocavam carícias. Uma das mãos que estavam no meu pescoço encontravam destino em meu cabelo, e o toque firme da ponta dos dedos da maior causavam arrepios distribuídos em todas as partes do meu corpo.
Alisando os seus braços, dedilhei o cotovelo da garota, afastando-os em seguida para segurar a sua cintura com firmeza, trazendo-a para mais perto de mim. Apertei as laterais do seu corpo como se a minha vida dependesse daquilo, ao mesmo tempo que o ritmo do nosso beijo era regido pela intensidade do nosso desejo. Uma das mãos passeava pelo corpo da garota até parar em sua nuca, ora alisando, ora passando as unhas em movimentos leves. Torpe, me lancei de corpo e alma ao momento, deixando que os vocais da Taylor Swift fizessem parte da nossa playlist.
~ Bônus ~
— Zenin e Kugisaki, vocês são as próximas.
Apertei os nós entre os dedos, respirando fundo. Àquela altura, eu estava péssima antes mesmo de começar a apresentação. Me olhando atentamente no espelho, podia ver algumas falhas na maquiagem elaborada que usava, o glitter borrado e alguns strasses fora do lugar.
— Meu Deus, eu estou muito nervosa. — As palavras saíam de mim como se eu estivesse a horas embaixo da água. Paranoica, comecei a ver alguns defeitos no uniforme escolhido para o dia de hoje. Meu collant se misturava em cores de azul e branco, sendo a primeira cor adornada por pérolas que se espalhavam pela peça.
— Shh, calma, calma.. — Se aproximando, Maki segurava os meus ombros de maneira delicada, apertando com suavidade. Olhando para ela pelo reflexo do espelho, me perdia mais uma vez no brilho dos seus traços. Sua maquiagem era predominante vermelha, assim como o uniforme que usava, adornado por sedas espirais. Encarando nós duas, era louco pensar no quanto nos aproximamos no último mês. — Vai dar tudo certo. É só fazer como a gente combinou.
Assentindo, entrelacei minha mão com a dela, tomando coragem para sair daquele cômodo. Em poucos passos, estaria diante dos melhores professores da Companhia, e ao pensar na mínima possibilidade de erro, podia sentir todos os poros do meu corpo em combustão.
A música chegava aos meus ouvidos ao mesmo tempo em que meus pés se movimentaram. De um lado, Maki saltava graciosamente no ar, desafiando a gravidade. Do outro, meu corpo sentia cada nota musical, transformando-se em passos suaves. Meus pés cobertos com a sapatilha deslizavam pelo palco, e naquele segundo, minha mente estava silenciosa. Imaginei a correnteza de uma cachoeira, calma e contínua. A forma como um amor puro deveria ser.
Maki era o extremo oposto. Seus giros e movimentos eram como a fúria de um furacão, a forma como ela ocupava espaço no palco assemelhava-se à uma tempestade, exatamente como a força do amor intenso. Nossos corpos se moviam em sincronia, apesar dos nossos passos nos separarem, dando a cada uma de nós o destaque merecido.
Ao som melódico do violino, Maki e eu ocupamos o centro do palco, girando em nosso próprio eixo. Minha perna se levantava em um ângulo perfeito, meu corpo lançava-se ao ar, ao mesmo tempo em que olhávamos uma para a outra e sorriamos. Havia chegado o momento.
Sincronizadas, nossos corpos se juntaram, seguidos pelo balançar em ondas de nossos braços. De costas uma para outra, procuramos o entrelaçar de nossas mãos no mesmo momento em que a música se encaminhava para o fim. Em um repente, desfizemos o encaixe, finalizando a apresentação em lados opostos, girando e saltando com graciosidade e precisão.
Sem fôlego, apoiei as mãos em minhas pernas, sentindo toda a euforia do momento me consumindo de uma só vez. O ambiente parecia estar vivo, as linhas das cortinas dançavam em meus olhos desfocados. Atrás de mim, Maki me abraçava com a sensação de dever cumprido. Com a respiração desregulada, deixei que o peso do meu corpo caísse sobre o dela, a abraçando desajeitadamente.
— Vocês duas foram.. Muito boas. — Depois de uma garrafa inteira de água e alguns minutos tomando ar, estava pronta para avaliação. Maki e eu estávamos acabadas, mas igualmente satisfeitas com a apresentação. Mesmo que não quisesse transparecer, ao olhar nos olhos da garota de cabelos verdes, podia ver a ansiedade traduzida naqueles olhos esmeraldinos. Sorri, procurando a mão dela, rapidamente sendo aceita pela minha. — A apresentação das duas é o verdadeiro retrato do que nós, professores, esperamos de vocês. Pude ver o seu comprometimento e planejamento em cada passo que vocês executaram. — Eu não conseguia parar de sorrir. Todo o nervosismo de outrora transformava-se em uma felicidade tão genuína, que não seria estranho o meu corpo sair voando com a leveza que eu sentia. Assim que a professora guiou o olhar para mim e arqueou uma das sobrancelhas, vendo-me sorrir, engoli em seco, tendo certeza que havia comemorado cedo demais. — E quanto a você, Kugisaki, estou notoriamente satisfeita com a sua evolução. É claro que ainda consigo apontar algumas falhas em relação a execução dos passos, principalmente na dança contemporânea. E é pensando na sua progressiva evolução que o Conservatório decidiu aumentar a sua bolsa por mais um período. Espero que você aproveite sabiamente a oportunidade que estamos dando a você.
Literalmente paralisei. Piscando os olhos, minha mente parecia fora de órbita. Não só havia escutado uma série de elogios que até então achava inconcebíveis de serem ditos a mim, como também estava tendo a oportunidade de continuar no Conservatório? Aquilo parecia bom demais para ser verdade, e parte de mim queria se beliscar para ter certeza que era real. No entanto, meus braços pareciam travados com cadeado, então tudo o que fiz até sair da sala se resumiu em sorrisos robóticos e balançares de cabeça sem estar realmente prestando atenção.
— Dá pra acreditar? Ela disse que nós fomos ótimas! — Dei um gritinho enquanto pulava, incapaz de conter a animação.
— Eu disse que daria tudo certo, não disse? — Me olhando como se eu fosse um filhote de gato, Maki sorria, contagiando-se com a minha exacerbada animação. — Será que agora você acredita que é realmente boa?
Assenti, sorrindo enquanto a observava. Naquele momento, ao encará-la, senti meu coração errar uma batida.
Ainda não sabia o que éramos de verdade. Depois daquele beijo na festa de Halloween, a gente meio que deixou as coisas fluírem. O que significava estarmos mais próximas e fazer coisas de namoradinhas, mas sem ser namoradinhas realmente.
Comecei a pensar nas coisas que faziam com que eu gostasse da companhia de Maki. Como o jeito que ela passava ketchup no omelete, brigando comigo quando eu dizia que o pássaro que ela havia feito mais se assemelhava a um papel de bombom amassado. Ou quando passávamos a noite no novo apartamento dela e disputamos o controle das músicas - e eu sempre ganhava, então escutávamos Taylor Swift a noite toda. - Sorri boba com a lembrança da sensação dos cabelos dela em meu cabelo, e da vez em que ela me ajudou a retocar a cor alaranjada dos fios.
— Quer namorar comigo?
— O quê? — Sobressaltada, Maki me olhava com os olhos arregalados, como se quisesse ter certeza do que eu havia dito.
— É, eu.. — Sem graça, desviei o olhar, coçando a nuca. O pedido de namoro era motivo de surpresa até para mim, que deixei a mente divagar pelos sentimentos que eu nutria pela garota, e acabei deixando escapar o meu desejo secreto. — Nada, esquece.
— Você não pode me pedir em namoro e depois dizer que não é nada. — Estalando os lábios, Maki se aproximava, circulando a minha cintura. Seus lábios vermelhos e convidativos se abriam em um sorriso que evidenciava os seus dentes perfeitos. — É claro que eu quero, sua boba. Na verdade, eu estava mesmo querendo fazer o pedido.
Pisquei os olhos, sem acreditar que a garota mais linda que eu já havia visto - e que era motivo do meu ranço até pouco tempo atrás - agora era minha namorada. Não sei dizer por quanto tempo apenas ficamos nos entreolhando, fazendo carinho uma na outra, até os nossos lábios se colarem de verdade. Maki sorria entre o beijo, e eu jurava querer que o meu corpo derretesse a cada movimento da sua língua na minha. Caminhando até a parede, a garota de cabelos verdes prendia o meu corpo junto ao dela, enquanto as suas mãos acariciavam a minha cintura.
Minhas mãos capturavam os fios esverdeados do cabelo dela, puxando-os levemente. Maki suspirou entre o beijo, automaticamente deixando as minhas pernas bambas. Meu corpo fervia em contato com o dela, compartilhando a temperatura através de nossos toques. Em um movimento rápido, a garota de cabelos verdes erguia a minha perna, encaixando e apertando o seu corpo contra o meu.
— Eu podia fazer isso o dia inteiro. — Enchendo os meus lábios de selinhos, Maki sorria, sincronizando a respiração com a minha. Segundos depois, eu a puxava novamente para mais um beijo de cinema, deixando que as mãos e a boca da minha ex-rival fossem o porto seguro de onde eu nunca mais queria sair.
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Oii, cerejinhas! Vocês acharam que eu não ia publicar um fic de especial Halloween hoje?
Game Lover é o meu novo xodó servindo muito enemies e muito lover como a gente gosta, né?
Nobara e Maki implicando uma com a outra mal sabendo a vontade que tinham de se pegar
Espero muito que vocês gostem de ler assim como eu amei escrever. Espero vocês na próxima sz!
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