16
Depois de comermos a torta quase inteira, nos deitamos em duas redes na varanda (incrivelmente, Amanda me deixou ficar com Goiabinha). Estivemos ali por mais ou menos duas horas, fazendo a digestão e conversando sobre coisas não relacionadas a mim, o que achei ótimo.
— Há quanto tempo você e Felipe estão namorando mesmo? — perguntei, observando meu afilhado dormir.
— Hmm, quase cinco meses — respondeu, o tom de voz denunciando seu sorriso.
— Uau — foi só o que eu disse. — Ele parece gostar mesmo de você.
— É. Acho que ele me ama. — Am soltou uma risadinha.
— E você o ama.
— Logicamente.
— Filhos só depois do casamento, ok, senhorita? — brinquei.
— Filhos, sim — reforçou. — Mas...
— Não! — interrompi gritando, fazendo Goiabinha acordar em um pulo e começar a latir. — Não fale nem mais uma palavra.
Ela riu presunçosamente, me fazendo revirar os olhos.
Já que acordei a cadela (que agora não parava quieta), decidimos andar pelo pomar, pegar umas frutas direto da fonte.
Eu fiquei variando, até que achei uma amoreira.
— Oh, Céus! Amora! — gritei, passando Goiabinha para Amanda e me aproximando da árvore.
— Ai, ai, meu amorzinho... A tia Rebecca vai se satisfazer agora — ela disse a minha afilhada, partindo para uma jabuticabeira.
Ela deve ter voltado uns dez minutos depois, me encontrando no mesmo lugar.
— Ok, agora estou realmente me perguntando como cabe tanta amora em uma pessoa só — comentou, me examinando como se eu fosse uma aberração.
— Eu comeria mais umas três árvores dessa se deixassem. — Dei de ombros. — Não existe fruta mais perfeita.
— Eu discordo. Você sabe que sou louca por maçã.
— Que seja, Am. Ainda não acabei com as amoras — falei, me virando para pegar as que estavam mais no alto.
— Você me dá medo quando age desse jeito — ela disse, rindo, e me deixando sozinha. — Estou voltando para a casa, tá? Quando acabar aí, volta também.
— Sim — respondi, fazendo careta por ter pegado uma muito azeda.
Eu podia dizer com todo orgulho que já tinha esgotado uma amoreira em meus 19 anos de vida.
Por incrível que pareça, eu não estava saciada; seria completamente capaz de atacar outra árvore, como havia dito para Am, mas não era o caso, já que eu havia acabado com a única do pomar.
Tomei o caminho de volta à casa. Se eu demorasse mais, Amanda ia se desesperar pensando que fui levada por algum maníaco da floresta ou algo do tipo.
De início, eu não o percebi, pois estava bem distraída. Contudo, foi só eu começar a subir os primeiros degraus da varanda do casarão que reparei no Palio prateado estacionado ali na frente, no gramado
Eu passei por muita coisa ruim, não precisava de mais isso. Além do mais, meu dia estava gostosinho demais para Sam aparecer e estragar tudo.
Tive um ímpeto de sair correndo e fugir dali, mas só suspirei, balancei a cabeça e terminei de subir os degraus para encarar seja lá o que Samuel tinha para mim agora.
Por que ele estava aqui, para começar? Amanda não o teria convidado, teria? Ela não faria isso comigo...
— Não acho certo você ter vindo atrás dela. — Ouvi a voz de Am por entre a porta fechada da sala. Suas palavras confirmaram meu pensamento: Não foi ela que o chamou.
— Por quê? — Ouvi agora a voz de Sam, confusa.
— Não depois do que você fez — ela não respondeu à pergunta, mas pareceu completar o sentido para ele.
Sam não disse nada, mas Amanda continuou a despejar tudo como se ele estivesse retrucando.
— Você a deixou praticamente sem vida por um mês, Samuel. Não acredito que estou falando isso, mas não sei o que teria sido dela se Juliano não a tivesse distraído por um tempo. Já que você sabia que as coisas não dariam certo entre vocês dois, por que fez com que ela se apaixonasse?
— Você está certa, eu sei... Mas eu simplesmente preciso falar com Becca. Agora — ele disse, parecendo muito desconcertado.
— Ela não está — ela disse, em resposta à sua pergunta subentendida.
— Agora estou — me pronunciei, abrindo a porta e entrando na sala.
Ambos me olharam assustados, como se estivessem se perguntando há quanto tempo eu estava escondida ouvindo.
— Não acho que eu queira mais conversinha com você, Sam — continuei, ríspida.
— Eu te juro que não é uma conversinha à toa, Becca. É importante — reforçou, praticamente implorando por um tempo comigo.
Amanda me olhou, perdida. Ao contrário dela, eu sabia muito bem o que fazer: Eu ia resolver esse assunto com ele de uma vez por todas.
Estávamos em uma corda bamba por todo o tempo. Já estava na hora de decidirmos para qual lado íamos cair, Sam e eu.
— Tudo bem. Espero que eu não me arrependa — falei, saindo da sala, como se estivesse o convidando a me seguir.
Como me conhecia muito bem, Sam tinha entendido meu gesto perfeitamente, então me acompanhou enquanto eu andava até um ponto mais propício de se conversar.
Acabei chegando ao estábulo, bem na divisória do Furacão. A verdade é que estar ao lado do meu cavalo me deixava mais à vontade.
— Pode começar o que veio fazer, Sam — eu disse, me apoiando em um murinho baixo que tinha por ali.
— Primeiramente, eu queria me desculpar — começou, levantando seus lindos olhos até encontrar os meus.
— Se desculpar pelo quê exatamente? — Ele demorou seis meses, senão mais, para vir até mim; logicamente eu não ia deixar fácil.
— Por tudo. Por ter terminado nosso namoro daquele jeito, por falado que você era arrogante e riquinha e até mesmo por ter pensado aquelas coisas nada a ver que me levaram a fazer tudo isso.
— Bem... — fiz suspense. — Você parece ter sido bem sincero, então acho que posso, sim, desculpar você.
— Obrigado! — agradeceu, me dando um sorriso, mas (inacreditavelmente) ele não veio tentar me abraçar, o que significava que tinha mais. — Saiba que não vim só para isso... Também quero tentar explicar os motivos de eu ter cometido o grande erro de largar você.
Levantei as sobrancelhas, sorrindo maldosamente.
— Me surpreenda.
Ele suspirou, sabendo que eu estava bancando a irônica para esconder minhas emoções.
— Quando você viajou e não me levou, pensei que estava com vergonha de me apresentar para a sua família, porque, ah, sou pobre comparado a você... — Sam mordeu o lábio. — E, naquela época, eu conversei com muito com os meninos da sua república, principalmente Juliano... Ele nem deve ter feito por mal, mas acabou me contando uns hábitos curiosos sobre você, como estourar o limite do cartão de crédito em uma tarde no shopping. Confesso que isso me assustou um pouco.
Eu corei. Essas manias eu tinha quando cheguei a Ribeirão, quando não tinha a mesma maturidade de hoje. Não era para Juliano sair falando essas coisas, porque era realmente muito fútil.
— Então você não me ligou por dias e eu tinha certeza de que tinha me trocado por coisas do tipo ou por alguém mais parecido. Juntei isso tudo com minha insegurança e com certos comentários que você fazia sobre mim... Acho que nós dois sabemos no que resultou.
— Que comentários? — perguntei, deixando transparecer pela primeira vez minha incredulidade.
— Ah, comentários sobre meu carro, minhas roupas, minhas coisas, sobre mim... Que tudo meu era simples, arrumadinho... E você custava andar no meu carro. Cheguei a pensar que tinha vergonha também.
— Poupe-me, Sam. Você é simples, o seu jeito é. Queria que eu mentisse ou dissesse o quê?
— Não, tudo bem. Eu entendo isso agora... Só estou explicando a confusão que se passava na minha cabeça, que me fez jogar fora a maior oportunidade de continuar sendo feliz!
Sam respirou fundo, como se estivesse precisando de fôlego para continuar. Eu só fiquei parada na minha, aguardando as suas próximas palavras.
— Lógico que eu me arrependi de ter terminado tudo logo na primeira semana, mas não fui falar com você. Afinal, eu não queria engolir o meu orgulho e me mostrar fraco para uma garota. — Ele riu com desdém, como se para provar que ele não pensava mais assim. — Então decidi chamar sua segunda amiga mais próxima para sair. Eu queria ver a sua reação.
Franzi os lábios. Eu me lembrava do quanto sofri naquela época. Ele só estava fazendo aquilo para me provocar, exatamente como Am havia dito.
— Não preciso falar o quanto me decepcionei quando soube que estava saindo com Tarcísio, né? Fiquei destruído por semanas! Eu ainda estava preso a você, mas você já estava seguindo a sua vida... Eu me senti vulnerável, mas isso era de se esperar, já que o amor nos deixa vulnerável mesmo. Foi quando eu percebi que o amor também nos dá força e decidi ir até a sua república, tentar mais uma vez.
— Aí você me encontrou namorando Juliano — completei.
— Exatamente. Percebi que era tarde demais para tentar uma reaproximação. Então só deixei rolar, mas acompanhava de perto as etapas da sua vida amorosa.
— João era o seu cúmplice o tempo todo — falei, só aí percebendo a verdade. Toda vez que Sam aparecia sabendo de tudo o que estava acontecendo comigo, João tinha mexido seus palitinhos na história.
— Acontece que Juliano a traiu, e você o perdoou. Foi o suficiente para me deixar furioso, afinal minha Becca não merecia tudo isso. Tivemos aquela conversa, discussão, que seja, já que eu não tinha entendido porque você estava aceitando aquela situação. Só depois da sua última resposta que percebi o que eu tinha causado na sua vida quando terminei o nosso namoro.
Eu o encarei, não acreditando no que ele estava falando. Sam realmente chegou a pensar que eu fiquei de boa depois de ser abandonada por ele?
— Após aquele fato, comecei a pensar... Eu não estava fazendo certo, não estava fazendo uma abordagem digna com você. Eu não tinha pedido desculpas nem explicado tudo o que estou lhe explicando agora; você tinha motivos para não querer nem olhar para a minha cara mais. — Ele deu de ombros. — Eu ia à república me explicar, mas você estava seguindo a sua vida e não quis atrapalhar, não mais... Era mesmo muito tarde para mim.
— Então Juliano se apaixonou por Natale, João lhe ligou como uma velhinha fofoqueira para passar as novidades do meu relatório e você decidiu vir atrás de mim para finalmente conversar sobre o rolo todo — finalizei, adivinhando algumas partes.
Sam riu.
— É, foi quase desse jeitinho mesmo. Eu fui injusto esse tempo todo; tinha que vir tentar consertar as coisas logo...
— Você pensou que não sofri com o término do nosso namoro?
Ele abaixou a cabeça, confirmando o meu pensamento.
— Não acredito que Samuel Wade pensava que eu o namorava por conveniência! — exclamei.
— Não é bem assim... Só não imaginei que sentia algo tão forte por mim quanto eu sentia por você — explicou, mas ele ainda parecia um pouco vermelho.
— E todas as vezes que eu disse que te amava, Sam? Você simplesmente esqueceu?
Ele me fitou, me prendendo na imensidão de seu olhar.
— Eu simplesmente não acreditava que podia ser real.
— Fala sério. Era real. Por que não seria? — Deixei escapar uma risadinha de surpresa.
— Porque... você sempre foi boa demais para mim. Eu me senti inseguro.
Revirei os olhos.
— Eu não sou boa demais para você. Sou humana, tenho defeitos, igual a todo mundo.
— Mas era uma humana que superava todas as minhas expectativas, como se eu não fosse digno — disse, sorrindo de lado.
— Não quero mais que você se sinta inseguro — pedi, olhando para baixo e pegando uma de suas mãos. Derretendo.
— Não quero mais não ter você ao meu lado — respondeu, colocando um dedo sob meu queixo e levantando meu rosto de modo que meu olhar se conectasse ao dele.
— Não quero ter que me preocupar em ser abandonada de novo assim que você achar que está rolando um monte de coisas sem sentido. — Me afastei dele, tentando respirar. Se a gente voltasse e não desse certo... Não acho que eu me recuperaria.
— Eu prometo que se eu começar a pensar um monte de coisas sem sentido, vou conversar abertamente com você. Não vou cometer o erro de tomar uma atitude precipitada de novo. — Dito isso, Sam não esperou uma resposta e me beijou.
Eu o beijei de volta, chegando à conclusão de que certas coisas não precisavam de resposta.
Explosão. Não havia outra definição. Nesse meio tempo beijei Tarcísio, beijei Juliano. Todos tinham os mesmos elementos físicos que Sam, mas não alcançavam um terço do beijo deste. Era como se seus lábios fossem de chocolate suíço, como se a sua língua tivesse surgido para se encontrar com a minha, até nossos rostos se encaixavam de uma forma que tornava impossível explicar. Ascender e acender.
— Espera! — gritei, rindo e o afastando. Olha só o que um beijo dele podia me fazer: Eu já era outra pessoa, sentia meus olhos brilhando e meu coração batendo acelerado (depois de muito, muito, tempo para mim). — Estou me achando a garota mais dada do mundo!
— Por quê? — ele perguntou, rindo também e me abraçando. Furacão relinchou atrás de nós, como se estivesse comemorando nossa felicidade.
— Porque eu namorei você e depois namorei Juliano. E agora, depois de um dia que ele terminou comigo, estamos você e eu juntos de novo! O que minha mãe vai falar sobre isso?
Ele soltou outra risadinha.
— Vai falar que não entende os adolescentes. Não podemos evitar, Becca. Apesar do obstáculo de sete meses, o nosso amor nos trouxe de volta um para o outro.
Revirei os olhos.
— Deu de poeta hoje? — brinquei, ignorando o fato de que quem escreveu um poema hoje de manhã foi eu.
— Você não viu nada! "Enfim te vejo! – Enfim posso, curvado a teus pés, dizer-te que não cessei de querer-te, pesar de quanto sofri." — recitou. — São palavras de Gonçalves Dias, não minhas, mas servem.
Nem me importei se foi ele que fez os versos ou não, só calei sua boca do jeito que eu estava com vontade de fazer há séculos: Eu o beijei.
Ao chegarmos à sala de estar, nos deparamos com uma Amanda visivelmente preocupada, andando em círculos sobre o tapete persa da Sra. Lemos. Os olhos dela se arregalaram quando focalizaram minhas mãos dadas às de Sam. Ela provavelmente esperava que eu entrasse na casa chorando e irreversivelmente magoada, e não de bem com a vida.
— Como assim? Vocês saíram há meia hora, depois de tantas discussões, e voltam juntos? — Am parecia indignada.
— Acredite, se você soubesse a versão de Sam, entenderia porque está tudo perdoado — falei, sorrindo para meus dois amores. Ops, três (havia me esquecido de Goiabinha adormecida por ali).
Minha melhor amiga se sentou, cruzando as pernas e dando um tapinha ao seu lado, nos convidando a sentar também.
— Me surpreenda — disse.
Sam e eu nos entreolhamos e começamos a rir, lembrando que essas foram exatamente as mesmas palavras que eu havia dito a ele.
Amanda ouviu tudo, atenta, como se fosse estritamente necessário ela se convencer ou não da honestidade de Sam — como se ele fosse um réu qualquer em julgamento.
No final, ela simplesmente sorriu.
— Ótimo. Amei vocês juntos novamente! Mas, escuta, Samuel... Se algum dia você a abandonar de novo, eu juro que não o deixarei mais se aproximar dela — ameaçou.
— Nossa — murmurei. — Isso foi intenso.
— Eu sei. — Am riu. — Adorei. É sério, Sam, não quero vê-la magoada de novo.
— Eu prometo que não vou repetir o erro. Também não quero vê-la magoada, jamais... — Ele começou a traçar desenhos em meu rosto com o dedo, passando pelo meu nariz, sobrancelha, bochecha, queixo e boca. Por último, ficou acariciando a linha da minha mandíbula, fixando seu olhar em mim por todo o tempo.
— Céus, não vou aguentar esse clima romântico sem o meu namorado. Com licença, estou subindo as escadas para pegar minha mala e voltar para Ribeirão Preto — Amanda disse, saindo de perto de nós.
— Ei, Am! — chamei, indo atrás dela (carregando Sam comigo). — Vou também! Afinal, se eu ficar para trás, o povo vai achar que estou tão deprimida por causa de Juliano que não tive coragem de dar as caras por lá.
Ela riu.
— Acho que vão ficar surpresos ao ver vocês dois juntos novamente — comentou.
— Acho que vão me julgar por já estar com Sam tão rápido. — Torci a boca.
— Nem vão... Juliano estava com Natale dez minutos depois de terminar com você e não foi julgado. — Amanda deu de ombros, colocando a mala ao lado da minha.
— É verdade — concordei.
— Foi falta de respeito com a Becca... — Sam disse, parecendo nada satisfeito.
— Ninguém merece essa superproteção, hein? — Am provocou.
Sam só revirou os olhos e pegou as malas de nós duas para levar para o carro, o que deixou minha melhor amiga totalmente surpresa.
— Para falar a verdade, esse cuidado que você tem por Becca é muito fofo — ela corrigiu, quando o alcançamos na escada.
— Muito melhor. — Sam riu, descendo na nossa frente.
O carro de Am ia levar as duas malas e Goiabinha, enquanto eu ia no Palio do meu... namorado? Céus, que complicação!
— Lá vamos nós, voltar para casa! — Amanda entrou em seu Veloster. — Sabe, Sam... Nunca se esqueça de que você é um garoto muito bom que merece Rebecca com certeza. Só continue fazendo por merecer.
Ele sorriu para ela, emocionado, apertando a minha mão. Sorri também.
— Bem, no caminho vou ligar para Felipe e falar para ele aparecer na república. Vamos todos sair para algum lugar hoje. — Am riu, virando a chave na ignição. — Por isso, vocês dois tem que deixar para comemorar outra hora, ok? Nada de parar em algum motel no caminho.
Dito isso, ela saiu com o carro, nos deixando comendo poeira (meio que literalmente).
Só aí eu interpretei as palavras dela, que me fizeram corar terrivelmente.
— Amanda é absurda — falei, sem graça.
— Ela sabe te deixar envergonhada. — Ele riu de mim.
— Pois é, Sammy, essa é a desvantagem de se ter um melhor amigo que sabe tudo sobre você. — Dei de ombros.
— Adoro quando você me chama de Sammy — comentou.
Revirei os olhos, ficando ainda mais vermelha. É, aquele garoto também sabia me deixar envergonhada.
No carro, a caminho de Ribeirão, eu tinha matado um pouco a saudade do "Sam namorado", mas, melhor do que isso, foi matar a saudade do "Sam amigo". Foi tão bom poder pegar a estrada com ele como antes, conversar bem alto, cantar desafinadamente, ignorando as cutucadas que ele me dava na barriga só para irritar. Eu realmente estava precisando desse tempo com Samuel Wade.
— Você também sentiu falta desses momentos só nossos no carro e das nossas conversas? — perguntei, mexendo em seu cabelo, uma das características físicas dele que eu mais amava.
— Não só disso, senti falta de tudo, né? Principalmente dos seus carinhos — disse, dando uma indireta para eu continuar com o cafuné.
Revirei os olhos.
— Senti falta de você — murmurei, fazendo um beicinho.
— Ah, Becca... Me desculpe, de novo, por ter causado tudo isso — pediu, franzindo o cenho para a estrada à frente.
— Tudo bem, de verdade. O que importa é que a gente está junto de novo, certo?
Ele sorriu em resposta.
— Hmm, sabe, agora que estamos nos falando de boa, estou curioso sobre uma coisa. — Ele continuou olhando fixo para o trânsito, sem demonstrar nenhuma emoção, e eu me perguntei o que seria, já que isso não era nem de longe um bom sinal.
— Pode perguntar — falei, quando notei que ele não ia continuar sem um empurrãozinho.
— Você gostava mesmo de Juliano?
Mordi o lábio, pensando nas palavras que eu poderia usar para explicar a situação.
— Ah, pode-se dizer que sim, Sammy... No começo, era só para te esquecer. Aproveitei que eu sempre tive uma atração por ele, como distração. Contudo, depois que ele me traiu e eu o perdoei, nosso relacionamento mudou. Acredito que, sinceramente, eu estava começando a gostar dele, porque era muito bom namorá-lo... Era confortável. — Dei de ombros.
— Hmm... — Sam pareceu nem ouvir o que eu tinha dito direito, mas eu sabia que era só impressão. — Se por acaso a gente voltasse para a república e ele te quisesse de volta... Você voltaria para ele?
Virei-me completamente de frente para ele. Sam me olhou de canto do olho, o que não foi suficiente para mim. Fiquei encarando-o até ele se virar com o rosto inteiro para o meu lado.
— Sammy, você está com ciuminho! — exclamei, rindo de verdade. Eu não me lembrava de nenhuma outra situação que ele tivesse sentido ciúmes de mim. — Não, bobinho, eu não voltaria para Juliano, porque eu amo você. Estar com você é muito mais do que estar confortável, é estar feliz.
De primeiro, ele não teve nenhuma reação, mas acabou soltando uma risadinha de alívio.
— Não me faça parar esse carro para te dar um beijo, Rebecca Morgan.
— Então não me faça nenhuma pergunta tola, Samuel Wade.
Ele me olhou mais uma vez e juro que pensei que ele fosse parar no acostamento, mas acabou que ele conseguiu me dar um selinho com o carro em movimento mesmo.
Como o esperado, Amanda chegou primeiro que nós, já que aquele carro dela praticamente alcançava voo. Até mesmo Felipe estava lá.
— Oi, dois — ele cumprimentou, super simpático. Eu o analisei por um segundo. Caraca, minha amiga tinha um namorado realmente gato.
— Oi, Fê! — Sorri.
— E aí, Felipe? — Sam disse.
— Eu disse para vocês não pararem no caminho. — Am me olhou desconfiada quando saí do carro.
Revirei os olhos para ela.
— Não paramos no caminho. Você que transgrediu várias leis de trânsitos para chegar aqui em um instante.
— Eu com certeza concordo com Becca. — Sam me abraçou, sorrindo maliciosamente para mim.
— Aposto que sim. Que seja. Vamos lá para a sala porque está todo mundo combinando para onde vamos. — Minha melhor amiga foi me guinchando, como sempre.
Não me surpreendi quando vi que todo mundo mesmo estava lá. Eu já estava acostumada. Só que ninguém ali estava acostumada a me ver com Sam, principalmente juntos. Não depois de sete meses.
— Oi, pessoal! — falei, atraindo o olhar geral.
O primeiro a se recuperar ali foi João, que estava esperando algo do tipo. Afinal, foi ele que andou fofocando sobre minha vida para Sam, querendo que déssemos certo algum dia.
— Ei, Rê! Bem na hora. Vão ter que sentarem aí encostados à parede, sabe como é, a república está cheia hoje — ele disse.
— Tudo bem. — Sam deu de ombros, me sentando ao seu lado e me abraçando.
E todos ficaram em silêncio, de novo, me encarando, de novo.
Tá, eu sabia que ia ser um choque. Eu só não sabia que seria um choque e tanto.
Juliano e Natale nos olhavam com curiosidade, ao contrário dos demais, como se pudessem afirmar que finalmente tudo estava dando certo para todos. Maria Elisa, sentada ao lado de Pedro, olhava provavelmente pensando que era um desperdício estarmos comprometidos de novo. Rafael e Teresa sorriam — ela, com uma barriguinha de grávida muito fofa. Clara tentava não me encarar muito acusatória. João só ficava com aquela cara de "Sou o melhor" por conseguir nos juntar. Felipe e Amanda esperavam alguém falar alguma coisa, algo que não acontecia, porque eu chegar com Sam se tornou, de repente, um acontecimento muito impactante.
Am pigarreou.
— Vocês são tão indiscretos... — ela reclamou. — Sério. Não tem mais o que olhar. Becca e Sam voltaram, é só isso.
— Depois de uns seis meses e um namoro intercalado — Pedro comentou, dando de ombros. — É a pura verdade.
— Foram sete meses, mas o fato é que voltaram. Ponto final. Vamos voltar ao assunto — João pediu.
— É, que seja — falei, ficando sem graça com aquela atenção toda.
— Temos que sair para farrear bastante essa noite, porque amanhã Rafael e Tetê vão se mudar. — Am fez um beicinho.
Franzi o cenho.
— Como assim, mudar? Vocês moram aqui desde... sempre! — Pareci indignada, mas era como eu me sentia, mesmo.
— Ah, nós sabemos. O fato é que temos que ir arrumando uma casa para quando o bebê chegar, sabe? Um quarto para ele, essas coisas. — Teresa sorriu, acanhada.
— Hmm, entendi. Nossa, vai ser estranho sem vocês!
Os dois riram enquanto várias vozes concordavam.
— Vamos visitar vocês frequentemente. Até parece que conseguiremos ficar sozinhos em uma casa vazia depois de morar anos aqui. — Rafael deu de ombros.
— Bom mesmo. Então veremos... Sair para jantar ou curtir? — Amanda perguntou, prática do jeito que era.
— Os dois. — Torci a boca. — Ia ser legal.
— Pode ser... Primeiro, um rodízio de pizza, depois, MBT! — Com uma risada, minha melhor amiga fechou a conversa e cada um foi para seu respectivo quarto se arrumar.
Felipe havia chegado pronto, ao contrário de Sam, que teria que ir embora tomar um banho e trocar de roupa. No final, os dois foram juntos para a república de Sammy, o que achei legal, porque não tem coisa mais legal do que seu namorado ser amigo do namorado da sua melhor amiga.
— Como se sente agora? — Amanda me perguntou, sorrindo como se já soubesse a resposta. Talvez ela soubesse mesmo; dava para ver que eu estava radiante.
— Explodindo de felicidade. — Revirei os olhos. — Nada muito anormal.
— Não mesmo. — Ela riu, se enfiando no armário em busca de uma roupa. — Vai tomar banho primeiro... Ainda tenho que pensar no que vestir.
— Ok.
Tomei aquela ducha bem deliciosa, na temperatura certa, sem pensar em nada, o que me relaxava mil vezes mais. Dava para decidir uma roupa depois.
— Quase que você sai e eu ainda não arrumei o que vestir. — Amanda mordeu os lábios, entrando no banheiro em seguida.
Como íamos jantar e, só depois, sair para a noite, fiquei em dúvida. Se eu pegasse algo simples demais, não ia ficar legal para depois, por outro lado, eu não poderia ir toda glamurosa comer em uma pizzaria.
Após uns dez minutos, decidi colocar uma saia justa preta com uma regata rosa escuro sem desenhos. Com os acessórios certos, ficaria um meio termo, exatamente o efeito que eu desejava.
Quando terminei de me vestir, Am saiu do banheiro, já de lingerie. Ela levantou uma sobrancelha bem delineada, me encarando.
— Andou tendo aulas sobre como se vestir ao meu gosto em segredo? — perguntou, brincando. — Sério. Você está uma gata.
— Obrigada, bobinha. Fazer o que, não dá para andar desleixada ao lado de um gato que nem o Sam. — Dei de ombros.
— Eu concordo plenamente, mas, no meu caso, com um gato que nem o Felipe. — Ela estava levantando as duas sobrancelhas em uma "dancinha" quando bateram na porta.
— Entra — falei.
E aquela loira linda (e agradável, por incrível que pareça) apareceu na porta, nos surpreendendo totalmente.
— Natale? — questionou, Am.
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