eu escutei o grito que seu peito deu essa manhã
como se estivesse cansado de mim
mas fingi estar entretida na sua conversa aos sussurros
e palavras assassinadas
e engoli com dificuldade o café que passou para mim.

ele estava mais frio que o normal
e eu me questionei se seria uma metáfora
para o nosso relacionamento
ou se eu estava simplesmente louca em pensar assim.

você se sentou na beirada da cama
e acariciou a ponta dos meus dedos
tinha tempo que não fazia isso
e eu me perguntei se aquilo era uma despedida.

se fosse,
precisaria de mais do que aquele café.

apoiei a xícara no chão,
enquanto você me contava sobre uma noite mal dormida
disse que teve um pesadelo
mas não me disse sobre o que era
e eu me perguntei se eu estava nele.

retirei a coberta,
e você me acompanhou no banho
eu fechei a água
você fechou o sorriso
e eu me perguntei
até que ponto estávamos verdadeiramente molhados pelos respingos
e não escorridos por aquele ralo.

você vestiu a camiseta que eu te dei de presente
e depois fechou meu zíper
e eu me perguntei se o seu coração tinha feito o mesmo barulho
quando você me lacrou para fora dele.

saímos para trabalhar
e você dirigiu meu carro
pisava forte no acelerador
e eu quase podia ver em seu rosto
que se pudesse, aceleraria para longe de mim.

eu percebi as lágrimas na ponta de suas palavras
quando se despediu de mim e seguiu sua rotina
e eu fiquei me perguntando
se eu fazia parte dela.

sentei na minha cadeira
e me senti desconfortável com seu encosto e com a minha vida
batuquei na bancada e na minha consciência
me indagando se estava ficando louca
ou se você não gostava mais de mim.

perto do fim da tarde chequei meu celular
você não havia mandado nenhuma mensagem
eu entrei sozinha no meu carro
e segui.
quase podendo sentir o encalhar de seus sentimentos
frear minhas curvas aceleradas.

a noite estava bonita
havia um par de estrelas no céu
e um véu de poluição encobrindo minhas indagações
se eu fumasse, culparia o bafo de cigarro
mas eu escovava bem minhas atitudes
e conferi mais uma vez se você tinha ligado para mim.

nada.
nenhuma mensagem.

e eu pressenti, mesmo ao longe, que na sua cabeça rodava dúvidas demais
para que me explicasse algo coerente
e ao embicar na minha rua me questionei:
será que você viria para casa essa noite?

Bia R.D. Ramos
2020.