KENAN foi embora no primeiro raio de sol pela passagem secreta que entrou noite passada. Passagem a qual descobrimos há seis anos e não contamos para ninguém. Desde então a temos usado secretamente. Ela dá para a rua, longe das câmeras e os seguranças que circulam a propriedade não cobrem aquela parte.

— Bom dia, pequena. — papai beija minha cabeça, antes de sentar na cabeceira da mesa, eu ao seu lado esquerdo.

— Bom dia, papai — meus olhos disparam para o homem parado a alguns passos da mesa. Ele tem uma cicatriz horrorosa que vai da bochecha até a clavícula. — Pode me lembrar, por favor, por que precisamos de segurança dentro da casa?

— Ele é seu mais novo segurança. — papai dá de ombros e leva um pedaço de mamão à boca. Desvio para o homem alto e forte.

— Por que? — respiro, apertando o braço da cadeira, até os nós dos meus dedos ficarem brancos. Papai não parece notar e dá de ombros de novo, comendo mais mamão.

— Ele é mais ágil que aqueles dois. A propósito, eles foram demitidos.

— Por que? — ele deve ter notado a impaciência na minha voz, porque finalmente ergue os olhos para mim, abaixando o garfo.

— É para sua segurança, Elleonor. O Corvo vale por dois, três até. — ele ri, olhando para o homem por cima do ombro, que lhe dá um aceno de reconhecimento.

Corvo. Já ouvi falar dele. É um...

Olho para ele de novo. A cicatriz... Encaro seus olhos de tom azul escuro, é tão parecido com ela...

— Eu disse que ela ficaria surpresa. — papai ri, notando a surpresa que deve estar estampada em meu rosto.

— Você não estava preso? — digo, com os olhos semicerrados. O irmão da minha mãe esboça um sorriso assustador, mas não responde.

— Ele foi solto há algum tempo. Eu o peguei trapaceando em meu Casino. Fizemos um acordo e agora ele serve a mim... E a você.

Meu tio não diz nada, apenas continua com sua expressão assombrosa no rosto. Bom, pelo menos ele não tentou me chamar de sobrinha, apesar que se fizesse, meu pai o mataria.

— Estou atrasada. — murmuro ao levantar, sem me importar em me despedir do meu pai.

O motorista já está me esperando e abre a porta quando me vê no topo da escada, onde paro, esperando ele se aproximar.

Viro para o meu tio, pondo o dedo em seu peito, minha unha com certeza pinicando sua pele.

— Só fale comigo quando eu falar com você — começo, falando baixo, mas firme. — Não me chame de nada mais do que senhorita Elle. Ande sempre a vinte passos atrás de mim e nunca fale quando eu estiver com alguém. E o principal: nunca mencione o nosso parentesco.

— Como quiser, senhorita Elle. — não me dou o trabalho de avaliar o seu tom, apenas lhe dou as costas e vou em direção ao carro.

Cada pessoa dessa escola está com os olhos em mim enquanto caminho pelo corredor. Mantenho minha cabeça erguida e ombros retos. Estou acostumada com esse tipo de popularidade e atenção.

Sou obrigada a parar a minha caminhada quando Bonnie para na minha frente, estampando seu mais falso sorriso.

— Amiga, eu soube do que aconteceu! Por favor, me diga que não está machucada! — cada palavra saída da sua boca é como um grito.

— Não foi nada demais. — dou de ombros e devolvo o sorriso falso. Os olhos dela vão direto para minhas mãos.

— Graças a Kim que não foi grave. Odiaria ter que visitar você no hospital — não sei o que é pior: ela considerando a Kim Kardashian uma deusa ou a falsidade em cada palavra.

— Estou comovida com sua preocupação — enrolo uma mecha do meu cabelo no dedo e ajeito o broche da escola em seu blazer — Sabe, Bonnie, esse tom de batom não combina com você. Faz você parecer um cadáver ambulante. — encaro seus olhos para vê-los se encher de raiva. Aí está a cobra.

— Foi o Brad quem me deu — pelo seu tom, deve achar que eu me importo. Solto um risinho.

— Engraçado, ele odeia essa cor. Sempre preferiu vermelho, como esse, que ele me deu. — passo o dedo pelos lábios, para dar ênfase. A vermelhidão em seu rosto é de pura raiva, mas ela apenas sorri e se aproxima para cochichar em meu ouvido.

— Vamos ver se seu sangue sairá tão vermelho quando eu fizer você sangrar. — ela se afasta, finge ajeitar meu blazer e sai andando, esbarrando no meu ombro propositalmente.

Como ela tem a audácia de me ameaçar assim?

Deixo Bonnie para lá e dou um passo para prosseguir com meu destino, para apenas me bater com algo duro e firme. Ergo os olhos e sinto meus joelhos enfraquecerem quando me deparo com a intensidade dos seus olhos cor de esmeralda.

— Parece que você está sempre no meu caminho — o garoto que me atropelou sorri e inclina a cabeça para frente, fazendo as mechas de seu cabelo acompanharem o movimento intimidador. — O que foi, baby? Eu a deixei sem palavras?

Então percebo que não falei nada nos segundos em que estamos nos encarando. Pisco uma vez. Duas. Então dou um passo para trás e ergo o queixo.

— Não. Estou lhe dando a chance de se desculpar por ontem. — dou de ombros, fingindo desinteresse, mas algo dentro de mim desperta ao ouvir sua voz de novo.

Algo como surpresa brilha em seus olhos por alguns segundos antes de sumir.

— Não lhe devo desculpas. Você estava ocupada demais se distraindo e não viu o carro. Não foi minha culpa. — palavras frias como seus olhos. Não vou mentir, eu esperava pelo menos um “sinto muito por ontem”.

— Com licença. — esbarro em seu ombro, como Bonnie fez momentos antes.

Por algum motivo sinto seu olhar em minhas costas, mas não me viro para confirmar, apenas jogo meu cabelo para trás e mantenho meus passos firmes. Sorrio para uma garota que não lembro o nome, mas isso não importa.

De onde esse garoto é e por que nunca vi ele aqui na escola?

— Oi, Elle! — Suzan, uma garota do segundo ano que sempre me pergunta onde eu comprei o quê, acena pra mim também. Retribuo.

— Adorei o seu cabelo. — minto. Esse tom de loiro não combina com ela, mas ela não precisa saber.

Quando entro na minha sala, fico aliviada em ver Beverly sentada na mesa que compartilhamos. Ela não me vê chegando porque está ocupada passando batom.

— Oi, Bev. — ponho minha bolsa na mesa, em cima do tablet e viro para minha amiga ao me sentar. Ela me responde com um abraço.

— Desculpa por não ter ido ver você ontem. Minha mãe decidiu dar uma festinha e fui obrigada a ficar. — Beverly fala tudo muito rápido, como sempre. Sorrio para ela.

— Eu entendo. E mesmo que você tivesse ido, teria me encontrado dormindo. — minhas palavras parecem tirar um peso dos seus ombros e ela relaxa na cadeira. Seus olhos vão para porta e por algum motivo faço o mesmo.

Brad entra, acompanhado de Miller e Jimmy. A entrada perfeita, penso. Todos estão olhando para eles. Brad, que lidera o grupo, anda na frente, vestindo a jaqueta do time de basquete. Seu cabelo cor de mel não tem um fio sequer fora do lugar, fazendo parecer perfeito e irritantemente bonito com o sorriso que ele me dá.

Miller está emburrado como sempre, vestindo o suéter da escola por debaixo da camisa branca da farda. Ele ajeita os óculos redondos e passa a mão pelo cabelo castanho. Sem exibir um sorriso.

Jimmy é uma bagunça, como todos os dias desde que nos conhecemos. Seu cabelo cacheado é a única coisa que faz sua aparência parecer decente. A camisa dele é de um modelo diferente, igual a que Beverly está usando, estilo social se não fosse pelo brasão da escola. A sua gravata está desarrumada e seu blazer está amarrotado. Sem contar o óculos ridículo que está usando.

Os três param em nossa mesa, Brad, como esperado se inclina para me beijar e deixo ele fazer isso.

— Como você está? — ele senta na minha mesa e não dá um único olhar para Beverly que também o ignora.

— Melhor agora, docinho. — sorrio de forma doce e ele me beija de novo. Ouço nossos amigos murmurarem algo sobre estar cedo para essa pegação toda e puxam Brad de mim.

— Vocês deveriam ter vergonha! — Jimmy dá um tapa na cabeça de Brad quando vão para a própria mesa. Os dois começam uma briga idiota, me fazendo rir. Beverly revira os olhos, mas sorri para Miller, o único civilizado.

— Não olha agora, mas ele está olhando para você. — minha amiga sussurra em meu ouvido e como se meu corpo soubesse exatamente quem está olhando e onde ele está, me viro, vendo-o do lado oposto da sala, na última mesa. Não o vi entrar.

— Quem é ele, afinal? — volto minha atenção para ela, sentindo minhas bochechas corarem.

— Seu nome é Damon e ele é novo aqui, como você deve ter notado. Ontem foi seu primeiro dia. Ele não falou com ninguém. Ficou na dele e acho que compreensível depois de ele ter atropelado você — ela está praticamente sussurrando. Olho por cima do ombro e ele acena com a cabeça. Faço cara feia e viro o rosto. — Ele é uma gato, não é?!

— Bom, não... Quer dizer sim, se você gosta desse tipo. — dou de ombros, sentindo ficar ainda mais vermelha.

— Ah, como eu gosto desse tipo! — ela enrola uma mecha do cabelo no dedo e acena para esse Damon. Olho por cima do ombro de novo a tempo de vê-lo sorrir para Beverly. Seus olhos deslizam para mim e ele me dá uma piscadela.

— Canalha. — murmuro ao me endireitar na cadeira. Beverly ergue as sobrancelhas, mas faço sinal para ela deixar pra lá.

Nossa primeira aula é de biologia e passamos a aula toda ouvindo os garotos fazerem piadas quando o professor explicar sobre reprodução. Eles são uns idiotas, mas é o nosso grupo de amigos apesar disso.

Beverly passa a maior parte do tempo desenhando e também já estou acostumada com isso. O que não estou acostumada é ter a sensação de um garoto no fundo da sala esteja me observando. Toda vez que olho por cima do ombro, ele está olhando para mim e sempre sorri, como se soubesse que está me incomodando.

No fim da terceira aula já estou irritada e peço a professora de geometria para ir ao banheiro. Ela permite e quase solto um suspiro de alívio. Quando passo pela mesa dos garotos, Jimmy usa as duas mãos para simular um casal se beijando e tentar imitar minha voz falando docinho para Brad. Brad finge dar um soco nele e reviro os olhos para eles, como Miller.

Passando pelos corredores vazios, suspiro aliviada por estar sozinha... Ou não… Vejo seus cabelos pretos quando ele vira o corredor. Como eu não o vi saindo? Deveria estar distraída com Beverly.

Resolvo segui-lo e tento não pisar muito forte, para meus saltos não fazerem barulho.

Quando estou virando o corredor, dou uma espiada e vejo quando usa alguma coisa para abrir uma porta. Assim que ele entra, apresso meus passos.

Ele deixou a porta aberta, o suficiente para eu olhar para dentro e ver...

Nada.

Está escuro. Dou mais um passo, empurrando a porta e fazendo um barulho irritante. Antes que eu dê meia volta, uma mão segura meu pulso e me puxa para dentro.


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