The Ripper

"-Você realmente não entende, não é? - disse. - Eu não quero tudo o que eu quiser. Ninguém quer. Não realmente. Que graça teria ter tudo o que se deseja? Em um piscar de olhos e sem o menor sentido? E daí?"

Neil Gaiman

Onze de novembro de 1888, domingo,(...?) Inglaterra.

- Intimado? – Recuo, Marcel me estende uma carta em frente aos olhos.

- Graças ao seu amiguinho vidente e seu impulso de entrar em confusões o investigador Abberline* quer vê-lo. – Marcel trinca os dentes e depois sorri. – Não coloque a Nonsense em risco nem nos exponha Conde de meia tigela.

- Não sou de "meia tigela". – Puxo a carta de sua mão e a leio. – Perturbação... Suspeito por ter anunciado o crime horas antes de acontecer... – Sorrio. – Estão desconfiando de uma criança?

- Se fosse uma criança normal eu acharia loucura. – Marcel cruza os braços e ri. – Mas é você Cain Maurêveilles. – Ele provoca afinando a voz. – Demônio.

- Jaguadarte. – Corrijo-o. – Gatinho de Cheshire.

Aceno e sorrio, Marcel revira os olhos e desaparece pelo corredor. Intimado...? Encaro a carta em minhas mãos, uhn... Acho que isso pode nos ajudar um pouco.

XXX

Bato uma vez na porta a minha frente e a abro. Scorpio levanta as sobrancelhas.

- Não pode reclamar que não bati dessa vez. – Sorrio. – Veja isso aqui.

Scorpio puxa a carta de minha mão e a lê franzindo o cenho.

- Intimação? Há dois meses você era um garoto comportado e sem a ficha suja, Cain. – Scorpio ri.

- Idiota. – Pego a carta de suas mãos. – Não entendeu? Temos permissão para sair, poderemos ir falar com a Helena!

- Quer dizer que quer voltar a ver a velha Tartaruga Falsa? – Scorpio pega uma de suas seringas e a balança. – E ir a Yard... Isso vai ser bem difícil, teremos que ser bem rápidos, a Yard não fica exatamente ao lado da casa da Helena, sabe?

- Temos uma casa mágica. – Rebato. – Podemos usá-la.

- Temos um Marcel. – Scorpio diz secamente. – Tente enganá-lo.

- Isso é um desafio? – Sorrio, Scorpio me segura pelos ombros.

- Não. Não é. Não faça loucuras, ou mais loucuras. – Ele se afasta e suspira. – Provavelmente teremos que levar Jaken e Lilith.

- Lilith deve estar conosco. Jaken... Poderíamos descartá-lo.

- Não duvido que ele tenha problemas com a polícia, afinal é o Jaken. – Scorpio ri. – Eu conversarei com ele, não se preocupe.

- Obrigado. – Tento um dar sorriso sincero. – Você se mostrou bem útil, Scorpio.

- "Útil". – Ele repete ofendido. – Eu esperava um "mais confiável", ou "um bom amigo", não útil.

Reviro os olhos, Scorpio é realmente como Christopher, uma versão mais velha daquele idiota. Assusto-me quando ele segura minha mão, encaro-o.

- E você se mostrou um bom menino, Cain. – Ele sorri.

- "Bom menino", tal qual um cachorro? – Cruzo os braços. – Não fale comigo dessa forma, não admito.

- Tudo bem, conde Maurêveilles, o senhor se tornou um grande homem. – Scorpio estende sua mão. – E não estou pedindo um aperto de mão. – Ele balança a seringa na outra mão. – Seus remédios.

- Sedativos...? – Sussurro.

- Vitaminas. – Scorpio sorri. – Não vou te encher de sedativos, a não ser que ataque alguém novamente.

- Você sabe que não fui eu... – Enrolo a manga do terno. – Você sabe que... – Estalo a língua e estendo meu braço. – Ele desrespeitou as regras.

- Sabe meu caro conde. – Scorpio espeta meu braço. – Os seres do Outro Lado levam seus acordos muito a sério, ainda mais se estiverem dentro de jogos. Pense nisso.

- Jogos...? – Encaro-o, Scorpio sorri e dá uma batidinha em minha cabeça. – Pro inferno.

- Nos vemos mais tarde.

XXX

Balanço as pernas e seguro a carta na mão, como Scorpio disse, Jaken tem problemas com a polícia, por isso prefere não ir conosco para a Yard, Scorpio conseguiu permissão para nos levar sozinho, não sei se isso é realmente bom, talvez Marcel queira mandar alguém conosco, duvido que ele mesmo vá, o que é um alívio, aperto a carta, não posso dormir no meio da tarde, não quando tenho que comparecer a polícia, se Jaguadarte me atacar posso ter que recorrer à morfina e ir para uma sede da Yard sedado não será nada bom... Sei que poderei fugir da polícia mundana, vivo em uma casa mágica, mas sujar o nome da nossa família iria atrair olhares e dúvidas sobre nosso paradeiro, por isso é melhor que tudo saia conforme o plano de nada dar errado.

Escuto passos e levanto o olhar, Lilith desce as escadas e suspira, ir para a cidade não a agrada, eu sei disso, para uma menina que passou a vida inteira trancafiada sair já é difícil, agora quando se está sendo perseguido tudo piora.

- Preciso mesmo ir? – Ela resmunga.

- Scorpio disse que sim, é bom ter um álibi.

- Vai mentir para a polícia?

- O que? Claro que não. – Ela ergue as sobrancelhas. – Mas você pode dizer como seu irmão é um garoto centrado e que não levanta suspeitas.

Lilith dá uma risada sarcástica e se senta ao meu lado, agora é só esperar por Scorpio. Uno as mãos em frente à boca e respiro fundo. O que eu posso perguntar a Helena? Sobre Alice? Sobre Carroll, ou sobre a própria Wonderland? Não teremos muito tempo, por isso é bom ir diretamente ao ponto, mas é difícil escolher o ponto em que quero tocar, alguém toca meus ombros, ergo o olhar e Scorpio sorri.

- Vamos? – Ele puxa Lilith pela mão.

- Assim como o grifo, você vive dizendo "vamos"... – Sussurro.

Scorpio sorri e caminha em direção a porta com Lilith, e assim como a rainha de Copas, ela nunca matou ninguém.

XXX

Assim que a porta se fecha atrás de nós estamos olhando para a escada pútrida da pensão de Helena, e diferente da outra vez, não é o dono que nos recepciona e sim Caleb.

Ergo as sobrancelhas, ele está usando roupas negras, roupas que em nada se parecem com as da nossa época, e posso jurar que já as vi em um sonho, calças apertadas, botas altas e um casaco grande, ele se curva e sobe as escadas sem nos esperar.

- Quando Helena disse que ia dar um jeito nele não pensei que faria isso. – Scorpio sussurra. – Parece que ele está vestido para uma guerra.

- Estamos em uma guerra. – Resmungo e subo as escadas.

A porta de Helena está aberta e Caleb me encara com suas íris brancas, ele não diz uma palavra e se afasta. A velha Helena está sentada em sua cadeira de balanço e dá baforadas em um pedaço de tabaco. Olho para trás, Lilith e Scorpio vem em nossa direção.

- Escute menino. – Viro-me para encarar a velha. – Não venha com perguntas hoje, eu é que vou lhe dizer algo. – Scorpio para no batente da porta. – Alguma coisa me diz que hoje vai ser um dia Daqueles.

- Um dia "Daqueles"? – Scorpio arregala os olhos. – Não. Isso foi ontem, Jack agiu ontem a noite e...

- Não digo sobre as prostitutas. – Ela suspira. – As asas negras vão se abrir novamente. – Recuo um passo e olho para meus ombros. – O reflexo vai sorrir pra ele. – Encaro a velha. – E isso não lhe trará sorte.

- Bell...? – Caleb ergue as sobrancelhas. – Meu reflexo? – Digo exasperado. – Abel está aqui?!

- Eu não sei se é seu reflexo, menino. É um reflexo.

- Abel não é seu reflexo, Cain. – Lilith apoia uma mão em meu braço, me fazendo encará-la. – Seu reflexo é o Jaguadarte...

Puxo meu braço e recuo um passo. Jaguadarte... Respiro ofegante, droga, estou perdendo a cabeça, Abel é meu irmão, de onde fui tirar essa de reflexo? Apoio-me contra uma parede e respiro fundo, tentando me acalmar.

- Não estamos saindo do lugar... – Murmuro. – Desde o dia do circo não saímos do lugar, coletar provas é inútil, e eu quero agir de verdade... – Arregalo os olhos. – Está na hora de agir de verdade e...

- Ei! – Scorpio me encara irritado. – Devagar com o que você fala idiota, está surtando. – Fecho a cara, ele se vira para Helena. – Por que hoje?

- Porque eles estão à solta. – Ela responde irritada.

Não sei se ela se refere a nós ou a eles, abaixo a cabeça, Abel não está com a Wonderland, não pode ser ele, não mais. Então quem... Arregalo os olhos.

- Yue. – Viro-me para Lilith, ela respira fundo. – É a Yue que vai fazer isso!

- Tirou as palavras da minha boca. – Sorrio. – Yue sabe demais, tanto da Nonsense quanto da Wonderland, e ela sabe que estamos na rua.

- Não sejam idiotas. – Scorpio diz irritado. – Ela não faria isso. Se alguém vai nos atacar precisamos de escolta, e bem... – Scorpio suspira pesadamente. – Apareça, você ouviu tudo.

A minha frente o ar se agita e lentamente Chess aparece em pé, as costas retas, ele parece tenso, por que eu não duvidei que ele estaria aqui? Ser invisível ajuda a se esconder.

- Creio eu... – Ele começa e caminha até Lilith. – Que o parasita que está rondando a casa tem a ver com isso.

- Parasita? – Repito.

- Vocês vieram aqui escondidos uma vez, claro, não devem ter percebido, eu sei que você, Cain, teria reconhecido, mas ele deve ter tomado o cuidado de não deixar você vê-lo.

- Ele quem? – Scorpio indaga.

- Um dos Tweedles. – Chess me encara. – O menino.

- Hamnet?! – Aperto os ombros e um tremor percorre meu corpo. – Ele não está aqui, está...? – Sussurro, tsc.

- Não agora. – Chess suspira. – Vocês não podem voltar para casa, ou a polícia de humanos vai julgá-lo culpado. E não queremos mais confusão envolvida... Eu vou até a Nonsense. – Chess vira seu rosto para Caleb. – Creio eu que a velha Tartaruga deixou um ótimo guarda-costas para as crianças Nonsense, não é mesmo?

- Não sou guarda-costas. – Caleb rosna. – Eu sou um guerreiro de Espadas e se solicitado defenderei... – Ele se cala e engole em seco, encarando Lilith depois a mim. – Minha Rainha e meu general.

- General? – Ergo as sobrancelhas. – Eu não sou o Jaguadarte, sou Cain e ela Lilith. – Caleb me encara irritado. – Você vai defender Cain e Lilith, nenhum Jaguadarte ou Rainha, é nosso aliado nessa luta.

- Pelo visto você ainda sente falta do seu Ás de Copas, Cain... – Chess encolhe os ombros. – Eu... – Seus olhos se fixam nos meus. – Eu sinto tanto por não tê-lo salvo...

Chess desaparece, arregalo os olhos e aperto meu terno entre os dedos, "sente tanto", cínico... Ninguém sente mais do que eu. Abaixo a cabeça e me viro de costas, caminhando sem olhar para nenhum presente na sala, não quero que ninguém veja minhas lágrimas. 

XXX

Frederick George Abberline (8/1/1843 - 10/12/1929)  foi chamado para comandar as investigações no caso "Estripador", por já ter experiência em trabalhar em Whitechapel. No entanto o caso nunca foi resolvido, tomando o imaginário dos londrinos e imortalizando tanto Jack como Abberline.

Okay, isso foi o resumo do resumo :v mas não acho tão relevante assim colocar toda a carreira policial do Abberline, quando ele apareceu na história eu quase esqueci de avisar que ele era uma pessoa real, por isso agora eu deixo o resuminho aqui, isso porque eu quero dar uma cara a From Hell que The Ripper não teve, trazer esse lado mais real mesclado com o imaginário, mas enfim, o título também não tem muito a ver com o capítulo, mas tá aqui :v 

Gente, sei que eu não tô falando muito nos finais dos capítulos, mas eu fico muito feliz em ver que ainda tem gente (muito amorzinho por sinal) acompanhando essa saga doida ;w; e obrigada por cada comentário e voto que estão me motivando a escrever essa coisinha, obrigada mesmo =3= 

E bem, é isso, fui s2 

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