0 0 1.── encontros e desencontros . . . 𖦹
❛❛ , ⠀0 0 1 𖦹 C A P. U M
( ⠀gotham⠀ )⠀ ✦ encontros e desencontros
Iván sempre soube que sua vida era uma montanha-russa, mas do tipo que só desce. Talvez isso fosse o azar de ter se nascido em Blüdhaven. Talvez fosse o azar maior ainda de ter acabado em Gotham. De um jeito ou de outro, as situações nunca pareciam estar ao seu favor.
No 'Red Lotus', os turnos noturnos eram seus favoritos. Não que gostasse de ver o sol nascer, mas havia algo na cidade gótica à meia-luz que o fazia sentir-se menos sozinho. Era quando ele conseguia pensar com mais clareza sobre o inferno que estava trilhando. Quando não ocupado nas entregas de comida para os insones e os desesperados da cidade, ele se sentava nos fundos do restaurante, fumando um maço inteiro em poucas horas enquanto procurava na internet anúncios de apartamentos ou ofertas de empregos em Metrópolis.
Pela manhã, quando o trabalho chegava ao fim, Iván saía de um para o outro, só que desta vez para o lava-rápido da cidade, localizado no subúrbio. Até que pudesse voltar para a kitnet ― um cubículo que já estava com o aluguel atrasado, onde o cheiro de mofo competia com o de cigarro ―, tentava ganhar algum dinheiro para se livrar da sua vida miserável.
Num sobressalto, Iván acordou com o controle da televisão caindo da cama com um baque. Seus olhos lutaram para se acostumar com a claridade da tarde ao lado de fora, mas a cabeça latejava e ele sabia que não podia se dar ao luxo de mais alguns minutos de sono.
Tinha que voltar a rotina.
Ele se levantou, esticando o corpo magro e cansado, e olhou pela janela. Lá embaixo, as ruas já fervilhavam com a energia caótica de Gotham. Um vendedor ambulante gritava ofertas, um carro passava buzinando, e em algum lugar distante, uma sirene ecoava pelas ruas.
― O belo adormecido acordou?
Iván congelou.
Seu corpo reagiu antes mesmo que sua mente pudesse processar, movendo-se quase como se uma bomba estivesse presa a ele. Seus olhos castanhos, ainda pesados de sono, encontraram a entrada da cozinha, e por um momento ele viu uma silhueta que o fez soltar um suspiro pesado, irritado.
― Josh! ― ele exclamou, fechando os olhos e deixando a cabeça cair para trás. ― Namoral? Que susto, cara.
Josh não se moveu.
Ele estava encostado na porta, os braços cruzados e um sorriso satisfeito estampado no rosto. O cabelo curto, avermelhado e desalinhado parecia ter vida própria, e as tatuagens no rosto ― especialmente aquela abaixo do olho, com 'East End' em letras góticas ― dizia muito sobre Monroe e a personalidade caótica do mais novo.
― Não entendi, qual foi a surpresa? ― ele perguntou, arqueando uma sobrancelha. ― Se eu fosse você, parava de enrolar e me arrumava. Nós temos que ir para o St. Swithin's. Ajudar na arrecadação.
Iván franziu a testa, tentando organizar os pensamentos que ainda pareciam presos em algum lugar entre o sono e a realidade. Ele olhou para Josh, depois para o relógio na parede.
― Isso não era pro fim de semana? ― Iván perguntou, esfregando o rosto com as mãos, como se isso pudesse apagar a fadiga que teimava em grudar nele.
Josh riu e deu um passo para dentro do quarto. O cheiro de café e cigarro barato o acompanhando como se estivesse impregnado em sua pele desde que se conheceram.
― Hoje é sábado, Campra. Já é fim de semana. A menos que você tenha inventado um novo calendário enquanto dormia ― Josh falou, exagerando um sotaque que não era dele, só pra tirar uma risada.
Iván soltou um palavrão em espanhol, algo que só fazia quando estava especialmente irritado ou cansado. E, bem, hoje era os dois.
Josh tinha esse dom de aparecer do nada e arrastá-lo pra alguma coisa que Iván provavelmente tinha esquecido. E mesmo depois de sete anos dividindo o mesmo dormitório no St. Swithin's, ele nunca tinha se acostumado com a maneira como Josh invadia sua privacidade do nada ― mesmo que só tivessem aprendido a ter uma depois de deixarem o orfanato.
― Espero que não tenha estourado minha fechadura de novo com aquele lockpick fodido ― resmungou Iván.
Ele pegou a camisa jogada na cadeira da escrivaninha e vestiu rápido, escondendo algumas das tatuagens que cobriam seus braços e parte do torso. As chaves da moto já estavam no bolso da jaqueta quando ele entrou na cozinha, onde Josh estava terminando de preparar o café da manhã.
― 'Tô morto de sono, e ainda dormi que nem um lixo. Se eu cair duro de exaustão, você vai ter que explicar pro padre por que eu não tô lá ajudando com as caixas.
Josh sorriu, beliscando um pedaço do omelete que tinha acabado de colocar no prato. Empurrou o prato na direção de Iván, que arqueou a sobrancelha, desconfiado.
― No te apures, Iván ― Josh forçou de novo aquele sotaque porto-riquenho, e dessa vez conseguiu arrancar uma risada de Iván. ― Se você morrer, eu te carrego até o cemitério que tem ali na esquina. Agora, anda. E se comporte.
― Cabrón... não é como se eu fosse ser adotado ― Iván zombou, enfiando o garfo no omelete e fazendo uma careta rápida. ― E, pra sua informação, sempre fui mais exemplo que você.
― Claro, por isso fui eu que fiquei responsável por invadir aquela central de Gotham. ― O mais novo lançou um olhar de soslaio, e Iván respondeu com um dedo do meio, enquanto pegava o maço de cigarro. ― Já te disseram que você é um arrombado?
― Aprendi com o melhor ― Iván respondeu, segurando o cigarro entre os dentes enquanto acendia. Ele caminhou até a porta, mas antes que Josh saísse, bloqueou a passagem com a mão no peito do Monroe. ― E nada de ficar dando em cima das voluntárias, ok? Ainda não relevei aquele problema que você me arrumou com a filha do prefeito... sorte que a nariz empinado achou que eu era "simpático".
― Bonito que não ia ser. ― Josh riu, tirando o cigarro da boca de Iván e dando uma tragada antes de devolver. ― Vamos, papi! Tem um monte de criança esperando pra nos chantagear. Não vamos deixá-las esperando.
Iván desceu as escadas do prédio atrás de Josh, ainda meio grogue, enquanto tentava colocar a cabeça no lugar. O sol da tarde batia fraco no asfalto, e o vento era aquele típico de sábado, como se a cidade ainda estivesse devagar. Ele deu uma última tragada no cigarro antes de jogar a bituca no chão e esmagá-la.
― Você já parou pra pensar que a gente podia estar fazendo qualquer outra coisa hoje? ― Iván perguntou, ajustando a jaqueta enquanto caminhavam em direção à moto estacionada na calçada. ― Tipo, dormir. Ou ir pagar suas dívidas com o Benito. Ou até mesmo não fazer absolutamente nada.
Josh deu uma risada curta, penteando os cabelos alaranjados para trás com os dedos antes de colocar o capacete.
― Tá falando como se a gente tivesse uma vida normal, Campra. A gente não sabe o que é "não fazer nada". A gente só sabe fazer merda e arrumar encrenca.
― Fale por você ― Iván revirou os olhos, mas não conseguiu disfarçar o sorriso no canto dos lábios. Ele subiu na moto, esperando Josh se acomodar atrás antes de dar partida. ― Amanhã estou disponível se quiser fazer algo... você sempre aparece com alguma coisa.
― E você sempre vem junto ― Josh respondeu, segurando firme nos ombros de Iván enquanto a moto ganhava velocidade.
Iván não respondeu, mas sabia que Josh tinha razão. Não importava quantas vezes ele reclamasse ou tentasse fingir que preferia ficar na dele, no fundo, ele sempre acabava se metendo nos problemas que o Monroe inventava.
A moto cortou as ruas da cidade, e logo estavam chegando ao St. Swithin's onde o padre os esperava. A fachada do lugar já estava movimentada, com algumas pessoas carregando caixas e organizando mesas do lado de fora. Iván estacionou a moto e desceu, tirando o capacete e abrindo a jaqueta.
― Olha só, o sonho de qualquer mãe solteira ― Josh provocou, olhando pra Iván com um sorriso. ― Cara de quem não vale nada, jaqueta de couro, tatuagens à mostra... você devia pagar pra entrar, Campra.
― Fecha a boca, Josh ― Iván respondeu, mas não conseguiu evitar um meio sorriso. Ele jogou o capacete pra Josh, que o pegou com facilidade. ― E lembra do que eu falei: sem flertar com as voluntárias. A última vez que você fez isso, quem saiu com o olho roxo foi eu.
― Relaxa, papi. Hoje eu tô de boa ― Josh levantou as mãos, mas o olhar de soslaio não deixava Iván muito convencido. ― Vamo lá, tem caixa pra carregar e criança pra impressionar. E, quem sabe, você não arruma uma namoradinha hoje.
― Deveria arrumar uma pra você e me deixar em paz ― Iván resmungou, mas já estava caminhando em direção ao padre, que acenou pra eles com um sorriso largo.
― Que viva la puteria! ― Riu Josh passando o braço por cima dos ombros de Iván, que o empurrou.
Ele sabia que o dia ia ser cheio de trabalho, mas também sabia que, no fim, ia valer a pena. Afinal, era isso que eles faziam, ajudavam quem precisava, mesmo que no caminho arrumassem um pouco de confusão. E, bem, com Monroe por perto, problemas eram praticamente garantidos.
A tarde passou que Iván não notou. Ele se viu cheio de afazeres o dia inteiro, ajudando a separar os itens que haviam sido arrecadados. Roupas, sapatos, brinquedos, livros ― tudo precisava ser organizado e distribuído. Ele orientou os meninos do orfanato, mostrando como dividir as coisas de forma justa e como manter o espaço organizado. Era estranho, mas ele gostava daquilo. Gostava de ver as crianças agradecendo, de sentir que, mesmo que de um jeito pequeno, estava fazendo alguma diferença ― que se sentissem da mesma forma que ele quando recebia roupas e coisas, que considerava "nova".
Josh, claro, estava no seu elemento, fazendo piadas e brincando com os mais novos, mas Iván notou que ele realmente estava se comportando ― pelo menos por enquanto. Até que, em um momento de distração, ele viu Sullivan passar por lá. Eles não trocaram palavras, apenas olhares. Sullivan deixou algumas caixas com brinquedos antigos do filho, deu um aceno discreto e foi embora.
Iván ficou ali, parado por um instante, observando-o, como se Callahan tivesse feito exatamente para dizer que estava de olho em tudo.
Quando o sol já começava a se despedir e Gotham voltava a ser cinzenta, o evento estava quase no fim. A TV que alguém tinha levado transmitia um programa qualquer, e as crianças se reuniam para o coral da igreja, cantando com uma energia que só elas tinham. Iván estava na sua zona, dobrando e separando roupas por tamanho, quando duas enormes caixas pesadas foram colocadas em cima da mesa à sua frente.
Ele ergueu o olhar devagar, e lá estava ele:
Tim Drake.
O desconhecido com quem ele tinha esbarrado dias antes. O mesmo que parecia um tanto invasivo, com uma leveza que Iván não conseguia decifrar. Tim estava ali, com um sorriso meio desconcertado, como se também não acreditasse totalmente naquela situação.
― Então, afinal, apesar desse seu jeito fechado, você é uma pessoa que pensa nas crianças? ― Tim provocou. Ele não tinha se esquecido do jeito desconfiado e afiado de Iván.
Iván deixou escapar uma risada baixa, quase desacreditada, o que surpreendeu Tim, que enfiou as mãos nos bolsos do casaco e o encarou.
― Eu era um deles ― disse Campra, puxando a caixa para perto de si. ― Agora estou aqui para ajudá-los.
Ele notou o garoto ao lado de Tim, que os encarou por um instante antes de se afastar, indo bisbilhotar as outras caixas.
Tim ficou sem graça com a resposta, mas não deixou transparecer.
― Espero que não tenha MP3 ou CDs aqui ― Iván continuou, com um meio sorriso. ― Os garotos vão jogar papel higiênico na sua casa.
Tim riu, mas era uma risada curta, quase como se estivesse tentando processar aquele lado de Iván que ele não esperava ver.
― Achei que podia trazer umas coisas ― Tim disse, encolhendo os ombros como se não fosse grande coisa. Mas as caixas enormes e cheias diziam o contrário ― E não tem tanta velharia assim.
Iván deixou escapar um sorriso desacreditado, cruzando os braços enquanto observava-o. Era engraçado, de um jeito que ele não sabia explicar.
― Você tem um timing interessante, sabia? ― Iván comentou, o sorriso ainda estampado no rosto. ― Esbarra do nada, some, e agora aparece de novo. Tá me stalkeando ou só gosta de ser notado?
Tim riu, um som suave que parecia combinar com o jeito calmo dele.
― Acho que é um pouco dos dois. E, bem, você parece o tipo de pessoa que vai me tirar do tédio, então talvez seja isso.
Iván não respondeu imediatamente, apenas balançou a cabeça, como se aquela fosse a resposta mais absurda ― e talvez fosse, mas também fazia sentido. Ele olhou para as caixas, depois de volta para Tim.
― E o que tem aí? — perguntou, curioso, mas já começando a abrir uma das caixas.
― Coisas que achei que poderiam ser úteis — Tim respondeu, encostando na mesa ao lado de Iván. ― Roupas, livros, algumas coisas que eu não uso mais. E, bem, talvez um ou dois itens que eu comprei só pra trazer.
Iván olhou para ele, surpreso. Não era todo dia que alguém aparecia com tanta coisa, muito menos alguém que ele mal conhecia. Era... estranhamente gentil. E ele não sabia bem como lidar com isso.
― Uau! Isso daqui é caro! ― Iván exclamou, girando um brinquedo nos dedos. Ele riu, olhando para Tim, mas o riso era mais de admiração do que de deboche. ― Eu recortava os desenhos disso na revista pra brincar, mas isso aqui é incrível!
Tim ficou parado, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco, observando Iván com um sorriso discreto. Ele sabia que aquele brinquedo era mais do que um pedaço de plástico e metal. Era uma lembrança, pelo menos, sabia que tinha passado pela mão de todos os filhos de Bruce.
― Foi meu... ― Tim começou, hesitante.
Ele sempre tinha que pensar duas vezes antes de mencionar Bruce. Para desconhecidos, era mais fácil dizer "padrinho". Mas quando seus olhos pousaram em Damian, bufando em um canto com aquele ar de superioridade que só ele conseguia ter, Tim sentiu que não precisava de subterfúgios.
― Meu pai que me deu no meu aniversário, quando eu era um pouco mais jovem. Mas foi de um outro irmão meu, Richard.
Iván franziu a testa, confuso.
― Quantos irmãos você tem?
Tim deu de ombros, meio sem jeito, como se a pergunta fosse mais complicada do que parecia.
― Como posso dizer... muitos?
― Muitos tipo? Três? ― Iván insistiu, levantando uma sobrancelha.
Tim olhou para os lados, notando alguns garotos que espreitavam Iván de longe. Eram aqueles tipos que sempre apareciam pra encher o saco de Campra como irmão mais velho. Ele sorriu, quase se divertindo com a situação.
― Não, tipo... ― Ele fez uma pausa dramática, como se estivesse fazendo cálculos mentais. ― Minha casa é quase um orfanato também.
A expressão de Iván mudou para algo como uma leve desconfiança sobre Drake. Ele olhou para o brinquedo, depois para Tim, e então para os garotos ao fundo, que agora riam baixinho entre si.
― Você é um mauricinho. ― Iván devolveu o brinquedo para a caixa, os olhos percorrendo outros itens caros espalhados por perto. ― Eles vão adorar isso. E vão cuidar.
Tim fez uma cara de indignação, mas ainda assim parecia mais divertido do que ofendido.
― Eu não sou mauricinho...
― Eu é que não sou. ― Iván deu um sorriso meio torto, quase provocante. ― Se me der licença... ― Ele tirou o maço de cigarros do bolso e se afastou, indo em direção ao fundo do lar.
Tim apareceu alguns minutos depois nos jardins do St. Swithin's, ainda com seu casaco preto que parecia ter visto dias melhores. Ele esfregava as mãos, tentando se aquecer, antes de enfiá-las de volta nos bolsos.
Ficou parado a alguns passos de distância, evitando a fumaça enquanto observava Iván com reprovação.
― Você não está sendo um bom exemplo.
― Eu não estou tentando ser ― Iván respondeu, derrubando as cinzas do cigarro com um movimento casual. ― Não te ofereço porque só tenho esse.
― Eu não fumo.
Iván riu, mostrando os dentes, e espreitou Tim com um olhar desconfiado.
― Nada?
― Eu sou um bom exemplo ― Tim respondeu, se aproximando um pouco mais.
Iván soprou a fumaça para longe, apagando o cigarro com um movimento rápido.
― Então seja por nós dois ― Iván disse, o sarcasmo ainda presente.
Drake balançou a cabeça, desacreditado, mas deixou escapar um sorriso. Observou cada movimento de Campra, os olhos estreitados, como se tentasse decifrar o que se passava na cabeça dele no momento em que se sentou diante da estátua do anjo e olhou ao redor.
― Se quiser, posso te dar uma foto minha ― Iván quebrou o silêncio, um sorriso malicioso estampado no rosto. ― Com roupa ou sem roupa, o que preferir.
Tim riu, uma risada incrédula, mas genuína. Sentou-se ao lado de Iván, os ombros quase se tocando, e olhou ao redor, como se buscasse algo para distrair a mente daquela conversa que parecia flutuar entre o absurdo e o hilário.
― Acho que vou estar dobrando e passando pro próximo ― Tim respondeu, ainda rindo. ― Você agora cheira a nicotina pura.
― E você a naftalina ― Iván revidou, rápido como um raio, sem perder o timing.
― Isso é coisa do meu mordomo. ― Tim admitiu, sem hesitar, como se fosse a coisa mais normal em Gotham.
Iván riu, uma risada que começou baixa, mas logo cresceu, ressoando pelo jardim vazio. Tim olhou para ele, a testa franzida, confuso.
― O que? ― perguntou, sem entender o que era tão engraçado.
― Também vai me dizer que tem motorista particular? ― Iván perguntou, ainda rindo.
― Se eu quiser... ― Tim respondeu, encolhendo os ombros, como se fosse óbvio. Então, percebendo o olhar de Iván, ele suspirou. ― É, eu realmente pareço um mauricinho assim.
― Você é um! ― Iván cutucou o ombro de Tim, empurrando-o levemente, mas o suficiente para arrancar outra risada dele. ― A única diferença é que você não pisa em pessoas fodidas como nós.
Tim esticou as pernas, encarando o céu escurecendo por um momento antes de voltar o olhar para Iván. Aquele silêncio entre eles não era desconfortável, mas tinha uma curiosidade mútua.
― Ah, e pra constar, eu sou Timothy. ― Ele quebrou o silêncio, como se tivesse se lembrado de algo óbvio. ― Tim Drake.
Iván ergueu uma sobrancelha, o canto da boca se curvando em um meio sorriso que beirava o sarcasmo.
― Deixa eu adivinhar... filho do dono das Indústrias Drake? ― Iván jogou a pergunta no ar, e Tim respondeu com um aceno hesitante, como se já soubesse onde aquilo ia dar. Iván soltou uma risada curta. ― É, não devia estar surpreso, mas de alguma forma estou.
― Essa parte é sempre complicada de se apresentar... ― Tim riu, lançando um olhar de lado pra ele.
― Bom, eu sou Iván. Iván Campra ― ele respondeu, com um aceno de cabeça quase imperceptível, enquanto tirava um saco de amendoim do bolso e começava a beliscar, como se precisasse ocupar as mãos pra não pensar no cigarro que estava evitando. ― E, pelo visto, você é o primeiro playboy que não me faz querer dar meia-volta e sumir.
― Ainda bem que eu sou especial.
― Não empolga ― Iván revirou os olhos, mas o meio sorriso não saiu do rosto.
Tim lançou uma olhada rápida no relógio em seu pulso, um daqueles modelos discretos, mas que Iván notou que devia custar mais que o aluguel de um ano da kitnet dele. Ele suspirou, meio frustrado.
― Já tá na hora de ir? ― Iván perguntou, mastigando mais um amendoim, com um sarcasmo que Tim já começava a associar a ele.
― Alfred deve estar me esperando para o jantar, e eu disse que ia só trazer algumas caixas e já voltava ― explicou Tim, se levantando e olhando para Iván. ― Tenho que ainda encontrar um pirralho que perdi por aqui.
― Aquele de cara fechada que parecia que ia me dar um soco só de me olhar?
Tim franziu a testa por um segundo, como se tentasse decifrar de quem Iván estava falando, mas então entendeu.
― Sim, o nome dele é Damian ― ele disse, o tom da voz mudando levemente. ― Ele é... meu irmão mais novo. Bem, meio-irmão, tecnicamente. E sim, ele tem um talento natural pra parecer que quer socar todo mundo. Mas ele é de boa... na maioria do tempo.
Iván deu uma risada curta, como se a ideia de alguém como Damian ser "de boa" fosse a coisa mais engraçada que ele já ouviu.
― Meio-irmão... ― ele repetiu, lembrando de Josh, quem ele também considerava um meio-irmão. ― E ele mora com você? Ou é daqueles que aparece de vez em quando pra causar confusão e some de novo?
Tim sorriu, mas havia algo hesitante, como se estivesse ponderando o quanto poderia compartilhar.
― Ele mora comigo. ― respondeu, finalmente. ― É... complicado. A gente não cresceu juntos, então ainda estamos nos ajustando. Ele tem um jeito meio... intenso de ver as coisas. Mas ele é família, então faz parte do pacote.
― Intenso é um jeito legal de dizer que ele parece que quer matar todo mundo ― Iván comentou, o sarcasmo voltando à tona. Ele se levantou, indo em direção ao orfanato. ― Eu te acompanho até lá na frente.
Tim seguiu Iván, as mãos nos bolsos, os passos sincronizados de uma maneira que parecia natural, como se já tivessem feito isso mil vezes antes. Não que Tim fosse do tipo que admitisse isso em voz alta, claro. Ele só lançou um olhar de canto para Iván, meio desconfiado, meio intrigado, como se estivesse tentando decifrar o que se passava na cabeça dele.
Quando chegaram em frente ao St. Swithin's, Iván parou de repente, os olhos fixos em Damian, que estava ali, ao lado de uma limusine, discutindo com o motorista como se estivesse tentando convencer o cara de que o mundo era redondo. Iván se virou para Tim, os lábios quase formando um sorriso, mas parando no meio.
― Você sempre foi assim? ― Tim perguntou, quebrando o silêncio.
― Assim como? ― Iván respondeu, umedecendo os lábios enquanto via Josh mais distante claramente dando em cima de uma voluntária.
― Sarcástico. Direto. Tipo, não parece se importar muito com o que os outros pensam.
Iván parou por um instante, os olhos fixos em Drake. Ele não era do tipo que se impressionava facilmente, mas havia algo naquele rosto que o fazia hesitar, como se cada detalhe merecesse uma segunda olhada.
A pele de Tim era clara, quase luminosa. Os olhos, de um tom castanho-escuro, que pareciam quase melado no fim do dia, era o que mais lhe prendiam. Iván notou como as sobrancelhas, levemente arqueadas, davam ao rosto uma expressão naturalmente intrigante, como se ele estivesse sempre à beira de um sorriso ou de uma provocação.
Campra sentiu um nó na garganta, uma sensação que ele não estava acostumado a sentir.
― E você sempre foi tão... playboy? ― ele revidou, ignorando a pergunta de Tim.
Tim riu, balançando a cabeça.
― Toquei em um ponto sensível?
― Nem tanto ― Iván respondeu, retomando a caminhada até o carro. ― Mas, eu realmente não me importo na grande parte das vezes.
Quando chegaram próximo ao carro, Tim parou, olhando para Iván como se não quisesse se aproximar mais para evitar as perguntas que Damian provavelmente faria.
― Então, Iván Campra ― ele disse, como se estivesse testando o nome. ― Agora sei onde exatamente te encontrar quando quiser ter uma pedra no meu sapato.
Iván riu, balançando a cabeça com indignação.
― Em minha defesa, se dependesse de mim, a gente nunca teria interagido se você não fosse chato o suficiente pra insistir em se aproximar ― Iván respondeu, o meio sorriso voltando ao rosto quando viu Tim sorrir, satisfeito com a resposta. ― Mas não se acostuma, isso não foi um elogio.
Tim riu, acenando com a cabeça, mas antes que pudesse responder, deu de cara com Damian. O mais novo estava ali, baixinho, de braços cruzados.
― Quem é seu namorado? ― Damian perguntou, quase arrogantemente, avaliando Iván da cabeça aos pés com um olhar crítico. ― Ele não é meio... pobrinho?
― Damian! ― Tim repreendeu, quase envergonhado, jogando um olhar rápido para Iván, como se pedisse desculpas sem dizer uma palavra. ― Ele tá com sono, Iván. Ignora.
― Eu não tô não, idiota ― Damian rebateu, arqueando as sobrancelhas e encarando Iván, que não conseguiu segurar uma risada. ― Tá vendo algum palhaço?
― Sim, você ― Iván respondeu na hora, arrancando uma risada alta de Tim.
Damian deu um passo à frente, erguendo o queixo, claramente irritado como se pudesse bater e derrubar Iván sem pestanejar.
― Timothy, pergunta pro seu motorista se ele já instalou a cadeirinha pro pirralho ― Iván continuou, o sarcasmo pesado.
― Timothy? ― Damian repetiu, indignado com a intimidade. ― Você não deixa nem o Jason te chamar assim!
― Você já está me envergonhando demais. ― Tim puxou Damian pelo braço, tentando afastá-lo, mas o mais novo se esquivou e ficou de frente para Iván. ― Eu vou contar pro Bruce... ― ameaçou, mas Damian cortou.
― Boca de sacola! ― ele exclamou, arrancando uma risada involuntária de Iván, que tentou disfarçar, mas não conseguiu segurar o sorriso. ― Olha, não dá mole pra esse idiota não, ele é chato, nerd, completamente certinho e entediante.
Damian não parecia disposto a ceder tão cedo. Ele continuou encarando Iván, os braços ainda cruzados. E por Iván ser como era, com seu jeito sarcástico e um ar de quem não se impressionava fácil, era claramente alguém que Damian queria testar.
― Então, Iván... ― Damian começou, enfatizando o nome como se estivesse tentando encontrar algo de errado nele. ― Você é o novo namoradinho do Tim? Porque, sério, ele podia arrumar alguém melhor. Você parece o tipo de cara que acha que usar jaqueta te faz parecer interessante.
Iván ergueu uma sobrancelha, claramente não impressionado. Ele deu um passo à frente, encarando Damian de cima, já que tinha uma boa vantagem de altura.
― E você parece o tipo de pirralho que ainda acha que ser mimado é uma personalidade ― Iván respondeu, sem piscar. ― Mas relaxa, não sou namorado de ninguém. Só tive o desprazer de cruzar com o Tim aqui, que insiste em ser grudento.
Tim riu, levantando as mãos como quem se entrega.
― Ei, não me arrastem pra isso. Damian, para de ser babaca. Iván, não alimenta ele, por favor.
― Babaca? ― Damian virou para Tim, fingindo estar ofendido, mas o sorrisinho no canto da boca traía ele. ― Eu só estou fazendo o meu trabalho de irmão mais novo. Alguém tem que filtrar os estranhos que você traz por aí.
― Estranhos? ― Iván repetiu, cruzando os braços agora. ― Olha quem fala. Você parece aqueles garotos de novela que acham que o mundo gira em torno deles só porque têm uma boa vida.
Damian abriu um sorriso irônico, claramente gostando da provocação.
― Pelo menos eu não preciso de uma jaqueta pra tentar impressionar alguém ― ele ripostou.
― Pelo menos eu não preciso de um irmão mais velho pra me defender ― Iván rebateu, olhando para Tim, que já estava rindo, claramente se divertindo com a situação.
― Defender? ― Damian deu uma risadinha. ― O Tim? Ele não consegue nem defender o próprio ego quando alguém fala mal daquela banda ridícula que ele ouve.
― Ei! ― Tim interveio, fingindo estar ofendido. ― Minha banda não é ridícula.
― É sim ― Iván e Damian disseram ao mesmo tempo, antes de se olharem, surpresos por concordarem em algo.
Damian fez uma careta, como se estivesse revendo suas escolhas de vida por ter concordado com Iván, mas logo recuperou o fio da meada.
― De qualquer forma ― Damian continuou, apontando para Iván. ― Se você acha que vai ficar por perto do Tim, saiba que eu vou estar de olho. E não sou fácil de impressionar.
― Que alívio ― Iván respondeu, sarcástico. ― Eu já estava preocupado em não ter a aprovação do príncipezinho.
― Príncipezinho? ― Damian repetiu, os olhos estreitando. ― Você tá mesmo pedindo pra eu te bater, não é?
― Damian, para! ― Tim interveio, segurando o irmão pelo ombro. ― Ele tá só provocando. E você tá caindo que nem um patinho.
― Eu não tô caindo em nada! ― Damian resmungou, mas deu um passo para trás, ainda encarando Iván. ― Só tô avisando. Se ele for mesmo seu namorado, Tim, você podia arrumar alguém menos... isso.
― Isso? ― Iván perguntou, fazendo questão de parecer ofendido. ― Eu sou um isso agora? Que criativo.
― Você é um isso sim ― Damian respondeu, sem hesitar. ― E se acha que vai ficar por perto do meu irmão, vai ter que lidar comigo.
― Uau, que ameaça assustadora ― Iván disse, colocando uma mão no peito, fingindo estar intimidado. ― Já tô tremendo aqui. O que você vai fazer, me chamar de pobrinho de novo?
Damian riu, mas foi uma risada curta, quase involuntária. Ele claramente não queria admitir que estava se divertindo com aquilo.
― Só tô dizendo ― Damian continuou. ― Se você quer ficar por perto, vai ter que provar que não é só mais um chato qualquer que nem os outros.
― E se eu não quiser provar nada? ― Iván perguntou, inclinando a cabeça, o meio sorriso de volta ao rosto.
― Aí você vai ter que lidar comigo ― Damian respondeu, erguendo o queixo.
― Ótimo ― Iván disse, olhando para Tim. ― Pelo menos agora eu sei que você vem com um pacote completo: um grudento e um pirralho mimado.
Tim riu, balançando a cabeça.
― Vocês dois são insuportáveis ― ele disse, mas o sorriso no rosto mostrava que ele não estava nem um pouco incomodado. ― Vamos embora antes que vocês comecem a medir quem tem o ego maior.
― Já sei quem ganha ― Iván murmurou, olhando para Damian, que revirou os olhos, mas não conseguiu esconder o sorriso.
― Vamos, Timothy. ― Damian disse, enfatizando o nome de propósito, só para provocar. ― Antes que seu namorado aqui comece a chorar porque eu não deixei ele se sentir especial.
― Tá bom, tá bom ― Tim respondeu, abrindo a porta do carro e empurrando Damian para dentro. ― Não liga pra ele. Ele é assim com todo mundo.
― Eu ouvi isso! ― Damian gritou de dentro do carro.
Iván riu, balançando a cabeça como se aquela cena fosse a coisa mais absurda que ele tinha visto na semana.
― Não se preocupa ― ele disse, olhando para Damian, que estava agora fazendo caretas pelo vidro. ― Eu até gostei do pirralho. Já lidei com muitos assim.
― Tá vendo? ― Damian disse, apontando para Iván. ― Ele já tá se achando. Eu avisei que ele era chato.
― E você é pior ― Tim respondeu, fechando a porta do carro e olhando para Iván. ― Desculpa pelo Damian.
― Não precisa se desculpar ― Iván respondeu, o sorriso ainda no rosto. ― Ele até que me diverte.
Tim riu, acenando com a cabeça antes de fechar a porta do carro. O motor ligou, e Damian, no banco de trás, fez uma careta incrédula, como se não acreditasse que estavam mesmo indo embora.
― O que você está fazendo, panaca? ― exclamou Damian, abrindo o vidro e gritando. ― Eu vou contar pro meu pai!
― Aproveita e avisa a ele que não vou comparecer ao jantar. ― Tim deu de ombros, voltando-se para Iván, que franziu o cenho com um meio sorriso. ― Quer ir até um lugar comigo? Eu pago.
Iván apertou os olhos, fingindo desconfiança, e balançou a cabeça.
― Pode ser ― ele assentiu, observando Tim com um ar de satisfação por ter aceitado o convite. ― E espero não me arrepender de confiar em você.
― Eu que deveria dizer isso ― Tim respondeu, rindo baixinho.
Enquanto o carro saía, Iván pôde ver Damian fazendo um último gesto obsceno pela janela, e ele não conseguiu segurar uma risada. Aquela tarde tinha sido... interessante, para dizer o mínimo. E, de alguma forma, ele sabia que aquilo era só o começo.
❛❛ , ⠀0 0 1 𖦹 Conclusão final? O Iván brincou que não ia ser mais adotado e afinal foi adotado pelo Tim e pelo Damian ― ele amou gente 🤩
❛❛ , ⠀0 0 2 𖦹 E quem vier me dizer que eles não são perfeitinhos juntos, a melhor (e pior) dupla que poderíamos ter. TimVán nem aconteceu direito e eu já quero eles pra minha vida inteira 😭😭
F̗̩̓̓̈́̐U̦̎̎̀̈́̓Z̹̣̗̓̓̎̋͋Z̖̣̏̍̀Y̦̩̩̖̓̋̀B̗̓͒̒̍R̛̦̐̔̏̒̍Ä̖̦́̏̈Ì́̈́̈́̍̀N̹̖̤̈́̓̐
⸄𝟸⸅⸄𝟶⸅⸄𝟸⸅⸄𝟻⸅ ©︎ 𝚌𝚊𝚛𝚝𝚎𝚛 𝚏𝚊𝚗𝚏𝚒𝚌𝚝𝚒𝚘𝚗
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